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Dissertação – Vitória Teresa da Hora Espar. Processo de estadualização da educação escolar indígena e desafios para um currículo intercultural (UFPE – 2014)

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO

PROCESSO DE ESTADUALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA E DESAFIOS PARA UM CURRÍCULO INTERCULTURAL

Recife 2014

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VITÓRIA TERESA DA HORA ESPAR

Orientadora: Prof.ª. Drª. Aída Maria Monteiro da Silva

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação.

Recife 2014

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CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

VITÓRIA TERESA DA HORA ESPAR

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

TÍTULO: PROCESSO DE ESTADUALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA E DESAFIOS PARA UM CURRÍCULO INTERCULTURAL

COMISSÃO EXAMINADORA

___________________________________ Profª. Drª. Aída Maria Monteiro Silva

1ª examinadora/ Presidente

___________________________________ Prof. Dr. Renato Monteiro Athias

2º examinador

___________________________________ Profª. Drª. Rosângela Tenório de Carvalho

3ª examinadora

MENÇÃO DE APROVAÇÃO: APROVADA

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À minha orientadora, Aída Maria Monteiro da Silva, minha gratidão por acreditar neste trabalho, pela confiança depositada em mim e por toda a paciência e incentivo.

À toda minha família, em especial aos meus pais, meu esposo, meus irmãos e minha filha, por toda a ajuda, estímulo, conselhos e, principalmente, por acreditar na minha capacidade.

Aos povos indígenas de Pernambuco pela oportunidade de conhecê-los e a paciência em ensinar a esta professora uma nova forma de pensar a educação.

À Secretaria de Educação de Pernambuco, em especial aos colegas da UEEI, pela disposição em colaborar com esta pesquisa.

Às professoras Zélia Porto, Rosângela Tenório e Renato Athias, pelos ensinamentos, contribuições e palavras de incentivo, no momento da minha qualificação e sempre quando precisei.

Ao Curso de Pós-Graduação em Educação da UFPE, em especial aos mestres com quem tive oportunidade de aprender durante o curso, por todo apoio e pela oportunidade de aprendizado e formação.

À FACEPE pelo financiamento desta pesquisa.

Aos meus colegas do Mestrado e Doutorado em Educação pela acolhida, pelo apoio e incentivo recebidos.

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“Seria uma atitude muito ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que permitisse às classes dominadas perceberem as injustiças sociais de forma crítica.” Paulo Freire

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Quadro 1 - Número de matrículas da Educação Indígena por Etapas e Modalidades de Ensino no Brasil de 2007 – 2012 _________________________________________ 39 Quadro 2 - Minuta de Matriz Curricular do Ensino Fundamental Anos Iniciais da Educação Escolar Indígena, 2012. _______________________________________ 105 Quadro 3 - Trabalhos sobre Educação Escolar Indígena apresentados em reuniões anuais da ANPED _________________________________________________________ 139 Quadro 4 - Teses e dissertações sobre Educação Escolar Indígena encontrados no Banco de Teses da CAPES (com exceção de Pernambuco) _________________________ 140 Quadro 5 - Teses e dissertações sobre a temática Indígena em Pernambuco encontrados no Banco de Teses da CAPES __________________________________________ 141 Quadro 6 - Relação das escolas indígenas de Pernambuco, com respectiva etnia e localização _________________________________________________________ 143

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Gráfico 1 - Números de estabelecimentos de ensino na Educação Escolar Indígena no Brasil, 1999 a 2012. ___________________________________________________ 40 Gráfico 2 - Projeto de Sociedade, construído a partir da interculturalidade. ________ 66 Gráfico 3 - Fases do processo da Análise de Conteúdo ________________________ 84 Gráfico 4 - Quantitativo de Etnias e escolas indígenas em Pernambuco, atendidas pela Secretaria Estadual de Educação. _________________________________________ 96 Gráfico 5: Quantitativo de professores nas escolas indígenas em Pernambuco. _____ 96 Gráfico 6 - Quantitativo de matrículas nas escolas indígenas em Pernambuco, atendidas pela Secretaria Estadual de Educação. _____________________________________ 96 Gráfico 7 - Esquema de organização da Estrutura Curricular da EEI em Pernambuco. __________________________________________________________________ 101

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Figura 1 - Mapa da densidade populacional indígena em 1991, 2000 e 2010. ______ 40 Figura 2 - Mapa de Pernambuco com a localização das etnias indígenas. Pankararu Entre Serras e Pankaiwka estão próximas a Pankararu. _____________________________ 89

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RESUMO

Esta pesquisa foi realizada no período de 2010 a 2014 e teve como objetivo analisar o processo de construção do currículo intercultural em Pernambuco, a partir da estadualização da Educação Escolar Indígena em 2002, tendo como subsídios teóricos as reflexões propostas por Pacheco (1996), Moreira e Silva (1999), Fleuri (1999), Grupioni (2003a, 2004), Arroyo (2011), Candau e Russo (2010), entre outros pesquisadores, sobre currículo, interculturalidade e Educação Escolar Indígena. Adotamos como abordagem metodológica a pesquisa qualitativa e como ferramenta de coleta de dados a pesquisa documental, a entrevista, o questionário com os sujeitos entrevistados e a observação dos momentos de construção do currículo. O trabalho de campo constatou que a ressignificação da concepção e do papel na escola indígena foi um dos marcos importantes na consolidação do projeto de sociedade indígena e na ruptura do modelo colonial de escola. Identificamos também que é na resistência epistêmica indígena à imposição de uma cultura dominante que se constrói o currículo intercultural, no entanto, após dez anos de estadualização e mais de vinte anos de Constituição Federal de 1988, ainda há uma enorme lacuna entre o direito à educação, garantido por lei, e a política estadual que atende às comunidades indígenas. Os grandes desafios para a consolidação do currículo intercultural indígena no Estado são: a inexistência de ordenamentos jurídicos e administrativos próprios, que forçam à adaptação do currículo indígena ao modelo estabelecidos para as escolas não-indígenas; os entraves para a criação da categoria de professor indígena e a realização de concurso específico, que produz um clima de insegurança entre os professores, que podem ter o contrato rescindido a qualquer momento e fez com que o debate sobre currículo fosse deixado de lado; a falta de autonomia e de uma equipe ampla e especializada nos setores da Secretaria Estadual de Educação que atuam diretamente com a Educação Escolar Indígena; a desarticulação e/ou descompromisso de outros setores da Secretaria Estadual de Educação para atender as demandas da Educação Escolar Indígena de forma específica, que não respeitam a organização interna e as formas próprias de ensino dos povos indígenas; e a falta de reconhecimento oficial do Estado de que a Educação Escolar Indígena é um direito das populações indígenas e deve estar pautada nos princípios e cosmovisões de cada povo. Palavras chave: Educação Escolar Indígena. Currículo intercultural indígena. Povos Indígenas de Pernambuco.

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RESUMEN

Esta investigación fue realizada en el periodo de 2010 a 2014 con el objetivo de analizar el proceso de construcción del currículo intercultural indígena en Pernambuco, a partir de la asunción por el Gobierno de la Educación Escolar Indígena en 2002; nos valemos de los subsidios teóricos de reflexiones sobre currículo, interculturalidad y Educação Escolar Indígena propuestas, entre otros investigadores, por Pacheco (1996), Moreira e Silva (1999), Fleuri (1999), Grupioni (2003a, 2004), Arroyo (2011), Candau e Russo (2010). Adoptamos como abordaje metodológico la investigación cualitativa y como herramientas para colectar datos la investigación documental, la entrevista, el cuestionario con los sujetos entrevistados y la observación de momentos de la construcción del currículo. El trabajo de campo constató que la re-significación de la concepción y del papel en la escuela indígena fue uno de los marcos importantes en la consolidación del proyecto de sociedad indígena y en la ruptura del modelo colonial de escuela. Identificamos también que es en la resistencia epistémica indígena a la imposición de una cultura dominante que se construye el currículo intercultural indígena, sin embargo, aun después de diez años de su asunción por el Gobierno y más de veinte años de la Constitución Federal de 1988 existe una enorme distancia entre el derecho a la educación garantizado por ley y la política del Estado que atiende a las comunidades indígenas. Los grandes retos para la consolidación del currículo intercultural indígena en el Estado son: la inexistencia de ordenamientos jurídicos y administrativos propios, lo que fuerza a la adaptación del currículo indígena al currículo adoptado por la red no indígena; los obstáculos al establecimiento de la categoría de profesor indígena y a la realización de oposiciones específicas -con lo que se genera un clima de inseguridad entre los profesores ya que pueden tener su contrato rescindido a cualquier momento-; la falta de autonomía y de un equipo amplio y especializado en los sectores de la Secretaria Estadual de Educação que actúan directamente en la Educación Escolar Indígena en el Estado; la desarticulación y la ausencia de compromiso de otros sectores de la Secretaria Estadual de Educação para atender a las demandas de la Educación Escolar Indígena de forma específica, respetando la organización interna y las formas propias de enseñanza; y la falta de reconocimiento oficial del Estado de que la Educación Escolar Indígena es un derecho de la poblaciones indígenas y debe estar pautado por los principios y cosmovisiones de cada pueblo.

Palabras clave: Educación Escolar Indígena. Currículo intercultural indígena. Pueblos Indígenas de Pernambuco.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ____________________________________________________ 13 2 ELEMENTOS HISTÓRICOS E LEGAIS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO BRASIL _________________________________________________________ 19 2.1 Do Brasil colônia aos dias atuais: situando a educação escolar indígena no Brasil 19 2.2 Marco legal da Educação Escolar Indígena intercultural, específica e diferenciada 26 2.3 A Educação Escolar Indígena nos dias atuais: debatendo o direito a educação ___ 37 2.4 A Educação Escolar Indígena: debatendo a educação específica, diferenciada e intercultural ________ _________________________________________________ 41 2.5 A Escola Indígena enquanto locus da educação específica, diferenciada e intercultural ________ ___________________________________________________________ 46 3 CURRÍCULO INTERCULTURAL, DIFERENCIADO E ESPECÍFICO ________ 52 3.1 O Currículo como processo de construção cultural, política e de controle de poder 52 3.2 As teorias curriculares ______________________________________________ 55 3.3 Multiculturalismo, pluriculturalismo, interculturalidade e currículo ___________ 60 3.4 Currículo intercultural e escola indígena ________________________________ 68 4 O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO ____________________________ 77 4.1 Pesquisa de abordagem qualitativa _____________________________________ 78 4.2 Procedimentos metodológicos: técnicas e instrumentos de coleta de dados _____ 79 4.3 Os sujeitos da pesquisa ______________________________________________ 81 4.4 Análise e sistematização dos dados: utilização do método da Análise de Conteúdo 83 5 A CONSTRUÇÃO DO CURRICULO ESCOLAR INDÍGENA NA CONJUNTURA DE PERNAMBUCO __________________________________________________ 86 5.1 Contexto histórico dos indígenas do Nordeste, em especial, de Pernambuco ____ 86 5.2 A Educação Escolar Indígena em Pernambuco ___________________________ 90

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5.3 Idas e vindas do processo de construção do currículo escolar indígena em Pernambuco ________ ___________________________________________________________ 99 5.4 Significados atribuídos ao currículo intercultural indígena e à escola indígena _ 110 5.5 Desafios advindos do processo de construção do currículo escolar indígena ___ 114 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS _________________________________________ 123 REFERÊNCIAS _____________________________________________________ 126 APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO A ____________________________________ 136 APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO B ____________________________________ 137 APÊNDICE C –ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA ________ 138 APÊNDICE D – PESQUISAS REALIZADAS NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA _______________________________________________ 139 ANEXO A –LISTAGEM DAS ESCOLAS INDÍGENAS DE PERNAMBUCO ___ 143 ANEXO B – PROPOSTA DE MATRIZ CURRICULAR PARA A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA _______________________________________________ 147

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1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa sobre o currículo intercultural indígena em Pernambuco vem somar-se a outros estudos no âmbito da educação escolar indígena no estado. Assim, trata-somar-se de uma tentativa de conhecer e investigar um novo momento da educação escolar indígena de Pernambuco configurado a partir da estadualização das escolas indígenas, em 2002, e ainda pouco pesquisado em estudos acadêmicos1.

A estadualização das escolas indígenas de Pernambuco acompanha uma nova perspectiva de relação do Estado brasileiro com as populações indígenas, de respeito aos costumes e tradições, à forma de organização e à autonomia política e social dos diferentes povos.

Segundo dados do Censo 2010, existem no Brasil, aproximadamente, 234 povos conhecidos, com aproximadamente 900 mil índios, sendo destes, 520 mil formados por indígenas aldeados (em 683 aldeias), presentes em quase todos os estados brasileiros, com exceção do Piauí e Rio Grande do Norte, e 380 mil por indígenas desaldeados, vivendo em diferentes cidades e capitais. Esses dados apontam um crescimento de 204% da população indígena brasileira em 19 anos (desde o último censo realizado em 1991). A população indígena, no entanto, já foi maior. Estudos histórico-antropológicos estimam que a população indígena no território brasileiro à época da chegada dos colonizadores em 1500 era de cerca de 5 milhões de indígenas.

Essa diferença populacional é resultado de diversos fatores do processo de colonização e da política integracionista. O contato com doenças trazidas pelos colonizadores provocou a morte de aproximadamente 80% da população indígena nos dois primeiros séculos de colonização. Além do mais, a política colonizadora/integracionista foi marcada pelo extermínio de milhares de índios, (em alguns casos, foram povos inteiros), pelos mais diversos tipos de violência, pela tomada de suas terras, levando à dispersão dos grupos. A miscigenação forçada através da catequização e integração dos índios à sociedade nacional foi outro processo que também contribuiu para dispersão das comunidades; os índios eram vistos como categoria social e étnica transitória, que estava, portanto, fadada à extinção:

1 Não conseguimos localizar outras pesquisas sobre o currículo intercultural na temática indígena no âmbito da Educação de Pernambuco, no período em que se localiza esta pesquisa. Para informações complementares do levantamento realizado, verificar o Anexo 4.

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Os povos indígenas, ao longo dos 500 anos de colonização, foram obrigados, por força da repressão física e cultural, a reprimir e a negar suas culturas e identidades como forma de sobrevivência diante da sociedade colonial que lhes negava qualquer direito e possibilidade de vida própria. (Luciano–Baniwa, 2006, p. 41)

Mesmo assim, contrariando as visões de extermínio, ao longo destes 500 anos de colonização, os povos indígenas não somente elaboraram diferentes estratégias de resistência/sobrevivência, como também alcançaram nas últimas décadas um considerável crescimento populacional.

Os povos indígenas localizados no Nordeste foram os que mais sofreram com a violenta ocupação colonial que “resultou em profundas perdas territoriais e na submissão” (LUCIANO–BANIWA, 2006, p. 42). Por estarem mais próximos do litoral, seus territórios tinham importância estratégica para os colonizadores. Logo, toda a faixa litorânea da Capitania Pernambucana estava tomada por canaviais.

Apesar da violência sofrida pelos povos indígenas, principalmente do Nordeste, muitos povos resistiram e passaram a lutar pelo seu reconhecimento como grupo étnico específico e pelas terras que lhes foram tomadas (SILVA E., 2010). Essa resistência “se deu/dá por meio da utilização de uma série de táticas e estratégias que passam pelas simulações, acomodações, acordos, alianças” (SILVA E., 2002, p. 352), e pela “invenção das tradições”, a partir da reelaboração de símbolos e reinvenção de tradições culturais, muitas das quais apropriadas no período da colonização e reinventadas pelo horizonte indígena (OLIVEIRA,1999).

Neste processo de reafirmação identitária, a educação indígena representa uma das principais ferramentas de luta para fortalecimento da identidade cultural do povo, de sua língua e de sua história. Cavalcante (2004), estudando a relação entre a escola e o projeto de sociedade2 do povo Xukuru de Pernambuco, percebeu que a educação contribuiu para o fortalecimento da identidade e da cultura, como também para a reinvenção social. Segundo a pesquisadora, a escola Xukuru tem a função social de formar seus guerreiros que darão continuidade à luta e manterão viva a história do povo, e atua ativamente no processo de “invenção, reinvenção, reelaboração de significados e sentidos” (CAVALCANTE, 2004, p. 83).

2 Para Cavalcante (2004, p. 16) o projeto de sociedade ou de futuro pode ser entendido com uma ação coletiva formulada intencionalmente com objetivos específicos.

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Porém, a educação oferecida às populações indígenas nem sempre favoreceu o ensino de seus costumes e tradições ou sua língua materna. Pelo contrário, na história da educação brasileira, a educação escolar indígena foi marcada pela negação de sua identidade, costumes e saberes tradicionais.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, os povos indígenas brasileiros conquistaram o direito a uma educação diferenciada, com o acesso aos conhecimentos da base curricular comum e o uso dos saberes e práticas específicos do seu respectivo povo, assim como da língua materna. Após a Constituição, novas leis, pareceres e normas foram criadas a fim de assegurar uma educação escolar indígena específica, comunitária, intercultural e bilíngue, com organização, estrutura e normas próprias, respaldando a utilização de suas línguas maternas e seus processos próprios de organização do ensino e da gestão escolar. Estes documentos legais serão elencados e discutidos mais adiante.

Neste processo de ressignificação da escola indígena, os povos apropriaram-se do espaço escolar e transformaram-no numa parte integrante da comunidade. A escola que antes era sinônimo de alienação, agora torna-se um espaço comprometido com a luta e a resistência dos povos. O espaço escolar é, então, ocupado pela comunidade escolar indígena, como parte do processo de fortalecimento da luta e da identidade.

A educação escolar indígena como campo de pesquisa em Educação no Brasil é ainda um objeto emergente, com volume de estudos e investigações ainda incipiente. Isso, porque até pouco tempo a educação indígena vinha sendo pensada, problematizada e investigada, apenas na perspectiva antropológica (SANTANA, 2012). As pesquisas sobre a temática indígena são importantes para:

Entendermos as relações da nossa sociedade do presente e do passado com os indígenas, para pensarmos um país que se reconheça, respeite a riqueza da diversidade e das diferenças expressas pelos povos indígenas. (SILVA E., 2011, p. 154)

No levantamento bibliográfico3 que realizamos, percebemos que a temática indígena, especialmente na educação, é uma área com muito potencial para novas pesquisas. Também pudemos observar uma variedade de referenciais teóricos e metodológicos que foram utilizados nesses trabalhos.

3 A revisão bibliográfica foi realizada no Banco de Teses da Capes, nos Anais da ANPED e no site Índios no Nordeste (Disponível em: <http://indiosnonordeste.com.br/>, Acessado em: 30 mai. 2013);

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Concordamos com Silva E. (2010) ao alertar que as pesquisas sobre a Educação Indígena apresentem o indígena como sujeitos ativos da história e que resistiram ao projeto colonial de assimilação cultural.

A partir do levantamento, do ponto de vista de Silva E. (2010) sobre as pesquisas na temática indígena e da diversidade de questões a serem abordadas em relação a Educação Escolar Indígena, o que nos trouxe inquietações e o que nos motivou a buscar um espaço para aprofundamento e compreensão, foi o currículo intercultural indígena.

O interesse em pesquisar o currículo intercultural na Educação Escolar Indígena surgiu do trabalho à frente da Unidade de Educação Escolar Indígena da Secretaria de Educação de Pernambuco, no período compreendido entre setembro de 2008 e março de 2012. Ao momento em que assumimos o cargo de Coordenação da Educação Escolar Indígena do Estado de Pernambuco, tinha havido um longo processo de discussão sobre a política estadual para a Educação Escolar Indígena, com a realização de quatro Conferências Estaduais da Educação Escolar Indígena, entre os anos de 2002 e 2007.

Nos anos de 2007 a 2009, dentro da pauta de definição da política estadual, foram promovidos diversos encontros para a construção do currículo intercultural das escolas indígenas de Pernambuco.

O currículo resultante desses encontros produzia um sentimento ambíguo entre lideranças e professores indígenas: por um lado comemorava-se pelo importante avanço dado para a consolidação de um projeto de Educação Escolar Indígena específica e diferenciada; por outro, havia uma crítica constantemente presente, vinda dos povos e das entidades parceiras, de como o processo tinha se estabelecido e o “formato” no qual o currículo havia sido construído, em que muitas vezes foi necessário “adaptar/encaixar”.

No segundo bimestre de 2009, foi decidido que seria o momento de interromper os encontros para rediscutir com os representantes dos povos indígenas (coordenadores pedagógicos e lideranças) o que seria o currículo intercultural indígena e como ele deveria ser elaborado. Durante o restante do ano de 2009, foram promovidos novos debates, nos quais foram inseridas as entidades indigenistas, algumas Instituições de Ensino Superior e o Conselho de Educação Escolar Indígena de Pernambuco (CEEIN/PE). O documento oriundo dessa nova discussão foi encaminhado para o CEEIN/PE no final de 2009, que, até maio de 2014, ainda não deliberou sobre o mesmo. O Conselho vem com um longo processo de debate e deliberações sobre o concurso público para professores indígenas e, esta pauta, foi determinada como prioritária.

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Apesar dos povos indígenas terem uma educação diferenciada, pautada no princípio da interculturalidade e garantida pela Constituição, entendemos que o processo de efetivação do direito demanda tempo e reestruturações. Então, partindo do princípio de que o currículo é um campo de disputa de interesses (PACHECO, 1996; ARROYO, 2011), questiona-se: como ocorreu a implementação do currículo intercultural indígena nas escolas indígenas? Foi garantida a autonomia dos indígenas nos momentos e instâncias de decisão?

Devido às especificidades dos povos indígenas, a construção do currículo intercultural indígena é um desafio para os sistemas de ensino, pois cada etnia possui uma cosmovisão e, por esta razão, é difícil organizar estratégias para atender as diferentes concepções de escola, currículo e saber.

Assim, esta pesquisa buscou contribuir para a compreensão de currículo e interculturalidade e sua relação com a Educação Escolar Indígena em Pernambuco, procurando analisar o como e o porquê do processo de construção do currículo indígena4 no Estado ter sido conflituoso. Mais concretamente, a pesquisa teve como objetivo geral verificar como aconteceu o processo de construção/consolidação do currículo intercultural das escolas indígenas de Pernambuco. Como objetivos específicos,

pretendeu-se: identificar o conceito de currículo intercultural dos professores indígenas e dos técnicos da Secretaria Estadual de Educação (SEE); verificar como ocorreu o processo e a organização dos povos e da SEE para a construção do currículo específico das escolas indígenas; e identificar as questões básicas que os povos indígenas enfrentam para efetivar o seu currículo oficialmente.

No primeiro capítulo do trabalho, iremos apresentar os momentos históricos que marcaram a Educação Escolar Indígena, desde o período colonial até os dias atuais, buscando identificar os elementos formadores do currículo em cada tempo histórico para entender a sua trajetória ao longo da história da Educação Escolar Indígena. Neste percurso, destacamos a educação oferecida aos povos indígenas do Nordeste e de Pernambuco, buscando refletir sobre o currículo, a partir da literatura consultada.

4 Para facilitar a fluidez da leitura e evitar a repetição dos termos, ao tratar de currículo no âmbito da Educação Escolar Indígena, variamos a nomenclatura em Currículo Intercultural Indígena, Currículo Indígena e Currículo Intercultural. Contudo, entendemos que os currículos das escolas indígenas devem ser construídos a partir dos princípios da Interculturalidade e da Especificidade e ser diferenciado de outros currículos adotados para escola não indígenas e também do campo.

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Na segunda parte, refletimos sobre as diversas concepções de currículo, interculturalidade, e currículo intercultural indígena. Para isso, utilizamos trabalhos das áreas de educação, antropologia, história e os documentos produzidos pelas próprias etnias, como o Projeto Político Pedagógico (PPP), documentos oficiais e a literatura pertinente, que ratifiquem as informações coletadas na pesquisa de campo.

No terceiro capítulo, vamos destacar as escolhas teórico-metodológicas que nortearam a pesquisa.

Por fim, traremos à tona as novas discussões do campo curricular na temática indígena, tentando apontar novos horizontes de diálogo e conflitos.

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2 ELEMENTOS HISTÓRICOS E LEGAIS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO BRASIL

2.1 Do Brasil colônia aos dias atuais: situando a educação escolar indígena no Brasil

Ao tratar sobre a Educação Escolar Indígena parece-nos importante abordar, mesmo que sinteticamente, o contexto histórico desta modalidade de ensino, para aproximar-se da compreensão de como se deu a relação da escola e da sociedade não-indígena com as sociedades não-indígenas, desde a colonização até os dias atuais. Esta revisão histórica mostra-se necessária para melhor compreender a atual situação da Educação Escolar Indígena e as relações sociais, culturais estabelecidas no espaço escolar e a importância de uma escola intercultural, específica e diferenciada. A partir desta conjuntura, tentaremos também refletir sobre o currículo das escolas nas áreas indígenas ao longo desse período.

A partir dos estudos de Oliveira (1999), Silva E. (1999, 2001, 2010, 2011), Almeida (2001), Ferreira (1992, 2001), Félix (2008), entre outros pesquisadores, vamos sintetizar as principais características dos diferentes momentos que marcaram a história da educação oferecida aos povos indígenas, destacaremos os fatores históricos que influenciaram as mudanças e os marcos legais que, aos poucos, foram garantindo, na legislação, uma educação diferenciada e específica para os povos indígenas do Brasil. Por outro lado, traremos os questionamentos de Quijano (2005) que nos ajudaram a problematizar que educação é essa que está sendo oferecida.

Para Ferreira (2001), a história da educação escolar oferecida aos povos indígenas no Brasil pode ser dividida em quatro fases, cada uma marcada pelas diferentes relações que foram estabelecidas pela escola com os indígenas e o objetivo fim desta educação. Já Almeida (2001, p. 32), subdivide a quarta fase em duas ao entender que a Educação Escolar Indígena estaria já numa quinta fase, caracterizada “pela incorporação das reivindicações dos povos indígenas nas diretrizes e princípios da legislação que orienta a política educacional”. Salienta-se que, para ambos os autores, uma fase não termina com o início de outra; a delimitação das fases apenas marca uma predominância de um determinado tipo de modelo escolar ou política educacional num determinado período. Percebemos ainda que as fases, mais que determinar períodos ou tipos de escolas

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indígenas, comportam momentos diferentes na relação das práticas pedagógicas em relação à alteridade.

Segundo Ferreira (2001), Almeida (2001) e Oliveira (2006), na primeira fase, a educação nos territórios indígenas, promovida pelos missionários católicos (especialmente os jesuítas) com foco na catequização e na evangelização dos indígenas, tinha como objetivo a conversão dos “selvagens” em “homens” através da catequese, e foi a mais extensa das fases, perdurando de 1500 até a metade do século XVIII.

Os religiosos que vieram junto com os colonizadores descreviam os povos que viviam no território brasileiro como “seres humanos que estavam degradados, [...] mas possuíam todo o potencial para se tornarem cristãos” (OLIVEIRA, 2006, p. 28). Essa visão que os mesmos tinham dos indígenas justificava a necessidade de submetê-los aos valores cristãos.

A chegada à América e as relações estabelecidas com seus habitantes originários pelos colonizadores europeus vieram a constituir a primeira ideia de raça e marcou o início da classificação racial mundial como padrão de poder5. Assim, justificava-se que raças consideradas inferiores fossem colonizadas pela raça superior ou europeia. A ideia da raça serviu para legitimar à dominação imposta pela colonização e as consequências desse processo. Para Quijano (2005, p. 2):

Na medida em que as relações sociais que se estavam configurando eram relações de dominação, tais identidades foram associadas às hierarquias, lugares e papéis sociais correspondentes, com constitutivas delas, e, consequentemente, ao padrão de dominação que se impunha. Em outras palavras, raça e identidade racial foram estabelecidas como instrumentos de classificação social básica da população.

Assim, os indígenas que ficaram foram organizados em aldeamentos e submetidos à doutrina cristã, onde aprendiam diferentes ofícios. Aqueles que iam contra a submissão imposta eram expulsos dos aldeamentos e tinham que fugir território a dentro para se esconder.

Para Santos (2005) a Companhia de Jesus, a primeira entidade católica a iniciar o processo de catequização nas Américas, era uma ordem plural que havia no seu interior

5 O termo raça começou a ser utilizado para classificar a diversidade humana em grupos fenotípicos distintos na França, a partir da metade do séc. XVI, para distinguir os grupos Francos de outros que viviam no país à época. Os Francos, que era grupo étnico dominante, consideravam-se como raça “pura”. No séc XVIII, a partir das ideias iluministas, o termo incorpora a ideia moderna das diferenças fenotípicas para explicar as diferenças culturais e sociais entre diferentes grupos humanos (MUNANGA, sd).

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pessoas defensoras de posições distintas, e, a partir de diferentes argumentos, procura mostrar que a atividade jesuítica permitiu a sobrevivência/resistência de grupos indígenas no Brasil.

Essa dualidade de interesses nas missões católicas e mudanças políticas na colônia levaram, na metade do século XVIII, a Coroa portuguesa a iniciar uma reforma estatal que implicou na expulsão das ordens religiosas (jesuítas), visando o controle rigoroso das populações indígenas. Foi criado o Diretório de Índios que reorganizou as aldeias após o afastamento das missões religiosas jesuítas, manteve o controle econômico e administrativo dos aldeamentos e orientou diferentes esferas da vida dos indígenas, determinando o uso exclusivo da língua portuguesa, passando a escola a focar a qualificação do índio para o trabalho doméstico e para a agricultura familiar.

Com a expulsão dos jesuítas em 1759, outras ordens missionárias instalaram-se com mais força no Brasil, principalmente nas regiões de fronteiras onde havia disputa territorial. Assim, os capuchinos passaram a representar a política indigenista imperial e espalharam dezenas de aldeamentos por todas as regiões do país. Algumas mudanças foram implantadas para que o projeto de educação fosse bem sucedido:

O projeto civilizatório desenvolvido pelos capuchinos associava a educação religiosa dos índios ao ensino formal de ofícios mecânicos, práticas agrícolas e atividades militares. A legislação imperial permitia o ensino na língua indígena, ministrado por professores índios. (OLIVEIRA, 2006, p. 82)

Apesar da mudança promovida pelo Império, a lógica curricular de redução e assimilação continuava presente, até mesmo em experiências que não levantavam a bandeira religiosa, “onde se acrescenta ao discurso técnico uma argumentação política: a alfabetização em língua indígena é reforço, proteção étnica, valorização cultural” (FRANCHETTO, 1994, p. 413).

O currículo da escola indígena seguia o mesmo modelo tradicional, proposto a partir dos princípios da evangelização e da formação de mão-de-obra. De acordo com Silva E. (2001, p. 96):

Quando a escola foi implantada em área indígena, as línguas, a tradição oral, o saber e a arte dos povos indígenas foram discriminados e excluídos da sala de aula. A função da escola era fazer com que os índios desaprendessem as suas culturas e deixassem de ser índios. Mesmo a escola que podemos considerar intercultural, por ensinar a liturgia na língua indígena, seguia a mesma lógica das escolas tradicionais, onde os índios eram receptores de um conhecimento válido, euro centrado, que colocava o ideal de mundo

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cristão e civilizado como meta a se chegar. Qualquer traço da cultura ou língua indígena que não fosse voltado para a assimilação, era reprimido.

A segunda fase é marcada pela criação do Serviço de Proteção do Índio (SPI), em 1910, e, posteriormente, da Fundação Nacional do Índio (FUNAI); a escola nessa época introduziu no currículo oficial a formação de mão-de-obra para o campo.

A escassez de investimentos e a resistência dos povos indígenas, impedia o sucesso do projeto de incorporar os índios à sociedade nacional (FÉLIX, 2008). Assim, foi criado o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) na perspectiva de promover a política indigenista de transformar o índio num trabalhador nacional e tinha como finalidade:

a) estabelecer a convivência pacífica com os índios; b) agir para garantir a sobrevivência física dos povos indígenas; c) fazer os indígenas adotarem gradualmente hábitos “civilizados”; d) influir de forma “amistosa” sobre a vida indígena; e) fixar o índio à terra”, f) contribuir para o povoamento do interior do Brasil; g) poder acessar ou produzir bens econômicos nas terras dos índios; h) usar a força de trabalho indígena para aumentar a produtividade agrícola; i) fortalecer o sentimento indígena de pertencer a uma nação. (OLIVEIRA, 2006, págs. 112 e 113)

Em geral, os índios eram treinados para assumir diversos ofícios (trabalhos manuais, agrícolas e de pecuária), além de serem instruídos sobre cultos cívicos, uso de vestimentas e práticas de higiene. O SPI atuou nas aldeias indígenas até 1967 quando foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), criada nesse ano.

Contudo, a FUNAI seguia as mesmas finalidades do SPI, já que os dois tinham como princípio a integração do índio à sociedade nacional e no mercado de trabalho (CUNHA, 1990; FÉLIX, 2008). O currículo das escolas indígenas seguia a mesma lógica de outras escolas rurais e urbanas e não respeitava as formas de organização política e cultural do povo onde a escola estava inserida. Dessa forma, as reformas realizadas na escola inseridas na comunidade indígena buscavam silenciar as culturas indígenas. Conforme Félix (2008, p. 103):

A onda nacionalista, industrializante e tecnicista espalhava-se pelo país afetando a vida dos povos indígenas. A implantação de disciplinas de cunho profissionalizante nas escolas em áreas indígenas indicava a incessante tentativa de desintegração das culturas autóctones.

Neste mesmo período, a partir dos anos 40, os protestantes (através do Summer Institute of Linguistics – SIL) iniciam missões para as regiões de fronteiras, atuando nos aldeamentos através da educação. Esses grupos traduziam a Bíblia para a língua indígena e realizaram ações assistencialistas e levantavam a bandeira de “defesa dos direitos humanos dos povos indígenas”, possivelmente, na intenção de mascarar sua verdadeira

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missão no país. Félix (2008) chama a atenção que a chegada do SIL coincide com a política do governo de abertura de investimentos por parte de capital estrangeiro para financiar a industrialização; também coincide com o período em que as revoluções comunistas se espalham pelo mundo. Cunha (1990) e Franchetto (1994) apontam a experiência do SIL nas áreas indígenas como o primeiro ensino bilíngue, concretizado nas apostilas utilizadas como material didático.

Em 1973, é sancionado o Estatuto do Índio (BRASIL, 1973) que estabelece os direitos indígenas em diversas áreas, incluindo a educação, que vem referendar os princípios e ações da FUNAI. Para Cunha (1990), o projeto educacional proposto pelo Estatuto do índio avança pouco no sentido de problematizar as relações históricas estabelecidas pelo contato das populações indígenas com outra cultura e os conflitos decorrentes desse contato:

a escola, ao assumir uma postura supostamente neutra, desconhece os conflitos da sociedade, alimentando uma pedagogia alienadora, sustentada administrativamente pelo controle exercido pelos Postos Indígenas, por outro, a preocupação “metodológica” da Funai vai excluir a discussão política, impedindo a consideração do(s) projeto(s) político(s) de escola, distanciando-se assim de uma educação que, ao invés de assegurar – apenas provisoriamente – a participação dos índios como etnias diferenciadas, garanta a sua participação efetiva como cidadãos étnica e culturalmente diferentes, em pleno exercício de suas capacidades existenciais e políticas. (CUNHA, 1990, p. 104)

O terceiro momento, entre os anos 60 e 70, destaca-se pelo surgimento de diversas organizações indigenistas e a educação escolar nos povos indígenas passa a ser de responsabilidade definitiva do Estado brasileiro, através dos governos municipais.

Concomitantemente com a atuação da FUNAI, novas missões católicas mais progressistas passaram a defender veementemente os direitos indígenas, o respeito à cultura indígena e apoio às organizações indígenas, criando o Conselho Indigenista Missionário (CIMI). O CIMI atuava apoiando os indígenas em diferentes áreas, com assessoria jurídica, educacional, parlamentar, etc. Neste processo, o CIMI promoveu a organização de movimentos e associações indígenas que passaram a reivindicar seus direitos e que questionavam a política indígena de assimilação, inclusive na área da educação. Uma das metas do CIMI era o incentivo à autonomia dos povos indígenas, a fim de “devolver aos povos indígenas o direito de serem sujeitos, autores e destinatários de seu crescimento” (Relatório da Assembleia Geral do CIMI 1975 Apud FELIX, 2008, p. 106). Neste contexto, defendiam que os indígenas assumissem a educação nas suas comunidades e, assim, a educação escolar interferiria o mínimo possível nos seus valores

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culturais (FERREIRA, 1992). Na educação, o CIMI investia na formação de professores e na produção de material didático específico, instruindo os índios sobre os seus direitos, na defesa das terras indígenas, da cultura e da autodeterminação dos povos (ALMEIDA, 2001).

Foi neste período que os indígenas intensificaram as mobilizações e começaram a organizar-se em seus próprios movimentos que serviam de articulação entre os povos e proporcionavam interações interétnicas. As primeiras organizações surgiram no Norte e Centro-Oeste do país e impulsionaram os indígenas de outras regiões a se organizar. No Nordeste, podemos destacar a APOINME (Associação dos povos indígenas do Leste, Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo)6 como principal rede de articulação entre os povos. Segundo Félix (2008), a causa indígena começou a ganhar visibilidade nacional porque servia de pano de fundo da mídia nacional para criticar a censura durante a ditadura militar. Esse fato impulsionou a luta dos indígenas e contribuiu para a garantia dos seus direitos.

A quarta fase, dos anos 80 até os anos 90, é marcada pela mobilização e fortalecimento de grandes movimentos indígenas pró-constituinte, que lutavam para exigir mudanças na política indigenista oficial, como a emancipação, a autodeterminação, a demarcação das terras e melhoria no atendimento de saúde e educação. Esta fase se caracteriza pela conquista da Educação Escolar Indígena, bilíngue, intercultural, específica e diferenciada na legislação. O resultado dessa mobilização foi a transformação da proposição de uma escola indígena autônoma em política pública (ALMEIDA, 2001). Para Barbalho (2012, p. 185):

Essas lutas políticas são cruciais no âmbito da afirmação de identidades e estão presentes nos projetos de resistência entre segmentos defensores da educação escolar popular diferenciada.

A quinta fase, a partir dos anos 90, está baseada no reconhecimento do avanço na legislação e em algumas práticas governamentais para garantir aos povos indígenas uma educação baseada nos princípios propostos pela Constituição Federal (ALMEIDA, 2001). Esta fase pode ser delimitada como pós-constituinte, quando outras leis, pareceres e normas foram criados a fim de assegurar uma educação escolar indígena específica,

6 ONG que atua nos estados de Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo, abrangendo 71 povos indígenas, está ligada nacionalmente à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e tem como objetivo a fortalecer a ligação entre os povos indígenas dessa região e unificar a pauta de reivindicações e as lutas dos povos (APOIMNE, 2012).

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comunitária, intercultural e bilíngue, com organização, estrutura e normas próprias, respaldando a utilização de suas línguas maternas e seus processos próprios de organização do ensino e da gestão escolar. Citamos entre elas: Decreto n° 26/1991; Portaria Interministerial n° 559/917; Portarias 60/92 e 490/93; Lei 9.394/1996; Parecer nº14 (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999a)8; Resolução nº3 (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999b)9; Referenciais para a Formação de Professores Indígena/ 2005; PNE; PNEDH/2003; Decreto nº 6.861/2009 (organiza em territórios etnoeducacionais).

Os modelos de escola indígena implementados pelos jesuítas e, posteriormente, pelo SIL podem ser consideradas como experiências iniciais interculturais e diferenciadas. A interculturalidade se caracterizava pelo uso da língua materna e do latim para trabalhar os conteúdos do currículo e para a evangelização, com o objetivo de converter os indígenas à fé cristã e para o trabalho no campo, assim servindo aos interesses dos colonizadores. Por isso, o currículo era diferenciado das escolas da área urbana que era voltado a formação intelectual das famílias dominantes.

Percebemos, contudo, que essas experiências de escolas indígenas interculturais visavam a integração do indígena à sociedade nacional, por considerá-los povos primitivos. Observamos que o currículo não privilegiava suas formas próprias de ensino, nem respeitava sua organização social, religiosa e cultural. O currículo tão pouco problematizava as relações do Estado e da sociedade em geral com a sociedade indígena, ele servia aos propósitos da colonização/dominação.

Os indígenas garantiram legalmente o direito a uma nova escola, pensada a partir de suas próprias formas de ensinar, a partir de sua concepção de mundo. Contudo, veremos mais adiante, que as práticas do passado não se consolidaram com a Constituição Federal e ainda há um longo caminho de lutas, ressignificações e construções.

7 A Portaria nº 559/91 estabeleceu a criação dos Núcleos de Educação Escolar Indígena (Neis) nas Secretarias Estaduais de Educação, de caráter interinstitucional com representações de entidades indígenas e com atuação na Educação Escolar Indígena.

8Parecer Nº 14, de 14 de setembro de 1999, delibera sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena, tinha como objetivo “contribuir para que os povos indígenas tenham assegurado o direito a uma educação de qualidade, que respeite e valorize seus conhecimentos e saberes tradicionais e permita que tenham acesso a conhecimentos universais, de forma a participarem ativamente como cidadãos plenos do país” (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999, p. 1).

9 A Resolução nº 03 (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999b), de 10 de novembro de 1999, fixa Diretrizes Nacionais para o funcionamento das Escolas indígenas e, segundo texto da própria Resolução, está baseada “nos artigos 210, § 2ª, 231, caput, da Constituição Federal, nos arts. 78 e 79 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, na Lei 9.131, de 25 de novembro de 1995, e ainda no Parecer 14/99 (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999a), homologado pelo Ministro de Estado da educação, em 18 de outubro de 1999”.

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2.2 Marco legal da Educação Escolar Indígena intercultural, específica e diferenciada

Como dito anteriormente, a Constituição Federal de 88 foi grande marco legal que garantiu aos povos indígenas o direito à uma educação específica e diferenciada, pensada e organizada a partir de sua forma própria de ensinar e aprender. No seu Artigo 210 garante:

Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.

¨2. O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. (BRASIL, 1988)

A garantia legal do respeito aos valores culturais, do uso das línguas maternas e dos processos próprios de aprendizagem possibilitaram aos povos indígenas ferramentas oficiais para a luta por uma educação específica. As determinações da constituição impulsionaram a construção de outros documentos normativos no âmbito nacional e aumentou a pressão para que estados e municípios criassem seus próprios instrumentos legais.

Esses documentos atendem a algumas das reivindicações dos povos para dispor de uma escola indígena diferenciada das outras escolas do sistema de ensino regular, que respeitasse a organização interna e a cosmovisão de cada povo (por isso, específica). Por outro lado, servem de subsídio para os sistemas de ensino criarem novas metodologias/procedimentos/programas para atender às especificidades dessas escolas. Neste trabalho, apresentaremos a legislação que orientou à construção do currículo específico para a escola indígena10.

Para Secchi (2002, p. 138):

Os anos 1990 caracterizaram-se como um período de implementação do ideário gestado na década anterior. As novas palavras de ordem – “educação bilíngue e intercultural”, “currículos específicos e diferenciados”, “processos próprios de aprendizagem” – precisavam ser materializadas no cotidiano das escolas.

10 Para uma análise mais profunda sobre os avanços, possibilidade e desafios das leis e normas que regulamentam e orientam a Educação Escolar Indígena, pode-se consultar as pesquisas de Almeida (2001), Grupioni (2002), Secchi (2002), Félix (2008) e Barbalho (2012).

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Em 1991, através do Decreto n° 26, o MEC recebia a incumbência de coordenar as ações referentes à educação escolar indígena, retirando da FUNAI a exclusividade concedida anteriormente a este órgão, até então, na área. Posteriormente ao decreto, a Portaria Interministerial n° 559/91 e as Portarias 60/92 e 490/93 instituíram o Comitê de Educação Escolar Indígena que foi o responsável pela elaboração das Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena (BARBALHO, 2012).

A partir deste decreto, as escolas indígenas passam a integrar o Sistema Nacional de Ensino, seguindo as mesmas normas e estrutura básica das outras escolas. Os municípios e os estados, por sua vez, ficaram responsáveis pela execução das ações da Política Nacional para a Educação Escolar Indígena. Inicialmente, ficaram as escolas ligadas aos sistemas municipais de ensino e, posteriormente, partindo do princípio da autonomia, cada povo (individualmente ou nos seus coletivos) pode decidir a qual sistema ficaria vinculado.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei 9.394/1996 – além de reproduzir os direitos garantidos na Constituição Federal, também estabeleceu como dever do Estado a oferta de uma educação escolar indígena intercultural e bilíngue, fortalecendo as práticas específicas, a reafirmação de sua identidade étnica e a valorização de suas línguas e ciências. A LDB orientou que os sistemas de ensino construíssem, com a participação das comunidades indígenas envolvidas, os projetos político-pedagógicos e desenvolvessem os currículos específicos, contendo os conhecimentos técnico-científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não indígenas e os saberes tradicionais de sua etnia (BRASIL, 1996). A LDB é o primeiro documento que trata de um currículo diferenciado e estabelece o diálogo entre os saberes tradicionais e os saberes universais, colocando a interculturalidade como eixo central do currículo.

Em setembro de 1999, o Conselho Nacional de Educação/MEC, por meio do Parecer nº 14 (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999a), estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena, definindo a Educação Escolar Indígena, diferenciando-a da educação indígena11, a categoria de escola indígena, a definição das

competências para a oferta da educação escolar indígena, a formação inicial e continuada

11 De forma geral, a Educação Escolar Indígena é tida como a educação formal que atende às normas nacionais de educação, contudo diferentes autores fazem a distinção com a Educação Indígena, esta entendida como processo comunitários de formação do ser indígena daquele povo e que transpassa os muros da escola (BRASIL, 1999; ALMEIDA, 2002; LUCIANO-BANIWA, 2006; PARRA SANCHEZ, 2011). A diferença entre os dois tipos de educação será discutido no Item 2.4.

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do professor indígena e a formulação do currículo intercultural para as escolas indígenas. O parecer ainda sugere que a organização, a estrutura e o desenvolvimento da escola indígena deverão ser sistematicamente formalizados e que o currículo intercultural indígena, construído por toda a comunidade indígena:

Os princípios do bilinguismo e da interculturalidade, na prática pedagógica diária, pressupõem uma organização curricular que articule conhecimentos, habilidades e valores culturais distintos, sem a perda de processos reflexivos e criativos, incluídos os hábitos, costumes e princípios religiosos, constituindo-se como conteúdos dos conhecimentos escolares e direito de acesso à cultura universal e jamais somente de obrigatoriedade legal (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999a).

O parecer, contudo, se contradiz, ao limitar a estrutura da construção do currículo indígena ao propor que “o conjunto de saberes e procedimentos culturais produzido pelas sociedades indígenas poderá constituir a parte diversificada do conteúdo de aprendizagem e de formação que compõe o currículo” (p. 16) e que esses saberes são compostos pela “língua materna, crenças, memória histórica, saberes ligados à identidade étnica, às suas organizações sociais do trabalho, às relações humanas e às manifestações artísticas” (Ibidem).

Portanto, no currículo escolar indígena a parte diversificada segundo Monte (1994a, p. 134) “não é compreendida como um anexo ou complemento do núcleo comum, mas será o eixo condutor e a base a partir da qual este se edifica”. O corpo de conhecimentos e capacidades gerais identificadas como de direito comum a todos, e, portanto, essenciais a vivência da cidadania, estará condicionado à dimensão da diversidade e pluralidade próprias à constituição social e histórica dos sujeitos inseridos nos processos educativos.

O currículo intercultural das escolas indígenas deve ser resultado de uma prática pedagógica autêntica, articulada com o projeto político pedagógico da escola indígena e com o projeto de sociedade da etnia que pertence. Assim, os saberes das sociedades indígenas devem perpassar por todo ele e, a partir dele, que seja construído o diálogo com outros conhecimentos.

Nesta mesma lógica, Parra Sanchez (2011, p. 93) defende a “interculturalidade como estabelecimento de relações horizontais de diálogo entre diferentes” e que para a consolidação do projeto de uma educação própria é necessária “uma série de transformações de saberes que provêm de outras culturas e a construção de novos conhecimentos” (PARRA SANCHEZ, 2011, p. 96).

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Assim, pensar sobre a importância e o lugar que os saberes dos povos devem ocupar nos espaços/tempos de cada povo indígena, no sentido de reconhecer e analisar os limites de uma possível “escola indígena” e, sobretudo, perceber que a “escola indígena” não pode se apossar da comunidade. Para D’Angelis (1999), existem conteúdos, “saberes”, modalidades de experiências que emergem da tradição, que não dizem respeito à escola e, nesse sentido, não podem ser tratados no espaço/tempo do contexto escolar, numa tentativa de “escolarizar”12 tais saberes/experiências. Essa limitação depende de

cada comunidade.

Neste aspecto, o pensamento decolonial defende o desprendimento do euro centrismo como esfera do conhecimento e rejeita sempre uma única maneira de ler a realidade, coloca o conhecimento dos grupos subalternizados em evidência para que tenham igualdade de condições, mudando o foco das narrativas históricas ao reconhecer que o outro também produz conhecimento. Para Mignolo (2008, p. 246), “o pensamento surge da exterioridade, na fronteira, na qual os dois lados não estão em igualdade de condições, a partir da qual reclamam seus direitos epistêmicos”.

A escola não é o único espaço de aprendizagem indígena que atua como espaço de reivindicação e resistência (PARRA SANCHEZ, 2011). Por isso, os índios se apossaram da escola não somente da estrutura, mas, das regras, para estabelecer os limites entre as formas de educação tradicional e dos processos de educação escolar por eles vivenciados (SANTANA, 2012).

Em diferentes momentos de observação e diálogo, percebemos uma resistência das escolas indígenas em aceitar os programas e projetos que são criados a partir da lógica da educação não indígena e são “oferecidos” às escolas indígenas sem o devido diálogo com as lideranças e organizações internas. A crítica a esses programas e projetos voltasse para o fato de não respeitar a organização e a proposta de educação de cada povo.

Ao analisar a legislação sobre a educação escolar indígena da década de 90, perpassando pela legislação nacional e estadual, Almeida (2001) identifica que as ideias, as concepções e as práticas das organizações indígenas e indigenistas foram traduzidas nessa legislação, apesar de encontrar-se contradições quando se confrontam com as concepções da política educacional e aspectos da organização administrativa, financeira e institucional mais geral.

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Em 2005, o MEC lança os Referenciais para a Formação de Professores Indígenas, com orientações para as Secretarias de Educação e outros parceiros com o objetivo de nortear a construção de propostas de formação de professores indígenas em programas específicos, com a perspectiva de fortalecer os princípios contidos nas legislações sobre a Educação Escolar Indígena (BRASIL, 2005). O documento também aponta a formação específica dos professores indígenas como um dever do Estado e um dos desafios para a implementação de uma escola indígena intercultural, específica e diferenciada de qualidade.

A Resolução nº3 (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999b) estabelece as diretrizes de funcionamento e organização da escola indígena, reconhecendo-a como escolas com normas e ordenamento jurídico próprios. Também enfatiza que a formulação do projeto pedagógico tem por base as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica e os conteúdos curriculares especificamente indígenas e os modos próprios de constituição do saber e da cultura indígena.

O Plano Nacional de Educação (PNE) de 2001 a 2010 (BRASIL, 2001) atribui a responsabilidade pela oferta da educação escolar indígena aos sistemas estaduais e estabelece metas para os estados, como a formação inicial e continuada dos professores indígenas e o desenvolvimento e reconhecimento do magistério indígena. O PNE ainda prevê a criação de programas específicos para a melhoria da estrutura física das escolas indígenas e a necessidade de regularizar juridicamente essas escolas, orientando as comunidades indígenas na elaboração dos seus projetos político-pedagógicos, regimentos, currículos, materiais didático-pedagógicos e conteúdos programáticos adaptados às particularidades étnicas culturais e linguísticas próprias de cada povo indígena. Silva R. (2001) ao analisar o PNE, lamenta que o documento apenas reproduz o que já está estabelecido em outras normas e leis. Por outro lado, analisa que alguns pontos tratados no documento podem servir como obstáculo no processo de consolidação da educação escolar indígena intercultural e específica. Podemos citar como exemplo a meta que define como responsabilidade do Governo Estadual a oferta da Educação Escolar Indígena e coloca que a construção do currículo indígena deve ser norteada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, quando outros documentos orientadores (como o Parecer nº14 e a Resolução nº3, ambos do CNE/CBE) orientam para a flexibilização do currículo.

No último PNE (BRASIL, 2011), na intenção de fazer um documento mais genérico e “enxuto”, que abordasse apenas propostas globais, reduzindo metas e

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objetivos, não possibilitou a abordagem dos grupos historicamente excluídos; apenas há referência genérica às “diversidades étnicas, religiosas, econômicas e culturais” (BRASIL, 2011, p. 1), sendo alvo de críticas no movimento indígena e indigenista.

O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) (BRASIL 2007) apresenta entre as recomendações o apoio para o desenvolvimento de políticas públicas destinadas a promover e garantir a educação em direitos humanos às comunidades quilombolas e aos povos indígenas, assegurando condições de ensino-aprendizagem adequadas e específicas aos educadores e educandos; fomentar ações educativas que estimulem e incentivem o envolvimento de profissionais dos sistemas com questões de diversidade e exclusão social; capacitar os profissionais do sistema de segurança e justiça em relação à questão social das comunidades rurais e urbanas (BRASIL, 2007).

O Decreto 6861/2009 cria os Territórios Etnoeducacionais e rompe com a divisão política-administrativa do território brasileiro, colocando em ênfase as territorialidades de cada povo indígena, respeitando suas necessidades específicas. O Decreto também propõe que se faça uma articulação entre os entes Federativos a partir de uma pactuação que deve ser efetivada em um Plano de Ação, a ser elaborado pelos governos estadual/municipal juntamente com os indígenas, universidades e entidades indigenistas. O Estado de Pernambuco, contudo, ainda não oficializou o Território Etnoeducacional definido pelos povos indígenas do Estado e nem articulou os entes federativos e os demais representantes indígenas e indigenistas para a construção do Plano de Ação.

O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) (BRASIL, 2010) elenca, entre suas ações estratégicas, doze tópicos para a Educação Escolar Indígena. Dentre eles, destacamos: aplicar os saberes dos povos indígenas e das comunidades tradicionais na elaboração de políticas públicas, respeitando a Convenção 169 da OIT; proteger e promover os conhecimentos tradicionais e medicinais dos povos indígenas; implementar políticas de proteção do patrimônio dos povos indígenas, por meio dos registros material e imaterial, mapeando os sítios históricos e arqueológicos, a cultura, as línguas e a arte; promover projetos e pesquisas para resgatar a história dos povos indígenas; promover ações culturais para o fortalecimento da educação escolar dos povos indígenas, estimulando a valorização de suas formas próprias de produção do conhecimento; garantir o acesso à educação formal pelos povos indígenas, bilíngue e com adequação curricular formulada com a participação de representantes das etnias, indigenistas e especialistas em educação; adotar medidas de proteção dos direitos das crianças indígenas nas redes de

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ensino, saúde e assistência social, em consonância com a promoção de seus modos de vida (PNDH-3, p. 89-90). E propõe enquanto ação governamental mais ampla: assegurar aos povos indígenas uma educação escolar diferenciada, respeitando o seu universo sociocultural, e viabilizar apoio aos estudantes indígenas do ensino fundamental, de segundo grau e de nível universitário; apoiar o processo de revisão dos livros didáticos de modo a resgatar a história e a contribuição dos povos indígenas para a construção da identidade nacional; desenvolver políticas de proteção do patrimônio cultural e biológico e dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas, em especial as ações que tenham como objetivo a catalogação, o registro de patentes e a divulgação desse patrimônio (BRASIL, 2010).

Nos dois documentos nacionais de Direitos Humanos, percebemos que a participação do movimento indígena foi garantida e que suas principais reivindicações estão presentes.

Em 2012, o Conselho Nacional de Educação reelaborou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena13, mas desta vez de caráter mandatório e com diretrizes atualizadas a partir do debate atual sobre a Educação Escolar Indígena e o acúmulo de experiências que os povos já vivenciaram desde as diretrizes anteriores (em 1999). Este novo parecer teve como relatora uma representante indígena que buscou contemplar a legislação vigente, como as metas estabelecidas na Conferência Nacional da Educação Escolar Indígena em 2009. As novas diretrizes têm como objetivo:

a) orientar as escolas indígenas de educação básica e os sistemas de ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na elaboração, desenvolvimento e avaliação de seus projetos educativos; b) orientar os processos de construção de instrumentos normativos dos sistemas de ensino visando tornar a Educação Escolar Indígena projeto orgânico, articulado e sequenciado de Educação Básica entre suas diferentes etapas e modalidades, sendo garantidas as especificidades dos processos educativos indígenas; c) assegurar que os princípios da especificidade, do bilingüismo e multilinguismo, da organização comunitária e da interculturalidade fundamentem os projetos educativos das comunidades indígenas, valorizando suas línguas e conhecimentos tradicionais; d) assegurar que o modelo de organização e gestão das escolas indígenas leve em consideração as práticas socioculturais e econômicas das respectivas comunidades, bem como suas formas de produção de conhecimento, processos próprios de ensino e de aprendizagem e projetos societários; e) fortalecer o regime de colaboração entre os sistemas de ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, fornecendo diretrizes para a

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organização da Educação Escolar Indígena na Educação Básica, no âmbito dos territórios etnoeducacionais; f) normatizar dispositivos constantes na Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho, ratificada no Brasil, por meio do Decreto Legislativo nº 143/2003, no que se refere à educação e meios de comunicação, bem como os mecanismos de consulta livre, prévia e informada; g) orientar os sistemas de ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a incluir, tanto nos processos de formação de professores indígenas, quanto no funcionamento regular da Educação Escolar Indígena, a colaboração e atuação de especialistas em saberes tradicionais, como os tocadores de instrumentos musicais, contadores de narrativas míticas, pajés e xamãs, rezadores, raizeiros, parteiras, organizadores de rituais, conselheiros e outras funções próprias e necessárias ao bem viver dos povos indígenas; h) zelar para que o direito à educação escolar diferenciada seja garantido às comunidades indígenas com qualidade social e pertinência pedagógica, cultural, linguística, ambiental e territorial, respeitando as lógicas, saberes e perspectivas dos próprios povos indígenas. (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 2012, p.3)

Com estas novas diretrizes, os povos indígenas e o Conselho Nacional de Educação procuraram superar as limitações e preencher as lacunas da legislação anterior. Em relação ao currículo indígena, o documento orienta que seja construído a partir de uma perspectiva intercultural e do projeto de sociedade e escola de cada povo, considerando as condições de aprendizagem do estudante e de trabalho do professor, o tempo e espaços da escola e outros espaços comunitários/educativos; e define alguns critérios que devem ser observados na organização curricular das escolas:

a) de reconhecimento das especificidades das escolas indígenas quanto aos seus aspectos comunitários, bilíngües e multilíngues, interculturalidade e diferenciação; b) de flexibilidade na organização dos tempos e espaços curriculares, tanto no que se refere à base nacional comum, quanto à parte diversificada, de modo a garantir a inclusão dos saberes e procedimentos culturais produzidos pelas comunidades indígenas, tais como línguas indígenas, crenças, memórias, saberes ligados à identidade étnica, às suas organizações sociais, às relações humanas, às manifestações artísticas, às práticas desportivas; c) de duração mínima anual de duzentos dias letivos, perfazendo, no mínimo, oitocentas horas, respeitando-se a flexibilidade do calendário das escolas indígenas que poderá ser organizado independente do ano civil, de acordo com as atividades produtivas e socioculturais das comunidades indígenas; d) de adequação da estrutura física dos prédios escolares às condições socioculturais e ambientais das comunidades indígenas, bem como às necessidades dos estudantes nas diferentes etapas e modalidades da Educação Básica; e) de interdisciplinaridade e contextualização na articulação entre os diferentes campos do conhecimento, por meio do diálogo transversal entre disciplinas diversas e do estudo e pesquisa de temas da realidade dos estudantes e de suas comunidades; f) de adequação das metodologias didáticas e pedagógicas às características dos diferentes sujeitos das aprendizagens, em atenção aos modos próprios de transmissão do saber

Referências

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