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Quantitativo de matrículas nas escolas indígenas estaduais

5.5 Desafios advindos do processo de construção do currículo escolar indígena

Os povos indígenas, desde a época da colonização, criaram estratégias de sobrevivência e resistência à dominação ao qual foram sendo submetidos. Como vimos, a escola que por muito tempo era tida como um espaço para a imposição da cultura hegemônica, foi sendo apropriada através da luta pelo reconhecimento como grupo etnicamente diferentes45.

A SEE criou um setor para promover e acompanhar a política de Educação Escolar Indígena, atendendo a recomendação da Resolução nº03 (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999b). Contudo, não conseguiu avançar na efetivação dos direitos garantidos pela legislação indígena, visto que a política educacional depende de outros setores para ser efetivada. O Parecer nº 14 (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999a) já apontava que os sistemas de ensino precisariam rever suas práticas e criar novas ferramentas para acompanhar e atender a educação escolar indígena:

A proposta da escola indígena diferenciada representa, sem dúvida alguma, uma grande novidade no sistema educacional do país, exigindo das instituições e órgãos responsáveis a definição de novas dinâmicas, concepções e mecanismos, tanto para que essas escolas sejam de fato incorporadas e beneficiadas por sua inclusão no sistema, quanto respeitadas por suas particularidades. (CNE, 1999, p. 29)

Observamos que, quanto mais distante o setor está da UEEI, menor é o conhecimento sobre a legislação para a educação indígena e menor é o entendimento da autonomia que os povos têm para definir suas formas próprias de ensino. Em outros setores da SEE se reconhece uma educação diferenciada para a rede, mas a perspectiva é que essa educação se adeque às normas. Percebemos que esse balizamento tende às normas da rede regular e não da legislação indígena. Como nos mostram essas passagens das entrevistas:

sentia a dificuldade que tem tanto dos indígenas adaptarem às normas, às leis, como também da própria Secretaria, é aceitar a maneira de ser dos indígenas, que tem que ser um processo gradativo, onde ele se familiarizar com a lei [...] incorporando a sua vivência, dentro das normas [...] (Entrevistado 1A)

45 “A identidade étnica consiste no sentimento de pertencimento a um determinado grupo social, apoiando- se numa crença de origem comum e na construção de um repertório de elementos diacríticos que permite a comunidade étnica se definir, se organizar e se diferenciar diante dos outros” (ATHIAS, 2005, p. 2)

aqui nós temos essa norma, sim, mas essa norma não é pra escola indígena; [...] aí a gente não pode fazer porque não tem respaldo [...] então precisa retornar para conversar com os coordenadores, até arrumar uma forma ou uma adequação, que aquilo ali passe na aprovação e seja encaminhado [...] (Entrevistado 1B)

O primeiro desafio que destacamos é que, da mesma forma que a política, a construção do currículo deve atender aos anseios do respectivo povo indígena e estar intimamente relacionado à sua organização política, social, cultural e religiosa. Essa construção, como vimos, deve ser realizada de forma coletiva, com a participação dos mais velhos, das lideranças e de toda a comunidade. Já que o conhecimento indígena emerge da memória coletiva e dos mais velhos, de suas experiências cotidianas, a partir de uma lógica diferente de outras culturas. Classificar esses conhecimentos em outra tradição, que é alheia à tradição indígena, é limitar seu sentido e suas possibilidades.

Os pontos destacados acima têm uma relação forte entre si; a força dos povos indígenas está na memória coletiva de sua comunidade e na luta junto com outras etnias. Os saberes dos povos estão fortemente ligados à cultura, à terra e à religião, a partir da memória viva nos mais velhos e nas lideranças. Assim, o currículo deve ser trabalhado de forma integrada com o projeto de sociedade do povo, a partir dos seis eixos norteadores (Terra, Identidade, História, Organização, Interculturalidade e Bilinguismo) e por área do conhecimento. Estes aspectos demonstram o caráter interdisciplinar do currículo indígena. Nessa perspectiva esses conhecimentos não cabem na tentativa de serem “encaixotados” em um único componente curricular. Para DIEHL (2002, p. 130):

o discurso moderno institui uma racionalidade pedagógica através da educação escolar, onde a representação do passado e nisso a tradição e a memória coletiva ficam sobre restrito controle, disciplinadas. Com o advento da modernidade instala-se também uma profunda insegurança, pois o passado, e nele a memória, passa a ser sinônimo de desconfiança O segundo desafio observado do processo de construção do currículo está ligado à estrutura do mesmo. O RCNEI orienta que os conhecimentos sejam organizados em disciplinas. Para Almeida (2001), esta forma de organização é apenas uma adaptação da proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais e que o RCNEI não se preocupou em investigar de que forma os povos indígenas organizam e sistematizam os seus saberes para assim orientar a organização dos conhecimentos escolares. Então, ao seguir a proposta curricular contida no RCNEI, a Secretaria de Educação acaba por não contemplar a perspectiva dos indígenas em construir um currículo específico, conforme constatamos nas falas dos entrevistados:

acho que a matriz das escolas indígenas precisa ser retomada, respeitando a vontade que eles queriam [...] (Entrevistado 1A)

a adequação é ferir de alguma forma e atuar de modo até colonizador em relação aos indígenas [...] (Entrevistado 1C)

Ao analisar o PPP Pankará percebemos a razão do processo de construção do currículo, e como as formações de professores em geral, criam atrito entre gestão e professores indígenas:

Não são somente os professores e professoras que se responsabilizam diretamente pela educação escolar do nosso povo. Nossa organização interna procura incorporar o maior número possível de membros das comunidades para juntos realizarmos, de forma ampla e com qualidade, as atividades de planejamento e de ação pedagógica. (Pankará, 2007, p. 26)

A escola indígena é parte da comunidade, vista como mais um espaço de reivindicação de direitos e de formação de guerreiro. Ao realizar um planejamento fora do território e com um grupo “representativo”, impedindo a participação de membros importantes da comunidade, como lideranças, anciões e professores, fere-se um princípio fundamental da comunidade indígena, que é a coletividade.

Os problemas que ocorreram durante as formações e o não atendimento das reivindicações indígenas nos remetem à pesquisa de Almeida (2001), que demonstra que a legislação brasileira contempla grande parte das reivindicações dos povos indígenas, quando aponta para a necessidade de pensar uma escola e um currículo que respeite a organização social das comunidades indígenas e lhes dá autonomia nas formas próprias de ensino e gestão de suas escolas. Porém as limitações administrativas e normativas não permitem a efetivação desses direitos.

Nas nossas observações nesta pesquisa, esse tema surge como uma reivindicação para a criação de um setor na estrutura da SEE com mais autonomia política e administrativa:

alguém cumprir: dizer – Ó, precisa cumprir! Não vejo outro caminho a não ser alguém pode dizer – Eles conhecem, nós já mandamos! Como é que você conhece e não cumpre? Então alguma coisa precisa ser repensada, reestruturada [...] (Entrevistado 1B)

O terceiro desafio que conseguimos verificar que nossos entrevistados, da mesma forma que é defendido por Almeida (2001) e Barbalho (2012), está na possibilidade de criação de um subsistema, pois acreditam ser a melhor solução para o problema da educação indígena específica, pois, exigiria a criação de novas estruturas e ordenamentos jurídicos para atender essa especificidade:

só existindo um subsistema para poder arcar com toda essa diversidade e toda essa especificidade. [...] a educação tem que passar por uma mudança estrutural muito forte pra que essa conceituação de educação escolar indígena específica possa ter seu atendimento pleno [...] (Entrevistado 1C)

Por razão das características apresentadas acima, considerando as especificidades exigidas para efetivar uma educação indígena de qualidade, o movimento indígena reivindica a criação de um sistema próprio de ensino, estruturado a partir da lógica sociocultural, política e territorial dos povos, com a participação efetiva dos professores e lideranças na formulação da política educacional.

Luciano-Baniwa (2006) justifica a criação de um sistema de ensino próprio pelo entendimento de que:

O modelo de organização social, no formato de associação institucionalizada, não respeita o jeito de ser e de fazer dos povos indígenas. Os processos administrativos, financeiros e burocráticos, além de serem ininteligíveis à racionalidade indígena, confrontam e ferem os valores culturais dos seus povos, como o de solidariedade, generosidade e democracia (LUCIANO–BANIWA, 2006, p. 82). Nesta perspectiva, corroboramos o pensamento de Almeida (2001, p. 184) ao defender a criação de um sistema de ensino próprio para atender as populações indígenas que “leve em conta a lógica sociocultural e territorial desses povos, possibilitando que os governos possam desenvolver uma política pública para realidades específicas”.

Apesar da Educação Escolar Indígena ter sido incorporada ao Sistema Estadual de Ensino em 2002, os técnicos que passaram a atuar, direta ou indiretamente, com essa nova realidade tiveram poucas formações pontuais e descontinuadas sobre a temática. Um dos problemas destacados pela própria UEEI no Relatório da Gestão era a dificuldade de contratação de especialistas da temática indígena para realizar a formação dos técnicos. Por isso, essas formações se restringiam à leitura e estudo pouco aprofundados da legislação indígena e de documentos dos povos.

Outro desafio constatado durante nossa pesquisa é que, desde a estadualização em 2002, apesar de todos os documentos produzidos durante as formações e nos encontros de Educação Escolar Indígena, não localizamos nenhuma portaria ou decreto que trate da organização ou estabeleça processos de atendimentos às escolas indígenas de forma específica, diferenciando o funcionamento, estrutura ou organização ao das escolas não indígenas.

Essa verificação revela uma profunda desarticulação entre os setores que atendem diretamente à modalidade da Educação Escolar Indígena e outros setores normativos da

SEE. Na prática, a Educação Escolar Indígena é tratada apenas por uma unidade dentro da estrutura da secretaria e esquecida pelo restante dos setores. Foi possível observar no levantamento de dados de campo que há um reconhecimento de que a educação escolar indígena tem um atendimento deficiente pela SEE:

esse currículo diferenciado precisaria ter um respaldo maior no setor que está (normatização). Essa gerência tem as normas; só aquelas pra escola não indígena. Mas eles não têm duas [escolas] [...] (Entrevistado 1C)

Confirmamos assim, os documentos e normas oficiais da SEE não atentam para a existência de uma outra escola na sua Rede de Ensino; por isso, as tentativas de consolidar um currículo intercultural indígena, esbarram na falta de respaldo legal e pela não aprovação dos documentos construídos pelos indígenas. Os técnicos que acompanham diretamente as escolas indígenas e coordenadores indígenas, na esperança de resolver a situação irregular da escola e do aluno, acabam cedendo às pressões dos setores normativos e adaptando os documentos às normas vigentes.

Contrariando o estabelecido no Parecer nº14 (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999a, p. 15) quando orienta que os sistemas de ensino busquem na legislação nacional o respaldo legal necessário para a criação de ordenamentos jurídicos e administrativos que possibilitem o atendimento às especificidades da Educação Escolar Indígena, quando trata da questão do currículo e sua flexibilidade:

O respaldo legal à organização curricular específica da Educação Escolar Indígena, em relação às demais modalidades do Sistema Educacional Brasileiro, está assegurado pela Constituição Federal de 1988, art. 210, que garante às comunidades indígenas o uso das próprias línguas e a utilização de seus processos próprios de aprendizagem. Também a LDB, no art. 79, delibera sobre o desenvolvimento dos currículos e dos programas específicos, pelo Sistema de Ensino, incluindo-se processos pedagógicos, línguas e conteúdos culturais correspondentes às diversas sociedades indígenas. A LDB acentua, ainda e enfaticamente, a diferenciação da escola indígena em relação às demais escolas dos sistemas pelo bilinguismo e pela interculturalidade. Outros dispositivos presentes na LDB abrem possibilidade para que a escola indígena, na definição de seu projeto pedagógico, estabeleça não só a sua forma de funcionamento, mas os objetivos e os meios para atingi-los.

O quinto desafio está relacionado à estrutura proposta para a construção do currículo que impossibilitou a participação de representações consideradas fundamentais para no processo. Para os indígenas, quando o processo não é construído em conjunto, fere-se a autonomia dos povos e vai de encontro ao que está estabelecido pela legislação.

Os técnicos da SEE reconhecem as limitações da estrutura e do processo de construção desse currículo:

a adequação é ferir de alguma forma e atuar de modo até colonizador em relação aos indígenas [...] (Entrevistado 1C)

O currículo intercultural das escolas indígenas deve ser resultado de uma prática pedagógica autêntica, articulada com o projeto da escola indígena e ao projeto de sociedade da etnia que pertence. Assim, os saberes das sociedades indígenas devem perpassar por todo ele e, a partir dele, seja construído o diálogo com outros conhecimentos. Essa mesma perspectiva é defendida por um entrevistado:

o currículo deveria vir, além das matrizes nacionais, ele deveria atender os eixos norteadores que trabalham na educação indígena diferenciada, contemplando os conteúdos específicos e os saberes de um povo [...] (Entrevistado 1G)

As contradições entre o que está preceituado na legislação educacional para as escolas indígenas e o que acontece na prática estão muito presentes nas nossas entrevistas. Mesmo sem o reconhecimento oficial, as etnias já realizam experiências interculturais e criam elementos específicos no currículo: “eles [escolas não indígenas] já têm o currículo e a gente vai adaptando46 ao nosso currículo e ao nosso conhecimento” (Entrevistado 1E). E para os técnicos que trabalham na Secretaria de Educação, desafios devido ao desconhecimento da existência de uma outra escola: “o primeiro desafio parte do próprio sistema, estar aberto para o novo, aceitar o diferente” (Entrevistado 1A).

Os indígenas, aos poucos, avançam em conquistas importantes na perspectiva de consolidação do projeto de autoafirmação identitária. Como citado nesta passagem de um dos nossos entrevistados:

na hora que é da construção do currículo é de grande valia e grande afirmação, que vai afirmar, cada vez mais, a sua identidade como ser indígena, como indígena daquele povo ‘x’, diferente daquele povo ‘y’ e ai vai se afirmando [...] (Entrevistado 1D)

Nesse contexto de valorização dos saberes do povo, é importante destacar a utilização de material didático específico, produzido pelos professores e lideranças indígenas da própria etnia, para o fortalecimento da educação específica. Esse aspecto aparece durante a entrevista a professores indígenas como um desafio a ser superado:

46 O sentido de adaptação está relacionado ao material didático e pedagógico e programas que são destinados às escolas da Rede de forma indiscriminada.

outro ponto principal que pesa muito é o material didático, porque o professor faz o trabalho dele, entretanto não tem material específico. Ele faz como se fosse recorte de materiais [...] (Entrevistado 1D) uma deficiência que temos é fazer essa relação de conteúdo programático do sistema com os saberes do povo, fazer essa relação de interdisciplinaridade, de forma escrita [...] (Entrevistado 1G)

Os entrevistados indígenas destacaram também a necessidade de consolidar os conhecimentos do povo e buscar novas metodologias para trabalhar o específico na sala de aula, o que demanda tempo e muita pesquisa:

o conteúdo oficial já vem prontinho, com índice programático e os saberes tradicionais, os saberes do outro, a pessoa tem que pesquisar, não está no livro. Você tem que fazer pesquisa, você tem que conversar, que conhecer a realidade do outro [...] (Entrevistado 1F).

Um outro desafio aparece quando percebemos que a dificuldade de consolidação do currículo específico não está apenas na falta de normas que validem as pedagogias próprias dos indígenas; está, também, na escassez de material didático específico.

O termo diferenciado é muito utilizado para identificar uma outra realidade de educação, ligada à diferença cultural e de visão do mundo:

um currículo diferenciado é a base de um estudo diferenciado, mais que venha fazer a mesma mistura com o conhecimento específico, diferenciado e os saberes próprios [...] (Entrevistado 1G)

Quando questionado sobre os desafios para implementar um currículo específico, a formação dos professores indígenas aparece em duas perspectivas. A primeira trata da falta de índios com formação em nível exigido para atuação nas modalidades ou áreas do conhecimento, principalmente nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio:

existe uma certa dificuldade, principalmente nas escolas maiores, com 5ª a 8ª série. A gente não tinha professor com formação adequada e nós precisamos contratar outros professores não índio. Os professores não- indígenas sentiam dificuldade do que é diferente e é difícil repassar [...] (Entrevistado 1F)

Essa realidade foi mudando com os anos, os indígenas correram atrás e cursaram faculdade e outras instituições próximas. Hoje, há poucos professores não-indígenas atuando em escolas indígenas. Aqueles que permanecem têm a anuência das lideranças.

O segundo aspecto trata da formação específica nos cursos chamados de Licenciatura Intercultural47, já que a maioria cursou pedagogia ou outros cursos de

licenciatura que não eram voltados para a formação de professores indígenas:

o primeiro entrave é a formação, para ampliar os conhecimentos e inovar, fazer novos planejamentos, outras metodologias para ajudar o professor [...] (Entrevistado 1D)

A formação superior específica para os professores indígenas exigirá um novo repensar da organização e estrutura curricular da Universidade para atender esta nova demanda social.

Observamos que o diferente é mais utilizado como característica de alteridade em relação ao não-índio e o específico é usado na relação entre diferentes povos indígenas, para identificar questões próprias ou específicas de um determinado povo. Apesar de que em alguns momentos esses termos se confundem: “esse trabalho da interculturalidade, específica, que é da cultura, realmente do povo indígena [...]” (Entrevistado 1A).

Esse trecho da entrevista traduz o sentimento de que a construção desse novo pensar pedagógico emerge na própria comunidade e de um processo legítimo de construção do conhecimento.

O último desafio que identificamos na nossa pesquisa refere-se à questão da oralidade no currículo indígena. Ao propor a construção desse currículo, o sistema de ensino precisa, primeiramente, compreender o papel e a importância da oralidade para os povos indígenas. A oralidade vai além do ensino de línguas maternas e de saberes dos povos, mas está presente em todas as áreas do conhecimento e nos processos de ensino- aprendizagem. Um currículo verdadeiramente indígena deve validar as formas próprias de transmissão do conhecimento de cada povo indígena, como observa um dos entrevistados:

[...] um currículo intercultural iria validar, por exemplo, um dos fatores que a gente observa no convívio com os indígenas mais importantes que é a oralidade. Então, no sistema avaliativo, por exemplo, nós valorizamos muito o que está escrito. Outro exemplo, o conhecimento adquirido fora da estrutura do prédio escolar; para os indígenas isso é muito válido, para nós isso é muito questionável. A existência de ordenamentos jurídicos próprios que permitissem que isso existisse sem nenhum problema entre a instituição que representa a educação e a escola indígena que está atuando de forma diferenciada, específica. [...] o Estado funciona com suas regras, instruções normativas, que de uma certa forma, engessam a própria questão da oralidade.

47 Em Pernambuco, a Licenciatura Intercultural a nível de graduação é oferecida pela Universidade Federal de Pernambuco – Campus do Agreste, tendo a primeira turma iniciado em 2009 e concluído em 2013, com 150 estudantes.

Você tem de um outro lado, algo que não precisa ser aprovado; existe. Então, muitas vezes, tem sido feito, algo que os indígenas não gostam, que é a chamada adequação [...] (Entrevistado 1C)

Em síntese, o campo pedagógico da educação escolar indígena permite transcender a forma como a escola se relaciona com a comunidade e com tudo que está ao seu redor. A organização escolar e as formas próprias de ensino-aprendizagem específicas devem estar relacionadas com a organização social de cada povo para que “possibilitem a continuidade e a reprodução cultural em qualquer sociedade que seja” (ATHIAS, 2010, p. 4).

Walsh (2009) propõe a interculturalidade crítica como ferramenta pedagógica de questionamento constante da racialização, subalternização, inferiorização e de todos os padrões de poder, o que chama de “pedagogia decolonial” (derivada da pedagogia crítica de Paulo Freire48). Essa pedagogia decolonial está enraizada na luta e no fazer educativo das comunidades indígenas e afrodescendentes e anda atada ao projeto intercultural de sociedade.

Para isso, é importante repensar as bases que consolidam a política educacional para que seja reconstruída a partir dos alicerces da interculturalidade, respeitando as