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Um palco de múltiplas vozes: a nova invenção dos/as idosos/as em luta pela cidadania

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EULÁLIA LIMA AZEVEDO

UM PALCO DE MÚLTIPLAS VOZES:

A NOVA INVENÇÃO DOS

/

AS IDOSOS

/

AS EM LUTA PELA

CIDADANIA

Salvador 2010

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EULÁLIA LIMA AZEVEDO

UM PALCO DE MÚLTIPLAS VOZES:

A NOVA INVENÇÃO DOS IDOSOS

/

AS EM LUTA PELA

CIDADANIA

Tese submetida ao Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia, em cumprimento parcial dos requisitos para obtenção do grau de Doutora em Ciências Sociais

Orientadora: Profª. Drª Alda Britto da Motta

Salvador 2010

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Azevedo, Eulália Lima

A994 Um palco de múltiplas vozes: a nova invenção dos/as idosos/as em luta pela cidadania. / Eulália Lima Azevedo. – Salvador, 2010.

281 f.: il.

Orientadora: Profª. Drª. Alda Britto da Motta

Tese (doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2010.

1. Autonomia. 2. Cidadania. 3. Seguridade social. 4. Envelhecimento. 5. Gênero. 6. Gerações. I. Motta, Alda Britto da. II. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

CDD – 305.26

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EULÁLIA LIMA AZEVEDO

UM PALCO DE MÚLTIPLAS VOZES:

A NOVA INVENÇÃO DOS IDOSOS

/

AS EM LUTA PELA

CIDADANIA

Tese submetida ao Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia, em cumprimento parcial dos requisitos para obtenção do grau de Doutora em Ciências Sociais.

Salvador, 12 de março de 2010.

BANCA EXAMINADORA

Profª. Drª. Alda Britto da Motta – Orientadora

Prfª. Drª Benedita Edina S. Lima Cabral

Profª Drª. Iracema Brandão Guimarães

Profª Drª. Ana Alice Alcântara Costa

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À memória de meu filho Tiago, pelo tão grande encanto para um tempo tão pequeno.

A meus filhos, Veruza, Agnelo, Rebeca, Naara, Péricles e Valéria pelo amor e apoio nunca negados, mesmo quando ausências e tensões fizeram parte da nossa rotina.

A minhas netinhas, Alice e Cecília, pela espontaneidade do carinho que acalenta o espírito.

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AGRADECIMENTOS

Colocar ponto final em um trabalho como este implica uma retrospectiva de sua trajetória e o reencontro com todas as pessoas que direta ou indiretamente se fizeram presentes neste caminho e sem elas o trabalho não se realizaria. E o que posso fazer agora? Reconhecer e agradecer.

A Alda Britto da Motta vão, em primeira mão, meus agradecimentos especiais pela orientação cuidadosa e firme, estímulo intelectual instigante em todos os momentos, sempre mediado pela generosa amizade. Devo a sua confiança a concretização desta tese e com ela comparto seu mérito.

À amiga Márcia Gomes por estar sempre disponível como interlocutora capaz de sugestões que nos aguçam a inteligibilidade teórica dos fenômenos em questão, além da inesgotável disposição afetiva de toda hora.

À amiga Martha Susana Diaz pelo apoio permanente, até mesmo à distância. Ao me proporcionar, durante meses, a tranquilidade de seu apartamento na Praia do Flamengo fez decisiva sua contribuição para que este trabalho se efetivasse.

Às professoras Cecília Maria Bacelar Sardenberg, Ívia Alves e ao professor Antônio da Silva Câmara, pela contribuição teórica nesta fase da minha formação

Às companheiras e companheiro do NEIM, Márcia Macedo, Iole, Lourdinha, Rita, Alex não só pelo convívio incentivador, mas pela generosidade da compreensão do meu afastamento durante todo o ano de 2009.

Às professoras Ana Alice Alcântara Costa e Iracema Brandão Guimarães pelas decisivas sugestões por ocasião da banca de qualificação

À amiga Zilmar, pelo apoio e leitura acerca dos dados das entrevistas À Sheyla e Mônica, pelas horas dedicadas à sistematização das entrevistas À Moisés, por dispor, de forma incondicional, de sua experiência em línguas estrangeiras

À amiga Maria José Bacelar, pelo pronto atendimento, a despeito da exiguidade do tempo, para o apoio técnico prestado.

Aos idosos/as entrevistados/as por revelar seus sentimentos, alegrias, angustias, anseios e expectativas com sensível confiança e acolhida incomuns

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Ao incansável Gilson Costa de Oliveira, liderança perspicaz e inconteste do movimento dos/as aposentados/as, pensionistas e idosos/as que com desprendimento colocou à minha disposição toda a história do movimento, por meio de documentos, entrevistas, horas inteiras de longas conversas, compartilhando, durante todos esses anos, várias situações de luta, reflexões, dilemas e perspectivas.

Às dirigentes, aguerridas representantes, sobretudo, das idosas no movimento, Marise Sanção e Maria da Penha, por desbravarem com competência a seara do mundo da política pouco acolhedora às mulheres, ajudando a derrubar os muros da discriminação contra elas, inclusive contribuindo com depoimentos/testemunho nesta pesquisa

À Delegada titular da Delegacia de Atenção ao Idoso da Bahia – DEATI/BA, Márcia Telma Bittencourt, não menos aguerrida na defesa dos direitos humanos dos idosos/as vitimas de violência, pelo apoio e confiança no acesso aos dados da Instituição, disponibilizando equipamento e funcionário, a quem também, calorosamente, agradeço.

Aos demais dirigentes do movimento em questão, Lino, Antônio Pinto, Luís da Guia, e funcionários da Casa do Aposentado que com muita delicadeza sempre responderam às minhas solicitações

Á Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia – FAPESB, pela bolsa concedida durante três anos desta pesquisa

Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, pelo apoio e incentivo à formação de pesquisadores/as

A meu pai, Joaquim, pela força de caráter

A minha mãe, Maria, pela simplicidade da determinação A minha irmã, Ana Claudia, pela admiração

Às amigas, Sara Machat, Lívia Maria e Esli, que não deixaram um arranhão sequer em nossa amizade, a despeito de meu distanciamento durante este percurso

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RESUMO

O movimento dos/as aposentados/as e pensionistas vem se empenhando para garantir sua voz própria no contexto de participação democrática. Esta pesquisa documenta e analisa as perspectivas da nova pedagogia que está sendo gestada no movimento dos aposentados/as, pensionistas e idosos, na Bahia, como estratégia para (re)afirmar sua condição de sujeito social de defesa dos direitos da pessoa idosa no contexto de reconfiguração dos movimentos sociais na América Latina. Tal análise se insere no marco da definição dos princípios de uma nova cidadania, cujo conteúdo se assenta no paradigma da emancipação relacionada às idades/gerações e gênero na perspectiva feminista e de classe social. Este estudo qualitativo, com detalhamento etnográfico, foi pautado, basicamente, na observação direta com registro sistemático em diário de campo e em entrevistas individuais semiestruturadas, tanto dos participantes quanto de dirigentes do movimento articulado pelo Fórum Permanente em Defesa do Idoso, em Salvador, Bahia, campo empírico desta pesquisa, num total de trinta e seis entrevistados. A empiria desta análise centra-se em três entidades: uma que pauta suas ações em reivindicações estritamente políticas, constituída por homens em sua maioria e duas outras, com composição majoritária de mulheres, prioriza as atividades culturais e de lazer. Os resultados indicam que a nova pedagogia desenhada pelo movimento dos aposentados/as e pensionistas, na Bahia, vem promovendo o desenvolvimento da consciência crítica, quanto a seus direitos, do maior número possível de pessoas que envelhecem, notadamente as mulheres. Vem propiciando mudanças na consciência dessas pessoas, no que diz respeito à ruptura do tradicional papel definido no âmbito das relações geracionais e de gênero. As mulheres idosas vêm assumindo não só funções pouco prestigiadas, como em tempos anteriores, mas também aquelas investidas de maior poder de decisão na organização do movimento. Suas habilidades adquiridas no processo de formação durante a vida toda vêm sendo apropriadas pelo movimento político dos/as idosos/as de uma maneira positiva. Concluo que uma nova imagem de si, de sua condição de velho e velha, informada por novos valores, vai-se formatando e impondo o reconhecimento de uma nova representação por toda a sociedade. O movimento dos aposentados e pensionistas está alcançando as demandas mais amplas e significativas do cotidiano das pessoas idosas e assim vem ampliando sua base de sustentação. Nesse percurso os/as idosos/as vão se empoderando, (re)afirmando-se como sujeito social/político e se permitindo envelhecer com liberdade. No âmbito das relações de poder que dão conteúdo aos conflitos entre as gerações, formata-se uma nova correlação de forças que vai definindo um novo lugar social para a velhice, de onde se fazem ouvir as gerações de velhos/as trabalhadores/as como interlocutoras das demandas de todos/as os/as idosos/as.

Palavras-Chave: Autonomia. Direitos de Cidadania. Seguridade Social. Envelhecimento. Gênero. Gerações.

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ABSTRAC

The movement of the retired and pensioners has striven to take an active role in the context of democratic participation. This research documents and analyzes the perspectives of the new pedagogy that's been gestated in the movement of the retired, pensioners and the elderly in Bahia, as a strategy to (re)affirm their condition of social subjects in the defense of the elderly's rights in the context of the reconfiguration of social movements in Latin America. Such an analysis is part of the mark of the definition of the principles of a new citizenship, whose contents are based on the paradigm of the emancipation related to ages/generations and gender, under the feminist perspective and that of social class. This qualitative study, containing ethnographic details, was supported, basically, on direct observation with systematic registrations on a diary and on individual semi-structured interviews of both the participants and the directors of the movement articulated by The Permanent Forum in the Defense of the Elderly, in Salvador, Bahia, empirical field of this research, totalizing thirty-six interviewees. The empirical nature of this analysis is centered in three entities: one that bases its actions on strictly political claims, mostly consisting of men, and the other two entities, whose members are mostly women, which prioritize cultural and leisure activities. The results indicate that the new pedagogy designed by the movement of the retired and pensioners, in Bahia, has promoted the development of critical thinking, regarding their rights, in the largest number of people who get old, notably women. It’s been encouraging changes in these people’s minds concerning the rupture of the traditional role defined in the scope of generation and gender relations. A new image of themselves, of their status of old men or women, informed by new values, formats itself and imposes the acknowledgement of a new representation by all the society. In the meantime, the elderly empower and (re)affirm themselves as social/political subjects and allow themselves to grow old with freedom. Elderly women have taken not only unprivileged roles, like in times before, but also those invested of more decision-making power in the organization of the movement. Their skills acquired in the formation process during all their lives have been appropriated by the political movement of the elderly in a positive way. The movement of the retired and pensioners is reaching wider and more significant demands of elderly people’s everyday life and, therefore, has been enlarging its supporting basis. I conclude that, in the scope of power relationships which foment generation gap conflicts, a new correlation of forces is formatted which defines a new social place for the old age where one can hear the generations of old male and female workers as interlocutors of the elderly’s demands.

Key-words: Autonomy. Citizenship Rights. Social Security. Aging. Gender.

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LISTA DE TABELAS

1. Número de queixas por tipos de Violência Contra o/a Idoso/a. Salvador, 2006-2008 ...

211

2. Número de idosos/as Vítimas de violência. Salvador 2006-2008 ... 212

3. Número de Agressores/as de idosos/as. Salvador, 2006-2008 ... 213

4. Relação dos agressores/as com as vítimas. Salvador, 2006-2008 ... 213

5. Pais agredidos. Salvador, 2006-2008 ... 214

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LISTA DE SIGLAS

ANFIP = Associação Nacional dos Fiscais da Previdência

ASAPREV/BA = Associação dos Pensionistas e Aposentados da Bahia BO = Boletim de Ocorrência

BPC = Benefício de Prestação Continuada CEI = Conselho Estadual do Idoso

CGTB = Central Geral dos Trabalhadores do Brasil

CMDS = Conselho Municipal de Desenvolvimento Sustentável CMPM = Conferência Municipal de Políticas para as Mulheres CNDI = Conselho Nacional dos Direitos do Idoso

CNDPI = Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa COHAB = Cooperativa de Habitação

COBAP = Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas CONLUTAS = Coordenação Nacional de Lutas

CREASI = Centro de Referência Estadual de Atenção à Saúde do Idoso CSU = Centro Social Urbano

CTB = Central dos Trabalhadores do Brasil CUT = Central Única dos Trabalhadores

DEATI/BA = Delegacia de Atenção ao Idoso da Bahia DRU = Desvinculação dos Recursos da União

FEASAPEB = Federação dos Aposentados e Pensionistas da Bahia FMI = Fundo Monetário Internacional

FST = Fórum Sindical dos Trabalhadores GTI = Grupo de Trabalho Interinstitucional IAP = Instituto de Aposentadorias e Pensões

IBGE = Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INPS = Instituto Nacional de Previdência Social I SES = Interfaces Sócio-Estatais

LBA = Legião Brasileira de Assistência LOAS = Lei Orgânica da Assistência Social

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NCST = Nova Central Sindical dos Trabalhadores

NEIM = Núcleo de Estudos Interdisciplinares Sobre a Mulher/ UFBA NMS = Novos Movimentos Sociais

NUDH = Núcleo de Direitos Humanos ONGs = Organizações Não Governamentais ONU = Organização das Nações Unidas PAI = Programa de Atendimento ao Idoso PAIF = Programa de Atenção Integral à Família PDT = Partido Democrático Trabalhista

PEI = Política Estadual do Idoso PL = Projeto de Lei

PLC = Projeto de Lei Complementar

PMDB = Partido do Movimento Democrático Brasileiro PNI = Política Nacional do Idoso

PNAD = Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio

PNUD = Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PPA = Plano Plurianual

PT = Partido dos Trabalhadores

RENADI = Rede Nacional de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa RMS = Rede Metropolitana de Salvador

SAS = Superintendência de Assistência Social

SEDES = Secretaria do Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza SEDH = Secretaria Especial dos Direitos Humanos

SESC = Serviço Social do Comércio SESI = Serviço Social da Indústria

SETRAS = Secretaria do Trabalho e Assistência Social SINDNAP = Sindicato Nacional dos Aposentados SUAS = Sistema Único de Assistência Social

SUDESCO = Superintendência de Desenvolvimento de Comunidades do Estado da Bahia

SUS = Sistema Único de Saúde

UAMPA = União das Associações de Moradores de Porto Alegre UNEB = Universidade Estadual da Bahia

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 12

EM BUSCA DO RECONHECIMENTO DE CIDADANIA... 16

1 SITUANDO O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO ... 23

1.1 IDENTIDADE COLETIVA, SUJEITO, CIDADANIA E AUTONOMIA NA PERSPECTIVA DE GERAÇÃO E CLASSE SOCIAL... 24 1.2 GÊNERO E RELAÇÕES DE GÊNERO: ESTRATÉGIAS EPISTEMOLÓGICAS FEMINISTAS E SEUS LIMITES... 35 1.3 MEANDROS DA PESQUISA: TRILHANDO AS CURVAS DESSE CAMINHAR ... 54

2 A CIDADANIA NO CONTEXTO DA PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA ... 60

2.1 A SOCIEDADE CIVIL NOS CAMINHOS DE UMA NOVA CIDADANIA ... 60

2.2 MOVIMENTO SOCIAL E A CATEGORIZAÇÃO DA AÇÃO COLETIVA DOS APOSENTADOS/AS E PENSIONISTAS ... 73 2.3 PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA COMO EXERCÍCIO DA CIDADANIA... 90

3 A CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICA NA AMÉRICA LATINA EM DEBATE ... 101

3.1 A PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA NO CENÁRIO BRASILEIRO ... 106

3.2 O NORDESTE PARTICIPATIVO: AS ANÁLISES DESSE PROCESSO... 117

4 A PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA EM TEMPOS DE ESTADO MÍNIMO ... 125

4.1 A QUESTÃO SOCIAL PELA ÓTICA NEOLIBERAL... 127

4.2 REFORMAS ESTRUTURAIS DÃO OUTRO SIGNIFICADO À SEGURIDADE SOCIAL ... 135 4.3 PARTICIPAÇÃO DOS/AS IDOSOS/AS: MECANISMOS INSTITUCIONAIS ... 139

4.4 CENÁRIO DA PARTICIPAÇÃO DOS IDOSOS/AS NA BAHIA ... 145

5 UMA PEDAGOGIA NOVA: A INVENÇÃO DE QUEM ENVELHECE ... 150

5.1 VOZES QUE SE MESCLAM PARA CONSTRUIR NOVOS SIGNIFICADOS ... 152

5.2 QUALQUER LUGAR É LUGAR DE MULHER: ATÉ MESMO NA VELHICE? ... 157

5.3 DESENHANDO E COLORINDO UM NOVO CAMINHO ... 168

5.4 VÃO CHEGANDO AS MULHERES: DE-VA-GA-RI-NHO ... 174

6 NA POLIFONIA DO PALCO A LUTA CONTRA A VIOLÊNCIA TAMBÉM TEM VOZ 192 6.1 A VOZ ROUBADA ... 200

6.2 SEGREDO DE FAMILIA... 208

6.3 PERDAS ACUMULADAS TAMBÉM CONFIGURAM VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA IDOSA ... 224 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 242

REFERÊNCIAS ... 251

APÊNDICE A – CARACTERIZAÇÃO DOS IDOSOS DO CENTRO SOCIAL URBANO – GRUPO CONVIVER ... 269 APÊNDICE B – CARACTERIZAÇÃO DOS IDOSOS DO SESC – GRUPO FONTE DE VIDA ... 270 APÊNDICE C – CARACTERIZAÇÃO DOS IDOSOS DA CASA DO APOSENTADO – GRUPO ASAPREV-BA ... 271 APÊNDICE D – ROTEIROS DE ENTREVISTAS ... 272

(14)

INTRODUÇÃO

Compreender as estratégias pensadas e implementadas pelos velhos/as trabalhadores/as, para garantir sua voz própria na defesa de seus interesses enquanto cidadãos/ãs, velhos/as, aposentados/as, pensionistas ou qualquer outro beneficiário/a da Proteção Social vem ocupando lugar de destaque nas minhas reflexões.

Neste sentido, este trabalho vem dar continuidade ao estudo do movimento dos aposentados\as e pensionistas em Salvador, objeto anterior de análise em dissertação de mestrado (AZEVEDO, 2005a). Naquele momento, a questão principal, quase intocada na bibliografia então disponível, referia-se às tensões, convergências, divergências, alianças e rupturas que ocorrem nas contraditórias relações entre as gerações de novos e velhos trabalhadores/as que atuam no movimento de aposentados/as e pensionistas e no movimento sindical, concernentes aos modos de defesa da Previdência Social Pública. A proposta atual consiste em analisar as perspectivas da nova pedagogia que está sendo gestada no movimento dos aposentados/as, pensionistas e idosos, na Bahia, como estratégia para (re)afirmar sua condição de sujeito social de defesa dos diretos da pessoa idosa no contexto de reconfiguração dos movimentos sociais na América Latina.

Procuro, com esta análise, dimensionar o grau de mobilização desse movimento em busca da formulação e implementação de políticas voltadas para a população que envelhece, no âmbito da participação democrática que desponta no bojo da redemocratização dessa região. Para tanto, busco apreender o esforço dessa nova estratégia visando situar a problemática dos idosos/as para além das questões restritas aos direitos previdenciários. Foco sobre o alcance dessa estratégia em relação à ampliação da base de sustentação do movimento estudado, mediante a implementação do Estatuto do Idoso, notadamente no que concerne à mobilização das mulheres beneficiárias da Assistência e Previdência social, que constituem a maioria nos grupos de convivência de idosas/os e grupos de “terceira idade”.1 Busco analisar, portanto, a dinâmica da nova pedagogia, no que se refere à potencialidade de criar condições para elevar o nível de consciência dos idosos/as

1

As aspas no termo “terceira idade” implicam assumir aqui uma posição crítica diante dessa nova invenção da sociedade capitalista, que no rol das classificações por idade encontra uma forma de negar a velhice para constituir um novo cenário de gestão do envelhecimento, na busca, sobretudo, de um filão mercadológico promissor (BRITTO DA MOTA, 2000b; DEBERT, 1999).

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quanto a seus direitos, com vistas a seu engajamento na luta por seu cumprimento, trazendo, como consequência, a ampliação da base e da força política da ação coletiva dos/as idosos/as e o reconhecimento de sua legitimidade na interlocução sobre as demandas daqueles/as que envelhecem.

A pertinência desta análise decorre da emergência e persistência de fatos novos na dinâmica das relações entre as gerações dos velhos/as trabalhadores/as e a dos jovens sindicalistas, no que concerne à política de Seguridade Social Pública. No contexto recente de reconsideração das práticas políticas das organizações de trabalhadores/as, para responder aos desafios impostos pelas políticas neoliberais no cenário da globalização e das mudanças da forma de estruturação da produção, ganha significativa importância e novas formas a organização dos trabalhadores/as aposentados/as sob o controle do movimento sindical. Como já me detive em sua análise (AZEVEDO, 2005a), um breve resumo desse processo é bastante para o propósito deste trabalho.

Na Central Única dos Trabalhadores, em função da pouca aceitação da base em relação à criação do Sindicato Nacional dos Aposentados da CUT, criado para se contrapor ao Sindicato Nacional dos Aposentados da Força Sindical, inicia-se um processo de incentivo à criação e/ou fortalecimento dos departamentos de aposentados já existentes, como organismos da estrutura de cada sindicato, ao invés do apoio e fortalecimento do movimento autônomo organizado pelos ex-trabalhadores/as. A Força Sindical, por sua vez, empenha-se em fortalecer o Sindicato Nacional dos Aposentados (SINDNAP) sob seu absoluto controle, já razoavelmente estruturado aqui em Salvador.

O interesse dos jovens sindicalistas para se apresentarem como interlocutores das demandas dos velhos aposentados/as, por meio de organismos vinculados aos sindicatos das respectivas categorias profissionais e às centrais sindicais, surgiu no momento em que os velhos/as trabalhadores/as se constituíram em força política inquestionável, com autonomia e identidade próprias, construídas em um longo processo de luta política que se tornou relevante a partir da década de 1980. Organizados em Associações, Federações e uma Confederação Nacional, os aposentados/as e pensionistas apresentaram-se politicamente muito ativos no curso da elaboração da Constituição de 88, processo que culminou, nas ruas e praças de todo o país, em manifestações de protesto contra o baixo índice de correção do valor das aposentadorias proposto pelo Governo Collor, a conhecida “mobilização

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pelos 147%”.2 Esta ocupou as manchetes dos principais órgãos de comunicação do

país e ensejou visibilidade e reconhecimento social crescentes para os problemas cruciais vividos, não só pelos aposentados e pensionistas, mas, principalmente, em relação à carência em que vive a maioria da população idosa do País “[...] num processo muito interessante de construção identitária, e simbólica, da qual não estava ausente a questão diretamente da idade” (BRITTO DA MOTTA, 1999, p. 217). Ademais, essas ações políticas dos/as velhos/as trabalhadores/as não deixaram dúvidas sobre o quanto as pessoas que envelhecem são capazes de agir para se fazerem respeitar como pessoas de direito. Desmontaram, assim, a justificativa daqueles/as que, impregnados na ideologia da velhice, vêm-lhes negando essa condição, na medida em que procuram pautar para eles/as suas ações e condições de existência, anulando-os/as como sujeito de suas próprias vidas, configurando uma relação de opressão e dominação.

Os velhos/as trabalhadores/as, então, deram testemunho de uma surpreendente força, ocupando as ruas e conquistando muitas de suas reivindicações e naquele momento foram, reconhecidamente, os principais protagonistas do que havia de mais mobilizador no cenário político nacional (BRITTO DA MOTTA, 2000b).

A ameaça de controle dos aposentados e pensionistas em movimento, pelos sindicalistas, significa grave risco a sua grande conquista – sua constituição em sujeito social de defesa de seus próprios direitos. Para consolidarem-se enquanto atores políticos com voz reconhecida na interlocução sobre seus interesses e confrontar essa situação que ameaça o que conquistaram de autonomia, conquista à base de lutas estratégicas bem pensadas, os aposentados/as e pensionistas em movimento, na Bahia, buscaram ampliar sua base de sustentação para essa luta política e cultural. Para tal, criam, em 27 de janeiro de 2004, o Fórum Permanente

2

Constituiu-se na luta pela correção do valor dos proventos dos aposentados/as e pensionistas pelo mesmo índice de correção do salário mínimo. Naquela ocasião, Antônio Rogério Magri, então Ministro do Trabalho e da Previdência Social, assinou, em 16 de setembro de 1991, a Portaria 3.485, que concedeu reajustes diferenciados aos aposentados/as e pensionistas. Para aqueles/as que ganhavam até um salário mínimo o reajuste foi de 147,06%, seguindo o mesmo índice aplicado, à época, ao reajuste do salário mínimo. Aos demais que ganhavam acima de um salário mínimo o reajuste dos benefícios foi de 54,6%, de acordo com o artigo 146 das Disposições Transitórias da Lei 8.213, que instituíra o Plano de Benefícios da Previdência. Vale ressaltar que o que seria a luta pela correção do valor dos proventos no mesmo nível da correção do salário mínimo de uma minoria dos aposentados/as e pensionistas, cerca de ¼ do total dos segurados, transformou-se num imenso e forte protesto que envolveu os idosos e a população em geral contra a situação de pobreza e carências em que vive a população de mais idade no país (AZEVEDO, 2005a; HADDAD, 1991; SIMÕES, 1997, 2000a).

(17)

em Defesa do Idoso,3 para articular outras entidades e grupos que trabalham e lidam com idosos/as e a problemática do envelhecimento em geral, com destaque para os grupos nos quais as mulheres idosas figuram em esmagadora maioria, os grupos de convivência de idosas/os, e os grupos de terceira idade, tendo como principal orientação a implementação do Estatuto do Idoso. Esse movimento toma essa política pública e sua efetivação como conteúdo-pivô da construção de uma pedagogia que sirva de instrumento para a liberdade das pessoas que envelhecem sob o jugo tradicional da opressão e dominação geracional. Com essa dinâmica, insiste em defender, como sujeito social autônomo, os interesses das pessoas mais velhas e consolidar sua posição de interlocutor legítimo destas, no âmbito dos conflitos entre gerações que envolvem os processos decisórios que organizam a vida social. Busco sustentar esta tese nesta investigação, desenvolvendo análises sobre o contexto atual no qual se interconectam muitas variáveis, com destaque para aquelas que dizem respeito aos desafios impostos pelas demandas de políticas públicas de proteção social que venham garantir o respeito aos direitos de cidadania das pessoas idosas no cenário do envelhecimento crescente da população brasileira e do mundo inteiro.

A constituição do Fórum Permanente em Defesa do Idoso envolve, além das tradicionais associações de aposentados/as e pensionistas, outras entidades, a maioria das quais desenvolvem atividades não pautadas nas reivindicações estritamente políticas de direitos de cidadania da pessoa idosa, mas principalmente em atividades culturais e de lazer centradas na lógica da “nova imagem da velhice ativa”. Desse modo, é criado um espaço de articulação de entidades com objetivos diferenciados para a construção de ações unificadas destinadas a pavimentar os caminhos para a ruptura de práticas informadas na imagem social que exclui os mais velhos/as da participação nas decisões que afetam suas próprias vidas.

Essa imagem social da velhice é que sustenta as relações intergeracionais marcadas pela dimensão de poder inerente à dinâmica social das gerações. Tal estratégia, com vistas à conscientização de outros/as idosos/as sobre sua condição de marginalizados/as, suscita variadas e importantes questões: essa dinâmica implicará a incorporação de novas formas discursivas e de representações nesses

3

No período inicial de sua instalação e funcionamento, o Fórum intitulava-se “Fórum Permanente sobre as Questões do Idoso”, sendo a sua denominação em seguida modificada para “Fórum Permanente em Defesa do Idoso”.

(18)

diferentes espaços em que os/as idosos/as se organizam, incluindo em umas a dimensão política em suas ações e em outras a ampliação da dimensão do lazer aliada à nova imagem da velhice ativa? Dando-se dessa forma, irá se concretizar a ampliação da base de representação do movimento político dos/as idosos/as e assim fortalecer a identidade coletiva e autonomia do grupo contra a ameaça iminente de perda de sua condição de sujeito de suas ações? E se não, qual a consequência (ou influência) dessa rede de ações para a sustentação do movimento político dos/as mais velhos/as? A escolha de uma mulher para presidir o Fórum em Defesa do Idoso, além de muitas outras na composição de sua direção, significa um avanço para a redução da dominação patriarcal de gênero na organização política dos aposentados/as, pensionistas e idosos/as, ou trata-se de uma forma de apropriação social e controle das habilidades tradicionais das mulheres? Quem são esses idosos e idosas participantes dessas entidades que se articulam nesse Fórum? No esforço de reafirmação da condição de sujeito de suas ações o movimento dos aposentados/as e pensionistas, colocando-se como representante dos/as idosos/os em geral, responde às demandas mais amplas da pessoa idosa, isto é, àquelas definidas no Estatuto do Idoso, não diretamente referidas aos direitos previdenciários e tradicionalmente ausentes dos discursos sindicais? As ações do movimento político dos aposentados/as e pensionistas em Salvador alcançam o cotidiano vivido pela pessoa idosa, no contexto atual de envelhecimento da população como fenômeno mundial, aliado à crise econômica, política e sociocultural que emerge no final do século XX?

EM BUSCA DO RECONHECIMENTO DE CIDADANIA

No Brasil os movimentos sociais e populares que ganharam expressividade a partir do final da década de 1970 e início de 1980 foram assumindo novas estratégias políticas após a abertura do regime e o desenrolar do congresso constituinte, até a postura defensiva como resultado do impacto das políticas neoliberais iniciadas no governo Fernando Collor de Mello. Vários estudos interpretam esse momento como de grande descenso das ações coletivas frente à poderosa ofensiva neoliberal. Na ausência de um projeto político sistematizado conformado pelos interesses das camadas sociais subalternizadas, ancorado na definição clara de um modelo de sociedade alternativo ao capitalismo, no qual,

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definitivamente, a opressão e dominação, sob qualquer de suas formas, não encontrarão chão para fincarem raízes, os movimentos sociais viram-se numa situação de perplexidade. Ao tomarem as formas históricas de luta dos dominados como fim em si mesmas, esses movimentos, notadamente o sindical, colocaram em oposição a estratégia de confronto e a de negociação, quando ambas deveriam constituir-se como complementares e adequadas em condições determinadas, desde que informadas por um plano político consistente (DRUCK, 1996). Sem este, a maioria dos movimentos sociais não suportaram a ofensiva neoliberal, assumiram uma postura vacilante quanto a seu enfrentamento, e suas ações colocaram-se dentro dos limites compatíveis com a hegemonia neoliberal, circunscrevendo suas lutas ao âmbito instrumental.

Essa conjuntura adversa que se abateu sobre os movimentos sociais desnudou as ambiguidades e aprofundou fragilidades antigas, criando novas dificuldades aos movimentos dos trabalhadores/as, com as quais se embatem seus ativistas. Dentre essas dificuldades não devidamente resolvidas destaco a organização dos velhos/as trabalhadores/as aposentados/as que criaram sua organização em entidades próprias, nas quais construíram sua identidade coletiva, face ao descaso de seus requerimentos por parte dos sindicatos. Com suas mobilizações públicas, deram visibilidade à problemática dos que envelhecem neste país, contribuindo para que a difícil situação de vida vivida por idosos fosse reconhecida como problema social.

Depois que os aposentados e pensionistas, a duras lutas, mobilizaram toda a sociedade civil numa aliança estratégica em defesa da aposentadoria, cujo direito assumiu uma dimensão universal como direito de cidadania, o movimento sindical buscou tomar sua palavra e se apresentar como seu interlocutor junto às instituições públicas e à sociedade, para, dessa forma, direcionar o movimento rumo aos interesses de seus projetos políticos. Referindo-se à transferência da interlocução do direito à aposentadoria para os dirigentes sindicais, Simões (2000a, p. 255) assinala que “O movimento de aposentados posteriormente refluiu, mas a mobilização em torno da aposentadoria permaneceu na ordem do dia, conduzida por várias outras forças sociais e políticas”.

Vale lembrar que esta interpretação retrata o momento da aprovação da primeira fase da reforma da Previdência no governo Fernando Henrique Cardoso. Esse governo dispunha de legitimidade suficiente para, por meio da imprensa, formar opinião contrária às principais reivindicações dos militantes idosos/as, que

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passava a centrar-se na defesa da Previdência Social Pública contra a privatização embutida na proposta da referida reforma.4 O governo buscou um aliado político no seio do movimento dos trabalhadores/as e encontrou apoio na Força Sindical. Essa Central sindical ganhou, em função disso, significativo espaço naquela conjuntura de perplexidade e vacilações dos movimentos sociais, inclusive da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e tentou se colocar, apoiada pela mídia, como o principal interlocutor das questões previdenciárias junto aos agentes públicos. A mesma mídia que, dois anos antes, por força de outra conjuntura política, contribuíra com os aposentados/as e pensionistas, publicizando a luta pelos 147% já referida. Não é possível esquecer, entretanto, que não só o movimento dos aposentados e pensionistas, mas também a maioria dos movimentos sociais perdeu visibilidade nesse período; uns mais, outros menos buscaram formas diversas de ação política, sustentadas em outros canais de comunicação e participação menos contestadores conquistados com o processo de redemocratização do país, como detalhado mais adiante em capítulos específicos.

Nesse quadro de ameaça de perda de sua autonomia e Identidade coletiva o movimento dos aposentados e pensionistas investiu suas forças na luta pela reafirmação de sua condição de sujeito da interlocução de seus interesses, isto é os direitos dos que envelhecem. A estratégia pensada foi ampliar a base de sustentação e consequente força política desse movimento, mediante o engajamento de maior contingente de idosos/as na luta pela garantia de seus direitos. A efetivação dessa estratégia não poderia prescindir da participação das mulheres idosas, maioria tanto na sociedade quanto como beneficiárias da Proteção Social. Não obstante serem as mulheres a maioria dos beneficiários do sistema de proteção social, embora refletindo as desigualdades no que se refere aos diferenciais de sexo (AZEVEDO, 2005b; GOLDANI, 1999; SOARES, 2003a) sua participação na luta política em defesa desses direitos realizada pelos ativistas do movimento dos aposentados e pensionistas não guarda a devida proporção em relação ao contingente de beneficiárias. Na Bahia foram emitidos 854.959 benefícios femininos (51% do total), 602.662 masculinos (36%) e 220.035 (13%) ignorados quanto ao sexo. Em Salvador esta proporção assim se apresenta: 212.070 mulheres (56%) para 165.961 homens (44%) atendidos com esses benefícios (BRASIL, 2005).

4

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Objetivando aumentar o contingente de idosos/as engajados na luta para uma consequente ampliação da força política do movimento e para articular várias entidades que trabalham com idosos/as, principalmente os grupos de convivência, nos quais as mulheres figuram como esmagadora maioria, mobilizando-as para a luta, é que o Fórum referido acima foi pensado. A criação desse fórum também atendeu a uma resolução da Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (COBAP), conforme informação do Sr. Gilson Costa em entrevista no dia 25/09/2008:

O Fórum não foi propriamente uma invenção minha. A COBAPE se reuniu em São Paulo para discutir a questão do Estatuto do Idoso muito antes da sua elaboração. Depois a COBAP foi incluída na discussão e elaboração do Estatuto do Idoso. Nesse momento, então, nós nos reunimos na Rua Conselheiro Crispiniano em São Paulo e tomamos como resolução acompanhar tudo que fosse referente ao Estatuto do Idoso, participar da sua elaboração e logo que fosse aprovado, se correspondesse àquilo que era nosso desejo, nós iríamos elaborar uma cartilha e fazer essa discussão em todos os estados da Federação, em todo o Brasil. Com base nessa deliberação da COBAP, quando D. Penha me disse: ‘eu estou deixando, vou me aposentar’, logo no primeiro momento, me veio à cabeça a ideia do Fórum, aquilo que era exatamente a resolução da COBAP depois que fosse instituído o Estatuto do Idoso, depois de promulgado. E tinha sido acabado de ser promulgado o Estatuto. Então, era hora da gente entrar nessa questão do idoso. E aí formei o que era mais um campo, como está acontecendo, de um relacionamento mais amplo da Casa do Aposentado com as demais entidades.

Nesse Fórum articulam-se grupos de idosos/as, cujas ações coletivas expressam a pluralidade de suas motivações. Alguns têm como foco a natureza política das atividades, outros estão centrados nos aspectos culturais e de lazer. Do mesmo modo, esses grupos são marcados por diferenciação em relação ao sexo de seus membros, como já vem sendo mostrado em outros estudos, a exemplo dos realizados por Britto da Motta (1997), Cabral (2002) e Debert (1994). Os grupos pautados em atividades políticas são compostos majoritariamente por homens; os outros são constituídos por mulheres em sua maioria.

A constituição desse Fórum, em última análise, significa o esforço desse movimento dos idosos/as para gestar uma pedagogia capaz de superar a estrutura de opressão, que tradicionalmente vem impondo seu poder de dominação aos/às que mais capitalizam o tempo vivido. Tal estrutura se funda na prescrição de uma ordem impeditiva da plena liberdade das pessoas idosas para decidirem sobre seu modo de viver e agir.

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O aspecto da realidade utilizado para mediatizar o diálogo, a comunicação entre as pessoas idosas protagonistas dessa luta, lideranças e demais participantes, agora, ampliou-se para além das questões restritas aos direitos previdenciários para alcançar toda a problemática trazida pelas condições de vida dos/as idosos/as. Nesse sentido, toma como conteúdo norteador desse processo de transformação das relações de opressão geracional da sociedade, as definições do Estatuto do Idoso.

Nesse esforço pelo cumprimento dessas definições legais dos direitos da pessoa idosa, está embutida a expectativa de que, principalmente, as mulheres idosas vão, mediante essas novas práticas e reflexões, conhecendo e reconhecendo a situação de opressão na qual vivem. Com a descoberta crítica de si como oprimidas e daqueles/as que praticam a opressão, vão descobrindo também a possibilidade de transformação da realidade que as obriga a agenciar suas vidas pelas pautas que outras pessoas pensam e impõem. Tal expectativa está expressa na fala de Maria da Penha Pereira, Coordenadora do Fórum, em entrevista no dia 25/11/2009: “[...] o fórum, através das instituições parceiras, trabalha para que os idosos possam ser sujeito da sua própria transformação.”

Confiantes no poder dessa pedagogia para conscientizar, principalmente as idosas membros desses grupos a respeito de sua situação marginal, fomentando o exercício de práticas libertárias, os/as velhos/as ativistas por uma vida digna na velhice acreditam aumentar a força do movimento político, pela ampliação de sua base de sustentação, e assim consolidarem-se como sujeito social de suas lutas na defesa de seus direitos. Sem tal condição, não serão capazes de afirmar um lugar social reconhecido para aqueles/as que mais viajaram no tempo sem, contudo, desistirem de suas prerrogativas enquanto cidadãos/ãs.

Uma vez situado o objeto desta investigação, cabe agora delinear o corpo estrutural da pesquisa organizado em cinco capítulos, pensados com base nas informações trazidas por dados construídos no esforço de adentrar as minúcias do campo empírico. O primeiro capítulo trabalha os pressupostos que dão os fundamentos teóricos e metodológicos, os quais ancoram categorias utilizadas para interpretar as evidências dos dados produzidos.

Destaco, no Capítulo 2, o debate em torno do processo de redemocratização da América Latina, no qual as vinculações, articulações e trânsitos entre os atores sociais constituintes da sociedade civil e o Estado adquirem novos significados. Discuto tais práticas no âmbito da participação democrática. Para situar essa questão, apresento o debate sobre a revalorização da sociedade civil na construção

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da democracia, partindo da discussão sobre sua reelaboração conceitual, bem como a redefinição da cidadania “enquanto estratégia política”, na qual se ancora o movimento dos/as idosos/as objeto deste estudo.

Apresento, no Capítulo 3, no bojo da crise do Estado de Bem-Estar Social, a disputa entre projetos políticos distintos, nos quais a concepção de democracia oscila entre o marco democrático participativo sob a mediação do Estado e a visão neoliberal de apologia ao mercado. Discuto, nesse cenário, as reformas do sistema de proteção social no Brasil antes mesmo de se efetivar a concepção de Seguridade Social inscrita na Constituição de 1988. Situo esse debate no cenário internacional de definição das primeiras iniciativas de inserção, nas políticas públicas, dos problemas surgidos com o crescente envelhecimento populacional. Ancoro a discussão no campo das tensões que caracterizam esse processo como possibilidades para novas cunhas de práticas democráticas. No âmbito dessas possibilidades, insere-se o controle social dessas políticas, mediante instrumentos institucionais de participação dos idosos/as, com ênfase nas experiências da Bahia.

No Capítulo 4, apresento a interpretação dos dados empíricos da pesquisa, enfatizando a luta pela efetivação de uma pedagogia que defina o caminho para a saída da situação em que vive a pessoa idosa, sob a ordem opressora de outros/as, sobretudo porque teimaram em viver mais. Destaco, nesse sentido, as ações e reflexões pela gratuidade dos transportes coletivos, a instalação da Delegacia do Idoso do Estado da Bahia, bem como a criação da Coordenação Estadual da Política do Idoso. Busco relacionar tais ações com novas formas discursivas e de representações quanto aos direitos da pessoa idosa incorporados pelos/as participantes dos grupos de convivência de idosas/os e do movimento político dos/as aposentados/as e pensionistas. Por meio de seus comportamentos e opiniões, aponto os resultados dessas ações para a (re)afirmação da condição de sujeito desse contingente da população, com especial ênfase sobre a incorporação das mulheres idosas nesse processo.

No Capítulo 5 continuo trabalhando a interpretação dos dados empíricos no que tange às ações práticas nas quais a pedagogia para a reafirmação da cidadania do idoso/a se faz e refaz. Enfoco aqui a questão da mobilização a respeito da efetivação de políticas para conter a violência contra a pessoa idosa e como esse processo se configura em Salvador. Enfatizo como um aspecto dessa violência a forma de participação dos idosos/as na elaboração de propostas em defesa de seus direitos, no esforço de interferir nessas definições que irão orientar a formulação de

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políticas publicas destinadas a essa população, a exemplo das Conferências dos Direitos da Pessoa Idosa. Analiso, ainda, no âmbito da violência, as perdas continuas do valor dos benefícios, após sua concessão, o que tem levado o movimento dos/as idosos/as de todo o país às ruas e a novas batalhas no Congresso Nacional para fazer cumprir as expectativas inseridas no contrato social formal da seguridade social, quanto às condições materiais de vida pós-aposentadoria. Situo esse debate no cenário da configuração de um duplo circuito de solidariedade, no âmbito da interação dos domínios público e privado, sustentado no contrato social, tanto formal quanto informal, entre as gerações, no que concerne à definição de políticas públicas que envolvem distribuição de recursos. Enfatizo a distribuição no circuito privado da família dos benefícios públicos a que os idosos/as fazem jus, advindos das contribuições dos jovens inseridos no mercado formal de trabalho. Trago tal questão como argumento para desmontar a ideia de um viés geracional no âmbito da implementação das políticas sociais no Brasil, advindo com o envelhecimento da população, que vaticina um iminente risco à organização da sociedade se nada for feito em relação à redefinição da distribuição de recursos entre as gerações. Por último, nas considerações finais, busco enfeixar, no esforço de síntese interpretativa, todas as questões levantadas durante a pesquisa.

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1 SITUANDO O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO

As questões colocadas neste trabalho significam o esforço teórico-metodológico de situar eixos norteadores das análises desse novo estágio da luta política dos idosos/as, com vistas a interpretar esse fenômeno com a objetividade requerida para uma investigação científica, centrada nos parâmetros epistemológicos perspectivistas de que todos os conhecimentos são “situados” (social e historicamente) e consequentemente parciais (HARDING, 2001; HARTSOCK, 1987; SARDENBERG, 2002; SMITH, 1987), compreendendo, como Haraway (1995, p. 18), que só nos é permitido lograr a objetividade com base em “saberes localizados”, posto que implicam numa “posição crítica” do sujeito cognoscente ancorado na “política da diferença”.

Com base nesse marco estratégico, busco evitar uma análise teórico-metodológica que possa implicar numa “universalização” das experiências dos idosos/as, com clareza quanto à importância de compreender o processo de (re)afirmação da condição de sujeito dos aposentados/as e pensionistas e idosos/as na busca da efetivação de seus direitos de cidadania, no seio da trama complexa decorrente da diversidade que caracteriza o social. Com base nesses fundamentos, procuro enfatizar trajetórias de vida singulares, múltiplos pertencimentos articulados na heterogeneidade do cotidiano, que condicionam o pensar e o comportar-se no mundo, para não cair no essencialismo reducionista que leva ao obscurecimento da realidade estudada.

Compreendendo que os paradigmas teóricos tradicionais, centrados apenas nas expressões estruturais da classe social, não dão conta da multiplicidade de manifestações de interesses que perpassam as interações dos indivíduos desta investigação, considero os aportes teórico-metodológicos trazidos pela teoria dos movimentos sociais, dos movimentos populares, do movimento feminista e da sociologia das gerações como fundamentalmente úteis no esforço de pensar o objeto deste estudo, contido na proposta de compreender a estratégia da ação coletiva dos aposentados/as e pensionistas no processo de (re)afirmação de sua condição de sujeito social de suas ações reivindicativas. Desse modo, categorias como identidade coletiva, autonomia, sujeito, cidadania são aqui reivindicadas para

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pensar a definição das ações grupais do referido movimento, cujo entendimento passa pela apreensão, nos termos de Crenshaw (2002), da interseccionalidade de relações sociais que constituem a dinâmica do cotidiano das pessoas que o compõem, visto que suas identidades grupais múltiplas cruzam as orientações das ações no grupo pesquisado. Considero que o entendimento da interdependência das relações entre gerações, relações de gênero e classe social é imprescindível para a apreensão do objeto definido neste estudo.

1.1 IDENTIDADE COLETIVA, SUJEITO, CIDADANIA E AUTONOMIA NA PERSPECTIVA DE GERAÇÃO E CLASSE SOCIAL

Essas categorias permitem pensar a dinâmica das diversas orientações que interagem, negociam e se opõem para definir o campo, o sentido e as possibilidades oferecidas para a realização de determinada ação no âmbito da complexidade da construção contínua de um “nós” que autodefine um grupo de indivíduos, um movimento social ou outra forma de mobilização como a ação coletiva dos idosos/as, não como uma unidade fusional de interioridades para compor um corpo homogêneo, mas o esforço de articular a diversidade. É nesse processo que se expressa a identidade coletiva enquanto sistema de ação, entendido sempre como o resultado, não de uma intenção acabada, mas de uma dinâmica complexa de construção ancorada na disponibilidade de recursos e possibilidades (MELUCCI, 2001). Na tensão com o movimento sindical, o sujeito coletivo desta investigação constrói uma identidade afirmativa de idosos, amparados na representação de que constituem o maior contingente de eleitores que uma “categoria” pode mobilizar. Afirmam: “[...] se reunirmos os aposentados/as, pensionistas, idosos e familiares seremos capazes de eleger ou derrotar qualquer candidato” (Antônio Pinto – 15/04/04, reunião do Fórum - anotação no diário de campo), o que lhes confere o sentimento de prestígio e significativa força política.

A visão de identidade neste trabalho, portanto, funda-se na compreensão de que falar da diferença, assumir uma posição no mundo pressupõe a apropriação de uma identidade, segundo a formulação de M. Santos (1995), cuidando-se para responder às questões das diferenças internas e externas que caracterizam

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determinada identidade coletiva, a exemplo do grupo dos/as idosos/as, com base no entendimento da política da identidade como não essencialista, não universalizante.

Essa compreensão da política da identidade como não essencialista, abre a possibilidade para a análise da problemática da pessoa idosa situando as variadas formas de subjetividade na trama complexa da interconexão de diversas categorias sociais que, como referido por Britto da Motta (1999), são conjuntos articulados de sistemas de relações estruturantes da vida social que lhe “dão sentido” ou “ensejam ao analista entrever um sentido”. Vários outros estudos, especialmente na literatura feminista (CASTRO, 1992; CRENCHAW, 2002; SAFFIOTI, 1992; SOUZA-LOBO, 1991), trazem essa profícua discussão, enfatizando como a classe social, o gênero, a raça/etnia, com menos frequência a idade/geração, perpassados por relações de poder, são tecidos por formas diversas de opressão, dominação e exploração definidoras dos processos vividos pelas pessoas e grupos sociais nos diversos contextos sociopolíticos e econômicos.

Repensar a política da identidade implica em se afastar de um padrão fixo e imutável assentado em naturezas inalteráveis e essenciais, para se sustentar num modo relacional e flexível de diferenciação grupal, geradora de múltiplos pertencimentos de todos os sujeitos envolvidos. É fundamental entender como possível a existência das diferenças livre de opressão, tanto entre como dentro de grupos. Na medida em que uma sociedade se torna complexa e altamente diferenciada, os grupos sociais são cada vez mais heterogêneos, e cada um deles contêm em suas diferenciações os outros grupos existentes na sociedade. Assim, as pessoas idosas não constituem um grupo único, unificado, no qual todos/as vivem igualmente suas experiências, mas, ao contrário, vivem diferentemente suas situações de gênero, classe, raça/etnia, sexualidade, religião e cada um desses aspectos, pode constituir-se em uma identidade grupal sobressalente. Até mesmo “[...] a pessoa individual, constituída em parte por suas afinidades e relações de grupo, não pode ser unificada, é ela mesma heterogênea e não necessariamente coerente” (YOUNG, 2000, p. 85). Nesse sentido, todas as pessoas têm múltiplas identificações grupais em nossa sociedade marcada pela complexidade.

Considerando as ambiguidades que cercam a noção de sujeito, Touraine (2002) assume uma posição crítica em relação à explicação do ator pelo sistema social e discute esta questão em vários de seus estudos. Em suas formulações, ele situa o sujeito enquanto construção do indivíduo como ator de sua própria existência e

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não do indivíduo como consumidor de normas e instituições sociais. O Sujeito só se define como ator e como conflito social. Ele não se afirma no indivíduo separado de sua situação social e cultural. O indivíduo, ou o grupo, não se faz sujeito, colocando-se acima das condições práticas da vida. O sujeito colocando-se constitui pela vontade de escapar da dominação que procura fazer dos indivíduos meros componentes de um sistema de controle sobre as atividades, as intenções e as interações recíprocas de todos e todas. Para tanto, ele toma consciência das forças, das regras, dos poderes, isto é, da dominação sofrida, que lhe impede de ser ele/a mesmo/a. Torna-se mais forte e consciente de si mesmo, por um lado, quando enfrenta os ataques que ameaçam sua autonomia e sua percepção ou sua capacidade de luta para fazer-se sujeito e por outro, quando se reconhece e se torna reconhecido, enquanto dotado de direitos específicos para os quais dirige suas ações principais para afirmar sua especificidade. Assim, a reivindicação do reconhecimento de direitos civis, sociais, políticos e culturais, aos quais a noção de sujeito está estritamente ligada, constitui-se na exigência que marca o mundo em que se vive. O direito de ser sujeito implica sua participação nas atividades econômicas, sociais e políticas informadas pelo exercício de seus direitos culturais e reconhecimento da condição de sujeito dos outros no quadro da diversidade (TOURAINE, 2002, 2007).

Garantir o sentido da existência implica sempre em lutas desiguais contra um poder, uma ordem que priva o sujeito dessa livre construção de si mesmo. A história nos traz exemplos de dominações sociais que foram enfraquecidas ou suprimidas por movimentos de libertação promovidos por aqueles que saíram da condição de subjugados e se tornaram sujeitos (TOURAINE, 2007).

Young (2000) considera que muitas dinâmicas institucionais operam a dominação, negando a participação de certas pessoas na determinação de suas próprias ações ou na determinação das condições de suas ações, isto é, negando-lhes a condição de sujeito de suas ações. Do mesmo modo, ao questionar o paradigma distributivo da teoria da justiça social, a autora sustenta que processos institucionais sistemáticos nas sociedades impedem que algumas pessoas desenvolvam e exerçam suas capacidades. São esses processos restritivos institucionalizados que configuram a opressão. Eles ocorrem num contexto social propício ao desenvolvimento da habilidade para a interação e comunicação entre as pessoas, dispostas, por sua vez, à escuta recíproca dos sentimentos e perspectivas, derivados das experiências específicas de cada um. Normalmente, as pessoas

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oprimidas são obrigadas a cumprir regras definidas por outras, isto é, são também submetidas a um sistema de dominação. Nesse sentido a opressão e dominação são sistemas que, quase sempre, se superpõem, ainda que haja razões para sua distinção, operando como mecanismos inibidores da constituição dos sujeitos. Com estes argumentos, a autora defende que os conceitos de opressão e dominação deveriam ser tomados como ponto de partida para a elaboração de uma concepção de justiça social.

A marca fundamental do fazer-se sujeito é carregada pelo esforço de rejeitar o lugar ou não-lugar socialmente definido. Esse processo é materializado pela ruptura das representações que impõem os indivíduos como subalternos, na medida em que elas não contribuem para constituí-los como atores pessoais ou coletivos libertos dos valores, normas e interesses dominantes que se pretendem universais. Nesse sentido, só é percebido o sujeito situado em relação ao poder, como detentor ou submetido a ele; sempre capaz de impor uma visão do mundo na relação com o outro; sempre em conflito consciente com as forças dominantes que procuram suprimir-lhe o direito e impossibilitar seu agir como sujeito.

Busco trabalhar a noção de sujeito, assumindo uma perspectiva que não implique o determinismo social, porém despida de todas as conotações de sujeito soberano indeterminado, para evitar a falsa dicotomia entre sujeito e estrutura. Isto significa compartir com Kergoat (1996) a ideia de que os sujeitos, simultaneamente, tanto sofrem a ação das relações sociais quanto agem sobre elas e desse modo constroem suas vidas individual e coletivamente por meio das ações práticas sociais. Em outras palavras, se por um lado a capacidade criadora do sujeito reelabora os conteúdos das estruturas sociais transformando-os em objeto de sua ação, por outro, como parte do mesmo processo, a ação torna-se co-determinada. Sader (1988, p. 56) também trabalha esta perspectiva, à qual me filio.

Há, pois, uma inerência recíproca de sujeito e objeto na própria constituição do sujeito. Nessa concepção, sujeito autônomo não é aquele (pura criação voluntarista) que seria livre de todas as determinações externas, mas aquele que é capaz de reelaborá-las em função daquilo que define como sua vontade. Se a noção de sujeito está associada à possibilidade de autonomia, é pela dimensão do imaginário como capacidade de dar-se algo além daquilo que está dado.

As palavras de Gouveia (2006, p. 206) expressam essa mesma linha de raciocínio: “[...] é necessário uma capacidade imaginativa que se apóia no real para

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projetar um futuro diferente.” O fazer-se sujeito não ocorre num vazio a-histórico, desprezando as implicações dos contextos e dos outros sujeitos. Nesse imaginar constrói-se a utopia da efetiva possibilidade de autonomia, cujo princípio básico ancora-se no pensar e agir por si mesmo/a. É preciso, no entanto, compreender a autonomia como o exercício das relações de alteridade, isto é, o reconhecimento dos outros como sujeitos, portando um projeto próprio de futuro e não o enclausuramento, em si mesmo, do sujeito e de seus projetos políticos. Nesse campo do político é que se opera a luta pela autonomia no sentido de oposição à dominação que impõe as mais variadas e violentas formas de desigualdade de geração, de gênero, de raça/etnia, de classe social, de orientação sexual, só para lembrar apenas essas dimensões. Operar a autonomia, tanto do ponto de vista teórico quanto da ação política, portanto, pressupõe o abandono da ideia de sujeito único da história e o apriori de sua nomeação, para assumir o desafio do reconhecimento da pluralidade dos sujeitos, visto que são todos estruturados, tanto em sua dimensão individual quanto coletiva, de vários lugares e contradições, por todas as dinâmicas da dominação e desigualdade que, embora articuladas entre si, utilizam, cada qual, uma lógica distinta.

Quando Young (2000) sugere que no contexto político atual fazer justiça social implica eliminar a opressão e dominação institucionais, ela assume uma posição crítica em relação ao paradigma distributivo de justiça social que implica implicitamente em dar primazia à substância e tende, desse modo, a conceber os indivíduos como átomos sociais. Essa ontologia social atomista que subjaz a muitas teorias contemporâneas da justiça, segundo a autora, ao presumir que o indivíduo é ontologicamente anterior às relações e instituições sociais, corresponde a uma concepção normativa do sujeito independente, unificado, situado fora da história e das afiliações, que se fez por si mesmo, do mesmo modo que escolhe livremente seu plano de vida. A autora afirma ainda que

[...] uma das maiores contribuições da filosofia pós-estruturalista tem sido expor como ilusória esta metafísica da subjetividade unificada e feita por si mesma, que postula o sujeito como uma origem autônoma ou como uma substância subjacente ao qual se poderia adicionar atributos de gênero, nacionalidade, papel familiar, inclinação intelectual, etc. Conceber o sujeito desta maneira implica conceber a consciência como anterior à linguagem, fora desta e do contexto de interação social ao qual ingressa o sujeito. (YOUNG, 2000, p.81).

Com essas referências, procurei pensar o esforço dos velhos/as trabalhadores/as em movimento para (re)afirmar sua condição de sujeito, como o

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centro de seu projeto de lutas. A presença do sujeito no movimento dos idosos/as é reconhecida pelo empenho em reivindicar direitos, por si mesmo, e construir uma imagem positiva do envelhecimento, conformada naquilo que lhe parece ser sua verdade. Nesse processo vai-se formatando e efetivando a pedagogia de sua libertação e em sua constituição como sujeito social/político, os/as idosos/as criam um campo de possibilidades no qual aqueles que envelhecem possam fazer-se sujeitos de suas próprias vidas. Assim, produzem novos significados pelo modo como vivenciam suas experiências de enfrentamento contra a dominação das forças sociais que insistem em congelar a imagem do idoso/a como aquele/a incapaz de constituir-se em agente da transformação de sua condição de existência. Daí sua reação contra, principalmente, os ativistas sindicais, mas sem deixar de lado os gestores institucionais da velhice que, contraditoriamente, em nome da defesa dos mais velhos/as, tentam impedi-los de falar por si. Em nome de seus direitos deixam escapar em suas práticas preconceitos discriminatórios calcados na ideologia da velhice, reconhecido mecanismo para a opressão e dominação dos/as mais velhos/as, que informa valores e representações depreciadores que negam sua condição de cidadãos e cidadãs.

A noção de cidadania insere-se aqui nas perspectivas do campo teórico e político que emergiram da luta por direitos, tanto à igualdade quanto à diferença, que em suas experiências concretas os movimentos sociais da década de 1980 desencadearam. O conceito de cidadania, na acepção de Marshall (1967), fundamenta-se em três dimensões, de acordo com seu desenvolvimento no processo histórico: a dimensão civil, associada aos Tribunais de Justiça, diz respeito ao direito à liberdade individual de ir e vir, de concluir contratos válidos, à liberdade de imprensa, de pensamento e fé, ao direito à propriedade e ao direito à justiça; a dimensão política trata do direito a participar no exercício do poder político, como um eleitor ou como um membro dos organismos investidos da autoridade política, e tem o Parlamento e os Conselhos de Governo local como Instituições associadas; a dimensão social da cidadania compreende desde o direito a um mínimo de bem-estar, até o direito de participação completa na herança social e de levar a vida conforme os padrões que prevalecem na sociedade. O sistema educacional e os serviços sociais são as Instituições mais estreitamente ligadas a essa dimensão. No entanto, uma noção nova de cidadania que caracteriza as demandas coletivas da sociedade contemporânea e alcança a dimensão cultural numa perspectiva de

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transformação é a marca do processo de construção da democracia enquanto novo estatuto teórico e político. A incorporação de estratégias de transformação social tem afirmado a ampliação do espaço da política que se entrelaça com a dimensão cultural num processo de construção e difusão de uma cultura democrática. Essa discussão está desenvolvida no Capítulo 2 deste trabalho.

Neste estudo, impõe-se também a análise do ponto de vista da categoria geração, vez que os aposentados constituem-se em um segmento de idade bastante definido e aqui enfocados enquanto participantes de um movimento político próprio de um determinado tempo social. Geração constitui-se em um termo polissêmico na literatura, na medida em que é empregado por diferentes autores para referir contextos específicos, imprimindo-lhe vários e muitas vezes ambíguos significados. É pertinente destacar as três perspectivas mais frequentemente utilizadas no âmbito das análises das ciências sociais, conforme sintetizado por Attias-Donfut (1995). No campo da antropologia define-se geração situando os indivíduos na ordem ascendente/ descendente como grupos de idade na família, sempre vinculados à filiação. Esta situação obedece, porém, à classificação de posições por funções, tanto na família quanto na sociedade, nas quais as obrigações, direitos e deveres são definidos conforme os grupos de idade tomados como gerações.

Do ponto de vista da demografia, falar de geração significa falar de indivíduos nascidos num mesmo ano ou mesmo intervalo de tempo, referidos a determinado evento, numa visão trabalhada com precisão cronológica, mais especificamente como coorte geracional. Na perspectiva especificamente sociológica, segundo Attias-Donfut (1995), uma geração define-se segundo a articulação entre o tempo cronológico – indivíduos nascidos no mesmo ponto do tempo, isto é, do mesmo grupo de idade – e as dimensões sociais históricas determinantes das experiências vividas em comum. Fala-se ainda de geração numa correspondência ao intervalo de tempo entre a idade média dos pais e a de seus filhos, isto é, como um período da história, não como grupos de indivíduos (ATTIAS-DONFUT, 1995). Bengtson (1993), nessa mesma linha, também discute os múltiplos usos do termo geração, mas apresenta outras caracterizações para significar, muitas vezes, os mesmos arranjos, enfatizando, principalmente, que se podem distinguir quatro formas de grupamento de idade que refletem os contextos nos quais o termo geração pode ser adequado. Nessa discussão, o autor faz uma distinção entre geração como o ordenamento dos descendentes na família e como coorte ou grupo de idade. Neste último caso, alude

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