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A Constituição Federal (CF) de 1988 é considerada a legislação “mais liberal e democrática da história do país [...], no qual os direitos foram ampliados em todas as dimensões: civil, política, social e cultural” (SILVA, 2000, p. 15). A partir de então, o país reconheceu oficialmente a nossa diversidade cultural e também a obrigatoriedade de criação de políticas e outras ações para promover o combate à discriminação etnorracial e preservação das diferentes culturas (BRASIL, 1988).

Neste sentido, a CF de 1988 foi um divisor de águas da forma como o Estado passa a entender os povos indígenas, reconhecendo-os como grupo social que possuem formas de organização, valores e costumes próprios:

Artigo 231 - São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. (BRASIL, 1988)

No que concerne à Educação, no Artigo 205 da CF, a educação é um direito de todos, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa para exercer sua cidadania e o preparo para o trabalho. Da mesma forma, trouxe uma nova perspectiva para a escola presente nas comunidades indígenas desde a época da colonização, que negava a identidade indígena e oprimia os costumes e tradições dos povos, e uma escola indígena que valoriza as práticas específicas e favorece a recuperação/afirmação de sua identidade, ao garantir aos povos indígenas uma educação específica e diferenciada. A Constituição de 88 garantiu, também, que o ensino seja realizado na sua língua materna, respeitando suas próprias formas de aprendizagem.

Entendemos que num Estado Democrático essa nova concepção de educação para os povos indígenas está pautada no princípio da interculturalidade, com o acesso aos conhecimentos da base curricular comum e o uso dos saberes e práticas específicos.

Precisamos, porém, refletir acerca do sentido de cidadania para cada sociedade indígena que é diferente entre si e em relação ao sentido nacional. Para Luciano-Baniwa

(2006) a cidadania, entendida como direitos e deveres comuns a indivíduos que partilham os mesmos símbolos e valores nacionais, reflete uma visão limitada e etnocêntrica e que a discussão sobre uma cidadania indígena brasileira não é pensada nesse processo. A cidadania nacional deve, então, ser desnaturalizada e questionada. Países latino- americanos como Bolívia e Equador já constituíram um estado plurinacional, quando reconhecem aos povos originários o direito a sua própria cidadania16.

Nesta visão, cada povo indígena constitui-se como uma sociedade única, na medida em que se organiza a partir de uma cosmologia particular própria que baseia e fundamenta toda a vida social, cultural, econômica e religiosa do grupo (LUCIANO– BANIWA, 2006).

A criação do Estado-Nação nacionalizou sociedades com profundas diferenças sociais, culturais e religiosas, implicando na formulação da ideia da cidadania e na democracia nacional. Para Quijano (2005), toda força que articula formas diferentes de vivência numa totalidade única é uma estrutura de poder, que parcial ou totalmente, é uma forma de imposição de alguns, mas frequentemente, de certo grupo sobre os outros. Assim a ideia que constituiu a sociedade brasileira como única é criada como forma manutenção dos interesses e do poder advindos da colonialidade.

No âmbito da educação, a universalização da educação básica é um direito com um longo percurso a ser cumprido. Segundo dados da Pnad (IBGE, 2008 apud PNE, 2011), o crescimento da taxa de atendimento das crianças e jovens entre 0 e 17 anos é de 1,2 pontos percentuais ao ano; com isso, essa meta só seria alcançada em 2030. Quando se analisa dados referentes às Regiões Norte e Nordeste, às áreas rurais e aos povos tradicionais (indígenas e quilombolas), vemos a materialidade dessa diferença. Para os jovens indígenas, com idade entre 18 e 24 anos, a média de escolaridade é de 8,7 anos, sendo que a média nacional é de 9,3 anos. Apesar de estar abaixo da média nacional, podemos perceber que essa diferença vem diminuindo, quando comparamos com dados de 2005, em que a média de escolaridade entre jovens indígenas estava em torno de 7,9 anos e a média nacional de 8,7 anos.

Os dados do censo escolar 2010 revelam que a Educação Escolar Indígena representa 0,5% do total de matrículas na Educação Básica, com 246.793 alunos (MEC,

16 WALSH (2008) aprofunda a discussão sobre Estado, plurinacionalidade e cidadania e as experiências na América Latina.

2010). A tabela abaixo, extraída do resumo técnico do Censo Escolar 2010 (p. 23), mostra a evolução das matrículas na Educação Escolar Indígena de 2007 a 2010, com destaque especial, para a ampliação dessa matrícula nos Anos Finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio:

Quadro 1 - Número de matrículas da Educação Indígena por Etapas e Modalidades de Ensino no Brasil de 2007 – 2012.

Observando a tabela podemos constatar que o número de matrículas aumenta significativamente até 2010, a partir de 2011 há uma leve redução. Mesmo assim, até 2012, o aumento das matrículas foi de 12,80%, em relação à 2007. No Ensino Médio, por exemplo, de 2007 a 2010, podemos notar um aumento de 54% no número de alunos, tendo uma redução nos anos seguintes17.

Apesar da redução de alunos na Educação Escolar Indígena a partir de 2010, o número de escolas vem aumentando gradativamente desde 1999, conforme observamos no gráfico abaixo:

17 Percebemos que seria necessária uma investigação mais aprofundada para descobrir as causas do declínio no número de matriculados a partir de 2010.

Gráfico 1 - Números de estabelecimentos de ensino na Educação Escolar Indígena no Brasil, 1999 a 2012.

Fonte: MEC/Inep/DEED.

Esse aumento no quantitativo de escolas, provavelmente, acompanha o reconhecimento de novas comunidades indígenas e, consequentemente, a necessidade de ampliação da rede para atende-las. De 1999 para 2012, mais que dobrou o número de escolas indígenas no Brasil. A partir da figura abaixo, podemos observar o aumento de comunidades e a da densidade de populações indígenas ao comparar os Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010, respectivamente:

Figura 1 - Mapa da densidade populacional indígena em 1991, 2000 e 2010.

Fonte: IBGE, 2010. Adaptado pela autora.

Como vimos as conquistas no âmbito da Educação Escolar Indígena foram fruto de pressões internacionais, mas, principalmente, da mobilização e organização dos movimentos indígenas, indigenistas e também dos direitos humanos. Justamente, a importância dos movimentos sociais em direitos humanos dar-se-á da necessidade de que demandas sociais sejam asseguradas como garantia de direitos. Segundo SILVA E. (1999, pág. 45), “os movimentos sociais são instrumentos de pressão política”.

Percebemos que o Estado é muitas vezes, o promotor dos direitos humanos, e ao mesmo tempo, é violador desses direitos. Alguns governos, por sua vez, usam alguns

1.392 2.323 2.765 2.817 0 500 1.000 1.500 2.000 2.500 3.000 1999 2005 2010 2012

princípios dos DH para esconder o teor violador de suas ações. Os tratados internacionais, assim como, os movimentos em prol dos direitos humanos, estimulam o debate e a construção de ações assecuratórias de direito. Percebemos, também pelos dados e pelos autores pesquisados, que a educação escolar vem sendo gradativamente ampliada para as populações indígenas. Ainda há um caminho longo para que a educação escolar