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CENÁRIO DA PARTICIPAÇÃO DOS IDOSOS/AS NA BAHIA

4 A PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA EM TEMPOS DE ESTADO MÍNIMO

4.4 CENÁRIO DA PARTICIPAÇÃO DOS IDOSOS/AS NA BAHIA

Como já discutido anteriormente neste capítulo, na Bahia, as políticas de proteção social à velhice se inserem no contexto de um Estado com pouca tradição de experiências democráticas participativas, visto que o “mandonismo” das oligarquias, capitaneadas, nos últimos 30 anos anteriores a 2007, pelo “carlismo”, impunha um distanciamento da população das instâncias de decisão política. Assim, pode-se dizer que o que tem de avanço na política de proteção à velhice na Bahia é mais o resultado do esforço militante de grupos de pessoas, tanto ligadas aos movimentos da sociedade civil quanto à esfera governamental, do que mesmo uma disposição política dos governos (GOMES, 2008). Esses grupos, com destaque para o movimento dos aposentados e pensionistas, como revelam os dados desta pesquisa, bem como outros vinculados às áreas governamentais da saúde, por meio do Centro de Referência Estadual de Atenção à Saúde do Idoso (CREASI) e da assistência social, mediante a Coordenação do Idoso7, vêm enfrentando com denodo as dificuldades e têm levado adiante as discussões em defesa dos direitos dos idosos/as e contribuído enormemente para a viabilização dessas políticas no Estado.8

Desde 1980 iniciou-se no Estado da Bahia o trabalho relacionado à pessoa idosa, nos Centros Sociais Urbanos sob a responsabilidade da Superintendência de Desenvolvimento de Comunidades do Estado da Bahia (SUDESCO), passando pela estrutura da Secretaria do Trabalho e Assistência Social (SETRAS). Um pouco

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Essa coordenação inicialmente criada na estrutura da Secretaria do Trabalho e Assistência Social (SETRAS), atualmente, vinculada à Secretaria do Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza (SEDES).

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dessa história pode ser apreendida da fala de José Leôncio Brito, técnico da SEDES em entrevista no dia 19/06/2007:

[...] tudo começou em mil novecentos e oitenta e três quando eu entrei para o estado e fui designado a trabalhar no Centro Social Urbano Major Cosme de Farias em Luís Anselmo vinculado à Superintendência de Desenvolvimento de Comunidades do Estado da Bahia (SUDESCO) [...] estava sendo implantada no Centro Social Urbano o primeiro grupo de idosos dos centros sociais urbanos que contava com todo suporte da Legião Brasileira de Assistência (LBA). [...] Nós começamos esse trabalho, eu e uma colega assistente social cadastramos idosos da comunidade da antiga Baixa do Tubo, do Matatu, Cosme de Farias e Luís Anselmo. [...] Por volta de mil novecentos e oitenta nove no governo Waldir Pires oficializou o Programa de Atendimento ao Idoso – PAI vinculado à Secretaria de Assistência Social. [...] foi criado dentro do PAI, na época do governo de Waldir Pires, o Grupo de Trabalho Interinstitucional (GTI) para organizar as ações que vinham sendo realizadas por diferentes instituições que realizavam várias ações em prol do idoso, Grupos de Convivência, Instituições Asilares, SESC etc., e foi feito muita coisa relacionada à velhice. Então foi feita uma cartilha ‘Não se aposente da vida’, foi feito um curso de acompanhante de idosos em parceria com a Fundação Irmã Dulce financiado pelo Estado. [...] O coordenador desse trabalho era Doutor José ramos de Queiroz, um médico geriatra, uma pessoa altamente conhecida como lutadora pela questão do envelhecimento. [...] Aos poucos esse grupo foi se desfazendo e se extinguiu. [...] Começou a haver uma solicitação dos municípios para implantar grupos de convivência vinculados à SETRAS, então comecei a viajar. por vários municípios, reciclando, capacitando sobre as questões da política do idoso.

As políticas implementadas pelo Estado da Bahia no que tange aos direitos do idoso/a, como revela a fala acima, concentram-se, principalmente, nesses Grupos de Convivência de idosos, em numero de nove na capital, e no apoio a sua criação e funcionamento nos municípios interioranos, que conta com dezoito em seu total, cujas atividades são centradas nos aspectos culturais e de lazer, informadas pela ideia da velhice ativa e saudável. No âmbito da saúde a política especifica ao idoso/a se inscreve na lógica do funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), competindo ao estado, mediante uma Área Técnica da Saúde do Idoso responsável por propor ações de atenção à saúde da pessoa idosa no Estado, fazer apenas a gestão da assistência à saúde, ficando o atendimento direto à população a cargo dos municípios, sob a responsabilidade das equipes de saúde da família. Conta, porém, com um único serviço sistematizado, especializado no atendimento ao idoso no Estado – o CREASI, que além do atendimento ambulatorial à demanda referenciada, faz a triagem, e distribuição de medicações de uso contínuo e de alto custo. Fica assim evidente que em relação às definições da PNI, do Estatuto do Idoso, e do Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento há profundas

lacunas no Estado da Bahia, cuja falta, sobretudo, de uma coordenação eficaz e eficiente resulta em ações pontuais, desarticuladas e ineficazes no que concerne a essas políticas destinadas a pensar, propor e desenvolver soluções aos problemas relacionados ao envelhecimento.

Sensibilizada pela iniciativa desses movimentos e atendendo ao que define a PNI recém-aprovada, a Assembleia Legislativa da Bahia aprovou a Lei 6.675, em 8 de setembro de 1994, que autorizou a instituição do Conselho Estadual do Idoso (CEI) pelo Poder Executivo, no entanto, somente depois de quase oito anos, em março de 2002, pelo Decreto nº 8.188 (BAHIA, 2009b), é que o referido conselho foi instituído, sendo instalado sete meses depois, em outubro do mesmo ano, como parte da estrutura da Secretaria da Justiça e Direitos Humanos do Estado da Bahia (GOMES, 2008). Uma das competências desse conselho é assessorar os órgãos governamentais na formulação de políticas públicas destinadas à assistência dos idosos (Art.2º). O que mais chama a atenção nessa legislação é a contradição quanto à prática democrática, visto que as entidades da sociedade civil para se fazer representar na composição desse fórum já estão indicadas na Lei (Art. 3º). Tal procedimento constitui-se em uma contradição em relação aos princípios que animaram as propostas originais de criação desses instrumentos participativos. As referidas propostas pretendem radicalizar o processo democrático, mediante a incorporação da sociedade civil investida de poder de decisão política, buscando nas experiências desses espaços seus parâmetros de orientação permanente. Da forma como está posta a indicação das entidades da sociedade civil, tanto na lei que criou quanto no decreto que instituiu o CEI – Bahia, sem nenhuma explicação sobre quem as elegeu e com quais critérios, deixa suspeição quanto a suas possibilidades de contribuir efetivamente com o avanço das mudanças relacionadas à garantia da cidadania dos idosos/as na Bahia. Ele já nasce padecendo do mal que caracteriza o vício autoritário que sempre marcou a política no Estado da Bahia. Esse traço negativo se expressa nessa prática que não cuida de respeitar a dinâmica mutável da realidade social e a autonomia das organizações da sociedade civil, com reconhecida trajetória histórica na área de envelhecimento, para eleger democraticamente aquelas que devem representá-las nesse espaço de poder decisório.

A Política Estadual do Idoso definida na Lei nº 9.013, sancionada pelo governo do Estado em fevereiro de 2004 (BAHIA, 2009a), cuja proposta foi

elaborada pelo CEI, estabelece que a Secretaria do Trabalho e Ação Social é a responsável por sua implementação. Atualmente as políticas do âmbito da ação social, inclusive as que se referem ao idoso, estão sob a responsabilidade da Secretaria do Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza (SEDES). Essa política define também que o Conselho Estadual e os Conselhos Municipais do Idoso são órgãos permanentes, deliberativos e paritários, com igual número de representantes de entidades públicas e organizações da sociedade civil, ligadas ao envelhecimento. A Política Estadual do Idoso não trata sobre o processo da escolha das entidades componentes dos conselhos Estadual e municipais dos direitos da pessoa idosa, mas define sua competência como a de formular, coordenar, supervisionar e avaliar a política do idoso, no âmbito das respectivas instâncias político-administrativas (Art.6º), seguindo em grande medida as definições da Política Nacional do Idoso. Para o cumprimento do controle e fiscalização da política estadual do idoso o Conselho Estadual deve ser subsidiado pelo Plano Governamental Integrado e os relatórios semestrais e/ou anuais das atividades e realização financeira dos recursos destinados à implantação da política do idoso, que devem ser encaminhados pela SEDES, secretaria responsável, hoje, pelas ações governamentais voltadas à implementação dessa política (Art. 7º). É importante ressaltar que a competência do Estado, por meio da SEDES, é o de participar na formulação, acompanhamento e avaliação da PEI (Art.7º). A ênfase no “participar” retrata o compartilhar esse processo de formulação dessas políticas com a sociedade, por meio dos conselhos gestores a quem compete prioritariamente essa formulação.

Os elementos que existem no Brasil, e particularmente na Bahia, sobre as experiências de participação, nos fazem pensá-las tanto como experiências positivas quanto negativas, na medida em que o ideal de participação da sociedade civil pode ser apropriado por setores dominantes que o utilizam para transformar a democracia participativa em nada menos que categorias da mercantilização (SANTOS; AVRITZER, 2002). Vale lembrar, no entanto, que a dinâmica objetiva da participação de forma efetivamente democrática nos espaços públicos não estatais confronta permanentemente com a concepção hegemônica que tende a contestar a extensão da democracia como excesso de demandas, ou busca descaracterizá-la mediante a cooptação ou a integração, implicando na vulnerabilidade e ambiguidade do processo participativo.

Esse risco se torna possível, principalmente, com a abertura do regime e da postura defensiva como resultado do impacto das políticas neoliberais iniciadas no governo Fernando Collor de Mello, em que a maioria dos movimentos sociais perdeu visibilidade. Foram assumindo novas estratégias políticas menos expressivas, investindo em outros canais de comunicação e participação, a exemplo dos conselhos, fóruns de debates e conferências. A utilização dessa nova forma de relação entre Estado e sociedade civil, práticas que propõem assegurar o direito dos sujeitos-cidadãos serem co-partícipes da gestão das políticas públicas, constituiu a sociedade civil em espaço fundamental de luta política para a construção da cidadania. Significa uma nova fase dos movimentos sociais representa “[...] pelo esforço de adequação à institucionalidade democrática” (DAGNINO, 2004, p. 110), e tornou-se, em muitas situações dessa conjuntura, uma estratégia de luta alternativa. Em tal contexto os velhos/as aposentados/as e pensionistas, figuram na arena política com as formas de atuação possível, reinventando e jogando novas peças que podem ser definidoras nesse jogo de poder.

Discutirei, nos capítulos seguintes, com detalhe etnográfico, as várias estratégias que os idosos/as em movimento na Bahia vêm utilizando para se fazerem ouvir e as dificuldades enfrentadas na tensão com as gerações mais jovens, na tentativa de se fazerem reconhecer enquanto sujeito de suas lutas por direitos de cidadania.