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Alucinações com a m ãe m orta. Uso d e drogas. Trabalho no bar. SUPOSIÇÕES ATIVADAS

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R e s p o s ta s c o m p o r ta m e n ta is e c o g n itiv a s

aten ção seletiva a am eaças interpessoais evitação de situações sociais

c om portam entos e roupas excêntricas esconde a angústia

fala vaga e m etafórica

E m o çã o F is io lo g ia A m b ie n te a n sied a d e d ep ressão raiva problem as de sono excitação fregueses do b a r alta freqüência de crime

Terapia cognitiva dos transtornos da personalidade 1 4 3

Intervenções Específicas

N e g o c i a n d o C o l a b o r a t i v a m e n t e u m a L i s t a d e P r o ­ b l e m a s e u m a L i s t a d e O b j e t i v o s . Joe redigiu uma lista de p ro b lem a s em c o lab o raçã o com o terapeuta. Isso foi priorizado como parte inicial da tarefa de casa e, na sessão seguinte, um perí­ odo considerável de tempo foi dedicado a tra­ duzir esses problemas em objetivos específicos, mensuráveis, atingíveis, realistas e de tem po li­ mitado. O resultado foi esse:

1. A n s i e d a d e s o c i a l . O objetivo é reduzir a ansiedade no trabalho, de 70 para 35%. 2. P a r a n ó i a . O objetivo é reduzir a convic­ ção na crença “As pessoas vão me ata­ car”, de 75 para 40%, ou reduzir a an ­ gústia associada, de 95 para 50%. 3. P a r a n ó i a . O objetivo é reduzir a convic­

ção na crença “As pessoas estão falando sobre mim”, de 80 para 50%, ou reduzir a angústia associada, de 80 para 50%. 4. U s o d e d r o g a s . O objetivo é reduzir o uso

de drogas, tornando-o recreacional e não como automedicação (reduzir a convic­ ção na crença “Eu preciso tom ar drogas para poder lidar com as coisas”, de 40 para 0%).

5. S o n o . O objetivo é estabilizar o padrão de sono tentando levantar-se entre 9 e 11 horas da m anhã e deitando-se entre meia-noite e três horas da madrugada. 6. E s t i g m a . O objetivo é reduzir o sofrimen­

to associado à crença “Eu tenho um trans­ torno de personalidade ou uma perso­ nalidade defectiva”, de 50 para 10%. 7. A m i g o s . O objetivo é desenvolver um re­

lacionamento social em que ele possa se sentir confiante quanto a revelar infor­ mações sobre si mesmo.

Esses objetivos determ inaram a direção da terapia. Eram objetivos de curto prazo, visando a mudanças pequenas e significativas em vez de visar à eliminação dos sintomas, embora isso pos­ sa acontecer. Eles foram estabelecidos em rela­

ção a um contrato de 10 sessões, com um a revi­ são planejada, no final desse período, para ava­ liar a necessidade de mais sessões. Um total de 30 sessões foi realizado no curso da terapia. Como freqüentemente acontece com pessoas que apresentam características esquizotípicas, algu­ mas dessas características não foram colocadas na lista de problemas (por exemplo, as experi­ ências alucinatórias), pois não estavam associa­ das a sofrimento e, de fato, proporcionavam con­ solo.

R e d u ç ã o d a A n s i e d a d e . A ansiedade foi selecio­ nada como o primeiro alvo de tratam ento, por­ que foi priorizada como a m aior dificuldade. Existe uma grande base de evidências em favor da terapia cognitiva para os transtornos de ansie­ dade (D. Clark, 1999); no entanto, após um questionam ento detalhado, logo ficou claro que a ansiedade social não estava relacionada a te ­ mores de um a avaliação ou à auto-imagem n e­ gativas, e sim à desconfiança e à paranóia. Um Registro de Pensamentos Disfuncionais foi utili­ zado como tarefa de casa e confirmou isso. Por­ tanto, a ansiedade social e a paranóia foram tra­ tadas simultaneamente.

M u d a n ç a d e C r e n ç a s P a r a n ó i d e s . Uma vez que as crenças sobre ser prejudicado e ser alvo de co­ mentários pareciam estar inter-relacionadas, elas foram tratadas em conjunto. No início, o exame das crenças paranóides começou com um a revi­ são de seu desenvolvimento e uma considera­ ção de suas vantagens e desvantagens. Joe rela­ tou que sua desconfiança surgira como resulta­ do de suas experiências de ser intimidado na es­ cola e no bairro, e o mantivera em segurança em numerosas ocasiões, o que parecia correto. Ele tam bém sentia que suas crenças de que os outros estavam falando sobre ele eram úteis, pois lhe davam motivos para evitar interações sociais desagradáveis, e também significavam que ele era im portante, o que estava claram ente relaci­ onado a algumas de suas suposições. Entretan­ to, reconhecia que essas crenças realm ente o angustiavam e o impediam de atingir seus obje-

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tivos de reduzir a ansiedade social e fazer am i­ gos. Isso foi seguido por uma discussão do que m udara em sua vida desde que desenvolvera aquelas estratégias e foi reconhecido explicita­ m ente que elas tinham sido úteis na escola, mas questionou-se sua atual utilidade.

Com base nisso, Joe decidiu que as cren­ ças paranóides poderiam, às vezes, ser úteis para evitar perigos reais, mas que na maior parte do tempo ele superestimava imensam ente o perigo das situações interpessoais, devido às suas ex­ periências passadas. Essa visão forneceu dados para um exame colaborativo das evidências con­ tra e a favor de crenças relativas a situações es­ pecíficas re cen tes, nas quais ele se s e n tira paranóide. Um exemplo típico desse tipo de si­ tuação era um grupo de pessoas sentado a uma mesa do bar, conversando e rindo; Joe, invaria­ velm ente, pensava “Eles estão falando sobre mim” ou “Eles estão planejando me hum ilhar”, norm alm ente com um nível de convicção de 75%. Joe foi incentivado a desenvolver explica­ ções alternativas para as situações. Ele deveria se colocar no lugar da outra pessoa e pensar em como se comportava em situações semelhantes e reconhecer a distinção entre pensam entos e fatos, ou como alguma coisa pode parecer mui­ to real, sem ser real. (Veja a Tabela 7.4 para um exemplo.) A discussão verbal dessas questões ajudou a reduzir a crença de Joe nos pensamen­ tos paranóides a um determ inado nível, que ele

se sentiu capaz de assumir alguns riscos e reali­ zar uma série de experimentos comportamentais.

Experimentos Comportamentais. Existem algumas

evidências que sugerem que as crenças paranói­ des são mais modificadas pela m udança de com­ portam ento, dentro de um a estrutura cognitiva, do que apenas por métodos de reatribuição ver­ bal (Chadwick e Lowe, 1990). Depois de Joe praticar o exame de evidências por algumas se­ manas, ele se sentiu confiante o suficiente para mudar seu comportamento e analisar o que acon­ tecia. Cada experim ento foi planejado cuidado­ samente na sessão, com uma predição concreta em relação a uma crença específica a ser testa­ da, e quaisquer problemas previstos na execu­ ção dos experimentos foram tratados de forma pró-ativa, incluindo uma avaliação regular da crença de Joe em que o terapeuta estava ten tan­ do enganá-lo com o objetivo de humilhá-lo. Nas ocasiões em que esse parecia ser um fator, uma parte da sessão era dedicada ao exame dos even­ tos que Joe estava interpretando, e eram gera­ das explicações alternativas e exam inadas as evidências, incluindo uma discussão da ética e das fronteiras profissionais. Tal desconfiança e suspeita podem ser frustrantes para o terapeuta, e uma supervisão regular é indicada para lidar com esses sentimentos.

Os experimentos incluíam não só modifi­ car as estratégias compensatórias, ou com porta­ mentos de segurança de Joe, mas tam bém evi-

TABELA 7 . 4 Exame das evidências de “Eles estão falando sobre m im e preten­ dem m e hum ilhar”

Evidências em favor de

• “Eles estão conversando e (de vez em quando) olham na minha direção.”

• “Eu fui freqüentemente humilhado no passado.” • “Parece real.”

Evidências contra e explicações alternativas

• “Eu me senti assim muitas vezes e raramente fui humilhado recentemente.”

• “A maioria dos acontecimentos foi há muitos anos.” • “Só porque eu penso isso não significa, necessaria­ mente, que seja verdade - eu, provavelmente, desen­ volvi um hábito de paranóia.”

• “Mesmo que eles estejam falando sobre mim, podem estar dizendo coisas legais.”

• “Eles podem estar olhando para mim porque querem ser servidos.”

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ta r interações sociais, vestir-se de um m odo deliberadam ente incomum que atraía com cer­ teza um a atenção indesejada, além de tentar não expressar emoções negativas. Tudo isso lhe per­ mitiu reconhecer que suas estratégias, às vezes, eram contraprodutivas. Mais im portante, os ex­ perimentos facilitaram a desconfirmação de seus temores de ser humilhado ou atacado. Por exem­ plo, Joe, inicialm ente, acreditava que, se d e­ monstrasse estar ansioso, todo o m undo no bar riria dele ou o atacaria. Ele se permitiu revelar seu nervosismo e, deliberadam ente, disse aos fregueses que estava se sentindo um pouco an­ sioso naquela noite, conforme fora dramatizado com o terapeuta na sessão anterior. Joe desco­ briu que a maioria das pessoas o apoiou e ne­ nhum a delas riu dele ou o atacou.

Estigma e Outros Problemas. Depois que Joe re­

duziu sua ansiedade social e sua paranóia, mui­ tos dos outros problemas pareceram se resolver com relativa facilidade. Joe estabeleceu para si mesmo a tarefa de estabilizar seu padrão de sono, utilizando um diário modificado de pla­ nejamento de atividades. A princípio, teve difi­ culdade para fazer isso, pois sua desconfiança e ansiedade social significavam que tinha proble­ mas para dormir, porque ficava ruminando so­ bre os eventos interpessoais do dia. Entretanto, quando esses se tom aram menos problemáticos, ele conseguiu modificar seu padrão de sono, sim­ plesmente indo para a cama sempre na mesma hora e colocando o despertador tam bém sem­ pre para a m esm a hora. Essa m udança muito concreta reforçou sua crença de que ele poderia m udar outras coisas em sua vida. Da mesma for­ ma, um a vez que as suspeitas e a ansiedade so­ cial dim inuíram , descobriu que seu desejo de usar drogas também diminuiu. Joe ainda usava álcool e m aconha no trabalho e decidiu que não queria parar completamente de usá-los. Ele tam ­ bém foi capaz de com partilhar algumas infor­ mações pessoais específicas, como contar a vá­ rias pessoas que se m udara freqüentem ente em seu passado e como fora intimidado na escola durante a infância.

Seu principal tem or continuava sendo o estigma associado a um rótulo de transtorno da personalidade esquizotípica. Joe trato u dessa questão, buscando informações que ajudariam a norm alizar suas experiências. Isso incluiu in­ formações sobre o contínuo dos traços da perso­ nalidade esquizotípica (Rossi e Daneluzzo, 2002) a prevalência das experiências alucinatórias e paranóides na população em geral (Kingdon e Turkington, 1994; Peters et al., 1999; van Os et al., 2000), a relação entre uso de m aconha e ex­ periências esquizotípicas (Dumas et al., 2002), e a natureza potencialmente útil de certas expe­ riências incomuns (McCreery e Claridge, 2002; O’Reilly, Dunbar e Bentall, 2001). Isso ajudou a reduzir seu sofrimento relativo ao rótulo e re­ forçou seu entendim ento alternativo de que ele d ese n v o lv e ra c e rta s m a n e ira s de p e n s a r e experienciar em resultado de sua história de vida, não por ter um a personalidade defectiva. Sua visão de si mesmo como anormal e o sofrimento associado diminuíram significativamente, como resultado dessa perspectiva alternativa.

Reestruturando Crenças Centrais

Depois de Joe ter atingido seus objetivos, a conceitualização do caso foi revisitada e foram eliciados novos temores ou temores adicionais. O exame de suas crenças paranóides e os subse­ qüentes experimentos comportamentais reduzi­ ram a convicção de Joe nas crenças repletas de desconfiança acerca dos outros e do mundo, as­ sim como sua visão de si mesmo como vulnerá­ vel. Entretanto, ele ainda se via como diferente, sem valor e desinteressante. Ele se sentia bem por se perceber um a pessoa diferente, mas deci­ diu que gostaria de tratar as crenças sobre não ter valor e ser desinteressante. Elas foram exami­ nadas por meio de técnicas de mudança de es­ quemas, conforme descrito por Padesky (1994): testes históricos da crença, uso de um continuum em relação ao valor e interesse e um registro de dados positivos para uma crença alternativa que tomasse o lugar das outras, nas quais gostaria de acreditar [“Eu sou legal”] .

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V a r i a ç õ e s P o s s í v e i s

Embora Joe seja um caso típico de transtor­ no da personalidade esquizotípica, podemos en­ contrar muitas variações. Diversos pacientes re­ almente sentem angústia em associação com suas experiências perceptuais incomuns. Se esse for o caso, são úteis as abordagens para entender e in­ tervir nas alucinações (por exemplo, Morrison e Renton, 2001). O pensamento mágico e a supers­ tição podem ser muito mais proeminentes do que no caso de Jo e . Esses p a d rõ e s co gnitivos preternaturais podem responder melhor a estra­ tégias desenvolvidas para trabalhar com pacien­ tes obsessivos, como os experimentos planejados para testar crenças sobre a fusão pensamento-ação (Freeston, Rheaume e Ladoucer, 1996) e crenças metacognitivas sobre proteção e segurança (Wells, 1997).

M a n te n d o o Progresso

A terapia term inou depois de 30 sessões. Na terceira e últim a sessão de revisão, Joe deci­ diu que estava satisfeito com o progresso que fizera e não queria continuar trabalhando para atingir outros objetivos. Foram combinadas ses­ sões de apoio timestrais para verificar seu pro­ gresso e m ontado um plano para prevenção da recaída. Esse plano incorporou um a cópia da for­ mulação, um resumo das estratégias que Joe achara úteis e um a lista de potenciais desenca- deantes de futuras dificuldades. Esses últimos incluíam possíveis eventos futuros de vida, que poderiam reativar suas suposições sobre ser ata­ cado ou humilhado, além de terem sido feitos planos de como lidar com tais eventos. Suas cren­ ças sobre ser diferente foram conceitualizadas

como uma potencial vulnerabilidade à recaída, mas ele não estava disposto a ten tar m udar isso. Finalmente, ele decidiu que deveria ten tar m an­ ter, pelo menos, dois relacionam entos sociais, com os quais se sentisse à vontade, para ter con­ tato social e uma oportunidade de verificar a ade­ quação de seus pensamentos.

C O N C L U S Ã O

Podemos ver que tanto o transtorno da per­ sonalidade esquizóide quanto o da personalida­ de esquizotípica envolvem padrões típicos de ex­ periências iniciais de intimidação, rejeição e abu­ so. Tais experiências freqüentemente levam a pes­ soa a acreditar que ela é diferente e que os outros são perigosos e não-confiáveis, e, às vezes, ela pode decidir que os relacionamentos interpessoais simplesmente não valem a pena. As pessoas com traços esquizotípicos também experienciam pa­ ranóia e fenômenos alucinatórios e são, amiúde, caracterizadas por comportamentos e aparência incomuns ou excêntricos. Dadas essas dificulda­ des, não é fácil desenvolver um bom relaciona­ m ento terapêutico, mas um exame regular dos objetivos compartilhados e da ambivalência, em relação à mudança, pode ajudar. A terapia, que tem como alvo crenças e estratégias característi­ cas e utiliza reatribuição verbal e experimentos comportamentais, pode reduzir o sofrimento e melhorar a qualidade de vida desses indivíduos. É importante lembrar que os princípios da tera­ pia cognitiva, como a ênfase na colaboração e na descoberta orientada, facilitam o trabalho com esse grupo de pacientes e tom am o sucesso mais provável.

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TRANSTORNO DA