Eletromagnetismo I
Cap. 4: Campos elétricos em meios materiais 4.1: Polarização
Prof. Marcos Menezes
Instituto de Física - UFRJ
4.1 – Polarização
4.1.1 – Introdução
• Ao longo dos capítulos anteriores, discutimos como condutores respondem a campos eletrostáticos e entram em equilíbrio (blindagem eletrostática).
• Neste capítulo, vamos discutir em mais detalhes o comportamento de meios dielétricos (isolantes)
• Nos isolantes, os elétrons são fortemente ligados aos núcleos ou em ligações químicas. Portanto, esses elétrons devem apresentar uma resposta diferente a campos externos.
• Vamos começar estudando a resposta de átomos e moléculas apolares e polares a esses campos para depois entender o comportamento de um meio dielétrico.
4.1.2 – Dipolos induzidos em átomos e moléculas apolares
O que acontece quando um átomo neutro é submetido a um campo elétrico externo 𝐄?
• O núcleo positivo se desloca no sentido do campo, enquanto a nuvem eletrônica se move em sentido contrário (e se deforma ligeiramente).
• Na nova configuração de equilíbrio, a força produzida pelo campo compensa a atração entre o núcleo e a nuvem, resultando em um momento de dipolo 𝐩 no mesmo sentido de 𝐄.
𝐄 = 𝟎
Para campos suficientemente fracos, observamos tipicamente que:
onde a constante 𝛼 é conhecida como polarizabilidade atômica.
𝐩 = 𝛼𝐄
• Note que 𝛼 tem unidades de 𝜖0 × 𝑣𝑜𝑙𝑢𝑚𝑒.
• Por que a polarizabilidade dos metais alcalinos (Li, Na, K, Cs) é bem maior que a dos demais átomos na tabela?
• Como estimar a ordem de grandeza da polarizabilidade?
Exemplo: Modelo simplificado para a polarizabilidade de um átomo
• Vamos modelar o núcleo como uma carga puntiforme 𝑞 e a nuvem eletrônica como uma esfera uniformemente carregada de raio 𝑎 e carga −𝑞.
• Vamos supor ainda que o deslocamento 𝑑 produzido pelo campo é pequeno, de forma que a nuvem eletrônica se desloca rigidamente, sem deformação.
Pela lei de Gauss, o campo produzido pela nuvem a uma distância 𝑑 de seu centro (posição do núcleo) tem módulo igual a:
𝐸𝑒 = 1 4𝜋𝜀0
𝑄𝑖𝑛𝑡𝑆
𝑑2 = 1 4𝜋𝜀0
𝑞 𝑑 𝑎
3
𝑑2 = 1 4𝜋𝜀0
𝑞𝑑 𝑎3
No equilíbrio, teremos:
𝐸 = 𝐸𝑒 = 𝑞𝑑 4𝜋𝜀0𝑎3
𝑝 = 𝑞𝑑 = 4𝜋𝜀0𝑎3 𝐸
• Note que 𝛼
4𝜋𝜀0 = 𝑎3 é da ordem de grandeza do volume atômico (∼ 10−30m)!
• Veja também o problema 4.2 do livro-texto para um modelo um pouco mais sofisticado.
𝛼 = 4𝜋𝜀0𝑎3
⇒
𝐹𝑒𝑥𝑡 = 𝐹𝑒
Portanto:
A intensidade do campo é dada por:
Por outro lado:
𝑝 = 𝑞𝑑 = 𝛼𝐸 ⇒ 𝑑 = 𝛼𝐸 𝑞
Substituindo o valor de 𝛼 da tabela e 𝑞 = 𝑒 = 1.6 × 10−19 C, obtemos:
𝑑 ≈ 2,3 × 10−16m ⇒ 𝑑/𝑎0 ≈ 4,6 × 10−6
onde 𝑎0 ≈ 0.5 Å = 0.5 × 10−10m é o raio de Bohr.
𝐸 = 𝑉
𝐿 = 500 V
10−3m = 5 × 105 V/m
Polarizabilidade em moléculas
Em moléculas, a nuvem eletrônica deixa de ter simetria esférica e assume formatos mais complicados. Com isso, algumas direções são mais fáceis de polarizar que outras.
Exemplo: CO2 (gás carbônico)
𝛼∥ > 𝛼⊥
De forma geral:
𝑝𝑖 =
𝑗
𝛼𝑖𝑗𝐸𝑗 (𝑖, 𝑗 = 𝑥, 𝑦, 𝑧)
As nove constantes 𝛼𝑖𝑗 definem o tensor polarizabilidade da molécula.
Note que 𝐩 pode ter uma direção diferente de 𝐄!
4.1.3 – Moléculas polares (dipolos permanentes)
A molécula de gás carbônico que acabamos de discutir é apolar por causa de sua geometria linear. O mesmo não ocorre com outras moléculas, que apresentam um momento de dipolo permanente.
Exemplo: CO2 vs H2O (água)
Para a água, 𝑝𝑡𝑜𝑡 = 1.85 D ≈ 6,1 × 10−30 C. m (1 D = 3,33 × 10−30 C.m)
Dipolo permanente em um campo externo
Vamos modelar uma molécula polar como um dipolo físico, como mostrado na figura abaixo.
Se o campo elétrico externo 𝐄 for uniforme, a força resultante sobre o dipolo é nula:
𝐅 = 𝐅+ + 𝐅− = 𝑞𝐄 + −𝑞 𝐄 = 𝟎
Por outro lado, o dipolo sentirá a ação de um torque (com relação à carga negativa, onde 𝐫_ = 𝟎):
𝐍 = 𝐫+ × 𝐅+ = 𝐝 × 𝑞𝐄 = 𝑞𝐝 × 𝐄 ⇒ 𝐍 = 𝐩 × 𝐄
Como a força resultante é nula, este torque será o mesmo para qualquer ponto de referência!
Note que o torque atua sempre no sentido de alinhar 𝐩 e 𝐄 (posição de equilíbrio estável)!
Se o campo elétrico externo 𝐄 for não-uniforme, haverá uma força resultante sobre o dipolo:
𝐅 = 𝐅+ + 𝐅− = 𝑞(𝐄+ − 𝐄−) = 𝑞Δ𝐄
Se o campo variar lentamente na escala de 𝑑, podemos tratar sua variação como infinitesimal. Assim:
Δ𝐸𝑖 = 𝛁𝐸𝑖 ⋅ 𝐝 = (𝐝 ⋅ 𝛁)𝐸𝑖 (𝑖 = 𝑥, 𝑦, 𝑧)
𝐅 = 𝐩 ⋅ 𝛁 𝐄
Portanto:
OBS: Lembre que 𝐩 ⋅ 𝛁 ≡ 𝑝𝑥 𝜕
𝜕𝑥 + 𝑝𝑦 𝜕
𝜕𝑦 + 𝑝𝑧 𝜕
𝜕𝑧 é um operador que atua em cada uma das componentes de 𝐄
Observações:
• Naturalmente, as expressões obtidas continuam válidas no limite de um dipolo puntiforme.
• Se a força resultante for não-nula, o torque passa a depender do ponto de referência. A expressão 𝐍 = 𝐩 × 𝐄 permanece válida com relação ao centro de massa do dipolo.
• De forma geral:
𝐍 = 𝐩 × 𝐄 + 𝐫𝐶𝑀 × 𝐅
onde 𝐫𝐶𝑀 é o vetor posição do centro de massa com relação ao ponto de referência.
O campo elétrico produzido por 𝑞 em um ponto arbitrário no plano XY (plano de 𝐩) é:
𝐄 = 1 4𝜋𝜀0
𝑞
𝑟2 ො𝐫 = 1 4𝜋𝜀0
𝑞 𝑟3 𝐫
= 1 4𝜋𝜀0
𝑞
𝑥2 + 𝑦2 32
(𝑥 ො𝐱 + 𝑦 ො𝐲)
Vamos calcular cada componente não-nula da força:
𝐹𝑥 = 𝐩 ⋅ 𝛁 𝐸𝑥 = 𝑝𝑥 𝜕
𝜕𝑥 + 𝑝𝑦 𝜕
𝜕𝑦
𝑞 4𝜋𝜀0
𝑥
𝑥2 + 𝑦2 32
= 𝑞
4𝜋𝜀0 𝑝𝑥 𝑥2 + 𝑦2 32 − 𝑥 3 2 𝑥Τ 2 + 𝑦2 12 2𝑥
𝑥2 + 𝑦2 3 + 𝑝𝑦 𝑥 − Τ3 2 2𝑦 𝑥2 + 𝑦2 52
Simplificando:
𝐹𝑥 = 𝑞
4𝜋𝜀0 𝑝𝑥 𝑥2 + 𝑦2 − 3𝑥2 𝑥2 + 𝑦2 52
− 𝑝𝑦 3𝑥𝑦 𝑥2 + 𝑦2 52
= 𝑞 4𝜋𝜀0
𝑝𝑥 𝑦2 − 2𝑥2 − 𝑝𝑦(3𝑥𝑦) 𝑥2 + 𝑦2 52
Analogamente (verifique):
𝐹𝑦 = 𝐩 ⋅ 𝛁 𝐸𝑦 = 𝑞 4𝜋𝜀0
𝑝𝑦 𝑥2 − 2𝑦2 − 𝑝𝑥(3𝑥𝑦) 𝑥2 + 𝑦2 52
Agora que calculamos as derivadas num ponto genérico, podemos substituir a posição do dipolo em 𝑥 = 𝑟 e 𝑦 = 0.
Com isso:
𝐹𝑥 = 𝑞
4𝜋𝜀0 −2𝑝𝑥 𝑟3
Portanto:
𝐹𝑦 = 𝑞 4𝜋𝜀0
𝑝𝑦 𝑟3
𝐅 = 𝑞
4𝜋𝜀0𝑟3 −2𝑝𝑥ො𝐱 + 𝑝𝑦𝐲 =ො 𝑞
4𝜋𝜀0𝑟3 (𝐩 − 3𝑝𝑥ො𝐱)
Pela figura, note agora que 𝑝𝑥ො𝐱 = 𝐩 ⋅ ො𝐫′ ො𝐫′. Assim:
𝐅 = 𝑞
4𝜋𝜀0𝑟3 𝐩 − 3 𝐩 ⋅ ො𝐫′ ො𝐫′
4.1.4 – Polarização
Podemos pensar em alguns meios dielétricos como uma coleção dos átomos e moléculas que acabamos de descrever:
(1) Coleção de átomos neutros ou moléculas apolares (exemplo: cristais de gases nobres):
(2) Coleção de moléculas polares (exemplo: água no estado líquido):
• No entanto, essas descrições são válidas apenas quando as interações interatômicas ou intermoleculares são fracas, tipicamente interações de van-der-Waals.
• Em outros meios, interações mais fortes podem levar a configurações eletrônicas completamente diferentes de uma simples coleção de átomos neutros:
NaCl (sal de cozinha): cristal iônico
Silício: cristal covalente
Naturalmente, a resposta desses meios a um campo elétrico externo deve ser mais complicada, mas ainda esperamos observar uma polarização!
De maneira geral, independentemente das características microscópicas de um meio dielétrico, podemos adotar a seguinte descrição macroscópica:
• As dimensões do meio são muito maiores que as distâncias interatômicas, de forma que podemos tratá-lo como uma distribuição contínua.
• Um elemento de volume infinitesimal 𝑑𝑣 deste meio conterá uma quantidade enorme de átomos ou moléculas.
• Este elemento possuirá um momento de dipolo infinitesimal dado por:
𝑑𝐩 = 𝐏 𝐫 𝑑𝑣
A função vetorial 𝐏(𝐫) é conhecida como polarização. Note que ela tem dimensão de momento de dipolo por unidade de volume e pode ter um valor diferente para cada ponto do meio.
OBS: Mais fundamentalmente, é possível definir uma polarização microscópica a partir da qual podemos obter a polarização macroscópica acima. Para mais detalhes (avançados), veja a seção 6.2 do Zangwill.
Meio dielétrico
Referências básicas
• Griffiths (3ª edição) – cap.4
• Purcell – cap. 10
Leitura adicional (mais avançada)
• Zangwill – seções 6.1 a 6.3 (introdução mais matemática e um pouco mais avançada da polarização macroscópica)