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A SOCIEDADE CIVIL NOS CAMINHOS DE UMA NOVA CIDADANIA

2 A CIDADANIA NO CONTEXTO DA PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA

2.1 A SOCIEDADE CIVIL NOS CAMINHOS DE UMA NOVA CIDADANIA

Os chamados novos movimentos sociais, em cujo contexto emerge o movimento dos/as velhos/as trabalhadores/as, não advogam a recusa do Estado,

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Várias destas pesquisas estão retratadas nos trabalhos de Dagnino (2002), Dagnino, Olvera e Panfichi(2006), Santos (2002) e Avritzer (2007) dentre outros.

mas, ao contrário, o alargamento dos limites da política para além deste, em direção à sociedade civil. Esse cenário traz à baila o debate sobre a definição desta sob a perspectiva da transformação social. Vale, então, retomar aqui a discussão sobre seu conceito para situar a ressignificação do mesmo, levando-se em conta que a sociedade civil tornou-se o palco privilegiado da ampliação das fronteiras da lide política no contexto da retomada democrática na América Latina e no Brasil especificamente.

A retomada do conceito de sociedade civil deveu-se às possibilidades que ele oferecia para uma compreensão intelectual de uma nova estratégia de transformação dos regimes autoritários, principalmente na América Latina e no Leste Europeu. Ressurge, assim, para indicar o território social de resistência contra esses

mecanismos de dominação, em cujo espaço tem lugar um potencial de nova expansão da democracia nos regimes democrático-liberais, retomados nessas regiões. Nesse cenário se coloca em questão as considerações de que o conceito de sociedade civil não responde às disfunções e injustiças das sociedades complexas da contemporaneidade. Essa estratégia baseava-se, inicialmente, na autonomização da organização da sociedade civil, na retomada das relações sociais fora do Estado autoritário, na definição de uma esfera pública independente e distanciada de qualquer forma da influência oficial, estatal ou sob o controle dos partidos. Referenciado nesses princípios, no decurso de toda a década de 1980, o desenvolvimento do conceito de sociedade civil oferecia a ferramenta básica nesses países, em processo de reconstrução de regimes democráticos, aliado à invenção de novas estratégias políticas. Do mesmo modo, essa discussão se ampliou em seguida aos países ocidentais, marcados com a presença de uma sociedade civil bem estabelecida no âmbito de democracias concretas, em busca de descobertas de novas potencialidades de democratização (ARATO, 1995).

Numa perspectiva histórica, segundo vários autores, uma gama de significados é atribuída ao conceito de sociedade civil, desde sinônimo de Estado em oposição ao “Estado de natureza” do período pré-contratual, até a separação e oposição ao Estado, tomada na acepção neoliberal contemporânea, como lugar da eficiência social em relação à ineficiência inerente à intervenção estatal. A preocupação comum dos filósofos políticos até o século XVIII2 centrava-se nas condições que permitissem aos seres humanos superar o Estado de natureza

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mediante a organização da civilidade humana. Para eles, na contraposição entre sociedade civil e o estado de natureza, ou estado natural reside o caráter inovador da sociedade, ao estabelecer um novo estágio na evolução do governo, baseado na relação contratual sustentada em regras legais. É comum a todos aqueles pensadores a ideia de que é irreversível a opção radical de constituir a sociedade civil e o Estado moderno para abandonar o estado natural, de modo a resolver os problemas das antinomias entre coerção e consentimento, entre igualdade e liberdade, entre direito natural e direito civil pelos meios próprios da civilidade, diferente dos mecanismos não modernos (SANTOS, 2000). Uma sociedade civil3, sob os auspícios da cidadania requerida por uma comunidade política, na qual se faz possível a discussão racional. Boaventura Santos (2000, p. 83) assegura que na grande narrativa constituinte do contrato social se funda a complexa e contraditória obrigação política moderna, visto que assentada na prerrogativa da liberdade entre os homens com vistas a sua maximização: “O contrato social é assim a expressão de uma tensão dialética entre regulação social e emancipação social que se reproduz pela polarização constante entre vontade individual e vontade geral, entre interesse particular e o bem comum.” O que se designou por sociedade civil configura o campo no qual se desenrola, de forma pacifica e democrática, essa polarização sob a garantia do Estado nacional, do direito e da educação cívica. O contrato social assim pensado, como qualquer outro, pressupõe critérios que definem o que deve ser incluído e obviamente, também, o que deve ser excluído. Nesse sentido, esse processo contratual se constitui em um campo de lutas relacionado a esses critérios de inclusão e exclusão, cujos termos vão se refazendo de acordo com a correlação de forças dos que participam dessa contenda.

Os teóricos do final do século XVIII, com a emergência da economia política, associaram a sociedade civil à sociedade capitalista de mercado. Estabeleceram uma vinculação estreita do conceito de sociedade civil à divisão do trabalho, à produção em massa e à extensão das relações de propriedade privada. Responderam a essas características do capitalismo moderno, mediante um processo gradual de descolamento da sociedade civil do político para centrá-la no econômico. Karl Marx destaca-se entre esses teóricos.

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O termo sociedade civil se vinculava ao termo civilidade, marcada pela autonomia do indivíduo de quem se requeria um comportamento respeitoso, tolerante e de confiança em relação aos outros, resultado do controle sobre a violência, obediência às regras de conduta e respeito à lei (KALDOR, 2003 citado por RAMOS, 2005).

Nas minhas pesquisas cheguei a conclusão de que as relações jurídicas – assim como as formas de Estado – não podem ser compreendidas por si mesmas, nem pela dita evolução geral do espírito humano, inserindo-se pelo contrário nas condições materiais de existência de que Hegel, à semelhança dos ingleses e franceses do século XVIII, compreende o conjunto pela designação de ‘sociedade civil’; por seu lado, a anatomia da sociedade civil deve ser procurada na economia política. (MARX, 2003, p. 4).

Buscando responder, principalmente, a Hegel e sob sua influência, como mostra a afirmação acima, Marx concebe a sociedade civil associada à esfera da produção e sua constituição como o limiar da modernidade. Para ele a sociedade civil caracteriza-se por relações sociais de poder entre classes antagônicas – burguesia e proletariado – constituindo-se assim no território da luta dessas classes que emergem de uma forma específica da organização da produção. Por conseguinte, a sociedade civil em Marx é o lugar marcado pelas relações econômicas que antecede, subordina e em “ultima instância” determina a ordem política – o Estado. Nesta concepção, o Estado moderno aparece como o reflexo das definições de uma sociedade de classes, na qual seu sujeito histórico, a burguesia, se libertou dos vínculos do Estado absolutista. Frente a este, a classe burguesa conquistou a emancipação política, contrapondo ao Estado tradicional os direitos do homem e do cidadão. Tais direitos, na verdade, protegem os interesses da burguesia triunfante em relação ao absolutismo de então e mais adiante em relação à permanente luta com o proletariado. Portanto, a constituição de uma esfera privada da produção, separada, tanto do campo afetivo da família quanto do domínio público formal do Estado político, é condição prévia para o surgimento da sociedade civil. É nessa esfera privada da produção que se dão as relações entre os indivíduos e a divisão do trabalho é a marca definidora das trocas materiais entre eles. Em Marx todo esse processo decorre do triunfo das relações capitalistas de produção (MARX, 2003, 1988; MARX; ENGELS, 1981a).

O termo “sociedade civil” comporta, assim, uma grande variação em seu significado, conforme a mudança dos contextos históricos, dos autores, das perspectivas políticas que influenciam o surgimento das diversas correntes teóricas envolvidas na discussão e elaboração de seu conceito ao longo da história. Diante dessas várias possibilidades, no entanto, muitos autores que recorreram à estratégia de reelaboração desse conceito, na atualidade, fundamentam-se nas tradições intelectuais do discurso ocidental neomarxista, ou análogas a estas, ancorados

especialmente nas formulações de Gramsci (1984, 2000), nas quais encontram utilizações práticas desse conceito e da dicotomia Estado/sociedade.

A matriz gramsciana vem contribuir nesse debate com o desenvolvimento da perspectiva marxista de sociedade civil. Para tanto, elabora a noção de Estado ampliado para se referir não apenas ao aparelho governamental, mas também ao “aparelho de hegemonia privado”, ou sociedade civil que caracteriza as formas de Estado capitalista(LEAL, 1996; FLEURY,1994). Consoante Gramsci (1984, p. 149): “[...] deve-se notar que na noção geral do Estado entram elementos que também são comuns à noção de sociedade civil (neste sentido, poder-se-ia dizer que Estado = sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia revestida de coerção).” O esforço de Gramsci nessa formulação é para explicar a complexidade dos mecanismos pelos quais uma classe exerce seu poder, segundo ele, mediante uma relação dialética entre formas coercitivas e consensuais de luta.

O exercício ‘normal’ da hegemonia, no terreno tornado clássico do regime parlamentar, caracteriza-se pela combinação da força e do consenso, que se equilibram de modo variado, sem que a força suplante em muito o consenso, mas, ao contrário, tentando fazer com que a força pareça apoiada no consenso da maioria, expresso pelos chamados órgãos da opinião pública – jornais e associações – os quais por isso, em certas situações, são artificialmente multiplicados. (GRAMSCI, 2000, p. 95).

Pode-se notar, como Portelli (1997), que essas ideias se ancoram na distinção de um nível superestrutural no interior do Estado – a hegemonia. Esta torna-se um conceito crucial no sistema de Gramsci e diz respeito aos mecanismos de manutenção da liderança ideológica dos dominantes sobre os subalternos na sociedade civil. Dizendo de outro modo, a sociedade civil, enquanto complexo da superestrutura ideológica, nessa perspectiva, é o lugar no qual um grupo social dominante exerce a hegemonia cultural e política sobre o conjunto da sociedade e constitui a esfera de mediação entre a infraestrutura econômica e o Estado, na medida em que encerra o “conteúdo ético do Estado”. Gramsci (1984, 2000) toma a sociedade civil como elemento da superestrutura e não da estrutura (relações de produção) como considera Marx (1988, 2003), diferenciando-se deste nesse aspecto. A sociedade civil em Gramsci, na qual se estabelecem as relações ideológicas e culturais, a vida espiritual e intelectual, engloba organismos sociais relativamente autônomos em relação à sociedade política (Estado). Essas organizações, tais como, sistema escolar, sindicatos, igrejas, partidos políticos,

organizações profissionais, meios de comunicação de massa, segundo Carnoy (1986), são instrumentos de elaboração e difusão das ideologias, cuja expressão política de suas relações torna-se o eixo da análise em Gramsci.

A outra esfera essencial da superestrutura, em Gramsci (1984), a sociedade política, agrupa o aparelho de Estado que reúne os mecanismos da superestrutura que dizem respeito à coerção. Tal processo se faz mediante as burocracias executivas e policial-militar com as quais a classe dirigente exerce a dominação e garante a ordem estabelecida mediante a força da coerção. De modo diferenciado, no âmbito da sociedade civil, é pela direção política e do consenso que as classes buscam exercer sua hegemonia (PORTELLI, 1997). No entanto essa distinção entre sociedade civil e Estado, em Gramsci (1984, 2000), trata-se de uma questão puramente de método, visto que esses dois momentos estão fundidos, não são organicamente separados (GRUPPI, 1986).

Com essa concepção de Estado ampliado no qual incorporou a sociedade civil para explicar o papel da hegemonia da classe dominante, segundo Carnoy (1986), a referida hegemonia se constitui não como um polo oposto à coerção, mas como uma síntese de consentimento e repressão. Assim, a hegemonia não se limita à sociedade civil, ela está em todo lugar, embora sob formas diferentes. Está também presente no Estado, que se torna um aparelho de hegemonia que abrange a sociedade civil, distinto desta, porém por seus aparelhos coercitivos exclusivos. Nesse esforço teórico, de acordo com Carnoy (1986) e Gruppi (1986), Gramsci busca compreender como se sustenta a coesão de um conjunto de forças políticas e sociais determinado, ou “bloco histórico”, em suas relações entre estrutura econômica e Estado. Como as classes dominantes inculcam nas outras classes, cujos interesses são antagônicos a seus, sua concepção de mundo, sua cultura, tentando impedi-las de formular sua própria, buscando mantê-las subalternas, com uma maneira de pensar destituída de organicidade e capacidade crítica. Todo esse seu empenho se justifica na busca de estratégias políticas destinadas à superação do capitalismo nas sociedades capitalistas avançadas. Para tanto ele defende a capacidade dos subordinados para desenvolverem a consciência de sua subordinação e criarem a contra-hegemonia com a qual poderão confrontar, mediante uma “guerra de posição”, a hegemonia dominante. Cria, assim, a possibilidade de construção de uma outra sociedade conformada por normas e valores novos, isto é, pela cultura dos subordinados.

As formulações de Gramsci (1984, 2000) sobre hegemonia e Estado ampliado elaboradas no curso de sua análise sobre a dominação de classe nas sociedades industriais desenvolvidas é também útil para explicar e lutar contra outras formas de dominação na sociedade contemporânea, como as de idade/geração, gênero, raça/etnia etc. Essas ideologias arraigadas na consciência dos subordinados operam como empecilho à elaboração da contra-hegemonia. A possibilidade de qualquer forma de emancipação implica a consolidação de uma contra-hegemonia. A construção de uma nova hegemonia torna-se a estratégia central da transformação social, em cujo processo a reforma moral e intelectual tem fundamental relevância. Esses fundamentos animaram os movimentos sociais que emergiram na América Latina, de um modo geral, e no Brasil em particular, a partir da década de 1970, empenhados em fundar uma contra-hegemonia que se apresentasse como alternativa ao modelo dominante de organização da sociedade. Nesse cenário se insurgem os aposentados, pensionistas e idosos/as em movimento, desmontando, com suas lutas, o que a sociedade definiu como adequado aos mais velhos/as. Eles/as vêm insistindo em assumir novos espaços e comportamentos que tradicionalmente lhes foram negados. A criação do Fórum Permanente em Defesa do Idoso na Bahia, lócus principal da empiria neste estudo, busca consolidar essa postura contra-hegemônica.

Muitos outros autores mantêm presente nesse debate outras matrizes teóricas, tais como a neotocqueviliana, a habermasiana e a neoliberal. A visão neotocqueviliana, segundo Ramos (2005), baseia-se na ideia de que a garantia da liberdade e da igualdade se assenta no associativismo e na auto-organização, isto é, na existência de uma sociedade civil ativa. A existência de um setor voluntário ativo que faça frente ao poder estatal se constitui no fator fundamental para o funcionamento da democracia. Para explicar a importância desse fenômeno tal perspectiva vale-se do conceito de capital social entendido como formas de cooperação para fomentar o benefício mútuo, mediante a organização em redes de engajamento cívico. Tais redes de interação social trazem a vantagem de definir normas fortes de ajuda recíproca de modo generalizado, fazendo possível a emergência da confiança social. Além disso, possibilitam a resolução dos problemas de ação coletiva, visto que a coordenação e a comunicação são facilitadas. E mais, sob a orientação de redes de interação social em situações de negociação política e econômica os oportunismos são desestimulados. A sociedade civil, nesta perspectiva, se constitui, por excelência, como o lugar das associações voluntárias e

livres, nas quais o cidadão participa para defender seus interesses privados, numa relação de reciprocidade com outros e, desse modo, contribuem para a estabilidade democrática liberal.

Habermas (1987), segundo Vieira (2009 não trabalhou propriamente uma teoria da sociedade civil, no entanto, segundo o complexo sistema filosófico que ele construiu, baseado em sua Teoria da Ação Comunicativa, oferece um campo analítico no qual se pode situar esse conceito. Para Habermas (1980, 1987 ), uma razão comunicativa se opõe à razão instrumental. Cunhou-se o termo razão instrumental no contexto da crítica dos processos racionais da modernidade, no qual os frankfurtianos da primeira geração – Adorno, Marcuse e Horkheimer – desenvolveram os pressupostos da teoria crítica. Tal termo foi elaborado para significar a instrumentalização da razão ocidental, na qual o sujeito do conhecimento entende que conhecer significa dominar e controlar a natureza e a sociedade. Nesse sentido, a racionalidade da ciência e da técnica aparece como uma racionalidade imanente de manipulação e dominação (GROSSI, 2007). Habermas (1980), em seu ensaio Técnica e Ciência Enquanto “ideologia”, com base na obra de Herbert Marcuse, a quem dedica o texto, reflete sobre essa questão.4 Para estabelecer esse diálogo crítico com a visão sociopolítica de Marcuse, sobre a razão instrumental e

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De acordo com Habermas (1980), Marcuse sustenta que o processo de “racionalização” da atividade econômica capitalista, como formulado por Max Weber, dissemina, em nome da racionalidade, uma forma não explícita de determinada dominação política. Está embutido na estrutura do agir racional-com-respeito-a-fins o exercício do controle. Essa espécie de racionalidade não condiz com os interesses gerais da sociedade. As estratégias escolhidas, as tecnologias empregadas e os sistemas organizados são orientados pelos interesses de determinados grupos sociais, implicando dominação quer sobre a natureza, quer sobre os seres humanos, não apenas na aplicação, mas na própria técnica em si. Os interesses determinados se impõem à técnica desde a construção do seu próprio aparato e não se constituem em uma forma acessória exterior. E mais, ainda que a repressão imposta aos indivíduos sempre mais subjugados ao gigantesco aparato da produção e distribuição no âmbito da racionalidade da dominação pareça cada vez mais desnecessária e irracional, paradoxalmente ela foge da consciência desses mesmos indivíduos, visto que a dominação encontra fundamento para sua legitimação no aumento sempre crescente do domínio da natureza e das forças produtivas ligadas ao progresso técnico-científico e consequente aumento da produtividade do trabalho, provedora das necessidades dos indivíduos num nível de ampliação das comodidades da vida. Nesse universo, a racionalização da não-liberdade do homem, impeditiva de sua autonomia para determinar sua própria vida, é também operada pela tecnologia. Habermas (1980) polemiza tais posições de Marcuse, objetando que uma revolução na ciência e na técnica seria a única saída para a emancipação se não houvesse outra maneira de interpretar a fusão da técnica e da dominação, da racionalidade e da opressão a não ser afirmando o conteúdo do a priori material da ciência e da técnica como um projeto de mundo informado pelo interesse de classe e pela situação histórica. Quando Marcuse aponta a ruptura desse processo de dominação implicando mudança da própria estrutura, isto é, dos princípios da ciência, emergindo de suas hipóteses, num novo contexto experimental, conceitos da natureza e fatos radicalmente diferentes, Habermas (1980, p. 317) contra-argumenta, afirmando que “[...] uma nova ciência alternativa deveria incluir a definição de uma nova técnica [...] mesmo que a técnica remonte a um projeto, obviamente ela só poderá ser remetida a um projeto da espécie humana no seu todo e não a algo que pode ser ultrapassado historicamente”.

sua ligação intrínseca com a tecnociência, Habermas (1980 ) lança a proposição acerca de uma racionalidade comunicativa e lhe confere validade universal, e potencial emancipatório de enfrentamento à racionalidade técnica, presa a fins.

A alternativa para a técnica existente, o projeto da natureza enquanto parceira de jogo, ao invés de objeto, refere-se a uma estrutura alternativa do agir: a interação simbolicamente mediatizada, em oposição ao agir-racional- com-respeito-a-fins [...] são projeções do trabalho e da linguagem. (HABERMAS, 1980 p. 318).

Tal proposição tornou-se, anos depois, o cerne de sua influente Teoria da Ação Comunicativa.

A razão comunicativa fundada no diálogo para promover o consenso entre os indivíduos opera no âmbito da esfera cotidiana do “mundo da vida”, isto é, orienta a dimensão prática da vida. Ao passo que a razão instrumental opera no “sistema”, a esfera da economia e da política (Estado). Na modernidade ocidental a esfera do mundo da vida,constituído com os elementos da cultura, sociedade e personalidade, acabou dominado e “colonizado” pelo “sistema” (HABERMAS, 1987). Na perspectiva habermasiana, segundo Vieira (2009), a disputa política fundamental do espaço social, nas sociedades contemporâneas, ocorre nos pontos de encontro entre sistema e mundo da vida. Com a Teoria da Ação Comunicativa, nos termos de Ramos (2005), Habermas busca corrigir a tradição marxista que confere ao trabalho a força motora da evolução social, inserindo nas dinâmicas sociais a interação simbólica ou comunicação como elemento fundante do ser social, da transformação do mundo interno/sócio cultural constitutivo do mundo da vida. Este contém os legados das gerações passadas expressos nos significados que se transmitem,