TERAPIA COGNITIVA DOS
TRANSTORNOS DA »
PERSONALIDADE
AARON
T.
BECK
ARTHUR FREEMAN
DENISE D. DAVIS
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Edição
e colaboradores
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Beck, Aaron T.
Terapia cognitiva dos transtornos da personalidade / Aaron T. Beck, Arthur Freeman e Denise D. Davis ... [et al.]; trad. Maria Adriana Veríssimo Veronese. - 2.ed. - Porto A legre : Artmed, 2005.
ISBN 978-85-363-0483-0
1. Psiquiatria - Transtornos da personalidade - Terapia cognitiva. I. Freeman, Arthur. II. Davis, Denise D. III. Título.
CDU 616.8-085.851.3
TIRAPIA COGNITIVA M S
TRANSTORNOS DA
PERSONALIDADE
2
‘
Hiçio
flaron T. Beck
Arthur Freeman
Denise D. Davis
e colaboradores
Tradução:Maria Adriana Veríssimo Veronese
Consultoria, supervisão e revisão técnica desta edição:
Cristiano Nabuco de Abreu
Doutor em Psicologia Clínica pela Universidade do Minho (Portugal) Mestre em Psicologia pela PUC-SP, S.E.I. York University (Canadá) Coordenador do Serviço de Psicologia do Ambulatório de Bulimia e
Transtornos Alimentares (Ambulim) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP Diretor do Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo.
SUM ARIO
P R E F Á C IO
... 11PARTE I - H IS TÓ R IA , TE O R IA E P E S Q U IS A
1 Visão Geral da Terapia Cognitiva dos Transtornos da Personalidade... 192 Teoria dos Transtornos da Personalidade ...31
3
Avaliação dos Transtornos da Personalidade...594
Princípios Gerais e Técnicas Especializadas ...735 O Relacionamento entre o Terapeuta Cognitivo e os Pacientes com Transtorno da Personalidade...91
PARTE II - A P LIC A Ç Õ E S C L ÍN IC A S
6 Transtorno da Personalidade P aran oide...1117 Transtornos da Personalidade Esquizóide e E squizotípica...129
8 Transtorno da Personalidade A nti-Social... 147
9 Transtorno da Personalidade B orderlin e...167
1 0 Transtorno da Personalidade Histriónica...189
11
Transtorno da Personalidade Narcisista... 20712
Transtorno da Personalidade D ep en d en te... 22913
Transtorno da Personalidade Esquiva...24 714
Transtorno da Personalidade Obsessivo-Compulsiva...26715
Transtorno da Personalidade Passivo-Agressiva (Transtorno da Personalidade Negativista) ...28316
Síntese e Perspectivas para o Futuro ...299R E F E R Ê N C IA S
... 307PREFACIO
Desde que Aaron T. Beck e seus colegas publicaram Terapia cognitiva da depressão, há mais de duas décadas, a terapia cognitiva se de senvolveu de uma forma quase exponencial. A partir do trabalho inicial do tratam ento da de pressão, o modelo foi melhorado e aplicado ao tratam ento de todas as síndromes clínicas comu- mente observadas, incluindo ansiedade, trans torno de pânico, transtornos alimentares e abu so de substâncias, assim como perturbações do pensamento associadas a psicoses. Estudos de resultados dem onstraram sua eficácia em uma grande variedade de distúrbios clínicos. Além de sua aplicação a praticamente todas as populações clínicas, a terapia cognitiva, com modificações, tem sido aplicada a todas as faixas etárias (crian ças, adolescentes, pacientes geriátricos) e utiliza da em settings variados (ambientes sem e com internação, casais, grupos e famílias).
O interesse pelo trabalho clínico e o seu desenvolvimento no tratam ento de pacientes com transtornos da personalidade aum entaram com a sofisticação clínica e a habilidade dos terapeutas cognitivos. A primeira edição deste volume foi também a primeira abordagem cognitiva a foca lizar especificamente esse grupo diversificado e difícil. Esta segunda edição reflete tanto a nossa crescente sofisticação clínica quanto o potencial, em expansão, da terapia cognitiva para tratar efe tivamente esses transtornos que, com freqüên cia, têm sido considerados intratáveis.
O trabalho com a terapia cognitiva atrai o interesse no m undo todo, e centros de terapia cognitiva (ou g ru p o s de estu d o da te ra p ia
cognitiva) foram fundados em todos os conti nentes, exceto na Antártica. Prochaska e Norcross (2003) afirmaram o seguinte na quinta edição de seu Systems of psychotherapy:
Provavelmente, a predição mais segura sobre a direção da terapia cognitiva é que ela está avan çando. As terapias cognitivo-comportamentais, em geral, e a terapia cognitiva beckiana, em particular, são as orientações que mais se de senvolvem e mais são pesquisadas no cenário contemporâneo. As razões para sua corrente popularidade são claras: a terapia cognitiva cons ta em manuais, é relativamente breve, foi ex tensamente avaliada, é compatível com medi cação e focada no problema. Vamos colocar da seguinte maneira: se fôssemos obrigados a com prar um estoque de qualquer um dos sistemas de psicoterapia, a terapia cognitiva de Beck se ria a escolha mais segura e lucrativa pelos pró ximos cinco anos. (p. 369)
O interesse pelas abordagens cognitivas entre os terapeutas cresceu 600% desde 1973 (Norcross, Prochaska e Gallagher, 1989).
O ímpeto original para esse crescimento veio de terapeutas treinados no Center for Cognitive Therapy da Universidade da Pensilvânia e daque les que fizeram formação com tais pessoas. O conteúdo do presente trabalho resultou, organi cam ente, de discussões de caso e sem inários coorden ado s por Beck d u ra n te vários anos. Quando decidimos escrever um livro que perm i tiria com partilhar os entendim entos obtidos a partir de nosso trabalho, percebemos que seria
12
Beck, Freeman, Davas e cols.impossível um a ou duas pessoas serem especia listas no tratam ento dos vários transtornos da personalidade. Portanto, recrutamos um grupo distinto e talentoso de terapeutas treinados no Center for Cognitive Therapy para serem co-au tores do texto, cada um escrevendo em sua área específica de especialidade. Rejeitamos a noção de um texto editado que oferecesse uma série de apresentações díspares (ou redundantes). No interesse da uniformidade e da consistência de apresentação, decidimos em favor de um volu me que representasse um a produção colabo- rativa total de todos os colaboradores.
Diferentes autores assumem a responsabi lidade por diferentes tópicos ou aplicações clíni cas específicas. O m aterial esboçado em cada tópico circulou para estimular a fertilização cru zada e facilitar a consistência, e foi depois de volvido ao autor ou aos autores originais para revisões e desenvolvimentos adicionais. Final mente, todo o manuscrito foi revisado e editado por um dos autores para garantir continuidade de estilo, linguagem e conteúdo. Embora o livro seja produto de um a equipe, cada autor assume a responsabilidade pelo próprio conteúdo. Os au tores principais de cada um dos capítulos são identificados abaixo. A integração, a edição fi nal, a continuidade do volume e o gerenciamento do projeto de revisão da segunda edição fica ram a cargo de Denise D. Davis.
Quando consideramos as razões para um a edição revisada deste volume, algum as ques tões influenciaram a nossa decisão. Em prim ei ro lugar, a terapia cognitiva dos transtornos da personalidade continuou a se expandir nos 14 anos que decorreram desde a prim eira edição. A nossa experiência como terapeutas cognitivos aum entou, pois vimos ainda mais claram ente o valor e o desafio dessa abordagem terapêutica potencialm ente poderosa. Hoje em dia, existem muito mais evidências empíricas. Vários auto res que contribuíram para a prim eira edição es tavam prontos a acrescentar a riqueza e a pro fundidade de um a década de experiência às suas aplicações clínicas originais. Também con seguimos recrutar a ajuda de vários autores no vos que ofereceram contribuições im portantes
em suas áreas de conhecim ento nos últim os anos, acrescentando um a perspectiva inovado ra e atualizada para m elhorar a essência do nosso trabalho original. Finalmente, queríamos expandir a oferta original nas áreas de avalia ção clínica, por meio de mais discussões do p a p e l d as e m o ç õ e s e do r e la c io n a m e n to terapêutico na terapia cognitiva dos transtor nos da personalidade.
Este volume foi organizado em duas se ções. A prim eira oferece um a am pla visão ge ral de asp ecto s h istó rico s, teó ric o s e t e r a pêuticos. Essa seção é seguida pelos capítulos de aplicação clínica, que detalham o tratam en to individualizado de transtornos específicos da personalidade. Os capítulos clínicos são orga nizados de acordo com os três grupos descritos na quarta edição revisada do Manual diagnós
tico e estatístico de transtornos mentais (DSM-
IV-TR; American Psychiatric Association, 2000). O ag ru p am en to A, os tra n sto rn o s descritos com o “esqu isitos ou ex c ên trico s”, inclui os tr a n s to r n o s d a p e r s o n a lid a d e p a r a n ó id e , esquizóide e esquizotípica. O agrupam ento B inclui os transtornos da personalidade anti-so cial, borderline, histriónica e narcisista, que são d escritas como “d ra m á tic as, em ocionais ou erráticas”. O agrupam ento C inclui as “pessoas ansiosas ou m edrosas”, que se enquadram na categoria dos transtornos da personalidade de pendente, esquiva e obsessivo-compulsiva. De pois de m uita consideração, o transtorno da per sonalidade passivo-agressiva foi incluído em nossa segunda edição, apesar de ter sido re ti rado da lista de transtornos de personalidade do DSM-IV-TR e colocado em novas categorias propostas que estão sendo estudadas. Concor dam os quanto à relevância clínica especial da personalidade passivo-agressiva. Além disso, nossas pesquisas dem onstraram um conjunto singular de crenças disfuncionais, associado ao diagnóstico clínico desse transtorno.
O conteúdo da Parte I foi desenvolvido por Aaron T. Beck, Arthur Freeman, Andrew Butler, Denise D. Davis e Jam es Pretzer. No Capítulo 1, Freem an e P retzer com eçam ap resentan do a abordagem cognitivo-comportamental e os
pro-Terapia cognitiva dos transtornos da personalidade 1 3
blemas gerais de encaminham ento, diagnóstico e tratam ento dos pacientes com transtornos da personalidade. Uma discussão do conceito da formação de esquemas e seus efeitos sobre o com portam ento oferece ao leitor um a visão a essa questão vital, que é ampliada em capítulos posteriores. O capítulo, então, discute os estu dos clínicos e as pesquisas realizados, até o mo mento, sobre o tratam ento cognitivo-comporta- mental da personalidade.
No Capítulo 2, Beck explica como os pro cessos da personalidade se formam e cumprem funções adaptativas na vida do indivíduo. Par tindo de um foco evolutivo, Beck esclarece como os esquemas (e as combinações idiossincráticas de esquemas) contribuem para a formação dos vários transtornos. São descritas as estratégias básicas de adaptação, juntam ente com as cren ças/atitudes básicas de cada transtorno da per sonalidade. O processamento da informação e os tipos específicos de distorção das informações disponíveis são ligados às características esque máticas, incluindo a densidade, a atividade e a valência dos esquemas. Em cada transtorno da personalidade, certas crenças e estratégias pre dominam e formam um perfil característico. Beck identifica as estra té g ias típicas superdesen - volvidas e subdesenvolvidas em cada transtor no. As estratégias podem - propõe ele - derivar- se de ou com pensar experiências desenvolvi- mentais específicas. Ao oferecer perfis cognitivos, incluindo a visão do self, a visão dos outros, as crenças centrais e condicionais e as principais estratégias compensatórias, ele descreve os trans tornos sob um a perspectiva que permite a apli cação da am pla v a rie d a d e de in terv en çõ es cognitivas e comportamentais.
No Capítulo 3, Andrew Butler discute as pectos de avaliação relevantes para os tran s tornos da personalidade, incluindo as questões conceituais, m etodológicas e estratégicas ine rentes ao entendim ento desses complexos do mínios da psicopatologia. São discutidas m edi das cognitivas da patologia da personalidade, com ilustrações da m edida específica desenvol vida nos últimos anos, o Personality Belief Ques tionnaire. No Capítulo 4, Beck e Freeman
revi-sam os princípios gerais da terapia cognitiva dos transtornos da personalidade. Os esquemas cen trais podem ser inferidos exam inando-se pri meiro os pensam entos autom áticos do pacien te. Ao utilizar imagens m entais e redespertar experiências p assad as trau m á tica s, os te r a peutas tam bém podem ativar os esquemas cen trais. As crenças inseridas nesses esquem as po dem , então, ser exam inadas dentro do contex to terapêutico específico. O capítulo delineia as estratégias básicas da terapia cognitiva, com ênfase especial no desenvolvim ento da concei- tualização de casos. São discutidas a colabora ção terapêutica, a descoberta orientada e a im portância da tran sferên cia e da contratran s- ferência, concluindo com um a visão geral das técnicas cognitivas e com p ortam entais para modificar esquemas.
O Capítulo 5, últim o dessa seção, é um capítulo novo que realça a abordagem cognitiva com referência ao relacionam ento terapêutico no tratam ento dos transtornos da personalida de. Valendo-se do trabalho anterior de Beck e Freeman sobre as várias razões da ausência de colaboração terapêutica, Denise Davis acrescen ta c o n sid e ra ç õ e s so b re c u ltu ra e cu id ad o gerenciado. Além disso, discute a expansão do domínio interpessoal no contexto do tratam en to dos transtornos da personalidade e oferece um a conceitualização da tran sferên cia e da contratransferência baseada no modelo da te rapia cognitiva. O capítulo ilustra estratégias específicas da abordagem terapêutica cognitiva, para as emoções do paciente e do terapeuta. Essa visão geral dos aspectos em ocionais e in te rp e s s o a is d a in te rv e n ç ã o c o g n itiv a é com plem entada por um a discussão específica de questões do relacionam ento terapêutico e estratégias de colaboração em todos os capítu los subseqüentes sobre transtornos específicos da personalidade na Parte II.
Os capítulos específicos sobre os diversos transtornos da personalidade seguem um forma to: primeiro são descritas as principais caracte rísticas e formas de apresentação do transtorno em um contexto clínico; depois, é acrescentado um resumo das perspectivas históricas
referen-14
Beck, Freeman, Davis e cols.tes ao transtorno. São relacionados pesquisas e dados empíricos importantes, seguidos por uma breve discussão de questões diagnosticas dife renciais. A partir disso, cada autor oferece uma conceitualização específica para explicar o trans torno dentro do modelo cognitivo, seguindo-se um a visão geral de como podemos tratar o p a ciente com tais características. As crenças e as estratégias específicas que afetam a colaboração, assim como as possíveis maneiras de enfrentá- las são destacadas em uma seção sobre estraté gias de colaboração. Seguem-se ilustrações abun dantes e detalhadas de intervenções específicas. Finalm ente, são apresentadas sugestões para m anter o progresso. Embora todos os autores tenham seguido um esboço sem elhante, cada capítulo contém uma riqueza de diferentes idéias sobre a aplicação do modelo cognitivo.
O Capítulo 6, revisado pelo autor original, James Pretzer, inicia a seção de aplicação clínica com um a introdução ao problema do transtorno da personalidade paranóide. Esse grupo, raramen te estudado, apresenta vários problemas idios sincráticos, entre os quais se destaca um alto grau de desconfiança interpessoal. Os transtornos da personalidade esquizóide e esquizotípica são de talhados em um novo Capítulo 7 por Anthony Morrison e Julia Renton. Esses autores oferecem recomendações práticas bem-fundamentadas para diferenciar esses transtornos, para tratar clinica mente os pensamentos e as crenças que contri buem para o ajuste social esquisito e excêntrico característico de tais pacientes, e para obter a co laboração dessas pessoas tipicamente desligadas do tratamento. No Capítulo 8, os transtornos do agrupam ento B de personalidades dramáticas, emocionais e erráticas são apresentados com a reformulação feita por Arthur Freeman e Denise Davis das considerações originais de Davis sobre a personalidade anti-social. Eles tratam de ques tões específicas sobre como confrontar as tendên cias desses pacientes de evitação e manipulação, como estabelecer limites, envolvê-los em temas de casa e ensinar-lhes habilidades de funciona mento.
Um novo Capítulo 9 sobre o transtorno
borderline é apresentado por Amoud Amtz, que
resume as consideráveis contribuições empíricas e teóricas nessa área nas últimas décadas. As ques tões pertinentes ao tratam ento da psicopatologia
borderline são habilmente ilustradas com a utili
zação da abordagem cognitiva na modificação de esquemas. Barbara Fleming atualiza sua discus são original do transtorno histriónico da perso nalidade no Capítulo 10, incluindo um resumo fascinante das influências sexistas historicamen te associadas a esse transtorno. Ela reconceitualiza o transtorno em termos cognitivos e ilustra um protocolo de tratamento que trata claramente da psicopatologia das emoções intensas e excessi vas. Denise Davis reformula sua discussão origi nal da personalidade narcisista no Capítulo 11, com um entendimento cognitivo desse transtor no auto-engrandecedor. São apresentadas as prin cipais crenças e suposições, juntam ente com um modelo para tratar esse problema desafiador e identificar as crenças operativas primárias susce tíveis à modificação.
No Capítulo 12, Barbara Fleming reformula seu trabalho sobre o transtorno da personalidade dependente, introduzindo o agrupam ento C - pa cientes ansiosos e tem erosos. As crenças do paciente dependente relativas à competência, ao abandono e à independência são tratadas de di versas maneiras para encorajar o desenvolvimento de um funcionamento mais adaptativo e indepen dente. A frustração do terapeuta é uma questão- chave que Fleming examina, já que os pacientes dependentes são particularm ente propensos a um a adesão superficial e à adulação do terapeuta, no interesse de m anter seu relacionamento de pendente com ele. São detalhadas estratégias para identificar e manejar a dependência do paciente. Christine A. Padesky e Judith S. Beck voltam a colaborar, no Capítulo 13, no tratamento do trans torno da personalidade esquiva. Com im ensa perícia clínica, as duas autoras tratam de temas de autodepreciação, expectativa de rejeição e a crença de que as emoções e os encontros desa gradáveis são intoleráveis. Como na primeira edi ção, são enfatizados o tratam ento do componen te da ansiedade e a necessidade de treinamento de habilidades específicas. Seu exemplo original de caso é ampliado com ilustrações mais
detalha-Terapia cognitiva dos transtornos da personalidade 1 5
das de técnicas e inúmeras idéias para possíveis
intervenções.
No Capítulo 14, Karen M. Simon retom a para atualizar e expandir o capítulo original so bre o transtorno da personalidade obsessivo- compulsiva. Embora esse transtorno inclua tra ços altam ente valorizados pela sociedade, como desempenho, controle emocional, autodisciplina, perseverança, confiabilidade e polidez, Simon ilustra como essas estratégias construtivas se transform am em rigidez disfuncional, perfeccio nism o, rum inação, dogm atism o e indecisão. Também são tratados aspectos associados de depressão, problem as sexuais e dificuldades psicossomáticas. No Capítulo 15, um a nova co laboradora, Gina Fusco, considera a personali
dade passivo-agressiva ou negativista. O capítu lo revisa a história das questões conceituais re ferentes a esse transtorno um tanto controver so, e Gina focaliza as questões prim árias de ambivalência, dependência e asserção insufici ente que tipicamente prejudicam o funcionamen to adaptativo das pessoas passivo-agressivas. Por meio de exemplos clínicos, ela descreve am pla m ente a abordagem cognitiva para a resolução de impasses terapêuticos e a obtenção de m u danças mais construtivas.
Finalmente, no Capítulo 16, James Pretzer apresenta um sumário de questões-chave e lan ça um olhar para as futuras fronteiras da abor dagem cognitiva no tratam ento dos transtornos da personalidade.
PARTE I
HISTÓRIA, TEORIA
E PESQUISA
1
VISÃO GERAL DA TERAPIA COGNITIVA
DOS TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE
A terapia de pacientes com variados trans tornos da personalidade tem sido discutida na li teratura clínica desde o inicio da história regis trada da psicoterapia. Os clássicos casos de Freud e Anna O. (Breuer e Freud, 1893-1895/1955) e do homem dos ratos (Freud, 1909/1955) podem ser rediagnosticados, de acordo com os critérios atuais, como transtornos da personalidade. Com o desenvolvimento do primeiro Manual Diagnós
tico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-I)
da American Psychiatric Association (1952) até sua p re se n te versão (DSM-IV-TR; A m erican Psychiatric Association, 2000), a definição e os parâmetros para se compreender esses transtor nos sérios e crônicos foram gradualmente amplia dos e refinados. A literatura geral sobre o trata mento psicoterapêutico dos transtornos da per sonalidade surgiu mais recentemente e está cres cendo com rapidez. A principal orientação teóri ca na literatura sobre tratamento dos transtornos da personalidade era, até recentemente, psicana- lítica (Chatham, 1985; Goldstein, 1985; Horowitz, 1977; K ernb erg , 1975, 1984; Lion, 1981; M asterson, 1985; Reid, 1981; Saul e Warner, 1982; Waldinger e Gunderson, 1987).
A ABORDAGEM C0GNITIV0-
COMPORTAMENTAL NOS
TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE
Mais recen tem en te, os tera p eu tas com- portam entais (Linehan, 1987a, 1993; Linehan, Armstrong, Suarez, Allmon e Heard, 1991) e cognitivo-comportamentais (Fleming e Pretzer, 1990; Freeman, Fleming e Simon, 1990; McGinn e Young, 1996; Pretzer e Beck, 1996) concei- tualizaram e desenvolveram um a abordagem de tratam ento cognitivo-comportamental nos trans tornos da personalidade. Quando foram intro d u z id a s p a ra o tra ta m e n to de tra n s to rn o s afetivos, as abordagens cognitivas baseavam-se nas idéias dos “analistas do ego”, derivadas do trabalho de Adler, Horney, Sullivan e Frankl. Embora suas inovações terapêuticas fossem vis tas como radicais pelos psicanalistas, as prim ei ras terapias cognitivas eram, de muitas m anei ras, “terapias de insight”, no sentido de que a terapia utilizava am plam ente técnicas intros pectivas destinadas a modificar a “personalida de” m anifesta do paciente (Beck, 1967; Ellis, 1962). Beck, Ellis e seus colegas estavam entre os primeiros a utilizar uma grande variedade de técnicas de tratam ento comportamental,
incluin-20
Beck, Freeman, Davis e cols.do tarefas de casa estruturadas in vivo. Eles enfatizaram , consistentem ente, o impacto das técnicas cognitivas e comportamentais não ape nas sobre os sintomas, mas tam bém sobre os “es quemas” cognitivos ou crenças controladoras. Os esquemas fornecem as instruções que orientam o foco, a direção, a qualidade da vida cotidiana e as contingências especiais.
Os teóricos da terapia cognitiva e os psica nalistas concordam , conceitualm ente, com a noção de que via de regra é mais produtivo iden tificar e modificar problemas “centrais” ao tra tar transtornos da personalidade. As duas pers pectivas diferem no que consideram a natureza dessa estrutura central: a perspectiva psicanalí- tica vê tais estruturas como inconscientes e não facilmente disponíveis para o paciente; a pers pectiva cognitiva afirma que os produtos desse processo estão, em grande parte, na esfera da consciência (Ingram e Hollon, 1986) e, com es tratégias especiais, podem, inclusive, ser mais acessíveis a ela. Sentimentos e condutas disfun- cionais (segundo a teoria da terapia cognitiva) são significativamente decorrentes da função de certos esquemas, que produzem consistentem en te julgam entos tendenciosos e uma tendência concom itante de com eter erros cognitivos em determ inadas situações. A premissa básica do modelo da terapia cognitiva é que o viés atribu tivo, e não o viés motivacional ou de resposta, é a principal fonte de afeto e conduta disfuncional nos adultos (Hollon, Kendall e Lumry, 1986; Zwemer e Deffenbacher, 1984). Outros trabalhos m ostraram que padrões cognitivos clinicamente relevantes estão relacionados à psicopatologia nas crianças de forma correspondente aos p a drões cognitivos e afetivos de relacionamento en contrados tipicamente nos adultos (Quay, Routh e Shapiro, 1987; Ward, Friedlander e Silverman, 1987), e que a terapia cognitiva efetiva pode seguir linhas semelhantes com crianças e adul tos (DiGiuseppe, 1989).
E raro os problemas da personalidade se rem a principal queixa de um paciente que bus ca tratam ento. O que leva o paciente a tratam en to é a depressão, a ansiedade ou situações ex ternas. Os pacientes com transtornos da perso
nalidade freqüentem ente vêem a sua dificulda de de lidar com as outras pessoas como inde p endente do seu próprio com portam ento ou
input. Em geral, eles se consideram vitimizados
pelos outros ou, mais globalmente, pelo “siste m a”. É comum os pacientes não fazerem idéia de como chegaram a ser como são, de como con tribuem para os próprios problemas ou de como mudar. Alguns estão muito cientes dos elem en tos autoderrotistas de seus problemas (por exem plo: excessiva dependência, inibição e evitação), mas não têm consciência dos aspectos da perso nalidade ou do papel da volição pessoal na m u dança.
Sinais heurísticos que podem apontar para a possibilidade de problemas no Eixo II incluem os seguintes cenários:
1. O paciente pode dizer: “Eu sempre fui as sim” ou um outro significativo relata: “Oh, ele sempre fez isso, desde pequeno”. 2. O paciente não adere ao regime terapêu
tico. Embora a falta de adesão seja co m um em muitos problemas, por muitas razões, a persistente ausência de adesão deve ser vista como um sinal para se ex plorar m elhor aspectos do Eixo II. 3. A terapia parece ter chegado a um a sú
bita parada sem nenhum a razão aparen te. O terapeuta que está trabalhando com esse paciente muitas vezes pode ajudá- lo a reduzir problemas de ansiedade ou depressão, apenas por se ver bloqueado no trabalho terapêutico adicional pelo transtorno da personalidade.
4. O paciente parece totalmente inconscien te do efeito que o seu comportamento tem sobre os outros. Esses pacientes registram as respostas alheias, mas não percebem como contribuem com alguma provoca ção ou comportamento disfuncional. 5. O paciente, supostam ente, apóia as ta
refas da terapia, pois expressa interesse e intenção de mudar, mas não realiza as ações com binadas. A im p ortân cia da m udança é reconhecida, mas o paciente evita fazer qualquer m udança real.
Terapia cognitiva dos transtornos da personalidade 2 1
6. Os problemas de personalidade do paci ente parecem ser aceitáveis e naturais para ele. O paciente vê os problem as como um aspecto fundamental de seu self e faz declarações como: “E assim que eu sou; é assim que eu sempre fui. Não con sigo me im aginar ser diferente”. Ações que o terapeuta vê como uma evidên cia de transtorno do Eixo II podem ter sido um com portam ento funcional para o paciente em muitas situações de vida. Todavia, esse funciona mento em um ambiente pode ter um grande cus to pessoal em outras áreas - por exemplo, uma programadora de computador perfeccionista tra balhava diligentem ente em seu emprego, mas sentia pouca satisfação com o trabalho. Ela se sentia sob grande pressão porque ficava até tar de para concluir as tarefas e, de modo geral, iso lada dos outros por trabalhar até depois do horá rio e em fins de semana, tentando fazer um tra balho à altura de seus “padrões”. Anteriormente, seus traços compulsivos de personalidade tinham sido recompensados na escola, pois os professo res davam-lhe as melhores notas, mais atenção e prêmios pelo seu notável desempenho, com base em seu trabalho caprichado, perfeito. Outro pa ciente, um veterano militar de 66 anos de idade, com transtornos da personalidade obsessivo-com- pulsiva e dependente, afirmou: “O melhor tempo da minha vida foi quando estava no Exército. Eu não tinha de me preocupar com o que vestir, o que fazer, aonde ir e o que comer”. Sua orienta ção para as regras e submissão às ordens facilita ram seu sucesso na carreira militar, mas dificulta ram seu ajustamento civil.
Dada a natureza crônica dos problemas do paciente com transtorno da personalidade e o preço pago em termos de isolamento, dependên cia dos outros ou aprovação externa, precisamos q u e s tio n a r p o r que esses c o m p o rta m e n to s disfuncionais são mantidos. Eles podem provo car dificuldades no trabalho, na escola ou na vida pessoal e familiar. Em alguns casos, eles são re forçados pela sociedade (por exemplo, o adágio de “sempre faça o m elhor que puder”) . Freqüen tem ente, esquemas compelidores que o pacien
te “sabe” serem errôneos mostram-se os mais re- fratários à m udança. Dois fatores parecem ser extrem am ente im portantes para explicar a te naz adesão a esquemas disfuncionais. Em pri m eiro lugar, conform e salientou DiGiuseppe (1986), o problema pode estar, em parte, na di fic u ld a d e q u e as p e sso a s tê m (in c lu in d o terapeutas cientificamente orientados) de fazer uma “m udança de paradigm a”, de um a hipóte se, às vezes, exata para um a menos familiar. Em segundo lugar, conform e observou Freem an (1987; Freeman e Leaf, 1989), as pessoas geral mente encontram uma m aneira de se ajustarem aos esquemas fundam entalm ente tendenciosos que tam bém restringem ou sobrecarregam sua capacidade de lidar com os desafios da vida a longo prazo e extrair benefícios deles a curto prazo. Em relação à m udança de paradigm a, DiGiuseppe (1989) recom enda o uso terapêu tico de vários exemplos do erro que um deter minado esquema produz, de modo que seu efei to tendencioso pode ser visto em termos do im pacto sobre áreas im portantes da vida do paci ente. Além disso, as conseqüências de um a al ternativa não-tendenciosa devem ser repetida mente explicadas.
O segundo problem a não é tão tratável. Quando os pacientes fazem ajustes em sua vida para compensar suas ansiedades, por exemplo, a m udança necessariamente envolve enfrentar essa ansiedade e alterar seu ajustam ento pré vio. Essa postura costuma ser m uito difícil de adotar. Considere, por exemplo, a program ado ra de com putador compulsiva, previamente m en cionada. Dada a sua história de vida e o seu ajus tam ento geral, não esperaríamos que ela procu rasse ou se dedicasse a temas de casa que envol vessem o risco de com eter erros ou de ter um desempenho em um nível m eram ente adequa do. Antes de poder realizar essas tarefas tera pêuticas, o terapeuta teria de reform ular as ex pectativas iniciais da paciente quanto aos obje tivos do tratam ento, ao tem po e aos procedim en tos de terapia, ajudá-la a ter alguns ganhos rela tivamente imediatos e práticos e desenvolver um relacionam ento colaborativo com m útua con fiança e respeito.
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Beck, Freeman, Davis e cols.Uma história de vida infeliz pode contri buir para a qualidade compelidora de esquemas tendenciosos e o desenvolvimento de transtor nos da personalidade. Um exemplo extremo apa rece nos dados relatados por Zimmerman, Pfohl, Stangl e Coryell (1985). Eles estudaram um a am ostra de mulheres que tinham sido hospitali zadas em virtude de episódios depressivos agu dos, codificados como transtornos do Eixo I do DSM-III. Quando dividiram a am ostra em três grupos, distinguidos pela gravidade diferencial de e v e n to s de v id a n e g a tiv o s ou e stre s s e psicossocial (Eixo IV), todos os três grupos fo ram sem elhantes em medidas sintomáticas de depressão. Apesar de sua semelhança nos sinto mas apresentados, os três grupos diferiam sig nificativamente em termos de outras indicações de severidade e dificuldade do tratam ento. En tre os 30% de todas as pacientes que tentaram o suicídio durante o curso do estudo, o índice de tentativa foi quatro vezes mais alto no grupo de estresse elevado do que no de pouco estresse. Transtornos da personalidade estavam eviden tes em 84,2% do grupo de estresse elevado, em 48,1% do grupo de estresse m oderado e apenas em 28,6% do grupo de baixo estresse. Os inves tigadores interpretaram o achado em que fre qüentes eventos negativos de vida estavam as sociados a transtornos de personalidade e a se veridade do caso como causado, pelo menos em parte, pela cronicidade dos eventos e pela res posta da paciente a essa cronicidade. Se a pes soa v iv e n c io u e v e n to s de v id a n e g a tiv o s, incom um ente freqüentes, é provável que ela apresente um viés pessimista em relação ao pró prio self, ao m undo e ao futuro. Em contraste, os indivíduos que conseguem escapar dos estres sores de vida ou evitá-los podem viver em um m undo pessoal relativamente seguro e apresen tar índices muito baixos de transtornos da per sonalidade clinicamente evidentes.
A efetividade da terapia cognitiva, em qual quer ponto do tempo, depende do grau em que as expectativas do paciente, em relação aos ob jetivos terapêuticos, são congruentes com as do terapeuta (Martin, Martin e Slemon, 1987). A confiança m útua e o reconhecimento das solici
tações do paciente, por parte do terapeuta, são im portantes (Wright e Davis, 1994), como em qualquer am biente m édico (Like e Zyzanski. 1987). A natureza colaborativa do estabeleci m ento dos objetivos é um dos aspectos mais im portantes da terapia cognitiva em geral (Beck. Rush, Shaw e Emery, 1979; Freem an et al.. 1990). Uma das considerações mais relevantes no trabalho com pacientes que apresentam trans tornos da personalidade é antecipar a ansieda de q u e s e r á p ro v o c a d a p o r u m p ro c e sso terapêutico que vai desafiar a sua identidade e o seu senso de self. Em bora a sua estru tu ra esquemática possa ser pouco com pensadora e solitária, a mudança significa entrar em um novo território, onde o terreno é desconhecido. Eles estão sendo solicitados não apenas a m udar uma cadeia simples de comportamentos, ou a reestru turar um a simples percepção, mas tam bém a desistir de quem eles são e de como se defini ram por muitos anos e em muitos contextos di ferentes. É crucial reconhecer que isso provavel m ente provocará ansiedade - e tanto o paciente como o terapeuta precisam ser informados des se potencial. Para lidar com isso existe uma boa variedade de instrum entos de manejo da ansie dade (por exem plo, veja Beck e Emery, com Greenberg, 1985), incluindo um a abordagem calma, confiante e reasseguradora (veja o Capí tulo 5).
As estratégias necessárias para se trabalhar efetivam ente com pacientes que apresentam tra n s to r n o s d a p e r s o n a lid a d e p o d e m ser conceitualizadas como uma abordagem tripar tida. Adotar um a abordagem estritam ente cogni tiva e tentar, logicamente, separar os pacientes de suas distorções não vai funcionar. Fazer com que o paciente reaja, dentro da sessão, a fanta sias e recordações não terá sucesso por si só. Desenvolver com o paciente um relacionam ento caloroso, apoiador e disponível não é suficiente p ara a lterar os elem entos com portam entais, cognitivos e afetivos dos esquemas disfuncionais. Acreditamos que é essencial tratar as três áreas (cognitiva, com portamental e afetiva) e utilizar três componentes no tratam ento (cognitivo, ex pressivo e relacional).
Terapia cognitiva dos transtornos da personalidade
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E S T U D O S C L ÍN IC O S E
P E S Q U IS A E M P ÍR IC A
Q uando foi publicada a prim eira edição deste livro, a pesquisa sobre o papel da cognição nos tran sto rn o s da perso n alid ad e e sobre a efetividade da terapia cognitiva como um trata mento para os transtornos da personalidade es cava apenas começando. Havia muitos relatos clí nicos relativos à terapia cognitiva dos transtor nos da personalidade e apenas um número limi tado de estudos empíricos. Nos anos posteriores,
a situação melhorou consideravelmente. Ainda
são necessárias muito mais pesquisas empíricas, mas agora tem os um a quantidade respeitável delas sobre conceitualizações cognitivas dos trans tornos da personalidade e sobre a efetividade da terapia cognitiva como tratamento para indivíduos com transtornos da personalidade.
A V alid ad e das C o n ceitu alizaçõ es
C o g n itivas no T ran sto rn o da
P erso n alid ad e
As conceitualizações cognitivas nos trans tornos da personalidade são de um a safra re cente e, assim, até o momento, só temos uma quantidade limitada de pesquisas sobre a sua validade. Dois estudos iniciais exam inaram a relação global entre cognições disfuncionais e transtornos da personalidade. O’Leary e colabo radores (1991) examinaram as crenças e supo sições disfuncionais no transtorno da personali dade borderline. Sujeitos com transtorno da per sonalidade borderline tiveram escores significa tivamente mais elevados do que os de controles normais, em uma m edida do nível global de cren ças disfuncionais, e seus escores estavam entre os mais altos de qualquer grupo diagnóstico re latado até o momento. Além disso, seus escores não estavam relacionados à presença ou ausên cia de uma depressão maior concomitante, a uma história de depressão maior anterior ou ao status clínico. Em outro estudo, Gasperini e colabora
dores (1989) investigaram a relação entre trans tornos do humor, transtornos da personalidade, o Automatic Thoughts Questionnaire (ATQ) e o Self Control Schedule (SCS) por meio de análi ses fatoriais. Eles descobriram que o primeiro fator que surgiu da análise fatorial dos itens do ATQ e do SCS refletia a presença de um trans torno da personalidade do “agrupam ento B” (narcisista, histriónica, borderline e anti-social), ao passo que o segundo fator refletia a presença de um transtorno da personalidade do “agrupa m ento C” (compulsiva, dependente, esquiva e passivo-agressiva). Em bora os transtornos da personalidade do “agrupam ento A” (paranóide, esquizóide e esquizotípica) não estivessem rela cionados a nenhum dos fatores que surgiram da análise fatorial, poucos sujeitos desse estudo re ceberam diagnósticos do agrupam ento A, e a fal ta de relação poderia facilmente dever-se ape nas a isso. Ambos os estudos confirmam a pro posição geral de que as cognições disfuncionais desem penham um papel nos transtornos da per sonalidade, mas eles têm um a relação apenas parcial com as conceitualizações apresentadas neste volume, pois não exam inaram a relação específica entre cognições disfuncionais e trans tornos da personalidade hipotetizada pelos au tores contemporâneos.
Pesquisas mais recentes examinaram a rela ção entre o conjunto de crenças que desem pe nham um papel em cada um dos transtornos da perso n alid a d e (Beck, Freem an et al., 1990; Freem an et al., 1990) e o status diagnóstico. Arntz, Dietzel e Dreessen (1999) descobriram que a subescala do Personality Disorder Beliefs Questionnaire, que se imaginava conter crenças características do transtorno da personalidade
borderline, realm ente discriminava sujeitos com
transtorno da personalidade borderline e sujei tos com transtornos da personalidade do agru pam ento C. Beck e colaboradores (2001) utili zaram um a m edida sem elhante, o Personality B elief Q u e s tio n n a ire , que c o n tin h a nove subescalas destinadas a avaliar as crenças que desempenhavam um papel em cada um dos nove transtornos de personalidade do DSM-III. Eles
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Beck, Freeman, Davis e cols.descobriram que nos transtornos da personali dade esquiva, dependente, obsessivo-compulsi- va, narcisista e paranóide, os sujeitos com um desses transtornos endossavam , preferencial mente, as crenças que supostam ente desempe nhavam um papel naquele transtorno, bem como tinham escores significativamente mais elevados na subescala relevante para o seu transtorno do que os pacientes psiquiátricos sem transtornos da personalidade. Os demais transtornos da per sonalidade não foram examinados nesse estudo devido à falta de sujeitos. Tais achados apóiam a hipótese de que as crenças disfuncionais estão relacionadas a transtornos da personalidade, de um a maneira consistente com a teoria cognitiva, mas não oferecem elem entos para conclusões sobre a causalidade ou sobre a efetividade da terapia cognitiva como um tratam ento para in divíduos com transtornos da personalidade.
A E fetiv id a d e da Terapia C o g n itiva
nos T ran sto rn o s da P erso n alid ad e
A terapia cognitiva foi confirmada como um tratamento efetivo para uma grande variedade de transtornos do Eixo I. Entretanto, a pesquisa sobre a efetividade das abordagens cognitivo-comporta- mentais no tratamento de indivíduos com trans tornos da personalidade é mais limitada. A Tabela 1.1 apresenta um a visão geral das evidências exis te n te s sobre a efetivid ad e das intervenções cognitivo-comportamentais nos indivíduos diag nosticados com transtornos da personalidade. A partir da tabela, fica imediatamente aparente que houve muitos relatos clínicos não-controlados afir mando que a terapia cognitivo-comportamental é um tratamento efetivo para transtornos da perso nalidade. Entretanto, existem menos estudos con trolados para comprovar essas afirmações, o que
TABELA 1 .1 A efetividade do tratam ento cognitivo-com portam ental nos trans tornos da personalidade
Transtorno da Relatos clínicos p ersonalidade não-controlados
Estudos com planejam ento de caso único
Estudos dos efeito dos transtornos da personalidade sobre os resultados no tratam ento Estudos controlados de resultados Anti-social + - + a Esquiva + + + ± Borderline + - + ± Dependente + + + Histriónica + -Narcisista + + Obsessivo-Compulsiva + -Paranóide + + Passivo-Agressiva + + Esquizóide + Esquizotípica
Terapia cognitiva dos transtornos da personalidade
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levou alguns a se preocuparem com os riscos asso ciados à rápida expansão de teoria e prática, que superou a pesquisa empírica (Dobson e Pusch, 1993). Felizmente, temos alguma confirmação empírica para a atual prática clínica.
Os Efeitos de Transtornos Co-mórbidos da Personalidade sobre o Tratamento dos Transtornos do Eixo I
Muitos indivíduos com transtornos da per sonalidade entram em tratam ento querendo aju da para um transtorno do Eixo I, e não estão particularmente interessados em tratar seu trans torno do Eixo II. E possível tratar o problema do Eixo I sem tratar o transtorno do Eixo II? Um grande núm ero de estudos examinou a efetivi dade do tratam ento cognitivo-comportamental para transtornos do Eixo I em sujeitos que tam bém foram diagnosticados com transtornos da personalidade. Alguns estudos descobriram que a presença de um diagnóstico do Eixo II diminui imensam ente a probabilidade de o tratam ento ser efetivo. Por exemplo, Turner (1987) desco briu que pacientes fóbicos sociais, sem transtor nos da personalidade, melhoravam acentuada- mente depois de 15 semanas de tratam ento de grupo para fobia social e m antinham esse ganho em um seguimento após um ano. Entretanto, os pacientes com diagnóstico de transtorno da per sonalidade e tam bém de fobia social tiveram pou ca ou nenhum a melhora, tanto no pós-tratamen- to como no seguim ento após um ano. Da mes ma forma, Mavissakalian e Hamman (1987) des cobriram que 75% de sujeitos agorafóbicos ava liados com poucas características de transtornos da personalidade responderam bem a um trata mento com portamental e farmacológico de tem po limitado para a agorafobia, enquanto apenas 25% dos sujeitos avaliados com muitas caracte rísticas de transtornos da personalidade respon deram a esse tratam ento. Outros estudos desco briram que sujeitos com transtornos da perso nalidade e tam bém problemas no Eixo I respon deram a um tratam en to cognitivo-com porta m ental, em bora mais lentam ente (M archand, Goyer, Dupuis e Mainguy, 1998).
No entanto, outras pesquisas dem onstram que o impacto dos transtornos co-mórbidos da personalidade sobre o tratam ento dos transtor nos do Eixo I é mais complexo do que isso. Al guns estudos descobriram que a presença de diagnósticos de transtornos da personalidade não influenciava o resultado (Dreesen, Arntz, Luttels e Sallaerts, 1994) ou que os sujeitos com diag nóstico de transtorno da personalidade apresen tavam sintomatologia mais severa, mas respon diam igualm ente bem ao tratam ento (Mersch, Jansen e Arntz, 1995). Outras investigações des cobriram que os diagnósticos de transtorno da personalidade influenciavam o resultado apenas em certas condições (Fahy, Eisler e Russell, 1993; Felske, Perry, Chambless, Renneberg e Goldstein, 1996; Hardy et al., 1995), que os pacientes com transtornos da personalidade tendiam a term i n ar p rem atu ram en te o trata m e n to , mas que aqueles que persistiam podiam ser tratados efe tiv am en te (P ersons, Burns e Perloff, 1988; Sanderson, Beck e McGinn, 1994) e que alguns transtornos da personalidade prediziam piores resultados (Neziroglu, McKay, Todaro e Yaryura- Tobias, 1996). Kuyken, Kurzer, De Rubeis, Beck e Brown (2001) concluíram que não era a pre sença de um diagnóstico de transtorno da per sonalidade em si o que influenciava o resultado, mas sim que a presença de crenças desadapta- tivas evitativas e paranóides prediziam piores re sultados de tratam ento.
De modo curioso, alguns estudos fornecem evidências de que o tratam ento focado nos trans tornos do Eixo I pode ter efeitos benéficos sobre os transtornos co-mórbidos do Eixo II. Por exem plo, em seu estudo do tratam ento da agorafobia, Mavissakalian e Hamman (1987) descobriram que quatro de sete sujeitos que, inicialmente, satisfaziam os critérios diagnósticos de um trans torno da personalidade único, antes do tratam en to, já não satisfaziam os mesmos critérios diag nósticos, depois do tratam ento. Em contraste, sujeitos diagnosticados com mais de um trans torno da personalidade não m anifestaram uma melhora semelhante.
Considerados juntos, os resultados desses estudos sugerem que o tratam ento
cognitivo-26
Beck, Freeman, Davis e cols.com portamental para um transtorno do Eixo I, quando também está presente um transtorno do Eixo II, às vezes é inefetivo, outras é efetivo e às vezes resulta em um a melhora tam bém no trans torno do Eixo II. Pouco sabemos sobre os fato res que determ inam se o tratam ento para trans torno do Eixo I será efetivo ou não. Uma limita ção im portante dos estudos que examinaram a efetividade do tratam ento cognitívo-comporta- mental para os transtornos do Eixo I com indiví duos que também apresentavam transtornos da personalidade é que as abordagens de tratam en to empregadas nesses estudos tipicam ente não levavam em conta a presença do transtorno da personalidade. Isso deixa sem resposta a pergun ta: protocolos de tratam ento planejados para inform ar a presença de transtornos da persona lidade se m ostrariam mais efetivos?
Estudos Não-Controlados do Tratamento
Cognitivo-Comportamental dos Transtornos do Eixo II
Alguns estudos focalizaram especificamen te o tratam ento cognitivo-com portam ental de indivíduos com transtornos da personalidade. Turkat e Maisto (1985) utilizaram um a série de estudos de planejamento de caso único para in vestigar a efetividade do tratam ento cognitivo- com portamental individualizado para transtor nos da personalidade. Seu estudo fornece evi dências de que alguns clientes com transtornos da personalidade puderam ser tratados efetiva mente, mas os investigadores não conseguiram tratar muitos dos sujeitos de seu estudo.
Uma pesquisa recente tentou testar a efi cácia da intervenção defendida por Beck e cola boradores (1990), na qual empregavam uma sé rie de estudos de caso único com medidas repe tidas (Nelson-Gray, Johnson, Foyle, Daniel e Harmon, 1996). Os nove sujeitos desse estudo foram diagnosticados com transtorno depressivo maior, concomitante com um ou mais transtor nos da personalidade. Cada sujeito foi avaliado pré-terapia, pós-terapia e em um seguim ento após três meses, quanto ao nível de depressão e ao número de critérios diagnósticos presente em
seu transtorno primário da personalidade. De pois de 12 semanas de tratam ento, seis dos oito sujeitos que com pletaram o seguimento de três meses manifestaram um a redução significativa no nível de depressão, dois sujeitos m anifesta ram uma redução significativa da sintomatologia do transtorno da personalidade em ambas as m e didas, dois não m ostraram m elhora em nenhu ma m edida e quatro apresentaram resultados mistos. Conforme os autores observaram, 12 se manas é um curso m uito mais curto de trata m ento do que Beck e colaboradores (1990) con siderariam necessário para a maioria dos indiví duos com transtornos da personalidade.
Finalmente, Springer, Lohr, Butchel e Silk (1995) relatam que um grupo de terapia cogni tivo-com portam ental de curto prazo produziu melhoras significativas em um a am ostra de su jeitos hospitalizados com variados transtornos da personalidade, e que um a análise secundária de um subconjunto de sujeitos com transtorno da personalidade borderline revelou achados sem elhantes. Eles tam bém relatam que os pa cientes avaliaram o grupo como útil em sua vida fora do hospital.
Estudos Formais de Resultados do
Tratam ento Cognitivo-Comportamental para Transtornos do Eixo II
Pelo menos três transtornos da personali dade foram tem a de estudos de resultados con trolados. Em um estudo do tratam ento de vicia dos em ópio em um program a de manutenção com m etadona, Woody, McLellan, Luborsky e O’Brien (1985) descobriram que sujeitos que satisfaziam os critérios diagnósticos do DSM-III para a depressão m aior e o transtorno da perso nalidade anti-social responderam bem à terapia cognitiva e à psicoterapia suportiva-expressiva, sistem atizada por Luborsky (Luborsky, McLellan, Woody, O’Brien e Auerbach, 1985). Os sujeitos dem onstraram um a m elhora estatisticam ente significativa em 11 das 12 variáveis de resulta dos utilizadas, incluindo sintomas psiquiátricos, uso de drogas, emprego e atividade ilegal. Os indivíduos que satisfaziam os critérios do
trans-Terapia cognitiva dos transtornos da personalidade
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rorno da personalidade anti-social, mas não de depressão maior, apresentaram pouca resposta ao tratam ento, m elhorando em apenas três en tre 22 variáveis. Esse padrão de resultados m an tinha-se em um seguimento, depois de sete m e ses. Embora os sujeitos não-diagnosticados com transtorno da personalidade anti-social respon dessem melhor ao tratam ento do que os socio- patas, estes, deprimidos, se saíram apenas leve m ente pior do que os não-sociopatas, enquanto os sociopatas não-deprimidos saíram-se muito pior.
Estudos iniciais sobre o tra ta m e n to do transtorno da personalidade esquiva descobri ram que o treinam ento breve de habilidades so ciais e o treinam ento de habilidades sociais, com binado com intervenções cognitivas, eram igual mente efetivos para aum entar a freqüência da interação social e dim inuir a ansiedade social (G reenberg e Stravynski, 1985; Stravynski, Marks e Yule, 1982). Inicialmente, a equivalên cia dos dois tratam entos nesse estudo foi inter pretada como dem onstração de “falta de valor” das intervenções cognitivas (Stravynski et al., 1982). No entanto, devemos notar que os dois tratam entos foram igualmente efetivos, que to dos os tratam entos foram executados pelo mes mo terapeuta (que foi tam bém o principal in vestigador) e que foi utilizada apenas uma das muitas intervenções cognitivas possíveis (deba te de crenças irracionais). Em um estudo subse qüente, Greenberg e Stravynski (1985) relata ram que, em muitos casos, o medo do ridículo do sujeito esquivo parece contribuir para o tér mino prem aturo do tratam ento. Os pesquisado res sugeriram que intervenções modificadoras de aspectos relevantes das cognições dos pacientes poderiam aum entar substancialmente a efetivi dade do tratam ento. Um estudo de resultados mais recente (Felske et al., 1996) concluíram que pacientes com transtorno da personalidade es quiva m elhoraram significativamente com uma abordagem de tratam ento cognitivo-comporta- m ental baseada na exposição. Entretanto, tais sujeitos estavam mais severam ente incapacita dos do que aqueles com fobia social que não sa tisfaziam os critérios do transtorno da persona
lidade esquiva. Apesar de sua m elhora ao longo do curso do tratam ento, as pessoas com perso nalidade esquiva continuaram mais incapacita das do que aquelas com fobia social que recebe ram o mesmo tratam ento. Os autores sugerem que a depressão co-mórbida pode explicar, par cialmente, essa resposta limitada ao tratam ento. A terapia com portamental dialética é uma abordagem de tratam en to cognitivo-com por- tam ental que Linehan e colaboradores desenvol veram especificam ente como um tratam en to para o transtorno da personalidade borderline (Linehan, 1987a, 1987b, 1993). Essa abordagem combina um a perspectiva cognitivo-comporta- m ental com conceitos derivados do m aterialis mo dialético e do budismo. O resultado é uma estrutura teórica um tanto complexa e um a abor dagem de tratam ento cognitivo-comportamental contem porânea, focada na resolução do proble ma. Há ênfase na colaboração, no treinam ento de habilidades, na clarificação e no controle de contingências, com alguns aspectos planejados para tratar questões im portantes do transtorno da personalidade borderline (para uma apresen tação detalhada dessa abordagem de tratam en to, veja Linehan, 1993).
Em um a série de artigos (Linehan et al., 1991; L inehan, H eard e A rm strong, 1993; Linehan, Tutek e Heard, 1992), Linehan e cola boradores relataram um a comparação controla d a dos efeito s d a te ra p ia c o m p o rta m e n ta l dialética com os efeitos do “tratam ento usual” no sistem a com unitário de saúde m ental, em um a am ostra de pacientes borderline, cronica m ente parassuicidas. Após um ano de tratam en to, os pacientes em terap ia com portam ental dialética apresentaram um índice significativa m ente mais baixo de abandono e com portam en tos significativamente menos autodestrutivos do que os sujeitos que recebiam o “tratam ento usu al” (Linehan et al., 1991). Os sujeitos da terapia com portamental dialética também apresentaram escores significativamente m elhores em m edi das de ajustam ento interpessoal e social como: raiva, desempenho no trabalho e ruminação an siosa (Linehan et al., 1991). Por todo o segui m ento de um ano, os sujeitos da terapia
compor-28
Beck, Freeman, Davis e cols.tam ental dialética tiveram um funcionam ento global significativamente melhor. Nos seis me ses iniciais do estudo de seguimento, eles apre sentaram comportamentos menos parassuicidas, menos raiva e um ajustam ento social melhor, segundo a auto-avaliação. Nos seis meses finais, tiveram menos dias de hospitalização e melhor aju stam en to social, segundo a avaliação do entrevistador.
Tais achados são bastante encorajadores, dado que os pacientes não só satisfaziam critérios diagnósticos do tran sto rn o da personalidade
borderline, como eram tam bém cronicam ente
parassuicidas, tin h am h istórias de m últiplas hospitalizações psiquiátricas e eram incapazes de se m anter no emprego em decorrência de sin tomas psiquiátricos. Tais sujeitos, claramente, es tavam mais perturbados do que muitos indiví duos que satisfazem critérios diagnósticos de algum transtorno da personalidade, mas não são parassuicidas, raram ente são hospitalizados e capazes de m anter um emprego produtivo.
Comparações com Outras Abordagens de Tratamento
Existem poucas pesquisas com parando a terapia cognitiva com demais abordagens no tra tam ento de indivíduos com transtornos da per sonalidade. Em um estudo do tratam ento de vi ciados em heroína com e sem transtorno da per sonalidade anti-social, Woody e colaboradores (1985) descobriram que tanto a terapia cogni tiva, quanto a psicoterapia suportiva-expressiva eram efetivas para sujeitos anti-sociais que esta vam deprimidos no início do tratam ento, mas que nenhum a das abordagens era efetiva para sujeitos anti-sociais não-deprim idos. Em um grande estudo de resultados em múltiplos locais, o Programa Colaborativo do Tratamento da De pressão do National Institute of Mental Health identificou um a tendência não-significativa de a terapia cognitiva ter vantagens em relação a ou tras abordagens de tratam ento, no caso de paci entes com transtornos da personalidade. Os pa cientes com transtorno da personalidade saíram- se um pouco m elhor com a terapia cognitiva do
que outros pacientes, mas se saíram pior com a psicoterapia interpessoal e a farm acoterapia (Shea et al., 1990) do que outros pacientes. En tretanto, essa tendência não era estatisticam en te significante. Um pequeno estudo com paran do tratam en to s p ara o tran sto rn o de pânico (Black, Monahan, Wesner, Gabei e Bowers, 1996) descobriu que a terapia cognitiva produzia maior declínio nos escores em um a m edida de auto- relato de características de transtorno da perso n a lid a d e do que a m edicação p sico tró p ica (fluvoxamina) ou as pílulas de placebo. Final mente, Hardy e colaboradores (1995) descobri ram que indivíduos com transtornos da perso nalidade do agrupam ento B tiveram resultados significativam ente piores com a psicoterapia interpessoal do que com a terapia cognitiva (eles não avaliaram transtornos da personalidade do agrupam ento A ou B). Esses quatro estudos são encorajadores, mas certam ente não constituem um a base adequada para tirarm os conclusões sobre como a terapia cognitiva se com para a outros tratam entos para indivíduos com trans tornos da personalidade.
O Efeito dos T ran sto rn o s da
P erso n alid ad e so b re a Prática
C línica da "V id a Real"
Na prática clínica, a maioria dos terapeutas não aplica um protocolo de tratam ento padro nizado a uma amostra de indivíduos que com partilham um diagnóstico comum. Ao contrário, os terapeutas deparam-se com uma grande varie dade de clientes e adotam abordagens individua lizadas de tratamento. Um estudo da efetividade da terapia cognitiva nessas condições de “mundo real” constitui uma comprovação importante do uso clínico da terapia cognitiva com clientes diag nosticados com transtornos da personalidade. Persons e colaboradores (1988) realizaram um estudo empírico interessante de clientes que re cebiam terapia cognitiva para depressão em con sultório particular. Os sujeitos foram, consecuti vamente, 70 indivíduos em tratamento com o Dr. Bums ou com o Dr. Persons, em sua prática priva
Terapia cognitiva dos transtornos da personalidade
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da. Ambos são terapeutas cognitivos estabeleci dos, que ensinaram e publicaram extensivamen te e, nesse estudo, ambos conduziram a terapia de forma habitual. Isso significa que o tratam en to era sem tempo de duração preestabelecido, in dividualizado, não-padronizado, e utilizava m e dicação e hospitalização, conforme necessário.
O foco primário do estudo era identificar preditores de abandono e de resultados de tra tam ento na terapia cognitiva para a depressão. Entretanto, é interessante observar, para os nos sos propósitos, que 54,3% dos sujeitos satisfa ziam os critérios do DSM-III para um diagnósti co de transtorno da personalidade e que os in vestigadores consideraram a presença de um di agnóstico de transtorno da personalidade como um preditor potencial de térm ino prem aturo e de resultado na terapia. Os investigadores des cobriram que os pacientes com transtornos da personalidade apresentavam um a probabilida de significativamente maior de abandono da te rapia, prem aturam ente, do que os pacientes sem transtornos da personalidade, mas os pacientes com diagnóstico de transtorno da personalida de que persistiram na terapia até a conclusão do tratam ento tiveram uma melhora substancial. De fato, os clientes com transtorno da personalida de, que persistiram no tratam ento, não diferi ram significativamente no grau de melhora dos pacientes sem tra n sto rn o da p ersonalidade. A chados se m e lh a n te s fo ram re la ta d o s por Sanderson e colaboradores (1994) em um estu
do sobre terapia cognitiva para o transtorno de ansiedade generalizada. Os sujeitos diagnosti cados com um transtorno co-mórbido da perso nalidade tendiam mais a abandonar o tratam en to, mas o tratam ento era efetivo para reduzir tanto a ansiedade como a depressão, no caso daqueles que completavam um curso mínimo.
IM P L IC A Ç Õ E S PARA A
P R Á TIC A C L ÍN IC A
As duas últimas décadas testem unharam avanços, na teo ria e na p rática, d a te ra p ia cognitiva para transtornos da personalidade que ultrapassam a pesquisa empírica (Dobson e Pusch, 1993). Embora essa discrepância constitua um motivo de legítima preocupação, é impraticável suspender o trabalho teórico e clínico até que se jam realizadas mais pesquisas. O terapeuta em
atividade enfrenta uma situação complicada, em que dificilmente pode se recusar a tratar uma clas se de transtornos que estão presentes em cerca de 50% dos clientes atendidos, em diversos
settings, sem internação. Felizmente, existe um
crescente corpo de evidências de que o tratam en to cognitivo-comportamental pode ser efetivo para clientes com transtornos da personalidade. Como será ilustrado nos capítulos seguintes, o desen volvimento e a validação dessas estratégias de tra tamento para transtornos da personalidade estão na vanguarda da terapia cognitiva.
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TEORIA DOS TRANSTORNOS
DA PERSONALIDADE
A terapia cognitiva para qualquer transtor no depende da conceitualização do transtorno e de sua adaptação às características singulares de cada caso. Este capítulo apresenta um a teoria global dos transtornos da personalidade, dentro do amplo contexto de sua origem, desenvolvi mento e funcionamento. Essa exposição focali za inicialmente como os processos da personali dade se estabelecem e operam a serviço da adap tação. Antes de apresentar um a sinopse da nos sa teoria sobre os transtornos da personalidade, revisaremos nossos conceitos de personalidade e os relacionaremos aos transtornos.
Iniciamos a abordagem com um a explica ção especulativa de como os protótipos dos nos sos padrões de personalidade poderiam ter-se derivado da nossa herança filogenética. Aquelas “estratégias” geneticam ente determ inadas que facilitavam a sobrevivência e a reprodução seri am, presumivelmente, favorecidas pela seleção natural. Derivativos dessas estratégias prim iti vas podem ser observados, de uma forma exa gerada, nas síndrom es de sintom as, como os tran sto rn o s de ansiedade e depressão, e em transtornos da personalidade, como o transtor no da personalidade dependente.
A nossa discussão segue adiante, do contí nuo das estratégias de base evolutiva para um a consideração de como o processamento da in formação, incluindo os processos afetivos, ante cedem a operação de tais estratégias. Em outras palavras, a avaliação das dem andas específicas de um a situação precede e desencadeia um a es tratégia adaptativa (ou desadaptativa). A m anei
ra pela qual um a situação é avaliada depende, pelo m enos em parte, das crenças relevantes subjacentes. Essas crenças estão inseridas em estruturas mais ou menos estáveis, chamadas de “esquemas”, que selecionam e sintetizam os da dos fornecidos. A seqüência psicológica progri de, então, da avaliação para a excitação afetiva e motivacional e, finalmente, para a seleção e a im plem entação de um a estratég ia relevante. Consideramos as estruturas básicas (esquemas) das quais dependem esses processos cognitivos, afetivos e motivacionais como as unidades fun dam entais da personalidade.
Os “traços” da personalidade identificados por adjetivos como “d epend ente”, “re traíd o ”, “arrogante” ou “extrovertido” podem ser concei- tualizados como a expressão m anifesta dessas estruturas subjacentes. Ao atribuir significado a eventos, as estruturas cognitivas iniciam um a reação em cadeia que culm ina nos com porta mentos manifestos (estratégias) que são atribu ídos aos traç o s de p e rs o n a lid a d e . P adrões comportamentais que comumente atribuímos a traços ou disposições de personalidade (“hones to ”, “tím ido”, “sociável”) representam , conse qüentem ente, estratégias interpessoais desenvol vidas a partir da interação entre disposições ina tas e influências ambientais.
Atributos como dependência e autonomia, que são conceituados nas teorias motivacionais da personalidade como impulsos básicos, podem ser vistos como uma função de um conglomera do de esquemas básicos. Em termos com porta mentais e funcionais, os atributos podem ser ro