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3 CURRÍCULO INTERCULTURAL, DIFERENCIADO E ESPECÍFICO

3.4 Currículo intercultural e escola indígena

Como observamos no capítulo anterior, a perspectiva de um currículo intercultural para a educação escolar indígena surgiu para se contrapor ao modelo de escola que visava a integração dos indígenas à sociedade nacional, através da negação de sua identidade e, consequentemente, a assimilação à cultura hegemônica.

Apesar de reconhecermos a existência de experiências “interculturais” ao longo da história da educação escolar oferecida aos indígenas, no sentido mais restrito de troca de experiências entre diferentes culturas, elas não problematizavam as relações de poder e submissão existentes no currículo e na prática pedagógica, nem tampouco serviam como instrumento de fortalecimento identitário e cultural ou para a validação de epistemologias advindas da comunidade ao qual estava inserida.

A partir da pressão dos povos indígenas e dos movimentos indigenistas, a Constituição Federal de 1988 trouxe uma nova concepção de educação escolar, voltada para os povos indígenas a partir de uma perspectiva não integracionista e do reconhecimento de que as etnias possuem culturas diferentes da sociedade nacional, e possibilitou a organização escolar segundo seus próprios processos de aprendizagem. Nessa perspectiva, repensar o currículo desta escola diferenciada é fundamental para consolidar os preceitos da Constituição Federal e servir como base para uma pedagogia transformadora. De fato, Freire (1996, p. 46-47 apud SOUZA, 2001) entende que são essenciais para a prática educativa as questões ligadas à identidade cultural e sua problematização:

a questão da identidade cultural, de que fazem parte a dimensão individual e a de classe dos educandos cujo respeito é absolutamente fundamental na prática educativa progressista, é um problema que não pode ser desprezado. Tem que ver diretamente com a assunção de nós por nós mesmos.

Percebemos, assim, que para Freire a educação (formal e não formal) e a cultura são indissociáveis; sendo assim, a educação é um problema criado pela cultura e, ao mesmo tempo, a solução, pois é capaz de contribuir para a democratização do um novo projeto de sociedade e para o enriquecimento cultural dos diferentes sujeitos.

O currículo intercultural indígena, em nível das práticas educacionais, sugere “o desenvolvimento de estratégias que promovam a construção de identidades particulares e o reconhecimento das diferenças, que sustentem sua inter-relação crítica e solidária entre diferentes grupos” (Scherer-Warren, 1998 apud FLEURI,1999, p. 278). Nessa

perspectiva, Fleuri (1999) percebe que a escola não reduz a outra cultura a um objeto de estudo a mais, senão que a considera como um modo próprio de um grupo social ver e interagir com a realidade.

Na expectativa de extrapolar o pensamento de Fleuri (1999), podemos considerar que as possibilidades de uma educação intercultural não ficam limitadas ao âmbito da Educação Escolar Indígena, mas podem ser uma perspectiva educacional para todas as escolas, a partir de um sistema educacional que promova essa construção de identidades particulares, mas que também promova o diálogo crítico entre elas e questione as relações de poder e as estruturas que acentuam as desigualdades sociais.

A educação intercultural, dessa forma, construída a partir de um sistema que considera a diversidade e a diferença como elementos enriquecedores, poderá contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Para Grupioni (2003b), é necessária uma firme determinação para que a diversidade cultural brasileira passe a integrar o ideário educacional não como um problema, mas como um rico acervo de valores, posturas e práticas que devem conduzir ao melhor acolhimento e maior valorização dessa diversidade no ambiente escolar.

Nesse sentido, o currículo pode ser percebido como um terreno ou território, como discutem Arroyo (2011), Moreira e Silva (1999) e Barbalho (2012), onde a cultura é ativamente produzida, criada e transformada, onde o conhecimento é criticamente construído e problematizado, e que questiona a função social da escola, dos seus educadores, as relações de poder e a desigualdade étnico-racial.

Então, apesar da escola ter sido, historicamente, um lugar para a dominação cultural dos indígenas, atualmente, esse espaço escolar vem buscando ser mais um espaço comunitário de fortalecimento identitário e cultural. Para Almeida (2001, p. 53): “atribuir à escola o poder de demolir as tradições culturais, contrapõe-se aos estudos etnográficos, que tem demonstrado como as culturas ressignificam e reelaboram elementos de outras culturas”. A educação escolar indígena intercultural exige repensar desde sua concepção enquanto escola às práticas pedagógicas em sala de aula23. Atualmente, muitos povos

23 Para Souza (2013), as pedagogias indígenas já existiam antes da inserção da instituição escolar nos territórios indígenas, quando os saberes eram transmitidos no convívio com a família e com a comunidade. O processo escolar desvalorizou esses processos próprios de ensino que foram se desfazendo ao longo do tempo em algumas etnias indígenas.

passam a (re)viver as pedagogias indígenas na escola, valorizando suas formas próprias de ensino, aprendizagem e avaliação.

Ainda, segundo Almeida (2001), uma escola intercultural proporciona ao aluno a possibilidade de compreender o mundo em que vive, relacionando os conteúdos, problematizando-os e apropriando-se dos mesmos a partir do seu modo de ver o mundo. A proposta da interculturalidade, neste contexto, é incorporada pelos povos indígenas quando os mesmos apropriam-se do conhecimento produzido pelos não-índios, dando- lhe um sentido crítico e não de simples assimilação. Segundo Antonio Nanni (1998 apud FLEURI,1999, p. 280):

A transformação de um modelo monocultural de escola para uma perspectiva de educação intercultural, está ligada há mudanças profundas na estrutura da educação e principalmente nos três pilares: a igualdade de oportunidades, vendo a necessidade de repensar os objetivos, os conteúdos e os métodos escolares; a reelaboração profunda da prática educativa e do material didático; a formação e requalificação dos educadores.

É a partir dos elementos apresentados acima que podemos afirmar que o processo de apropriação do espaço, dos conteúdos, da metodologia, da estrutura e da gestão escolar pelos indígenas, caracteriza essa experiência como uma educação intercultural.

Mesmo com todas as conquistas garantidas pela legislação, a escola e a prática escolar nas comunidades indígenas atuam num campo de disputas políticas, ideológicas, de poder e de projetos de sociedades (ALMEIDA, 2001, p. 52); o fato de se proclamar a diversidade cultural e o respeito à diferença não garante necessariamente uma postura política transformadora por parte do sistema que atenda esses anseios do povo indígena.

Na prática, os sistemas de ensino apresentam uma distância na efetivação do direito dos povos indígenas a uma escola intercultural, específica e diferenciada, seja pelo despreparo ou pelo rígido olhar burocrático das equipes de educação, seja também pela falta de autonomia na tomada de decisões das equipes indígenas (BRASIL, 1998).

Essas dificuldades refletem-se na implantação de projetos educacionais para discussão, elaboração e desenvolvimento do currículo intercultural indígena. Muitas vezes, há um intenso cooptação para a adaptação dos conteúdos e elementos tradicionais do currículo indígena ao modelo adotado para as escolas não indígenas.

Essa mesma situação é colocada por Silva Ar. (2001, p. 12) como um obtáculo para consolidação do projeto de escola indígena específica e diferenciada:

Há um grande descompasso entre, de um lado, a educação diferenciada como projeto e como discussão e, de outro, a realidade das escolas indígenas no país e a dificuldade de acolhimento de sua especificidade

por órgãos encarregados da regularização e da oficialização de currículos, regimentos e calendários diferenciados elaborados por comunidades indígenas para suas respectivas escolas.

Silva (2000) questionava que o avanço legal dos direitos não foi acompanhado por políticas públicas que causassem mudanças significativas na garantia dos direitos básicos, como a educação. De fato, na Educação Escolar Indígena, a falta de uma política pública que vise a atender a especificidade dos povos indígenas é um dos principais desafios apontados pelos entrevistados da nossa pesquisa.

O conhecimento superficial, o desconhecimento completo ou, até mesmo, a falta de comprometimento do poder público, em relação as leis e as concepções dos indígenas sobre a sua educação formal, fazem com que a utilização de termos como diversidade cultural, diferença, especificidade, identidade, cultura e resgate cultural24 em muitos dos discursos educacionais e, da mesma forma, em muitos projetos de educação escolar indígena no contexto contemporâneo, ainda estejam impregnados de uma visão “etnocêntrica e distante da produção de um real diálogo cultural com as posições indígenas” (SAMPAIO, 2006, p. 167). Collet (2003) alerta que essa educação que parece voltada para a tolerância e o respeito visaria, na verdade, encobrir os profundos conflitos e as estruturas de poder. Nos documentos oficiais, a diferença estaria sendo tratada como algo natural, “um dado objetivo do mundo e não como uma construção histórica” (COLLET, 2003, p. 183).

A formulação do currículo específico para as escolas indígenas, como processo de fortalecimento da identidade étnica, dos costumes e saberes indígenas, foi orientada pelo Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI) (BRASIL, 1998). Segundo o RCNEI, o currículo indígena organiza e direciona as experiências educativas de professores e alunos num determinado período de tempo, podendo sofrer mudanças de acordo com as necessidades diversas que vão surgindo na própria comunidade, garantindo também a diversidade individual dentro da mesma escola.

O RCNEI apresenta-se como um documento de caráter informativo com subsídios para a reflexão e construção de propostas curriculares e de formação de professores e técnico para atuar nas diferentes esferas da Educação Escolar Indígena. O documento

24 O termo resgate cultural tem sido muito criticado por remeter a um conjunto cristalino de características de que todos os membros de um grupo partilham. Assim a identidade e a cultura “fazem apelo a uma suposta qualidade essencial, que permaneceria imutável ao longo do tempo” (SANTANA, 2012, p. 24). Como vimos anteriormente, a cultura é viva, dinâmica e incompleta.

reconhece as tensões e conflitos gerados entre as normas, conhecimentos, entre outros aspectos, que surgem de uma legislação maior (como a LDB) e que vão de encontro à organização interna dos povos indígenas. Contudo, ao mesmo tempo que reconhece essas questões aponta caminhos para a flexibilização e o diálogo crítico:

O cotidiano da maior parte dos povos indígenas no Brasil desenrola-se num contexto de tensão entre conhecimentos indígenas e ocidentais, entre políticas públicas e política de aldeias, entre tendências políticas internacionais e a definição de estratégias e de opções específicas de vida e de futuro para populações indígenas. Supõe-se que estas tensões, de cunho eminentemente político, passem pela escola indígena, fazendo dela palco para o diálogo ou o conflito entre essas forças em interação. (BRASIL, 1998, p. 36)

Para superar esses problemas, o RCNEI (BRASIL, 1998, p. 39-41) propõe que os sistemas de ensino criem instrumentos que possibilitem um atendimento específico e especializado nessa área. Como sejam: setores específicos com dotação orçamentária suficiente; criação da categoria de escola indígena com instrumentos normativos e regulamentares adequados que atendam a especificidade de todos os povos; reconhecimento das práticas pedagógicas específicas; contratação apenas de professores indígenas para atuar nas escolas; formação específica para professores indígenas; construção de currículos e calendários escolares específicos com a participação ampla da comunidade indígena; e produção de material pedagógico a partir das metodologias, conteúdos e sistemas de avaliação específicos.

Em relação ao currículo indígena, Monte (1994a, p. 9-15) considera-o composto por três dimensões:

1. Dimensão Pedagógica – percebida nos elementos específicos e interculturais no processo de ensino-aprendizagem, refletida nas práticas interculturais planejadas e realizadas pelos professores e coordenadores;

2. Dimensão Teórica – observada a partir dos registros documentais das práticas pedagógicas, como diário de classe, planejamento e a avaliação, e também na bibliografia publicada nacionalmente;

3. Dimensão Institucional – relacionada à natureza institucional das escolas indígenas, já que compõem modalidade integrante do sistema de ensino, embora garantido o direito à especificidade;

Contudo, pensamos que, em virtude do caráter comunitário da escola indígena na formação de guerreiros e guerreiras, também deve-se considerar a dimensão sociopolítica, estabelecida pela relação da comunidade com a escola e o papel desta na comunidade,

que se reflete na participação das lideranças no cotidiano escolar, na presença de elementos tradicionais nas atividades escolares e na apropriação do espaço escolar como mais um elemento de fortalecimento identitário.

Ao pesquisar sobre a prática de ensino de professores Hupd'äh, de São Gabriel da Cachoeira/AM, Athias (2010) observou que nesse povo os conhecimentos são construídos em um determinado momento e contexto específicos e que não há uma figura única com a função de transmitir e repassar esses conhecimentos, diferentes elementos são repassados e ensinados por pessoas especializadas em determinados saberes dos povos. A pesquisa de Athias (2010) demonstra que o sucesso da educação escolar indígena, na perspectiva de fortalecimento identitário e cultural, está na participação de diferentes atores da comunidade indígena e que acontece em momentos e locais extracurriculares.

O currículo indígena deve estar atento a esses elementos específicos de transmissão dos conhecimentos de cada povo, as pessoas que assumem a função de “mestres” de determinados saberes, os locais e momentos onde esse conhecimento é ou pode ser ensinado. Por isso, o currículo deve ser construído no coletivo da comunidade, colocando as atividades específicas da etnia como conteúdos presentes em todos os momentos pedagógicos (BRASIL, 2005). A concepção predominante dos teóricos da Educação Escolar Indígena é que seja um currículo flexível e dinâmico, construído de forma a potencializar a participação e a negociação entre as comunidades indígenas e não indígenas (MONTE, 2001).

A elaboração do currículo indígena é uma iniciativa pedagógica e institucional complexa, uma vez que deve ser construída de forma participativa, crítica e complementar aos desenhos curriculares formulados para as escolas indígenas, o qual exige sensibilidade para identificar e atender demandas sociopolíticas e expectativas na relação entre o Estado e os povos indígenas (BRASIL, 2005). A legislação escolar indígena estabelece que os sistemas de ensino criem espaços que possibilitem a construção do currículo intercultural dos povos indígenas.

Nos debates promovidos pela Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco, percebe-se que nos documentos oficiais, na prática, houve uma tentativa de adaptação da estrutura de organização da educação indígena e dos conteúdos ao modelo adotado pela Secretaria no período entre os anos de 2006 e 2010. A partir da tensão surgida nesse processo, alguns povos passaram a se organizar internamente para construir sua proposta curricular específica que contemplasse as especificidades pertinentes à Educação Escolar

Indígena e os conhecimentos próprios das etnias indígenas. O que visavam era o fortalecimento do processo ensino-aprendizagem e à melhoria da qualidade da educação escolar indígena na etnia que fossem construídos por toda a comunidade indígena e resultado de uma prática pedagógica autêntica, articulada com o projeto de escola do seu povo.

Almeida (2001) destaca as contradições na legislação pertinente à educação escolar indígena que em determinados momentos estabelece que deve-se promover o diálogo entre diferentes experiências socioculturais, linguísticas e históricas, “não considerando uma cultura superior a outra” (RCNEI, 1998 apud ALMEIDA, 2001) e em outros momentos coloca os saberes construídos historicamente pelos povos indígenas na parte diversificada do currículo escolar (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999a). Por isso, observa que:

[...] na medida em que se colocam os saberes culturais dos povos indígenas na parte diversificada do conteúdo escolar, o Estado Brasileiro estabelece uma hierarquização de saberes, um padrão de verdade, aos quais os saberes dos povos indígenas estão submetidos, portanto, é de novo tratar os povos indígenas numa perspectiva assimilacionista. (ALMEIDA, 2001, p. 120)

Na concepção decolonial, a racionalização do conhecimento ou colonialidade do saber é um dos pilares da Sociedade Moderna Colonial Capitalista para manter a dominação dos grupos subalternizados. A racionalização do conhecimento cria uma hierarquização do conhecimento, determinando quais conhecimentos são válidos, a partir de uma lógica moderna/capitalista.

Moreira e Silva (1999) afirmam que uma das estratégias de superação do currículo existente é atacar a disciplinaridade, já que vá aquém da interdisciplinaridade; algo que possa enraizar mais profundamente a estrutura curricular atual, considerada um dos elementos “naturais” e “inatacável”.

A proposta de Moreira e Silva (1999) sobre a superação do modelo de currículo com os saberes divididos em disciplinas, acreditamos que busca superar um modelo de educação que segue a lógica moderna, onde os conhecimentos são classificados em “caixinhas”. Na perspectiva de construção de um currículo indígena e intercultural, os conhecimentos não podem ser “encaixados” em uma disciplina, pois sua origem é ideológica, política e cultural. Não seria possível, a partir dessa lógica, questionar as estruturas de poder que estão por trás desse conhecimento. Há também que considerar

que a epistemologia indígena é construída dentro de uma outra lógica a partir da cosmovisão de um povo e, dificilmente, se enquadra na lógica eurocentrada.

Por sua vez, a avaliação presente no currículo deve levar em conta o desenvolvimento individual dos alunos e ser de caráter formativo:

[...] os professores indígenas, a exemplo do que ocorre em muitas outras escolas do país, vêm insistentemente afirmando a necessidade de contarem com currículos mais próximos de suas realidades e mais condizentes com as novas demandas de seus povos. Esses professores reivindicam a construção de novas propostas curriculares para suas escolas, em substituição àqueles modelos de educação que, ao longo da história, lhes vêm sendo impostos, já que tais modelos nunca corresponderam aos seus interesses políticos e às pedagogias de suas culturas. (BRASIL, 1998)

Essa pedagogia indígena está intimamente relacionada com o currículo e a forma de socialização dos conhecimentos que são ensinados também na escola da sociedade envolvente, acrescentando os assuntos sobre um determinado povo indígena (CAVALCANTE, 2004). O currículo indígena vai além de conteúdos a serem ensinados, ele reflete diferentes concepções de mundo, agrega a história, o modo de viver da comunidade, a relação com os mais velhos, com a natureza, com outras comunidades.

A experiência indígena no currículo busca incorporar os saberes que são ensinados na sala de aula ao que é vivenciado pelo aluno no seu dia-a-dia na aldeia. Para os Pankará, por exemplo, o currículo “são os saberes construídos coletivamente dentro e fora da escola” (PANKARÁ, 2007, p. 31) e como nos mostra essa análise sobre o entendimento de currículo para os Xukuru:

Para ‘formar’ um/uma Xukuru é necessária uma escola que tenha conteúdos Xukuru, que fale de sua história, de sua geografia, de seus guerreiros, segunda a visão de mundo, sua religião e, sobretudo utilize suas formas de ensinar e aprender. (CAVALCANTE, 2004, p. 126) Nesse contexto de valorização dos saberes do povo, é importante destacar a utilização de material didático específico, produzido pelos professores e lideranças indígenas da própria etnia, para o fortalecimento da educação específica.

Ao estudar os povos Guarani/Kaiowá, Nascimento (2005) observa que esses povos indígenas, ao garantir o direito a uma educação específica e diferenciada, passam a pensar um currículo que estabeleça um diálogo entre “os seus saberes e os saberes legitimados historicamente pela cultura escolar”, mudando a lógica dominante na educação:

[...] a revisão histórica de uma ideologia voltada para a apropriação do conhecimento socialmente relevante e, convoca para a reinvenção de

uma escola que possa articular o reconhecimento do direito de busca da igualdade na construção da qualidade e da garantia da pluralidade, da negociação de conceitos, da presença do Outro, ou dos Outros, no detalhamento, na discussão do processo pedagógico. (NASCIMENTO, 2005, p. 3)

Percebemos que a dificuldade de consolidação do currículo específico não está somente na falta de normas que validem as pedagogias próprias dos indígenas, radica também na escassez de material didático específico. A promoção de oportunidades para os professores indígenas realizarem pesquisas sobre a sua etnia e, posteriormente, a sistematização e publicação desse material, é uma ação importante na consolidação de uma escola indígena intercultural de qualidade.