Alucinações com a m ãe m orta. Uso d e drogas. Trabalho no bar. SUPOSIÇÕES ATIVADAS
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R e s p o s ta s c o m p o r ta m e n ta is e c o g n itiv a saten ção seletiva a am eaças interpessoais evitação de situações sociais
c om portam entos e roupas excêntricas esconde a angústia
fala vaga e m etafórica
E m o çã o F is io lo g ia A m b ie n te a n sied a d e d ep ressão raiva problem as de sono excitação fregueses do b a r alta freqüência de crime
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Intervenções Específicas
N e g o c i a n d o C o l a b o r a t i v a m e n t e u m a L i s t a d e P r o b l e m a s e u m a L i s t a d e O b j e t i v o s . Joe redigiu uma lista de p ro b lem a s em c o lab o raçã o com o terapeuta. Isso foi priorizado como parte inicial da tarefa de casa e, na sessão seguinte, um perí odo considerável de tempo foi dedicado a tra duzir esses problemas em objetivos específicos, mensuráveis, atingíveis, realistas e de tem po li mitado. O resultado foi esse:
1. A n s i e d a d e s o c i a l . O objetivo é reduzir a ansiedade no trabalho, de 70 para 35%. 2. P a r a n ó i a . O objetivo é reduzir a convic ção na crença “As pessoas vão me ata car”, de 75 para 40%, ou reduzir a an gústia associada, de 95 para 50%. 3. P a r a n ó i a . O objetivo é reduzir a convic
ção na crença “As pessoas estão falando sobre mim”, de 80 para 50%, ou reduzir a angústia associada, de 80 para 50%. 4. U s o d e d r o g a s . O objetivo é reduzir o uso
de drogas, tornando-o recreacional e não como automedicação (reduzir a convic ção na crença “Eu preciso tom ar drogas para poder lidar com as coisas”, de 40 para 0%).
5. S o n o . O objetivo é estabilizar o padrão de sono tentando levantar-se entre 9 e 11 horas da m anhã e deitando-se entre meia-noite e três horas da madrugada. 6. E s t i g m a . O objetivo é reduzir o sofrimen
to associado à crença “Eu tenho um trans torno de personalidade ou uma perso nalidade defectiva”, de 50 para 10%. 7. A m i g o s . O objetivo é desenvolver um re
lacionamento social em que ele possa se sentir confiante quanto a revelar infor mações sobre si mesmo.
Esses objetivos determ inaram a direção da terapia. Eram objetivos de curto prazo, visando a mudanças pequenas e significativas em vez de visar à eliminação dos sintomas, embora isso pos sa acontecer. Eles foram estabelecidos em rela
ção a um contrato de 10 sessões, com um a revi são planejada, no final desse período, para ava liar a necessidade de mais sessões. Um total de 30 sessões foi realizado no curso da terapia. Como freqüentemente acontece com pessoas que apresentam características esquizotípicas, algu mas dessas características não foram colocadas na lista de problemas (por exemplo, as experi ências alucinatórias), pois não estavam associa das a sofrimento e, de fato, proporcionavam con solo.
R e d u ç ã o d a A n s i e d a d e . A ansiedade foi selecio nada como o primeiro alvo de tratam ento, por que foi priorizada como a m aior dificuldade. Existe uma grande base de evidências em favor da terapia cognitiva para os transtornos de ansie dade (D. Clark, 1999); no entanto, após um questionam ento detalhado, logo ficou claro que a ansiedade social não estava relacionada a te mores de um a avaliação ou à auto-imagem n e gativas, e sim à desconfiança e à paranóia. Um Registro de Pensamentos Disfuncionais foi utili zado como tarefa de casa e confirmou isso. Por tanto, a ansiedade social e a paranóia foram tra tadas simultaneamente.
M u d a n ç a d e C r e n ç a s P a r a n ó i d e s . Uma vez que as crenças sobre ser prejudicado e ser alvo de co mentários pareciam estar inter-relacionadas, elas foram tratadas em conjunto. No início, o exame das crenças paranóides começou com um a revi são de seu desenvolvimento e uma considera ção de suas vantagens e desvantagens. Joe rela tou que sua desconfiança surgira como resulta do de suas experiências de ser intimidado na es cola e no bairro, e o mantivera em segurança em numerosas ocasiões, o que parecia correto. Ele tam bém sentia que suas crenças de que os outros estavam falando sobre ele eram úteis, pois lhe davam motivos para evitar interações sociais desagradáveis, e também significavam que ele era im portante, o que estava claram ente relaci onado a algumas de suas suposições. Entretan to, reconhecia que essas crenças realm ente o angustiavam e o impediam de atingir seus obje-
1 4 4 Beck, Freeman, Davis e cols.
tivos de reduzir a ansiedade social e fazer am i gos. Isso foi seguido por uma discussão do que m udara em sua vida desde que desenvolvera aquelas estratégias e foi reconhecido explicita m ente que elas tinham sido úteis na escola, mas questionou-se sua atual utilidade.
Com base nisso, Joe decidiu que as cren ças paranóides poderiam, às vezes, ser úteis para evitar perigos reais, mas que na maior parte do tempo ele superestimava imensam ente o perigo das situações interpessoais, devido às suas ex periências passadas. Essa visão forneceu dados para um exame colaborativo das evidências con tra e a favor de crenças relativas a situações es pecíficas re cen tes, nas quais ele se s e n tira paranóide. Um exemplo típico desse tipo de si tuação era um grupo de pessoas sentado a uma mesa do bar, conversando e rindo; Joe, invaria velm ente, pensava “Eles estão falando sobre mim” ou “Eles estão planejando me hum ilhar”, norm alm ente com um nível de convicção de 75%. Joe foi incentivado a desenvolver explica ções alternativas para as situações. Ele deveria se colocar no lugar da outra pessoa e pensar em como se comportava em situações semelhantes e reconhecer a distinção entre pensam entos e fatos, ou como alguma coisa pode parecer mui to real, sem ser real. (Veja a Tabela 7.4 para um exemplo.) A discussão verbal dessas questões ajudou a reduzir a crença de Joe nos pensamen tos paranóides a um determ inado nível, que ele
se sentiu capaz de assumir alguns riscos e reali zar uma série de experimentos comportamentais.
Experimentos Comportamentais. Existem algumas
evidências que sugerem que as crenças paranói des são mais modificadas pela m udança de com portam ento, dentro de um a estrutura cognitiva, do que apenas por métodos de reatribuição ver bal (Chadwick e Lowe, 1990). Depois de Joe praticar o exame de evidências por algumas se manas, ele se sentiu confiante o suficiente para mudar seu comportamento e analisar o que acon tecia. Cada experim ento foi planejado cuidado samente na sessão, com uma predição concreta em relação a uma crença específica a ser testa da, e quaisquer problemas previstos na execu ção dos experimentos foram tratados de forma pró-ativa, incluindo uma avaliação regular da crença de Joe em que o terapeuta estava ten tan do enganá-lo com o objetivo de humilhá-lo. Nas ocasiões em que esse parecia ser um fator, uma parte da sessão era dedicada ao exame dos even tos que Joe estava interpretando, e eram gera das explicações alternativas e exam inadas as evidências, incluindo uma discussão da ética e das fronteiras profissionais. Tal desconfiança e suspeita podem ser frustrantes para o terapeuta, e uma supervisão regular é indicada para lidar com esses sentimentos.
Os experimentos incluíam não só modifi car as estratégias compensatórias, ou com porta mentos de segurança de Joe, mas tam bém evi-
TABELA 7 . 4 Exame das evidências de “Eles estão falando sobre m im e preten dem m e hum ilhar”
Evidências em favor de
• “Eles estão conversando e (de vez em quando) olham na minha direção.”
• “Eu fui freqüentemente humilhado no passado.” • “Parece real.”
Evidências contra e explicações alternativas
• “Eu me senti assim muitas vezes e raramente fui humilhado recentemente.”
• “A maioria dos acontecimentos foi há muitos anos.” • “Só porque eu penso isso não significa, necessaria mente, que seja verdade - eu, provavelmente, desen volvi um hábito de paranóia.”
• “Mesmo que eles estejam falando sobre mim, podem estar dizendo coisas legais.”
• “Eles podem estar olhando para mim porque querem ser servidos.”
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ta r interações sociais, vestir-se de um m odo deliberadam ente incomum que atraía com cer teza um a atenção indesejada, além de tentar não expressar emoções negativas. Tudo isso lhe per mitiu reconhecer que suas estratégias, às vezes, eram contraprodutivas. Mais im portante, os ex perimentos facilitaram a desconfirmação de seus temores de ser humilhado ou atacado. Por exem plo, Joe, inicialm ente, acreditava que, se d e monstrasse estar ansioso, todo o m undo no bar riria dele ou o atacaria. Ele se permitiu revelar seu nervosismo e, deliberadam ente, disse aos fregueses que estava se sentindo um pouco an sioso naquela noite, conforme fora dramatizado com o terapeuta na sessão anterior. Joe desco briu que a maioria das pessoas o apoiou e ne nhum a delas riu dele ou o atacou.
Estigma e Outros Problemas. Depois que Joe re
duziu sua ansiedade social e sua paranóia, mui tos dos outros problemas pareceram se resolver com relativa facilidade. Joe estabeleceu para si mesmo a tarefa de estabilizar seu padrão de sono, utilizando um diário modificado de pla nejamento de atividades. A princípio, teve difi culdade para fazer isso, pois sua desconfiança e ansiedade social significavam que tinha proble mas para dormir, porque ficava ruminando so bre os eventos interpessoais do dia. Entretanto, quando esses se tom aram menos problemáticos, ele conseguiu modificar seu padrão de sono, sim plesmente indo para a cama sempre na mesma hora e colocando o despertador tam bém sem pre para a m esm a hora. Essa m udança muito concreta reforçou sua crença de que ele poderia m udar outras coisas em sua vida. Da mesma for ma, um a vez que as suspeitas e a ansiedade so cial dim inuíram , descobriu que seu desejo de usar drogas também diminuiu. Joe ainda usava álcool e m aconha no trabalho e decidiu que não queria parar completamente de usá-los. Ele tam bém foi capaz de com partilhar algumas infor mações pessoais específicas, como contar a vá rias pessoas que se m udara freqüentem ente em seu passado e como fora intimidado na escola durante a infância.
Seu principal tem or continuava sendo o estigma associado a um rótulo de transtorno da personalidade esquizotípica. Joe trato u dessa questão, buscando informações que ajudariam a norm alizar suas experiências. Isso incluiu in formações sobre o contínuo dos traços da perso nalidade esquizotípica (Rossi e Daneluzzo, 2002) a prevalência das experiências alucinatórias e paranóides na população em geral (Kingdon e Turkington, 1994; Peters et al., 1999; van Os et al., 2000), a relação entre uso de m aconha e ex periências esquizotípicas (Dumas et al., 2002), e a natureza potencialmente útil de certas expe riências incomuns (McCreery e Claridge, 2002; O’Reilly, Dunbar e Bentall, 2001). Isso ajudou a reduzir seu sofrimento relativo ao rótulo e re forçou seu entendim ento alternativo de que ele d ese n v o lv e ra c e rta s m a n e ira s de p e n s a r e experienciar em resultado de sua história de vida, não por ter um a personalidade defectiva. Sua visão de si mesmo como anormal e o sofrimento associado diminuíram significativamente, como resultado dessa perspectiva alternativa.
Reestruturando Crenças Centrais
Depois de Joe ter atingido seus objetivos, a conceitualização do caso foi revisitada e foram eliciados novos temores ou temores adicionais. O exame de suas crenças paranóides e os subse qüentes experimentos comportamentais reduzi ram a convicção de Joe nas crenças repletas de desconfiança acerca dos outros e do mundo, as sim como sua visão de si mesmo como vulnerá vel. Entretanto, ele ainda se via como diferente, sem valor e desinteressante. Ele se sentia bem por se perceber um a pessoa diferente, mas deci diu que gostaria de tratar as crenças sobre não ter valor e ser desinteressante. Elas foram exami nadas por meio de técnicas de mudança de es quemas, conforme descrito por Padesky (1994): testes históricos da crença, uso de um continuum em relação ao valor e interesse e um registro de dados positivos para uma crença alternativa que tomasse o lugar das outras, nas quais gostaria de acreditar [“Eu sou legal”] .
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Beck, Freeman, Davis e cols.V a r i a ç õ e s P o s s í v e i s
Embora Joe seja um caso típico de transtor no da personalidade esquizotípica, podemos en contrar muitas variações. Diversos pacientes re almente sentem angústia em associação com suas experiências perceptuais incomuns. Se esse for o caso, são úteis as abordagens para entender e in tervir nas alucinações (por exemplo, Morrison e Renton, 2001). O pensamento mágico e a supers tição podem ser muito mais proeminentes do que no caso de Jo e . Esses p a d rõ e s co gnitivos preternaturais podem responder melhor a estra tégias desenvolvidas para trabalhar com pacien tes obsessivos, como os experimentos planejados para testar crenças sobre a fusão pensamento-ação (Freeston, Rheaume e Ladoucer, 1996) e crenças metacognitivas sobre proteção e segurança (Wells, 1997).
M a n te n d o o Progresso
A terapia term inou depois de 30 sessões. Na terceira e últim a sessão de revisão, Joe deci diu que estava satisfeito com o progresso que fizera e não queria continuar trabalhando para atingir outros objetivos. Foram combinadas ses sões de apoio timestrais para verificar seu pro gresso e m ontado um plano para prevenção da recaída. Esse plano incorporou um a cópia da for mulação, um resumo das estratégias que Joe achara úteis e um a lista de potenciais desenca- deantes de futuras dificuldades. Esses últimos incluíam possíveis eventos futuros de vida, que poderiam reativar suas suposições sobre ser ata cado ou humilhado, além de terem sido feitos planos de como lidar com tais eventos. Suas cren ças sobre ser diferente foram conceitualizadas
como uma potencial vulnerabilidade à recaída, mas ele não estava disposto a ten tar m udar isso. Finalmente, ele decidiu que deveria ten tar m an ter, pelo menos, dois relacionam entos sociais, com os quais se sentisse à vontade, para ter con tato social e uma oportunidade de verificar a ade quação de seus pensamentos.
C O N C L U S Ã O
Podemos ver que tanto o transtorno da per sonalidade esquizóide quanto o da personalida de esquizotípica envolvem padrões típicos de ex periências iniciais de intimidação, rejeição e abu so. Tais experiências freqüentemente levam a pes soa a acreditar que ela é diferente e que os outros são perigosos e não-confiáveis, e, às vezes, ela pode decidir que os relacionamentos interpessoais simplesmente não valem a pena. As pessoas com traços esquizotípicos também experienciam pa ranóia e fenômenos alucinatórios e são, amiúde, caracterizadas por comportamentos e aparência incomuns ou excêntricos. Dadas essas dificulda des, não é fácil desenvolver um bom relaciona m ento terapêutico, mas um exame regular dos objetivos compartilhados e da ambivalência, em relação à mudança, pode ajudar. A terapia, que tem como alvo crenças e estratégias característi cas e utiliza reatribuição verbal e experimentos comportamentais, pode reduzir o sofrimento e melhorar a qualidade de vida desses indivíduos. É importante lembrar que os princípios da tera pia cognitiva, como a ênfase na colaboração e na descoberta orientada, facilitam o trabalho com esse grupo de pacientes e tom am o sucesso mais provável.