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Capítulo 2 – Os Direitos Fundamentais

V. Os Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira

V.3. O mínimo vital

O mínimo vital é um conjunto de direitos fundamentais minimamente necessários para uma existência digna do ser humano. São condições básicas para o sujeito desenvolver a si e sustentar sua família.

      

209  “O  direito  do  trabalho  nas  Constituições  é  um  ramo  com  princípios  e  normas  próprias,  tendo  por  objeto 

disciplinar  o  trabalho  profissional,  suas  garantias  consideradas  fundamentais,  as  regras  de  organização  e  os  direitos  e  deveres  básicos  que  devem  presidir  as  relações  de  trabalho.”  In.:  NASCIMENTO,  Amauri  Mascaro.  Direito  constitucional  e  direito  do  trabalho.  In.:  VELLOSO,  Carlos  Mário  da  Silva  et  alii.  (coord.).  Princípios 

constitucionais fundamentais: estudos em homenagem ao professor Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: 

A Constituição e a Jurisprudência trazem informações sobre quais direitos integram esse mínimo. O inciso IV do art. 7º da CF prescreve que o salário mínimo deve atender às necessidades básicas do trabalhador e de sua família com “moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.”

Se a finalidade do salário mínimo é atender às necessidades básicas da pessoa, temos indícios para construir o conteúdo do mínimo vital.

Podemos aglutinar os termos alimentação e higiene como dimensões do direito à saúde. Condições mínimas de higiene e uma alimentação de qualidade são imprescindíveis para o funcionamento saudável do organismo humano.

Constariam do mínimo vital: os direitos à educação, à saúde, à moradia e à previdência social. Podemos incluir, por conta de sua proximidade, o direito à cultura e, obviamente, o direito a um salário mínimo.

Esses direitos formam o mínimo para a existência digna de um sujeito e de sua família.

O conceito de mínimo vital tem forte presença no Direito Tributário. É por ele que o Estado pode identificar de qual ponto o sujeito passivo pode sofrer uma exação fiscal. Só depois de garantida as condições básicas de sobrevivência, alguém pode figurar como sujeito passivo da relação jurídica tributário. Corrobora Fábio Brun Goldschmidt:

“A possibilidade constitucional de tributação não começa com a pura e simples existência de riqueza. É necessário que essa riqueza exceda o mínimo necessário para a realização de direitos constitucional básicos, sem os quais torna-se impossível falar em existência digna. Nisso consiste o chamado mínimo existencial, imune à tributação (imune na medida em que delimita, por exclusão, as competências tributárias constitucionais).”210

A jurisprudência do STF fortalece nosso entendimento, demonstrando a vinculação entre certo conjunto de direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana. O trecho a seguir é representativo:

      

210  GOLDSCHMIDT,  Fábio  Brun.  O  princípio  do  não‐confisco  no  direito  tributário.  São  Paulo:  Revista  dos 

Tribunais,  2003,  pp.  169‐70.  Preferimos  o  termo  “mínimo  vital”  por  deixar  claro  que  estamos  falando  das  condições  básicas  para  a  dignidade  humana.  O  termo  “existencial”  pode  acarretar  confusões  com  alguma  corrente ontológica da filosofia. 

“A proibição constitucional do confisco em matéria tributária nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduz ir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, por exemplo).” (ADI 1.075-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

O mínimo vital é composto por direitos sociais (educação, saúde, moradia, cultura, salário mínimo e previdência social), alguns dos quais devem ser prestados pelo Estado. Esses elementos guardam íntima relação entre si: a educação de qualidade garante acesso ao mercado de trabalho, de onde se retira o salário para pagamento de custos como saúde e moradia. E com o estado de saúde debilitado, as capacidades laborais são reduzidas, afetando o direito ao trabalho.

Podemos ir além da jurisprudência. Em nossa compreensão do tema, o mínimo vital ultrapassa aspectos estritamente materiais.

Para receber um salário para sustento seu e de sua família, o cidadão deve estar livre para escolher e exercer uma profissão. Essa liberdade, descrita anteriormente, se negada, impede a obtenção das condições míninas de existência digna. Impende a inclusão da liberdade profissional na lista do mínimo existencial.

Outras liberdades podem ser trazidas à colação: a liberdade de expressão e manifestação de pensamento e crenças, o direito de ir, vir e permanecer, as liberdades de reunião e associação e a igualdade de todos perante a lei.

Se a liberdade de locomoção fosse anulada, permitindo a qualquer instante limitar a circulação dos sujeitos, seria inviável a busca por um emprego, por um tratamento de saúde. Sem a permissão de locomover-se o sujeito estaria impedido de exercer os direitos sociais que lhe foram atribuídos.

É necessária também a livre associação entre pessoas. Sendo viável a proibição de reuniões ou coligações, estaria se inviabilizando a socialização. Empresas poderiam ser fechadas, trabalhadores proibidos de exercer seus ofícios.

Claro que essas liberdades não se reduzem a uma dimensão econômico- financeira. Se o mínimo vital são requisitos para alguém ter uma vida minimamente digna, temos que reconhecer sua dimensão mais existencial.

Podemos, apenas para análise, cindir o mínimo vital em condições materiais e espirituais.

As condições materiais irredutíveis são, notadamente, os direitos sociais. Garantem às pessoas formas dignas de viver. Também corrigem o desnível social, equalizando os sujeitos para que todos tenham as mesmas condições básicas para, cada um, individualmente, possam desenvolver suas potencialidades.

Essas condições também não podem renegar as liberdades e a igualdade. Porém, chamamo-las de condições espirituais irredutíveis porque elas são as condições primeiras. Sem sermos livres e iguais (ao menos perante a lei), nenhum Direito Fundamental existiria. É um pressuposto, elemento inicial de um regime democrático. Para além dessa faceta institucional, são os elementos necessários para o mínimo de dignidade humana. Se a dignidade da pessoa humana está no cúspide do nosso direito, são condições essenciais para ela a igualdade e liberdade.

A igualdade é tanto a formal, impedindo discriminações sem fundamento empírico, quanto a material, que consiste na correção dos citados desníveis sociais e de peculiaridades que criam dificuldades especiais para alguns sujeitos (caso dos deficientes físicos).

As liberdades demarcam um espaço essencial, no qual cada pessoa poderá agir sem ser limitada por nada. Também não poderá ultrapassar esse limite, porque estaria invadindo a liberdade alheia. É uma visão sintética, quase formal de um conceito amplo.

A ideia de liberdade não se limita ao direito, sendo objeto de especulações filosóficas, por exemplo. Mas, buscando um entendimento jurídico, é um instituto de múltiplas faces: liberdade de expressão, de locomoção, de consciência. Em todas modalidades, pretende resguardar a possibilidade do sujeito desenvolver-se.

Sem uma esfera de liberdade, estaríamos subjugados a outrem. Não seríamos nós. Estaríamos destituídos de individualidade. Seríamos um ser-para-outro: agiríamos e pensaríamos como autômatos, guiados por terceiros.

A preservação da dignidade requer um ambiente adequado. Este é conseguido por um conjunto de direitos. A reunião deles é denominada “mínimo vital”.