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Direitos fundamentais e o não-confisco tributário MESTRADO EM DIREITO

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Academic year: 2019

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(1)

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Georgenor de Sousa Franco Neto

Direitos fundamentais e o não-confisco tributário

MESTRADO EM DIREITO

São Paulo - SP

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Georgenor de Sousa Franco Neto

Direitos fundamentais e o não-confisco tributário

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação do Prof. Doutor Wagner Balera

São Paulo - SP

(3)

Banca Examinadora

___________________________________

___________________________________

(4)

Aos que eu amo,

(5)

“Tenho de saber agora

qual a verdadeira via

entre essas que se escancaradas

frente a mim se multiplicam.”

(6)

Agradeço...

...ao meu orientador, prof. Wagner Balera, por todos os ensinamentos, por toadas as correções, por todos os auxílios que tornaram este trabalho possível;

...aos meus professores da PUC-SP com os quais estudei, por me fazerem crescer como estudante e como pessoa;

...aos meus bons professores da Unama, pelos primeiros ensinamentos jurídicos;

...aos meus companheiros de escritório, por me ajudarem nos meus primeiros passos profissionais;

...aos meus amigos paulistas, que me receberam de braços abertos e me mostraram o lado doce de São Paulo;

...aos meus amigos paraense-paulistas, que juntos enfrentamos as luzes e sombras da metrópole;

...aos meus amigos paraenses, tanto os de faculdade quanto os de colégio, por me ajudarem a ser o que sou e por mostrarem que a tristeza tem fim;

...aos meus familiares, por todo o carinho e compreensão; por me darem instantes de pura felicidade; por nunca deixarem de puxar a minha orelha;

...à literatura, por ser, de uma só vez, refúgio e campo de combate, provavelmente, único lugar onde eu existo e sou sem amarras;

...à minha irmã, Nina, por todo o carinho e paciência nessa aventura chamada São Paulo;

...à Rita, por tantas coisas...

(7)

Lista de Abreviaturas

CF: Constituição Federal

CTN: Código Tributário Nacional

ICMS: Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços

IE: Imposto sobre a exportação

II: Imposto sobre a importação

IPI: Imposto sobre produtos industrializados;

IPTU: Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana

IPVA: Imposto sobre a propriedade de veículos automotores

IR: Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza

ISS: Imposto sobre serviços de qualquer natureza

ITBI: Imposto sobre transmissão de bens imóveis inter vivos

ITCMD: Imposto sobre transmissão causa mortis e doações

ITR: Imposto sobre a propriedade territorial rural

NHF: Norma Hipotética Fundamental

(8)

RESUMO

Nesta pesquisa, analisamos algumas das relações existentes entre o princípio da vedação aos tributos com efeito confiscatório e os direitos fundamentais. O pressuposto teórico é o construtivismo lógico-semântico, com influxo das teorias da concretização constitucional. Como premissa da distinção entre texto normativo (dispositivo) e norma (interpretação), usamos a lógica deôntica para compreender a estrutura das normas jurídicas. Desses pressupostos, seguimos para a análise dos direitos fundamentais, estabelecendo um conceito e algumas notas distintivas em relação aos direitos humanos. Cuidamos de fundamentá-los na teoria Discursiva, expondo a forma de aplicação deles por meio dos critérios da proporcionalidade. Com base nos antecedentes históricos, determinamos os direitos fundamentais relacionados com o não-confisco, quais sejam, os direitos de propriedade, as liberdades de profissão e de atividade empresarial e o mínimo vital. Seguimos expondo a relação entre as obrigações do Estado e o dever de pagar tributos. Após um panorama sobre o pensamento da doutrina, analisamos a incidência do princípio do não-confisco em cada espécie tributária e sua relação com o princípio da capacidade contributiva. Na parte final, expomos a relação entre os direitos fundamentais e o princípio da vedação ao confisco em cada uma das esferas de Poder (Legislativo, Executivo e Judiciário). Concluímos, assinalando que existem grandes variações na maneira como o confisco é analisado dependendo de qual esfera de Poder se trata. Constatamos também, que a violação ao referido princípio somente pode ser encontrada mediante referência aos direitos fundamentais, sempre como pressuposto o desrespeito ao direito de propriedade.

(9)

ABSTRACT

This research analyzes some relation among the principle of bar the tax with confiscation effect and the fundamental rights. The theoretic base is the semantic-logic constructivism, with influence from the constitutional concretion. With the distinction between normative text (provision) and norm (interpretation), using the deontic logic to comprehensive the rule of law’s structure. Next, analyze fundamental rights, fix a concept and some distinct’s notes related the human rights. We support it in Discursive Theory and expose the way to apply them through proportionality’s standard. With base in the history’s preceding, we determination the fundamental rights related non-confiscation with the property right, professional and commercial activity freedoms and vital minimum. We continuing exposing the relationship between State’s obligation and the pay to owe. After a panoramic of doctrine, we analyze the incidence of non-confiscation principle in each tax and its relation with tax capacity. In the end, expose the connection among fundamental rights and the principle of prohibit of the confiscation and in each sphere of power (Legislative, Executive and Judiciary). Concluding, we mark the existential of big variation in the way how the confiscation is analyze depends what is de branch talk about. We notice too, that the violation at that principle only could be encounter by means of reference at the fundamental rights, always thought the disrespect of the property right.

(10)

Sumário

Lista de Abreviaturas

Resumo

Abstract

Introdução...13

Capítulo 1 – Noções Preliminares...16

I. Aspectos Gerais Sobre o Conhecimento...16

I.1. A relação sujeito e objeto...16

I.2. O conhecimento científico e os pressupostos epistemológicos...30

I.2.1. O conhecimento científico...31

I.2.2. O pressuposto epistemológico: a Norma Hipotética Fundamental...35

II. O Objeto da Ciência do Direito: A norma jurídica...42

II.1. As espécies de normas jurídicas...45

II.2. Norma, texto, fato e valor...49

II.3. A estrutura lógica da norma jurídica...57

III. As Funções da Constituição...60

III.1. Funções extra-sistêmicas...62

III.2. Funções intra-Sistêmicas...63

Capítulo 2 – Os Direitos Fundamentais...68

(11)

II. Fundamentos dos Direitos Humanos e dos Direitos Fundamentais...73

III. Os Direitos Fundamentais como Princípios...77

IV. A Historicidade dos Direitos Humanos...102

V. Os Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira...110

V.1. O direito de propriedade...122

V.2. A liberdade de profissão...125

V.3. O mínimo vital...126

VI. As Funções dos Direitos Fundamentais no Sistema Jurídico Brasileiro...130

VI.1. Os direitos fundamentais e as normas de comportamento e de estrutura...130

VI.2. Funções dos direitos fundamentais: visões extra e intra-sistêmica...133

Capítulo 3 – O Não-Confisco...136

I. Dos Deveres: Tributação e Finalidade do Estado. ...136

II. O Tributo e Suas Tipologias...140

III. Visão da Doutrina Acerca do Não-Confisco...145

IV. Norma de Competência...155

V. O não-confisco e as espécies tributárias...164

V.1. Impostos...164

V.1.1. Impostos sobre o patrimônio...164

V.1.2. Impostos sobre a renda...166

V.1.3. Impostos que gravam o consumo...167

V.2. Taxas...169

(12)

V.4. Empréstimos compulsórios...171

V.5. Contribuições em gerais...172

V.6. Multas...173

VI. O Não-Confisco e O Princípio da Capacidade Contributiva...175

VII. A Aplicação do Não-Confisco e dos Direitos Fundamentais na Produção e Controle de Tributos...179

VII.1. A observância do não-confisco e dos direitos fundamentais na criação de tributos: esfera legislativa...180

VII.2. A observância do não-confisco e dos direitos fundamentais na criação e aplicação da lei tributária: esfera executiva...190

VII.3. A observância do não-confisco e dos direitos fundamentais no controle dos tributos: esfera judiciária...193

VIII. O Princípio do Não-Confisco, Um “Verniz”?...200

Conclusão...203

Bibliografia...219

(13)

Introdução

Como são imprevisíveis os caminhos da ciência. O pesquisador pode começar suas investigações achando que trilhará um caminho reto, de chão liso e céu ensolarado. Porém, as múltiplas possibilidades de conhecer o objeto surpreendem quem se aventura por essa trilha, como se fossemos atacados por uma tocaia de possibilidades. Isso já explica a epígrafe retirada de João Cabral de Melo Neto.

No começo da nossa pesquisa, tínhamos a intenção de investigar as relações entre os direitos fundamentais e as imunidades tributárias. Em uma monografia elaborada para uma das disciplinas do mestrado, não encontramos nenhum aspecto interessante que coubesse em uma dissertação. O problema não estava no objeto, mas no pesquisador por faltar capacidade de encilhar uma dimensão das imunidades que fosse minimamente interessante para uma análise.

Continuamos abraçados aos direitos fundamentais. Bastava encontrar a temática tributária. Nas leituras, percebemos a proibição ao confisco como temática pouco explorada pela doutrina, e vinculada com direitos essenciais para proteção do contribuinte. Queríamos fazer altos voos, dominar os céus e as terras e encontrar uma maneira de dar precisão para o princípio.

Mas, quem sonha um dia se tornar cientista deve ser também bom piloto, e saber a hora de reduzir a altitude, e que o pouso um dia chegará. Com o auxílio inestimável da banca de qualificação e sob a auspiciosa orientação do Prof. Wagner Balera, aparamos as arestas. E esperamos não termos sido pedantes em nossas conclusões.

(14)

Começamos este trabalho estabelecendo essas premissas. Vinculamo-nos ao Construtivismo Lógico-Semântico, pois o conhecimento científico não é muito mais do que um produto cultural historicamente determinado. Ainda no primeiro capítulo, descrevemos o objeto básico da ciência do direito, a norma jurídica. Mas não o fizemos por beletrismo. O leitor notará que as noções normativas expostas no começo ecoarão ao cabo, assim como a análise das funções de uma Constituição. Afinal, nem só de formas vive o mundo.

O segundo capítulo, teve como foco os direitos fundamentais. Começamos por defini-los e fundamentá-los. Parte relevante para a pesquisa foi expor a forma como ocorre a colisão entre direitos fundamentais, notadamente no controle de constitucionalidade. Um percurso histórico e a identificação dos direitos fundamentais que guardam vinculação com o não-confisco são, em nosso entender, a parte central desse capítulo. Que é encerrado com a exposição das funções dos direitos fundamentais, análise relevante para compreender a posição deles nas normas de competência.

No capítulo final, tratamos das questões relativas à proibição dos efeitos de confisco nos tributos, vinculando-os com os direitos fundamentais. Primeiro, mostramos a relação entre a obrigação de pagar tributos e os deveres do Estado para a promoção do bem de todos. Seguimos fornecendo uma definição do que são tributos e adotando uma classificação que pudesse ser útil para análise do nosso objeto de pesquisa. Cuidamos de colacionar o pensamento da doutrina acerca do princípio do não-confisco. Com o uso das regras lógicas estabelecidas no início do trabalho, pudemos desenvolver a estrutura da norma de competência tributária, para localizar e compreender um pouco mais a relação entre não-confisco e direitos fundamentais Também analisamos como o referido princípio tributário atua em cada tributo e sua relação com a capacidade contributiva.

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(16)

Capítulo 1 – Noções Preliminares

I. Aspectos Gerais Sobre o Conhecimento

I.1. A relação sujeito e objeto

Ao explicar que seja conhecimento, escreve Maria Helena Diniz: “Conhecer é trazer para o sujeito algo que se põe como objeto. (...). Apresenta-se, portanto, o conhecimento como uma transferência das propriedades do objeto para o sujeito pensante.”1 No entanto, a questão não é tão simples. Ela passa pela relação entre o

sujeito e o objeto. Estas são categorias relacionais: o sujeito só o é por estar diante de um objeto que deseja conhecer e este só se torna objeto porque é alvo de conhecimento pelo sujeito. Por exemplo, uma árvore só será um objeto de conhecimento se estudada por um biólogo; se vista por um grupo de turistas, será apenas uma árvore. Podem ocorrer alterações de pólos: sempre o sujeito será um ser humano, porém, ele pode servir de objeto, como na sociologia, onde se estuda o fato social, este composto pelos relacionamentos humanos em sociedade.2

A importância dessa relação para o entendimento do conhecimento é destacada por Johannes Hessen:

“No conhecimento defrontam-se consciência e objeto, sujeito e objeto. O conhecimento aparece como uma relação entre esses dois elementos. Nessa relação, sujeito e objeto permanecem eternamente separados. O dualismo do sujeito e do objeto pertence a essência do conhecimento.”3

      

1 DINIZ, Maria Helena. Compêndio 

de introdução à ciência do direito. 13ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 13. 

2 “No conhecimento encontramse frente a frente a consciência cognoscente e o objeto conhecido. A dualidade 

de sujeito e objeto é uma relação dupla, ou melhor, é uma correlação em que o sujeito é sujeito para o objeto  e o objeto é objeto para o sujeito, de modo que não se pode pensar um sem o outro.” In.: DINIZ, M. H. Idem, p.  14. 

3 HESSEN, Johannes. Teoria 

(17)

A despeito das análises que se podem empreender partindo-se desses dois elementos, busquemos duas correntes abrangentes: o paradigma ontológico e o paradigma da subjetividade.4

Os pensadores incluídos na corrente ontológica entendem que o mundo possui uma estrutura em si, a qual o homem seria capaz de apreender. O conhecimento residiria na capacidade de trazer as estruturas do mundo para a mente humana. Esta é resposta à questão: como o homem pode compreender algo alheio a si? Isso é viável porque no próprio objeto de conhecimento residiriam os elementos inteligíveis diante da mente humana. Ao sujeito restaria alcançar a essência do objeto. O conhecimento seria algo universal e verdadeiro. Segundo Urbano Zilles, encaixam-se, nessa corrente, pensadores como Platão, Aristóteles.5

O paradigma da subjetividade desafia o modelo anterior. O mundo deixa de ser entendido como possuidor de uma essência cognoscível. Sem o objeto para ancorar a verdade, a filosofia volta-se para o sujeito onde encontra na razão força para alcançar o saber: do confronto entre sujeito e objeto é a razão do primeiro que formatará os dados para se alcançar o conhecimento. Explica Urbano Zilles:

“(...). A filosofia não mais pode iniciar com a investigação dos objetos, mas antes deve indagar quais os elementos que constituem o conhecimento e quais os seus limites. A filosofia deve voltar-se para seu próprio interior e analisar os acessos da consciência ao mundo. Portanto, o problema deixa de ser o objeto do conhecimento, mas a possibilidade do sujeito de conhecer. A filosofia deve, primeiramente, tematizar o pensar do sujeito, as condições, as possibilidades e os limites do conhecimento. O pensar volta-se sobre si mesmo.” 6

Entre os pensadores classificados por Urbano Zilles nesta corrente, encontramos Descartes, Hume e Kant. Todos eles dão a palavra final à razão.

Esses dois paradigmas falam – na classificação de Hessen – em essência do conhecimento.

Ao observar o sujeito cognoscente, Hessen explica:

“Deparamos com outro problema quando consideramos mais de perto a estrutura do sujeito cognoscente. Essa estrutura é dualista. O homem é um ser espiritual e sensível. Distinguimos correspondentemente um conhecimento espiritual e um conhecimento sensível. A fonte do primeiro é a razão; a do segundo, a experiência. Pergunta-se, então, qual é a principal fonte em que a consciência cognoscente vai

      

4 Para uma visão geral dos paradigmas, vide: ZILLES, Urbano. Teoria 

do conhecimento e teoria da ciência. São  Paulo: Paulus, 2005. 

(18)

buscar seus conteúdos. A fonte e o fundamento do conhecimento humano é a razão ou a experiência? Essa é a questão sobre a origem do conhecimento.”7

Dentro de cada corrente, encontramos aqueles que privilegiam a mente e os que destacam o objeto como ponto irradiador do conhecimento. Hessen classifica a primeira postura de racionalismo e a segunda de empirismo. O racionalismo é “(...) o ponto de vista epistemológico que enxerga no pensamento, na razão, a principal fonte de conhecimento humano.”8 Como o conhecimento advém de um processo

racional, as suas conclusões, segundo essa corrente, seriam universais, pois as estruturas do raciocínio humano seriam iguais. Para o empirismo “(...) a única fonte de conhecimento humano é a experiência. Segundo o empirismo, a razão não possui nenhum patrimônio apriorístico. A consciência cognoscente não retira seus conteúdos da razão, mas exclusivamente da experiência.”9

Entre os racionalistas, temos Platão (paradigma ontológico) e Descartes (paradigma da subjetividade). Entre os empiristas, encontramos David Hume (subjetividade). Kant é classificado por Hessen como apriorista, para quem nosso conhecimento apresenta elementos que são a priori, ou seja, já pertencem ao homem antes da experiência.10

Sejam as correntes apresentadas por Hessen sejam os paradigmas apresentados por Zilles, todas elas têm um elemento em comum: a ligação direta entre o sujeito e o objeto. A linha a ser adotada nesta pesquisa entende tal relação sendo intermediada por um signo. Assentamos raízes nos paradigmas linguísticos, fenomenológicos e hermenêutico. Estamos falando do construtivismo lógico-semântico: é construtivismo por entender o homem como agente construtor do conhecimento; é lógico por recorrer a categorias da lógica; é semântico por dar destaque à linguagem. Esta não é instrumento de ligação entre sujeito e objeto, mas elemento de construção do conhecimento. Ela passa a ser protagonista. Vejamos mais atentamente essas questões.

A compreensão desta linha epistemológica passa por saber:

a) Que o homem constrói o conhecimento;

      

7 HESSEN, Johannes. Teoria 

do conhecimento. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 27. 

(19)

b) Que a cultura e os valores individuais influenciam diretamente no processo de conhecimento;

c) Que a linguagem passa a ter lugar de destaque, deixando de ser mero instrumento;

d) Que a relação entre sujeito e objeto é intermediada por signos.

Em uma postura construtivista, o conhecimento não é simplesmente adquirido pelo homem, mas construído por este. Isso significa que não há neutralidade: na construção do conhecimento o sujeito usa de sua cultura e de seus valores. Dentro da cultura está a linguagem.

A importância dada à linguagem assenta raízes no giro linguístico ou paradigma da crítica linguística. Conforme explica Zilles:

“O paradigma da crítica lingüística posiciona-se com ceticismo perante todo conhecimento filosófico. L. Wittgenstein (1889-1951) limita a tarefa da filosofia a clarear as idéias, analisando aquele meio pelo qual se expressam idéias e conhecimento, ou seja, a linguagem. Wittgenstein tem o objetivo de distinguir o que é claramente dizível do indizível e absurdo.

(...)

O paradigma wittgensteiniano propõe-se limitar aquilo que pode ser dito com clareza daquilo que é obscuro e indizível. Pensar é dizer, e o que é impossível dizer também é o impossível de ser pensado. Filosofia, para Wittgenstein, não é uma doutrina, mas uma atividade de crítica da linguagem.”11

Pensadores anteriores se detinham ou no objeto ou na mente do sujeito. Wittgenstein observa a estrutura da linguagem. Esta é o campo da filosofia. A razão é parte da psicologia. Ele procura como a linguagem pode representar o mundo. É como se ela fosse capaz de traduzir o mundo de forma compreensível. Não nos confrontamos com a realidade, mas com a linguagem que a representa.

Um cientista não fala sobre o objeto fenomenicamente, mas sobre dados construídos a partir da observação da realidade extralinguística: diante de algo nunca visto, busca-se linguagem, idiomática ou não. O pintor usará a linguagem pictórica para falar o que sente (um conhecimento artístico/estético); o cientista recorre ao idioma para explicar o mundo (conhecimento científico).

Sem nos precipitarmos a expor os elementos diferenciadores do conhecimento científico, é importante falar que este se dá apenas por linguagem idiomática rigorosamente controlada. Vejamos o exemplo: um físico trabalhando em       

11 ZILLES, U. Ob. 

(20)

um protótipo de um carro elétrico não estuda o carro, mas os dados obtidos da observação dele. Caso queira descobrir qual o desempenho do veículo, deve observar durante certo tempo quanto de eletricidade é usada. Ele terá dados (linguagem) isolados sobre o desempenho do automóvel. Por meio de cálculos, chegará a uma conclusão de que o referido veículo percorre X quilômetros com Y quantidade de energia.

Tal processo é uma indução. O pesquisador faz um salto: seleciona alguns dados para construir sua conclusão. O pesquisador constrói a realidade científica reduzindo as complexidades da realidade fenomênica.12

Além do sujeito cognoscente construir seu conhecimento, sua ligação com objeto é intermediada por um signo. Este é a “(...) unidade de um sistema que permite a comunicação inter-humana, signo é um ente que tem status lógico de relação.”13 O signo nos remete a outra coisa.

O melhor exemplo de signo é a linguagem idiomática: quando se lê a palavra cadeira, ela se refere a um objeto que serve para sentar; por outro lado, gera na mente de quem lê a imagem de uma cadeira. A ideia de cadeira que surgirá na mente de quem lê irá variar de acordo com a pessoa: um advogado pode lembrar da cadeira de seu escritório, enquanto um design pensará em uma cadeira, digamos, inusitada.

O signo não é algo determinado: tudo no mundo é um signo, basta que se estabeleça uma relação triádrica na qual o signo intermediará a comunicação entre o objeto e o sujeito.

O signo é qualquer coisa que ligue o objeto ao sujeito, normalmente trata-se

de um suporte físico, algo presente na realidade fenomênica, como um desenho ou uma palavra escrita ou falada. Ele vai se remeter a um objeto, que pode ser real ou

      

12 Vide SANTAELLA, Lúcia e VIEIRA, Jorge Albuquerque. 

Metaciência: como guia da pesquisa: uma proposta  semiótica e sistêmica. São Paulo: Mérito, 2008. Em especial as PP. 136‐7  

13 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito 

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imaginário, presente ou passado. Na mente do sujeito surgirá uma noção do objeto, ou um conjunto de ideias, chamado de interpretante.14

A função de signo pode ser exercida por qualquer coisa presente na realidade, seja uma pintura seja um pensamento.

Os signos podem ser divididos, segundo a relação estabelecida com o objeto,15 em:

¾ Ícones: são os signos que de fato são semelhantes aos objetos: o melhor exemplo é uma fotografia;

¾ Índices: são signos que mantém relação física com o objeto, são dissidências deste: como a fumaça indicando fogo ou as digitais na arma do crime (por isso é chamado de indício);

¾ Símbolos: são signos cujo significado foi convencionalmente acordado. O exemplo por excelência é a linguagem escrita: o desenvolvimento da cultura determinou que certa palavra representaria tal objeto.

Os signos têm duas funções no processo de conhecimento: intermediar a ligação entre sujeito e objeto e estabelecer a comunicação entre os sujeitos.

Os signos são produtos humanos, seja porque foram criados ou porque algo da natureza é encarado como tal. Além de criar significações (o interpretante) o signo comunica os sujeitos: quando conversarmos com alguém estamos usando símbolos (o idioma) para nos relacionarmos.

No meio científico, o estudioso produz um texto (símbolos) para divulgar suas conclusões. Quando lido por outros, ele será um signo que terá como objeto a pesquisa daquele primeiro cientista e produzirá interpretantes (significações) na mente de quem os lê. Esses interpretantes também são signos. O segundo cientista produzirá um texto em que descreverá seu entendimento. Este processo de signos produzindo signos chama-se semiose16.

      

14 Esta nomenclatura é a proposta por Charles Peirce. Cf.: SANTAELLA, Lúcia e VIEIRA, Jorge Albuquerque. 

Ob.  cit. p. 62. 

15 JAKOBSON, Roman. Linguística 

e comunicação. São Paulo: Cultrix, pp. 100‐1 

16 “A ação do signo, semiose, é a de ser interpretado em outros signo” In.: SANTAELLA, Lúcia e VIEIRA, Jorge 

(22)

Na linha epistemológica de Peirce, explica Lúcia Santaella e Jorge Albuquerque Vieira, por mais que haja confronto direto com o mundo exterior, para que haja a cognição é preciso que o signo faça a intermediação, traduzindo para a linguagem humana as complexidades do fenômeno.

Nota-se a relevância da linguagem no conhecimento. No campo científico, a linguagem idiomática tem destaque, devido à maior precisão. Aqui vamos retroceder um pouco: para Wittgenstein a filosofia deveria empreender uma crítica da linguagem, analisando a relação desta com o mundo. Expõe Zilles:

“No Tractatus logico-philosophicus, Wittgenstein parte do pressuposto de que o mundo é construído por um número infinito de fatos elementares. O mundo parece, pois, atomizado, dissolvido em seus elementos fundamentais. Mas esses encontram-se conectados entre si. Essas conexões tornam-se objetos de proposições elementares, que expressam a corrente de fatos singulares, sua configuração. Formam a maneira como as partes se relacionam entre si. Pela união numa proposição, os elementos desta tornam-se figura ou o modelo lógico da realidade. A linguagem tem função figurativa. Oferece informações sobre conexões elementares. Contudo, pode acontecer que seja inviável partir dos fatos isolados para progredir na direção de proposições essências e universais, porque a verdade objetiva a significação dos elementos singulares: seu conteúdo de sentido não pode ser determinado filosoficamente.”17

A linguagem traduz o mundo para o homem. Neste processo, o homem delimita o mundo, cria seu espaço, seu cosmos. É pela linguagem, não só a idiomática, mas de qualquer espécie, como a musical ou pictórica, que o homem constrói a cultura. Esta é formada pela alteração do mundo físico e por bens imateriais. A cultura é tudo aquilo feito pelo homem.

Antes de tratarmos da cultura, explique-se: Wittgenstein dava importância para análise da estrutura da frase. À filosofia caberia investigar a estrutura da língua a fim de alcançar a univocidade, extirpando ambiguidades.18 Para tanto podemos

recorrer ao processo de formalização trazido pela lógica. A formalização é o processo pela qual se expõe a estrutura lógica de um enunciado. É como se saíssemos da linguagem cotidiana e subíssemos um nível, em que símbolos com significados absolutamente unívocos substituiriam as palavras, sempre plurívocas. Olhando para o direito, percebemos primeiro a realidade social. O direito positivo traduz em linguagem técnica para prescrever condutas; trata-se de um linguajar ambíguo, basta observar como o mesmo termo é usado em sentidos diversos na

      

17 ZILLES, U. Ob. cit. p. 96.  18 Cf. ZILLES, U. Ob. 

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mesma lei19; acima temos a metalinguagem da ciência do direito que descreve em

termos mais precisos o direito vigente, reduzindo ambiguidades e vaguezas; ainda em uma dicção científica, tem-se a Teoria Geral do Direito unindo os pontos dos diversos ramos da ciência jurídica; no último nível, temos a lógica jurídica, com termos unívocos.

Formaliza-se um enunciado substituindo os termos da língua comum por símbolos com significados estritamente formulados. Por exemplo: “a tripartição dos poderes é cláusula pétrea”; formalizando: “A é B”, onde A substitui a ‘tripartição dos poderes’ e B ‘cláusula pétrea’. Pela lógica, encontramos a estrutura falada por Wittgenstein: a forma lógica da linguagem. Segundo Lourival Vilanova: “as formas lógicas são estruturas compostas por variáveis e de constantes, isto é, de símbolos substituíveis por quaisquer objetos de um domínio qualquer, e de símbolos que exercem funções operatórias definidas, fixas, invariáveis.”20 A formalização será útil na análise da estrutura normativa.

Até aqui identificamos as seguintes características do construtivismo lógico-semântico: o conhecimento é uma construção do sujeito a partir dos dados recolhidos no mundo fenomênico. Porém, o confronto entre o sujeito e objeto é intermediado pela linguagem, ou seja, pelos signos, que tornam cognoscíveis a realidade. Como instrumento auxiliar dessa corrente temos a lógica.

Mas pode ficar a dúvida: a construção do conhecimento se dá sem limites? A interpretação é totalmente sem barreiras? As respostas residem na cultura e nos valores.

A cultura envolve tudo, inclusive o sujeito cognoscente e o objeto de conhecimento. Na concepção do antropólogo Clifford Geertz, cultura não é “um complexo de comportamentos concretos mas um conjunto de mecanismos de controle, planos, receitas, regras (que os técnicos de computadores chamam programa) para governar o comportamento.”21 Esses códigos, para Geertz, não são

restritos à mente das pessoas. São comunitários, partilhados entre os atores sociais.       

19 Na Constituição da República Federativa do Brasil  CF o termo imunidade pode tanto significar a uma 

prerrogativa do cargo de parlamentar quanto a delimitação da competência tributária. 

20 VILANOVA, Lourival. As 

estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 3ª Ed. São Paulo: Noeses, 2005, p.  47. 

21 Apud. LARAIA, Roque de Barros. 

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É por esse processo de formação de signos que se constrói a cultura; esta transforma o que é natural em cultural, viabilizando o conhecimento do mundo. É a criação do cosmo humano. “Estudar a cultura – como escreve Roque de Barros Laraia – é portanto estudar um código de símbolos partilhados pelos membros dessa cultura.”22

Essa simbolização é tão violenta que as coisas mais insuspeitas são tocadas por esse cosmo: uma árvore é um ser vivo, logo é um objeto natural. Porém, ela integra a cultura humana quando é plantada no canteiro de uma rua, pois foi artificialmente posta ali; para comunidades indígenas, pode servir como demarcação do território; e quando os botânicos criaram a classificação das plantas todas deixaram de ser apenas objetos naturais. Tudo que o homem dá um caráter de signo está incluído na cultura.

O sujeito cognoscente observa o mundo com as lentes da sua cultura. É ela que determina nosso olhar, como interpretamos o que nos chega pelos sentidos e com base nela se constrói o saber.

Miguel Reale defende que o conhecimento é um ato cultural. O arcabouço da cultura fornece a objetivização para o conhecimento: põe em linguagem os dados e fornece os limites da interpretação. O autor chama isso de a priori cultural:

“(...) há também um a priori cultural, como condição de objetivização, na qual está inerente o poder nomotético, o qual, ao mesmo tempo em que intelectivamente ordena o mundo disperso e confuso das impressões sensoriais, o torna objetivo. (...)

Pode-se dizer que a cultura é também condição a priori transcendental do conhecimento, pois, enquanto este não se torna objetivo e comunicável, não há que se falar em conhecimento propriamente dito.”23

O homem adquire e produz conhecimento porque a cultura permite por em linguagem os dados fornecidos pela sensibilidade. E é ela que viabiliza a construção de uma rede social pela qual o saber é transmitido.

A interpretação, como a dos textos jurídicos, é um meio de construir conhecimento. No entanto, o sentido resultante dessa interpretação, para ser aceito como correta, deve se coadunar com o contexto cultural no qual está sendo lido. Concepções diferentes existirão. Contudo, podemos indicar a existência de um

      

22 LARAIA, R. de B. Idem, p. 63.  23 REALE, Miguel. Cinco 

(25)

significado de base para um texto, determinado pela cultura e que servirá de parâmetro para os debates acerca dele.

Para compreendermos melhor o que queremos dizer busquemos a lição de Paulo de Barros Carvalho sobre o texto no sentido estrito e texto em sentido amplo:

“(...) Stricto sensu, texto se restringe ao plano dos enunciados enquanto suportes de significações, de caráter eminentemente físico, expresso na seqüência material do eixo sintagmático. Mas não há texto sem contexto, pois a compreensão da mensagem pressupõe necessariamente uma série de associações que poderíamos referir com lingüísticas e extralingüísticas.”24

O texto, enunciado lingüístico produzido por um emissor, está envolvido por duas camadas: a primeira é a camada linguística, o contexto que envolve imediatamente o texto; a segunda é a de caráter extralinguístico, é o próprio enquadramento cultural na qual o texto é produzido e lido. Neste último caso o texto será imerso primeiro na cultura de quem a produziu, para depois se precipitar na cultura de quem o lê.

Vejamos: um artigo sobre imunidade tributária é um enunciado,um texto em sentido estrito. Ele está no contexto da Constituição Federal: temos que verificar se algum outro artigo altera o sentido daquele primeiro. Por isso a chamada interpretação sistemática é inerente ao processo de leitura. Existe também o contexto cultural da CF: tanto a época em que foi produzida quanto os dias atuais, nos quais o interpretamos.

Segundo Paulo de Barros Carvalho:

“Ora se tomarmos o texto na sua dimensão estritamente material, que é, aliás, a acepção básica, como aquilo que foi tecido, circunscrevendo nosso interesse ao conjunto dos produtos dos atos de enunciação, o que importa ingressar na esquematização estrutural em que se manifesta, poderemos compreender a razão pela qual os enunciados lingüísticos não contêm, em si mesmo, significações. São objetos percebidos pelos nossos órgãos sensoriais que, a partir de tais percepções, ensejam, intra-subjetivamente, as correspondentes significações. São estímulos que desencadeiam em nós produções de sentido. Vê-se, desde agora, que não é correta a proposição segunda a qual, dos enunciados prescritivos do direito positivo, extraímos o conteúdo, sentido e alcance dos comandos jurídicos. Impossível seria retirar conteúdos de significações de entidades meramente físicas. De tais enunciados partimos, isto sim, para a construção das significações, dos sentidos, no processo conhecido como interpretação.”25

O excerto acima pode levar ao entendimento de que diante de um texto qualquer conclusão é possível, uma vez que o autor afirma não retirarmos o sentido       

24 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito 

tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva,  2006, p. 18. 

(26)

dos textos, mas que deles partimos para a construção e significados. Assim, o texto não teria um significado de base.

Defendemos o chamado sentido base de um texto porque é produto de outro sujeito que tinha intenções e uma cultura por trás. Queremos dizer: toda a produção cultural humana, ou seja, todos os signos foram elaborados por alguém que visava a um fim e estava incluído em uma cultura.

O emissor de um signo deseja transmitir um entendimento. O receptor usará da sua cultura (o a priori cultural de Reale) para compreendê-lo. O sentido não residirá no signo, mas nas mentes dos sujeitos. Ambos buscarão em suas mentes elementos para construir um sentido para o signo. E é por não existir nenhuma pessoa igual a outra, e cada uma ter um repertório determinado que existem as variações de interpretação.

Busquemos no direito um exemplo: durante a elaboração da constituição de 1988 cada constituinte tinha um repertório, um conjunto de conhecimentos e vivências que determinava o modo de ser de cada um. Cada constituinte com seu repertório estava incluído em um contexto cultural e visavam a um significado determinado: quando alguém a lesse buscasse as mesmas ou semelhantes referências chegando às mesmas ou semelhantes conclusões.

Passados mais de vinte anos, a cultura mudou, os intérpretes da constituição possuem seus próprios repertórios. É com a cultura de hoje, que os homens do tempo de hoje vão interpretar a constituição, construindo sentidos que podem ser iguais ou não.

Essa concepção é diametralmente oposta a defendida por Carlos Maximiliano:

“As leis positivas são formuladas em termos gerais; fixam regras, consolidam princípios, estabelecem norma, em linguagem clara e precisa, porém ampla, sem descer a minúcias. É tarefa primordial do executor a pesquisa da relação entre o texto abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social, isto é aplicar o Direito. Para conseguir, se faz mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido verdadeiro da regra positiva; e, logo depois, o respectivo alcance, a sua extensão. Em resumo, o executor extrai da norma tudo o que na mesma se contém: é o que se chama interpretar, isto é, determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito.”26

      

26 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica 

(27)

Na esteira do construtivismo lógico-semântico, não é possível falar em extrair o sentido. Este é construído. O pesquisador, seja do direito ou de outro campo científico, com base nos dados da linguagem, opera uma construção de sentido. Não se trata de extrair sentido, mas de construir. Mas novamente ressaltemos, não é cabível falar em interpretação ilimitada. Vamos nos concentrar no campo do direito para melhor expor nossa visão.

Os textos legais trazem disposições normativas postos pelo emissor. Este pode ser um membro do legislativo, quando se trata de uma Lei Complementar, ou o próprio particular, quando falamos de contratos. Ao estudioso do direito caberá construir o sentido daqueles textos. Estes, no entanto, são resultados de interpretações anteriores feitas pelos agentes competentes a produzir aquela lei. Estes interpretaram fatos sociais e os transportaram para a linguagem jurídica.

Isso indicaria que o texto normativo – ou qualquer outro texto, idiomático ou não – teria um significado de base, ou seja, um mínimo ao qual todos teriam acesso. Explicando: cada palavra possui vários sentidos. Percebemos em quais sentidos possíveis aquele termo é utilizado quando observamos os elementos escolhidos para compor o texto, a forma como foram organizados, a cultura de quem a produziu e de quem a lê impõe uma fronteira até onde se pode ir no processo interpretativo. Entendemos essa assertiva como válida para toda interpretação, seja de textos idiomáticos, pictóricos, numéricos, etc.

Por exemplo, um físico estudando o movimento das ondas do mar: seu contato com os elementos naturais serão intermediados por signos, os dados que lhe chegam pelos sentidos serão transpostos em linguagem matemática e em cima desta serão produzidas as conclusões. Há uma interpretação dos dados dos sentidos e depois da linguagem matemática. Sua conclusão estará limitada pelo significado linguístico dos dados e pela sua cultura. E aquele que ler sua pesquisa ainda terá como limitações a forma como o primeiro pesquisador dispôs o texto com as conclusões da pesquisa, a própria conclusão.

Novamente no campo do direito, Tércio Sampaio Ferraz defende outra limitação ao ato interpretativo:

(28)

ângulo pragmático, aquela atividade é, assim, dominada pelo princípio da economia de pensamento. Ou seja, para elucidar o texto normativo não é necessário ir sempre até o fim, mas até o ponto em que os problemas pareçam razoavelmente decidíveis.” 27

Esse ângulo, conforme a própria transcrição, leva em conta o aspecto prático que a interpretação tem no direito. A tese é válida – e útil – para os denominados “aplicadores do direito”. Para o cientista do direito, tal limite é prescindível.

Interpretação e conhecimento andam juntos. São partes do mesmo processo: devemos primeiro interpretar para, assim, conhecer. E conhecendo algo, criar novos elementos. Mas, o que é interpretação? É atribuir valores, dentro dos limites da cultura28. Quando digo o significado de X, atribuo um significado carregado de valores. Um exemplo do campo jurídico: o art. 150, inciso VI, alínea b), concede imunidade para os “templos de qualquer culto”. O primeiro entendimento seria de a imunidade se referir apenas às construções onde se realizam cultos. Contudo, entende-se que a imunidade alcança as instituições religiosas.29 Esse entendimento

é guiado pelo valor da liberdade religiosa. Esse e outros valores atuam no momento de interpretar.

O conceito de valor possui um espectro semântico imenso. Segundo Johannes Hessen, o conceito “pertence ao número daqueles conceitos supremos, como os de ser, existência, etc., que não admitem definição. Tudo que pode fazer-se a respeito deles é simplesmente tentar uma clarificação ou mostração do seu conteúdo”.30

Sem querer solucionar a problemática, vamos buscar um conceito que se coadune com nossas investigações. Na teoria do conhecimento, os valores são parâmetros de decisão. Na interpretação, diante dos vários significados que o texto pode expressar, o valor funcionará como critério de escolha.

      

27 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. A 

ciência do direito. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 74. (grifo nosso) 

28 “Mantenho presente a concepção pela qual interpretar é atribuir valores aos símbolos, isto é, adjudicarlhes 

significações e, por meio dessas, referências a objetos.” In.: CARVALHO, P. de B. Direito tributário: fundamentos  cit. p. 62. (grifo no original). 

29 Vide: BARRETO, Aires F. e BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades 

tributárias: limitações constitucionais ao poder  de tributar. 2ª ed. São Paulo: Dialética, 2001, pp. 61‐3 

30 Apud. TOMÉ, Fabiana Del Padre. A 

(29)

A própria lógica clássica (apofântica) que rege as ciências é guiada por valores: o verdadeiro e o falso31. Os resultados das pesquisas são submetidos à

lógica e às regras da pesquisa de cada campo científico. Estando de acordo com elas, a conclusão será verdadeira. Caso contrário, a pesquisa será falsa. O que guia, em última análise, a pesquisa científica são esses dois valores. Logo, é incorreto se falar em neutralidade axiológica das ciências.

Os valores seriam critérios que indicariam preferências. Segundo Tércio Sampaio Ferraz, valores são “centros significativos que expressam uma preferibilidade (abstrata e geral) por certos conteúdos de expectativas, ou melhor, por certos conjuntos de conteúdos abstratamente integrados num sentido consistente32”.

O homem é um ser axiológico; nossas condutas são guiadas pelos valores. Todo conduta ou pensamento humano surgiram de uma decisão. Como seres livres e exercendo esse arbítrio todo instante, sempre tomamos decisões. Estas têm como critérios os valores.33

Valor não é sinônimo de “algo positivo”. Para bom entendimento, Miguel Reale lista dez características identificadoras dos valores34. Entre elas, encontramos a bipolaridade: a um valor corresponde um desvalor. Em outros termos, a um valor positivo temos um valor negativo. Exemplos: belo/feio; justo/injusto.

Valores são puramente os critérios de escolha usados nas nossas decisões.

Pelo escrito acima, seguindo a perspectiva construtivista, a relação sujeito-objeto é intermediada pelos signos. Estes são sujeito-objetos culturais, pois incluídos em uma cultura. O conhecimento deles nunca se dá diretamente. E mais, o sujeito participa ativamente da construção do conhecimento, interpreta o signo, sempre

      

31 “(...) para fins estritos da análise lógica interessam as estruturas de linguagem mediante as quais se 

exprimam proposições, isto é, asserções de que algo é algo, de que tal objeto tem a propriedade tal. Estruturas  de linguagem  expressivas de proposições são  suscetíveis de  valores (verdade/falsidade), empiricamente  verificáveis por qualquer sujeito que se ponha em atitude cognoscente.” In.: VILANOVA, L. Ob. cit., p. 41. 

32 FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Introdução 

ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3ª ed. São Paulo:  Atlas, 2001, p. 111. 

33 “O valor é, efetivamente, toda a força que, partindo do homem, é capaz de gerar no homem a preferência 

por algo.” In.: FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 20. 

34  São:  Bipolaridade;  implicação;  referibilidade;  preferibilidade;  objetividade;  inexauribilidade; 

(30)

limitado por este, pelas regras da lógica e pelo contexto cultural e guiado pelos valores. Após a interpretação, dá-se a construção do conhecimento. Podemos, então, estabelecer o conhecimento como construções feitas pelo sujeito com os dados colhidos da interpretação do mundo.

I.2. O conhecimento científico e os pressupostos epistemológicos

A concepção de conhecimento exposta serve para todas as formas de saber: do senso comum ao científico. No conhecimento do senso comum, aquele que se constrói sem respeito a métodos, derivado da pura observação dos fenômenos, se dá igual ao conhecimento rigoroso da ciência: o sujeito se defronta com o objeto por intermédio do signo, faz interpretações baseadas em valores e constrói o conhecimento.

Exemplo: a constante observação de que um fósforo colocado em contato com óleo em alta temperatura acende, levou-se ao entendimento de que para descobrir se o óleo está quente, basta colocar um fósforo na panela. Não se buscou experimentos em laboratório ou especulações filosóficas, apenas a observação.

Esse conhecimento do senso comum, popular, é aquele saber cotidiano, adquirido na convivência social. Não se trata de algo metodologicamente testado. Mas de observações empíricas, muitas vezes carregadas de preconceitos e falsas impressões. O senso comum está repleto de falsas verdades, como as superstições: nada indica que passar por debaixo de uma escada cause má sorte, problemas. Porém, muitos não se arriscariam a tal aventura.

Adotamos a concepção de múltiplos campos de conhecimento. São eles: o científico, o popular/senso comum, o religioso, o filosófico e o artístico. Denominamos todos de conhecimento por possuírem duas características: a construção empreendida pelo sujeito acerca do objeto se procede após interpretações delimitadas pelo próprio objeto, pelo contexto, pela cultura, pela lógica (não propriamente a alética) e com os valores determinando as escolhas; esse saber, assim como o científico, tem um caráter prático, objetiva resolver problemas, facilitar a convivência do homem no mundo.

(31)

Entretanto, possuem um caráter operacional: a experiência religiosa fornece um saber que permite as pessoas conviverem melhor em sua comunidade, resolverem conflitos, terem bem estar emocional. O artístico pode fornecer uma visão diferente em relação ao cotidiano, impondo questionamentos cabíveis apenas nos quadrantes de uma obra de arte.

A realidade é complexa e multifacetada. Não é possível se limitar a uma corrente de entendimento. Podemos entender minimamente a existência, se atacarmos em várias frentes.

Apesar disso, deve-se atentar que cada setor do conhecimento possui uma ‘lógica’ própria. Não podemos misturar conhecimentos diferentes. Pode um mesmo objeto fenomênico ser estudado por conhecimentos distintos, porém serão olhares distintos, como no exemplo do fósforo, citado acima, em que o senso comum dá uma explicação de fins estritamente práticos. Um cientista explicaria a química envolvida no processo, sendo uma explicação metódica. O conhecimento filosófico é o único que pode questionar os demais sistemas de conhecimentos. É o que estamos fazendo neste capítulo, filosofar sobre os conhecimentos.

Nosso interesse aqui não é estudar os vários campos do saber, apenas expor que o processo construtivista se dá em todas as experiências humanas com o mundo, estabelecendo os parâmetros da nossa pesquisa. Vejamos quais critérios existem para diferenciar o saber científico dos demais.

I.2.1. O conhecimento científico

Escreve Maria Helena Diniz:

“Entendemos que, na acepção vulgar, ‘ciência’, indica conhecimento, por razões etimológicas, já que deriva da palavra latina scientia, oriunda de scire, ou seja, saber. Mas, no sentido filosófico, só merece tal denominação, como veremos logo mais, aquele complexo de conhecimentos certos, ordenados e conexos entre si. A ciência é, portanto, constituída de um conjunto de enunciados que tem por escopo a transmissão adequada de informações verídicas sobre o que existe, existiu ou existirá. Tais enunciados são constatações. Logo, o conhecimento científico é aquele que procura dar às suas constatações um caráter estritamente descritivo, genérico, comprovado e sistematizado. Constitui um corpo sistemático de enunciados verdadeiros.”35

Um saber será denominado de científico, se for ordenado e conexo entre si de maneira sistemática, segundo critérios socialmente estabelecidos. São postos

      

35 DINIZ, M. H. Ob. 

(32)

parâmetros para a pesquisa científica. Se um enunciado estiver na conformidade determinada pelos cânones, será considerado conhecimento cientificamente verdadeiro.

Aos critérios que fornecem às constatações dos pesquisadores o caráter de

descritivo, genérico, comprovado e sistematizado denominamos de método.

Seguindo Tércio Sampaio Ferraz36, as ciências têm a pretensão de construir

enunciados que transmitam conhecimentos verdadeiros. Tal é possível, porque elas estudam um objeto determinado seguindo um método.

O objeto determinado e o método estabelecido são as notas diferenciadoras

do conhecimento científico em relação aos demais.

O objeto é a parte do mundo fenomênico eleita pela ciência para pesquisar.

Cada objeto pertence a uma única ciência, mas uma mesma porção da realidade fenomênica pode ser estudada por diversos ramos científicos. Explicando aparente contradição: o objeto da ciência seria um signo, construído a partir de elementos colhidos da observação da realidade. Um mesmo acontecimento fenomênico pode fornecer elementos para a construção de objetos diferentes para diversas ciências. Busquemos Lourival Vilanova:

“(...) Sabemos que, logicamente, o objeto contrapõe-se ao sujeito, decorrendo de uma perspectiva sobre o real. O direito, realidade una e complexa, converte-se, por obra do pensamento, em tantos objetos quantos possíveis pontos de vista. É objeto para a história, para a sociologia, para a ciência do direito civil, mercantil, constitucional etc. E, evidentemente, não é o mesmo objeto para todos esses ramos do conhecimento. O mesmo objeto exige uma ciência e só uma ciência. O processo de decompor analiticamente uma realidade em objeto de várias ciências é um princípio da divisão do trabalho científico, exige pela complexidade dos problemas que a realidade oferece.”37

Imaginemos a realidade, o mundo fenomênico, como um emaranhado em que os eventos sociais e naturais se entrelaçam de forma que os limites entre as relações sociais, entre o que é natural e cultural, o que é jurídico e moral, sejam difíceis de se identificar. Diante dessa realidade, o pesquisador – ainda na condição de filósofo, pois ainda não se estabeleceu os elementos de uma ciência para chamá-lo de cientista – seleciona elementos. Com estes, construirá um signo, seu objeto de estudo.

      

36 FERRAZ JR., T. S. A 

ciência... cit. pp. 9‐12. 

37 VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito de direito. In.: Escritos 

(33)

O objeto científico é construído com elementos colhidos do mundo e dispostos de forma a permitir ao estudioso ter determinada visão acerca do real. Esse signo formará uma relação triádrica onde funcionará como vértice ligando o objeto fenomênico com o interpretante (os pensamentos surgidos na mente do sujeito). O objeto fenomênico pode ser denominado de objeto mediato do conhecimento científico. Enquanto o signo, de objeto imediato, ou simplesmente objeto do conhecimento científico.

O sujeito observará o objeto mediato por intermédio do signo, seu objeto imediato. Este selecionou elementos do real, reduzindo a complexidade e determinado o ponto de vista em que se situará o pesquisador. Com esse procedimento, permitem-se as especializações dos ramos científicos e consequente estudo detalhado do mundo, por permitir que vários aspectos dela sejam pesquisados.

Em muitas situações, um mesmo elemento da realidade é estudado por mais de uma ciência: o direito possui várias dimensões, como as relações entre os sujeitos, a dimensão histórica, o seu caráter normativo. Quando o corte se opera no primeiro caso, temos a sociologia do direito; se o interesse é na evolução sofrida pelos institutos jurídicos em uma linha do tempo, encontramos a disciplina histórica. O ângulo normativo, ou seja, o estudo do direito a partir da norma e suas implicações, é denominado simplesmente de ciência do direito ou dogmática jurídica38.

Há ampla liberdade para a delimitação do objeto. Basta não pertencer a outra ciência e ser coerentemente construído. Mesmo com a delimitação do objeto, o cientista produzirá outro corte epistemológico, agora em cima do próprio objeto imediato. Primeiro seleciona elementos da realidade fenomênica (objeto mediato) e se constrói o signo (objeto imediato). Em seguida, introduz-se outro recorte, tomando apenas uma dimensão do objeto imediato para estudo. Cria-se, assim, outro signo. Exemplo: o aspecto normativo é a dimensão do real estudada pela ciência do direito; o pesquisador delimitará dentro dela outra parte, criando as disciplinas, como o direito penal, tributário, constitucional. São dimensões do próprio signo. Tudo isso visa à especialização e aprofundamento no estudo do mundo.

      

38 Vide: FERRAZ JR., T. S. Introdução... 

(34)

A outra nota caracterizadora do conhecimento científico é o método. Retomando a lição de Tércio Sampaio Ferraz Jr.:

Método é um conjunto de princípios de avaliação da evidência, cânones para julgar a adequação das explicações propostas, critérios para selecionar hipóteses, ao passo que técnica é o conjunto dos instrumentos, variáveis conforme os objetos e temas. O problema do método, portanto, diz respeito à própria definição de enunciado verdadeiro. Note-se, de enunciado verdadeiro e não de verdade.”39

O método é o parâmetro usado pelos pesquisadores para avaliar se a conclusão é verdadeira. É o que poderíamos chamar de sistema de referência. O método não é algo particular. Trata-se de uma construção empreendida pela comunidade científica, para estabelecimento de critérios de julgamento, permitindo a verificação das conclusões. Claro, cada pesquisador terá suas premissas, mas sempre em respeito ao método. Caso contrário, a ciência não se estabeleceria. As descobertas não passariam de opiniões, pertenceriam a outros campos de conhecimento. O método fornece balizas para o julgamento social das pesquisas.

A evolução das ciências assenta raízes na evolução da própria sociedade. O método não é estabelecido abstratamente nem por um ser superior. É construído no processo histórico. As características bem sucedidas são mantidas e as falhas corrigidas. Mesmo o aperfeiçoamento dos instrumentos técnicos influi na pesquisa.

As conclusões dos cientistas são mutáveis, constantemente questionadas, submetidas a testes a fim de verificar a veracidade. Daí a evolução do conhecimento.

As ciências visam à objetividade e à construção metódica da verdade. Ambas são alcançadas pela delimitação do objeto, pela aplicação de método institucionalizado e por uma ética na pesquisa. Esta seria o comprometimento do estudioso em seguir rigorosamente o método para produzir conclusões coerentes com as premissas adotadas. Estas tanto de ordem pessoal quanto social. Essa visão se coaduna com o pensamento de Charles S. Peirce, de uma ciência viva, pulsante, contextualizada, coerente com a sociedade. Ao estudar as ideias desse pensador, Lúcia Santaella e Jorge Albuquerque Vieira escrevem:

      

39 FERRAZ JR., T. S. A 

(35)

“(...) O que é praticamente distintivo da ciência, tal como é praticada e torna possível seu desenvolvimento contínuo, é um certo conjunto de virtudes que estão introjetadas nos membros da uma comunidade investigativa. Este conjunto inclui virtudes morais e intelectuais, aquelas que vão da veracidade ao altruísmo. Para Peirce, essas são virtudes não apenas de conduta, mas sobretudo, de relevância epistemológica para a constituição do conceito de racionalidade científica.”40

Com a conjunção do método e do objeto temos uma ciência. O fato de métodos e objetos distintos não impede o diálogo entre as ciências. Este é possível e, certas vezes, desejável. Esse diálogo é viabilizado por serem todas as ciências conhecimentos metódicos da realidade e esta é una. Não podemos falar em uma ciência cujo objeto seja algo imaginário. Pode-se até estudar o pensamento místico, enquanto uma manifestação cultural. A grosso modo, a ciência cuida da realidade. Porém, a integração entre os campos científicos deve observar as diferenças entre os métodos.

I.2.2. O pressuposto epistemológico: a Norma Hipotética Fundamental

O homem está imerso na cultura, sendo esta manifestada por meio dos signos. Eles são linguagem. E é como linguagem que encaramos as ciências e seus objetos. Considerando o Ordenamento Jurídico como linguagem-objeto e a Ciência do Direito que o estudo como metalinguagem, escreveu Luis Alberto Warat:

“Quando se estuda uma linguagem-objeto qualquer, a primeira preocupação metalinguística é a de contar com um critério de decidibilidade qualquer isto é, com critério que nos permita decidir se qualquer enunciados ou proposição forma ou não parte da referida linguagem objeto.”41

Esse critério de decidibilidade é o corte epistemológico que delimita o campo de pesquisa de uma ciência. Ao construir o signo que funcionará como objeto imediato de uma ciência, são usados critérios de decidibilidade para saber o que fará parte dele, ou seja, recorta-se parte da realidade para análise. Esses critérios de decidibilidade são os pressupostos científicos.

Os pressupostos são convenções, como verdades evidentes cuja comprovação é desnecessária. É um conhecimento a priori que estabelece o conhecimento científico. Sendo o conhecimento científico baseado na demonstração, nos argumentos racionalmente estruturados, passa a ser necessidade lógica uma premissa maior de onde retirar as conclusões. Quem fará esse papel será o pressuposto.

      

40 SANTAELLA, L. e VIEIRA, J. A. Ob. 

cit., p. 14. 

41 WARAT, Luis Alberto. 

(36)

Todos os ramos científicos possuem pressupostos. São partes do método.

O conhecimento científico da realidade – notadamente ciências naturais como a física – tem como pressuposto a lei da causalidade: “Toda mudança, todo acontecimento tem uma causa”.42

Não há comprovação de que a pedra se aquece por causa da incidência de raios solares. Nem que se largarmos algo de certa altura ele cairá. Todas essas teorias partem da lei da causalidade. Segundo Augusto Messer:

“Para que possamos apreender as mudanças, devemos investigar suas causas. Para isso, pressupomos a priori que toda a mudança tem causa. A validade universal dessa proposição não tem por base a experiência (ela não é a porteriori), pois, se fosse assim, já deveríamos tê-la submetido a prova em todas as experiências possíveis. Por outro lado, não precisamos recear que ela possa ser desmentida por uma experiência qualquer. Se não pudéssemos encontrar uma causa para uma mudança, não aceitaríamos que ela fosse incausada, mas suporíamos que a causa é temporariamente desconhecida por nós.”43

Os pressupostos não são postos por uma única pessoa. São construções históricas. Quando os fundamentos da ciência contemporânea foram lançados por Francis Bacon, Galileu Galilei, Descartes, entre outros, não impuseram o método científico, nem seus pressupostos. As descobertas e os avanços proporcionados deram força para o estabelecimento das ciências.

Não cabe ao pesquisador perguntar pelos fundamentos dos pressupostos. Isso é tarefa do filósofo do conhecimento. E ao questionar sobre o princípio da causalidade, Hessen concorda ser sua fundamentação transcendental, como algo necessário para o pensamento. E escreve:

“(...) Não seríamos capazes de dar nenhum passo no campo do ser e do acontecer reais, caso não partíssemos do pressuposto de que todo acontecimento desenrola-se segundo leis, de que é regido pelo princípio da causalidade. Também nesse caso, portanto, a fundamentação do princípio não está assentada em sua evidência, mas em sua finalidade e significação fundante com relação ao conhecimento.”44

Segundo a metodologia, os pressupostos são classificados em dois tipos: os axiomas nas ciências lógicas e os postulados nas factuais. Dos axiomas, são construídos teoremas e dos postulados, as hipóteses e teses.45

      

42 HESSEN, J. Ob. 

cit., p. 151. 

43 Apud. HESSEN, J. Ob. 

cit., p. 158. 

44 HESSE, J. Idem, pp. 1289. 

45 Cf.: SANTAELLA, L. e VIEIRA, J. A. Ob. 

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