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5 A CONSTRUÇÃO DO CURRICULO ESCOLAR INDÍGENA NA CONJUNTURA DE PERNAMBUCO

5.1 Contexto histórico dos indígenas do Nordeste, em especial, de Pernambuco

Segundo Silva E. (1999), a região que hoje é conhecida como Nordeste foi a que primeiro teve contato com os colonizadores, por isso os povos indígenas que aqui habitavam foram os que sofreram mais com as consequências da política colonizadora:

a Colonização foi iniciada no litoral com a exploração do pau-brasil e, em seguida, com a implantação da lavoura da cana-de-açúcar, em territórios de povos Tupi que foram exterminados, dispersos ou forçados a fugirem para o interior. Todavia, outros povos não só reagiram – através das guerras – às invasões de suas terras, como permaneceram nelas, como é o caso dos Potiguara que habitam o litoral do atual Estado da Paraíba. (SILVA E., 1999, p. 111)

Ainda segundo Silva E. (1999), posteriormente à ocupação da área litorânea, a política expansionista voltou-se para a ocupação do interior do território, e a instalação de fazendas agrícolas e pastoris. Nessa região, que agrega o agreste e o sertão, os colonizadores também encontraram forte resistência dos povos que aqui habitavam. O conflito se acirrava, principalmente, contra os povos que estavam em áreas próximas às fontes de água, já que eram terras visadas para a produção agrícola. Por esta razão, as

terras indígenas eram e ainda são motivo de disputa entre os colonizadores – atualmente os posseiros – e os povos originários, verdadeiros donos das terras.

Como em outras partes do Brasil colônia, no território pernambucano, os aldeamentos passaram a se formar no final do século XVII. Segundo Pires (1990), as terras que eram destinadas aos aldeamentos eram áreas não requisitadas por outros cidadãos, já que estes tinham prioridade na escolha da propriedade.

Aos poucos os aldeamentos foram sendo extintos e, no final do século XIX, os povos indígenas em Pernambuco eram tidos pelos órgãos oficiais como extintos ou incorporados à sociedade nacional. Segundo Silva E. (2009), nos documentos oficiais era comum encontrar afirmações sobre o desaparecimento dos índios para justificar a extinção dos aldeamentos e o loteamento das terras.

Durante todo o século XX, posseiros e políticos locais continuavam a invadir as terras indígenas e expulsar seus habitantes, aqueles que resistiam eram dizimados (SANTOS, 2004). Os poucos índios que resistiam nos antigos aldeamentos se escondiam sob a identidade de caboclos31 para fugir das perseguições. A forma e intensidade com que se deu esse contato podem ser observadas atualmente, pois causaram grandes transformações na organização social e nos costumes dos povos indígenas do Nordeste (OLIVEIRA, 2006). O projeto de assimilação dos indígenas do Nordeste, como também de Pernambuco, foi muito intenso e violento, a estratégia de sobrevivência era negar sua própria origem identitária. Essa política foi tão opressiva que, atualmente, apenas o povo Fulni-Ô de Pernambuco ainda conserva sua língua materna. Neste sentido Silva E. (2011, p. 141) afirma que:

Essas populações historicamente foram discriminadas, perseguidas e expulsas de suas terras. Seus direitos e identidades étnicas foram negados por aqueles que advogaram o extermínio e o desaparecimento indígena, a extinção dos aldeamentos baseada na ideia de assimilação dos índios.

Almeida (2001) cita que há correntes teóricas que acreditam que a subordinação cultural ocorrida com os povos indígenas no Nordeste foi tão opressiva, que consideram os indígenas como ‘índios aculturados’ ou, também, ‘índios misturados’. Oliveira (1999, p. 3) defende a desconstrução desse discurso quando afirma que “é impossível sustentar

31 O termo caboclo surge no século XIX, após séculos de colonização e misturas culturais e fenotípicas, para classificar os indivíduos que “não gozavam do status de serem portugueses” e, tampouco, poderiam “ser rebaixados a categoria de escravos”, pela condição social que os diferenciavam do primeiro grupo e fenotípica que os distanciavam do segundo grupo (VICENTE, 2009, p. 5).

um estereótipo cultural e fenotípico do índio “puro” quando nos deparamos com o processo histórico de trocas culturais e de ocupação regional característico da realidade do Nordeste indígena colonial.” Como vimos no primeiro capítulo, a cultura dinâmica e está em constante transformação e ressignificação.

Durante todo o século XX e aos poucos, os povos de Pernambuco ressurgem reivindicando seus direitos junto ao Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que passa a reconhecer algumas etnias indígenas no Nordeste (MENDONÇA, 2007). O povo Fulni- ô de Águas Belas foi o primeiro a ter reconhecimento oficial, em 1924. Posteriormente, Pankararu, Atikum e Xukuru mobilizaram-se e receberam postos do SPI nas áreas que ocupavam. Para Silva E. (2010), o processo de “(re)surgimento” dos povos indígenas no Nordeste coloca em cheque os documentos oficiais e estudos que afirmavam o fim dos índios na região.

Em conversas com indígenas mais velhos, não é difícil ouvir relatos sobre as lembranças da infância e de quando ouviam os pais ou os avós falando em uma ‘língua estranha’ [grifo nosso], em momentos de mais intimidade entre parentes e pessoas mais próximas ou em rituais secretos. Alguns contam que os pais tinham medo de se identificar como índio por temor de serem expulsos de suas terras e de outras formas de perseguição. Mas, eram nesses momentos que se fortaleciam os laços com a história e os elementos religiosos e culturais. Em uma passagem de um texto sobre o povo Pankararu, construído pelo coletivo de professores e lideranças com apoio da SEE, eles abordam como eram perseguidos e silenciados de diferentes formas e grupos sociais:

Eu lembro que minha tia Bia contava que na época de lampião, os pankararu eram muito reprimidos pelo seu bando, pois eles não gostavam da gente, principalmente no ritual, quando todos se reuniam. Através de sua sabedoria e a ciência sagrada, a mãe de Bia, Maria Calu percebia que lampião e seu bando se aproximavam então todos os índios se escondiam para se proteger. (Vilma e Fernando Pankararu, professores)

As crianças Pankararu cresciam tendo que esconder o seu jeito de ser, sua forma de vida, pois viver certo era viver e falar como os brancos. Isso nos fez “perder” grande parte da nossa cultura, principalmente a língua materna. A nossa cultura não estava sendo vivenciada na escola.”32

A força da resistência dos povos indígenas de Pernambuco ao processo assimilatório foi tão importante que, atualmente, o estado possui a maior população indígena do Nordeste e também é o único da região onde há povo indígena com língua materna (Povo Fulni-Ô). Silva E. (2009) lamenta que, em contraponto a esse dado, pouco conhecemos da história e, muitas vezes, da própria existência de indígenas no nosso estado.

Após quase um século da demarcação das terras Fulni-ô, outros povos indígenas continuam a lutar pelo reconhecimento e pela devolução do seu território. Essa lentidão no processo de demarcação e homologação das terras indígenas, obriga os indígenas a utilizar outras táticas como forma de resistência e pressão, como as retomadas de suas terras. O Povo Truká (Cabrobó/PE) retomou parte do seu antigo território na Ilha de Assunção, em 1981, e o povo Xukuru do Ororubá (Pesqueira/PE), em 1988, retomaram uma área chamada Pedra D’Água, considerada local sagrado para esse povo (SANTOS, 2004). Essas retomadas não aconteceram de forma pacífica e custaram a vida de diversas lideranças indígenas. Além da homologação do território, outro processo moroso é a retirada dos posseiros do Território Indígena, conforme determina a legislação, que também é uma fonte de conflito entre índios e não índios.

Atualmente no Estado de Pernambuco, encontram-se doze povos indígenas, com uma população de quase 50 mil índios, presentes em 17 municípios. São eles: Fulni-ô, Pankará, Pankararu, Entre Serras Pankararu, Pipipã, Atikum, Truká, Xukuru de Ororubá, Kapinawá, Kambiwá, Tuxá e Pankaiuká (ISA, 2010).

Figura 2 - Mapa de Pernambuco com a localização das etnias indígenas. Pankararu Entre Serras e Pankaiwka estão próximas a Pankararu.

Pelo mapa33, percebemos que os povos indígenas de Pernambuco estão

localizados no sertão, sendo que a maioria encontra-se na região do São Francisco. Nesse processo de resistência e luta por seus direitos, a escola também é retomada e ressignificada, transformando-se num espaço de afirmação cultural e identitária, que os povos indígenas de Pernambuco chamam de “escola formadora de guerreiros”.

Da mesma forma que outros movimentos indígenas pelo país, os povos indígenas de Pernambuco procuraram ressituar a educação escolar disponível, aprimorando soluções, superando desafios e avançando nas possibilidades.