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VOZES QUE SE MESCLAM PARA CONSTRUIR NOVOS SIGNIFICADOS

5 UMA PEDAGOGIA NOVA: A INVENÇÃO DE QUEM ENVELHECE

5.1 VOZES QUE SE MESCLAM PARA CONSTRUIR NOVOS SIGNIFICADOS

Os/as idosos/as e militantes políticos do movimento dos aposentados e pensionistas de Salvador, não se sentindo seguros quanto a sua autonomia ante a tensão com os ativistas sindicais, que insistem em levar a representação dos direitos à aposentadoria para dentro da institucionalidade sindical, vêm, como já mencionado, criando várias formas de ampliar sua base de sustentação política.

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Nesse sentido vêm investindo na luta por demandas da pessoa idosa que não constam das pautas sindicais. Observa-se, aqui, um dilema imposto pela tensão entre ações orientadas pelas demandas materiais restritas aos benefícios da Previdência e aquelas ações que correspondem aos demais requerimentos de direitos mais abrangentes relativos à condição dos mais velhos, incluindo aqueles de natureza cultural, de saúde, educação, circulação, segurança, dentre outros. A utilização do Estatuto do Idoso como a âncora da ação e reflexão sobre a realidade dos/as mais velhos/as é fundamental nesse esforço para a superação desse dilema. Essa política pública representa um forte apelo identitário, visto que sua conquista resulta da ação, principalmente, do próprio movimento político dos aposentados/as e pensionistas. A criação do Fórum, na Bahia, constitui-se no substrato para a ancoragem dessa conquista. Nesse sentido, serve de palco para a articulação de múltiplas vozes em campos diversos de atividades com pessoas idosas, em cuja dinâmica propõe elaborar estratégias com vistas à transformação da situação de opressão vivida em suas variadas formas pelos que envelhecem em nossa sociedade. Essa construção vem-se dando em ações coletivas, no esforço do consenso, no qual solidariedade, conflitos e negociações de várias orientações que caracterizam a interação de subjetividades plurais, servem-lhe como ingredientes. Essas ações coletivas promovidas pelo Fórum, partindo desse intercâmbio de motivações plurais, são acompanhadas de discussões reflexivas, como adiante apresentado. Funda-se, assim, uma pedagogia nessa engrenagem de uma verdadeira práxis orientadora da luta que os/as mais velhos/as travam no contexto da “[...] nova cidadania enquanto estratégia política” (DAGNINO, 2004, p. 115).

As primeiras ações coletivas com vista a enfrentar esta questão, além das palestras e debates com representantes do Ministério Público e Sessões Especiais na Câmara de Vereadores, foram as manifestações públicas na Praça Municipal, onde está sediada a Prefeitura do Município do Salvador, para reivindicar a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos e semiurbanos, do modo como prescreve o Estatuto do Idoso. Uma das principais reivindicações refere-se à concessão do benefício a partir dos 60 anos e não dos 65, de acordo com o Parágrafo 3º do Art. 39 do referido Estatuto, o que implica na aprovação de legislação local, envolvendo os poderes Executivo e Legislativo. O texto a seguir, distribuído ao público nessas manifestações, ilustra bem a reivindicação referida.

“Passe livre aos 60 anos: a luta continua”

Desde janeiro, quando foi sancionado o Estatuto do Idoso garantindo a gratuidade nos transportes aos idosos acima de 65 anos foi instalado em Salvador o Fórum Permanente sobre as Questões do Idoso para garantir o cumprimento da lei. Uma das propostas do Fórum é que a idade mínima para a aquisição do benefício seja aos 60 anos. A própria lei dá autonomia aos poderes locais (Prefeituras, Câmaras de Vereadores, assembleias Legislativas ou Governos estaduais) para fazer a mudança. A proposta, porém, tem encontrado resistências da parte dos vereadores governistas e dos ligados aos esquemas do transporte. Os de Salvador, por exemplo, relutam em colocar em votação o projeto que já está na Câmara para apreciação. (FÓRUM, 2004).

Até hoje essa reivindicação não foi conquistada e de acordo com o Sr. Gilson Costa2 “[...] a mobilização dos idosos/as ainda não foi suficientemente capaz de pressionar os poderes constituídos. O movimento iniciou, mas ainda não teve força necessária para fazer garantir o direito”. (Reunião do Fórum 21/05/07 – anotação no diário de campo).

A segunda grande iniciativa, conforme a demanda dos/as idosos/as, foi a audiência com o Secretário de Segurança Pública do Estado, tendo como ponto de pauta a instalação da Delegacia do Idoso, no que foram atendidos. De imediato o Secretário tomou as devidas iniciativas e solicitou a parceria dos membros dirigentes do Fórum, que de pronto prestaram seu apoio, localizando um imóvel adequado ao funcionamento da delegacia, cuja inauguração ocorreu no dia 31/07/2006, num ambiente festivo.

Logo à entrada do prédio os convidados eram recepcionados por um bloco de senhoras idosas, membros do Centro Social Urbano de Mussurunga, vestindo trajes típicos de “baianas”; acompanhadas por três violonistas, que entoavam juntos várias músicas em ritmo de seresta, dentre elas uma alusiva aos aposentados. Em seguida duas delas começaram a dançar animadamente seguidas músicas, agora, em ritmo de samba. Muitos idosos e idosas foram entrevistados/as pela imprensa presente, demonstrando, muitos deles, consciência de seus direitos. Nesse evento tanto o Secretário de Segurança Pública do Estado da Bahia, quanto a Delegada titular que acabava de assumir a Delegacia do Idoso, Delegada Márcia Telma Bittencourt, destacaram em seus discursos a importância da luta do movimento político dos idosos/as dirigido pelo Sr. Gilson e seus companheiros/as do Fórum

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O Sr. Gilson Costa é, de longa data, o principal dirigente desse movimento na Bahia e destacado dirigente a nível nacional.

para que se efetivasse, naquele momento, a instalação de uma Instituição de defesa do idoso/a contra a violência.

Continuando a intervenção para viabilizar a efetivação do que determina o Estatuto do Idoso, outra mobilização importante nesse sentido diz respeito à criação no Estado de um organismo Institucional para pensar, coordenar e monitorar as políticas públicas e ações garantidoras dos direitos do idoso/a. Para tanto a reunião do Fórum do dia 21/05/07 abriu-se para uma discussão sobre a importância do referido organismo institucional pelas inquietações, expressas em entrevistas, de um técnico da Superintendência de Assistência Social (SAS) da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza (SEDES), participante do Fórum.

No Governo Wagner as políticas sociais passaram a ser objeto da administração direta da SAS/SEDES, que passou a funcionar sob nova orientação. Em obediência às determinações do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em fase de implantação e prioridade naquela Superintendência, as coordenações específicas por segmento foram extintas e adotada a estrutura administrativa determinada pelo SUAS, conforme os níveis de complexidade – proteção básica, proteção especial de média complexidade e proteção especial de alta complexidade. Nesses três setores foram pulverizadas as políticas de atenção ao idoso/a, tornando-se mais complexa a administração de sua especificidade e consequentemente mais difícil sua já pouco importante viabilização.

Nesse quadro, o Fórum Permanente em Defesa do Idoso articulou uma audiência com o Governador Jacques Wagner e foi criada a Coordenação Estadual de Política Pública do Idoso como parte da estrutura da SAS/SEDES. Considerando as ações da política estadual do idoso isoladas em diversas secretarias Leôncio, técnico da SAS/SEDES falando na mesma entrevista já referida acredita que

[...] com essa coordenação eu acho que há possibilidade de melhor organizar as ações dessas várias áreas, integrando saúde, cultura, lazer, educação, previdência, e fazer grandes eventos. Organizar um comitê para discutir isso e o que é que precisa melhor ser trabalhado na questão da melhoria da qualidade dos serviços que são prestados na construção da própria rede como foi colocada na Conferência Nacional do Idoso, uma rede de proteção e defesa ao idoso. Agora, para isso essa coordenação [...] deve ter poder político e econômico, deve ter condições dignas de funcionamento, ter funcionários capacitados e dirigentes comprometidos.

No entanto a Coordenação do Idoso, recém criada, não constando do regimento da SEDES, não foi incluída no Plano Plurianual (PPA). Sem recursos, o

funcionamento desse organismo fica inviável e até então não passa de um “faz de conta”. Frente às incompreensões sobre as políticas específicas relacionadas à pessoa idosa no Estado da Bahia, o Fórum vem pensando na reivindicação de um instrumento da institucionalidade do Estado para substituir a referida Coordenação. Vem buscando desenhar, nessa proposta, um novo formato desse organismo para que possa garantir a participação sistemática das pessoas em benefício das quais suas ações serão efetivadas – os próprios idosos/as. Participação, enquanto sujeitos, para pensar e definir as políticas destinadas a melhorar a vida dos/as mais velhos/as no âmbito do Estado da Bahia. Para tanto, o movimento político dos aposentados/as, pensionistas e idosos/as da Bahia, mediante o Fórum, reivindica, para tal organismo, autonomia orçamentária e administrativa, levantando como questão imprescindível para a indicação dos/as seus/suas gestores/as, um processo radicalmente democrático, no âmbito da sociedade civil autenticamente organizada em defesa dos/as idosos/as. O Fórum mantém-se gestante dessa perspectiva.

Vários seminários têm sido organizados, não só na Casa do Aposentado, como na Reitoria da UFBA, e várias palestras são proferidas em espaços cedidos pelas entidades que têm assento no Fórum Permanente, versando sobre os direitos da pessoa idosa, enfatizando sempre os eixos trabalhados no Estatuto do Idoso e conclamando aqueles/as de mais idade para lutar por sua efetivação na condição de sujeitos e não como massa de manipulação dos mais jovens, além das manifestações em praças públicas, caminhadas e concentrações. Nas várias atividades promovidas pelo Fórum enfatiza-se sempre: “Nosso principal objetivo é formar os dirigentes de associações e os idosos sobre o Estatuto do Idoso e as questões da Previdência, visando reproduzir esta experiência desse Fórum Permanente no Interior” (Gilson Costa – 13/06/05, reunião do Fórum – anotação no diário de campo). Desde o primeiro seminário realizado pelo Fórum, chamou-se a atenção para a importância do idoso lutar por seus direitos como garantia do exercício de sua autonomia e “não apenas participar de atividades de lazer, festinhas, viagens turísticas.” (Gilson Costa – 15/04/04, reunião do Fórum – anotação no diário de campo). Essa fala faz alusão aos grupos de convivência de idosos/as, e grupos de “3ª idade” cujas atividades, quase sempre centradas no campo cultural, não são, na maioria das vezes, pensadas e decididas pelos próprios membros participantes, mulheres em grande maioria, mas pelos agentes públicos ou privados investidos do poder de gestores/as da velhice.