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Leprosário São Francisco de Assis (1923-1941): o espaço físico e as práticas médicas

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LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941): O ESPAÇO FÍSICO E AS PRÁTICAS MÉDICAS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS

LINHA DE PESQUISA: CULTURA, PODER E REPRESENTAÇÕES ESPACIAIS

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941): O ESPAÇO FÍSICO E AS PRÁTICAS MÉDICAS

ISA CRISTINA BARBOSA ANTUNES

NATAL/RN 2017

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ISA CRISTINA BARBOSA ANTUNES

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941): O ESPAÇO FÍSICO E AS PRÁTICAS MÉDICAS

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação em História. Área de Concentração: História e Espaços.

Linha de Pesquisa: Cultura, poder e representações espaciais. Orientador: Prof. Dr. Raimundo Nonato Araújo da Rocha.

NATAL/RN 2017

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA

Antunes, Isa Cristina Barbosa.

Leprosário São Francisco de Assis (1923-1941): o espaço físico e as práticas médicas / Isa Cristina Barbosa Antunes. - Natal, 2018. 195f.: il. color.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Pós-Graduação em História.

Orientador: Prof. Dr. Raimundo Nonato Araújo da Rocha.

1. Leprosário - São Francisco de Assis - Rio Grande do Norte - Dissertação. 2. Lepra - Dissertação. 3. História da doença - Dissertação. I. Rocha, Raimundo Nonato Araújo da. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 94:614.217(813.2)

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ISA CRISTINA BARBOSA ANTUNES

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941): O ESPAÇO FÍSICO E AS PRÁTICAS MÉDICAS

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela comissão formada pelos professores:

_________________________________________ Professor Dr. Raimundo Nonato Araújo da Rocha (UFRN)

Orientador

_________________________________________ Professor Dr. Gabriel Lopes Anaya (FIOCRUZ)

Examinador Externo à Instituição

__________________________________________ Professor Dr. Iranilson Buriti de Oliveira (UFCG)

Examinador Externo à Instituição

________________________________________ Professor Dr. Helder do Nascimento Vianna (UFRN)

Examinador Interno

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AGRADECIMENTOS

A produção deste trabalho contou com a colaboração de muitos amigos, mas quero iniciar agradecendo a Deus, por ter guiado os meus caminhos e ter me dado perseverança na conclusão dessa etapa da minha vida acadêmica.

Agradeço infinitamente ao meu orientador, Raimundo Nonato da Rocha, por ter acreditado na minha proposta de trabalho, por ter me incentivado nos momentos mais difíceis e por me tratar sempre de forma amigável durante as orientações.

Aos meus familiares, meus pais, Iris Cristina e Miguel de Albuquerque, e minha irmã Eve Cristina, por ter entendido minha ausência nas reuniões familiares e os momentos de estresse. Agradeço a compreensão e as palavras de incentivo nos momentos mais complicados.

Não poderia deixar de agradecer aos amigos que formam a base de pesquisa Os Espaços na Modernidade, Cecil Guerra, Paulo Rikardo Fonseca, Pierre Macedo, Isabel Andrade, Antônio Macena, Renno, e, em especial, Paulo Vitor Airaghi, por todos os momentos de conversa e debate sobre as questões relativas à dissertação e pela ajuda na busca das fontes necessárias para a produção da pesquisa.

Agradeço à Tainá Bandeira da Silva pela disponibilidade de ler o trabalho e contribuir da melhor maneira possível, como também pela disponibilidade de tempo para conversar e ouvir os dilemas que eu enfrentava.

Agradeço à Tatiana Barreto pelas conversas, pelos momentos de descontração e palavras de incentivo.

Não poderia deixar de agradecer também a Luís Felipe, que me ajudou na produção dos gráficos e das tabelas presentes nesta dissertação.

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RESUMO

Este trabalho objetiva analisar como ocorreu a construção e o funcionamento do Leprosário São Francisco de Assis, entre os anos de 1923 a 1941. Construído em 1926 e inaugurado oficialmente no ano de 1929, em uma área distante seis quilômetros da cidade de Natal, este espaço tinha a função de isolar todos os leprosos notificados no Estado do Rio Grande do Norte. A lepra, definida atualmente como doença crônica e bacteriológica, de notificação compulsória, durante a década de 1920 fez parte do grupo das endemias que eram vistas como problema nacional. O combate à lepra, regulamentado pelo Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923, foi realizado através do isolamento compulsório dos doentes em leprosário ou colônias agrícolas. Seguindo a Diretriz Nacional de Combate à Lepra, o Rio Grande do Norte edificou o Leprosário São Francisco de Assis. Dirigido pelo Médico Varella Santiago, o leprosário foi construído para oferecer aos doentes uma vida plena, com atividades de trabalho, de lazer e tratamento adequado. Diante desses apontamentos, questiono: quais as razões para a construção desse isolamento? Como esse espaço foi estruturado fisicamente? Quem foram os seus internos? Quais as práticas desenvolvidas nesse espaço? O presente trabalho está baseado na articulação da História da Doença e da história do Espaço, assim, meu objetivo é investigar as mudanças e permanências ocorridas no espaço concreto, o Leprosário São Francisco de Assis, desenvolvidas no combate à lepra. Para responder aos questionamentos propostos, utilizei como fonte: jornais publicados no período de 1920 a 1950, publicados em diferentes cidades como: Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Maranhão; documentos oficiais, como Decretos, Resoluções e Mensagem dos Presidentes do Estado apresentadas na Assembleia Legislativa e documentos clínicos presentes no arquivo do Leprosário São Francisco de Assis.

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ABSTRACT

This work aims to analyze how the construction and operation of the Leprosário São Francisco de Assis, occurred between the years 1923 to 1941. Built in 1926 and officially inaugurated in 1929, in an area distant six kilometers from the city, this space had the purpose of isolate all lepers notified in the state of Rio Grande do Norte. Leprosy, currently defined as a chronic and bacteriological disease, during the 1920’s, part of the group of endemic diseases that were viewed as a national problem and should be compulsorily notificated. The fight against leprosy, regulated by Decree No. 16,300, on December 31, 1923, was carried out through the compulsory isolation of patients in leprosarium or agricultural colonies. Following the national guideline, against the leprosy, Rio Grande do Norte built the leprosário São Francisco de Assis. Directed by Doctor Varela Santiago, this Leprosarium was built to offer patients a full life, with activities of work, leisure and proper treatment. In view of these points I asked what are the reasons for the construction of this isolation? How was this space structured physically? Who were your inmates? What are the practices developed in this space? The present work is based on the articulation of the History of Disease and the history of Space, so my objective is to investigate the changes and permanences that occurred in the concrete space, the Leprosário São Francisco de Assis, developed in the fight against leprosy. In order to respond to the proposed questions, I used as a source: newspapers from 1920 to 1950, published in different cities such as: Rio de Janeiro, São Paulo, Recife and Maranhão; Official documents, such as Decrees, Resolutions and Message of Governors presented at the Legislative Assembly; Clinical documents present in the archive of the Leprosário São Francisco de Assis.

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1: Fotos do Lazarópolis do Prata, primeiro Leprosário do Brasil, 165 inaugurado em junho de 1924

Imagem 2: Fotos da construção de Leprosário São Roque, situado 166 no município de Piraquara, no Paraná, inaugurado em 1926.

Imagem 3: Foto da vista panorâmica do conjunto hospitalar do Leprosário 167 São Roque, situado no município de Piraquara, no Paraná, inaugurado em 1926.

Imagem 4: Foto da central telefônica do Leprosário Santo Ângelo, situado 168 no município de Mogi das Cruzes, em São Paulo.

Imagem 5: Foto das casas destinadas aos casais do Leprosário Santo 169 Ângelo, situado no município de Mogi das Cruzes, em São Paulo.

Imagem 6: Fotografia do Leprosário São Francisco de Assis, construído 170 no ano de 1925, em Natal.

Imagem 7: Ficha clínica dos pacientes dos anos 1920 171 Imagem 8: Ficha clínica dos pacientes dos anos 1930 172 Imagem 9: Ficha clínica de revisão dos pacientes da década de 1940 174

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Número de doentes notificados de lepra durante os anos de 1923 e 1929 46 Quadro 2: Movimento dos internos no Leprosário São Francisco de 70 Assis entre os anos de 1926 a 1930

Quadro 3: Faixa etária dos pacientes isolados no Leprosário São Francisco 88 de Assis entre os anos de 1926 a 1929

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

CAPÍTULO 1 A CONSTRUÇÃO DO LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS ... 32

1.1 O Governo brasileiro e a construção dos leprosários ... 32

1.2 A atuação do Serviço de Saneamento Rural nos registros da lepra no Rio Grande do Norte. ... 41

1.3 A lepra e a construção do Leprosário São Francisco de Assis nos jornais e nas ações das políticas públicas ... 46

1.4 Os leprosários construídos no Brasil na década de 1920... 55

1.5 Construção e financiamento do Leprosário São Francisco de Assis. ... 60

1.6 Abertura do canteiro de obras do Leprosário São Francisco e Assis e a movimentação dos seus internos. ... 68

1.7 Vila, leprosário ou colônia? ... 75

CAPÍTULO 2 O LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS E OS SEUS INTERNOS 80 2.1 Perfil dos pacientes ... 81

2.2 Situação social e profissional dos internos ... 100

2.3 As famílias isoladas do Rio Grande do Norte. ... 106

CAPÍTULO 3 AS PRÁTICAS MÉDICAS DESENVOLVIDAS NO LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS ... 113

3.1 O doutor da ciência: Manoel Varella Santiago Sobrinho ... 114

3.2 A entrada dos internos no Leprosário São Francisco de Assis. ... 133

3.3 A prática profilática implantada no combate à lepra no isolamento potiguar. ... 141

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 151

FONTES ... 158

REFERÊNCIAS ... 160

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INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é analisar como foi criado e mantido, na cidade de Natal, o Leprosário São Francisco de Assis. Construído em julho de 1926 e inaugurado oficialmente no ano de 1929, a área que abrigou esse leprosário estava distante seis quilômetros da cidade e tinha a função de isolar os doentes acometidos pelo mal de Hansen que habitavam o estado do Rio Grande do Norte. A meta é analisar essa instituição, respondendo as seguintes questões: quais as razões para a sua construção? Quais as transformações ocorridas no espaço antes e depois da construção? Quem eram os pacientes que moravam nessa instituição? Quem eram os médicos que atendiam os pacientes? Quais as práticas desenvolvidas pelos médicos? Quais as bases científicas para atuação dos médicos? Qual a relação mantida entre médicos e pacientes?

Ao tratar de um tema que, contemporaneamente, ainda é alvo de estereótipos e preconceitos, torna-se importante ressaltar que, a partir da década de 1970, tem-se usado os termos “hanseníase” e “hansenianos” para designar a doença e os portadores do Mycobacterium

leprae1. Essa terminologia, que tem sido usada a partir das últimas décadas do século XX, resultou de uma proposta apresentada por médicos que tinham o objetivo de remover o estigma que pesava sobre os portadores da doença. Entretanto, ao longo deste trabalho, usarei os termos “lepra” e “leproso”, por serem mais apropriados ao recorte temporal por mim definido.

O estudo proposto está delimitado ao período compreendido entre 1923 e 1941. A escolha por 1923 está relacionada ao fato de que nesse ano foi sancionado o Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923 2. Esse decreto – comumente denominado nos trabalhos acadêmicos de Regulamento Sanitário – estabeleceu, entre outras diretrizes, a criação nos diversos estados de leprosários ou colônias agrícolas, com o intuito de isolar os pacientes com lepra. A opção por 1941 ocorreu em razão de nesse ano ter sido aprovado o Decreto nº 3.171, de dois de abril de 1941. Por meio desse decreto, foi criado o Serviço Nacional da Lepra, órgão responsável pela profilaxia da doença no território brasileiro, e pelo estabelecimento de novas diretrizes para o combate da lepra.

1

Bactéria causadora da lepra, descoberta em 1874 pelo médico norueguês Gerhard Henrick Armauer Hansen.

2 Esse decreto aprovou o regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública, que, entre outras medidas,

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Em 2013, fui convidada, pelo professor Raimundo Nonato Araújo da Rocha, a trabalhar como bolsista em um acervo que havia chegado do Leprosário São Francisco de Assis. Após iniciar esse trabalho de organização da documentação da instituição, alguns questionamentos surgiram, a saber: quem eram os seus internos, quais os indivíduos escolhidos para o isolamento, a origem dos doentes; as práticas médicas desenvolvidas – como ocorria o tratamento, as substâncias químicas utilizadas, os médicos que atuavam na instituição; e a trajetória do Leprosário São Francisco de Assis – como ocorreu a sua fundação, a sua construção, e como foi desativado.

Essas questões me inquietaram e me levaram a pesquisar sobre essa instituição médica. No decorrer da pesquisa e da organização do acervo do Leprosário edificado em Natal, poucos subsídios surgiram, observei que existia uma escassez de estudos que abarcavam o processo de profilaxia da lepra, bem como sobre a construção e o funcionamento do Leprosário São Francisco de Assis.

De um conjunto de questões formuladas, optei por estudar especificamente como aconteceu a construção do Leprosário São Francisco de Assis, quais as especificidades do prédio construído, quem eram e como viviam os internos isolados e quais as práticas médicas desenvolvidas no seio daquela instituição.

Para entender o que levou à construção do Leprosário São Francisco de Assis, se faz necessário compreender que a lepra era um problema mundial e sua profilaxia seguiu algumas particularidades no Brasil. A lepra pode ser definida como uma doença crônica, infectocontagiosa, causada pelo mycobacterium leprae. Durante o século XX, o isolamento em leprosários ou colônias foi a principal forma de tratamento, apenas com a descoberta da sulfona, na metade do século XX, o quadro clínico, antes incurável, passou a ser revertido. O isolamento no Brasil deixou de ser obrigatório apenas em 1987, com a poliquimioterapia3. Devido à trajetória da doença, o nome lepra foi substituído na década de 1970 por Hanseníase, com o objetivo de reduzir o estigma causado aos portadores da doença.

Estudar a lepra e os leprosos exigiu uma delimitação da minha investigação em torno do objeto formulado. Assim, optei por estudar meu objeto a partir do conceito de espaço. Um aspecto que favoreceu essa decisão foi a minha vinculação ao Mestrado em História da UFRN,

3

A poliquimioterapia consiste na utilização de um conjunto de compostos químicos (Rifampicina, Dapsona e Clofazimina) voltados para o tratamento da Hanseníase.

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que tem o espaço, em sua dimensão histórica, como área de concentração. Todavia, é necessário explicitar o sentido que esse conceito ganhará neste trabalho. Considero o espaço como produção cultural, que ganha significado a partir das práticas instituídas e das simbologias construídas pelos indivíduos.

Quatro dissertações vinculadas ao Mestrado em História da UFRN se dedicaram a estudar a relação espaço e saúde: A construção da natureza saudável: Natal, 1900-1930; Maus

ares e malária: entre os pântanos de Natal e o feroz mosquito africano; Sair curado para a vida e para o bem: diagramas, linhas e dispersões de força no complexo nosoespacial do hospital da caridade Juvino Barreto (1909-1927); Curar, fiscalizar e sanear: as ações médico-sanitárias no espaço público da cidade do Natal (1850/1889). O trabalho A construção da natureza saudável: Natal, 1900-1930, tem por objetivo compreender as práticas e as representações construídas pelo

saber médico sobre a natureza, em Natal, durante as primeiras décadas do século XX. Em linhas gerais, pode-se afirmar que Vieira analisa as principais transformações ocorridas no espaço da cidade a partir dos discursos dos profissionais da saúde. A dissertação de Anaya4 – que tem como título Maus ares e malária: entre os pântanos de Natal e o feroz mosquito africano – apresenta uma investigação baseada na relação entre epidemias e espaço, especificamente a epidemia da malária e os pântanos de Natal entre o ano de 1892 e 1932. Seu estudo utiliza a ideia de espaço epidemiológico, para o autor, as práticas de epidemiológicas definem e ressignificam os espaços. A dissertação de Silva5 – Sair curado para a vida e para o bem: diagramas, linhas e dispersões

de força no complexo nosoespacial do Hospital da Caridade Juvino Barreto (1909-1927) –

aborda o deslocamento espacial do Hospital da Caridade Juvino Barreto para o monte Petrópolis, reconstruindo as visões sobre o hospital e as transformações ocorridas nesse espaço hospitalar a partir das ideias da ciência médica. A dissertação de Araújo6 – Curar, fiscalizar e sanear: as

ações médico-sanitárias no espaço público da cidade do Natal (1850/1889) – investiga como os

saberes científicos e as ações médicas e sanitárias transformaram o espaço público da cidade do

4 ANAYA, Gabriel Lopes. Maus ares e malária: entre os pântanos de Natal e o feroz mosquito africano. 2011. 214f.

Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2011.

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SILVA, Rodrigo Otávio da. Sair curado para a vida e para o bem: diagramas, linhas e dispersões de força no complexo nosoespacial do hospital da caridade Juvino Barreto (1909-1927). 2012. 121f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte: Natal, 2012.

6 ARAÚJO, Avohanne Isabelle Costa de Araújo. Curar, fiscalizar e sanear: as ações médico-sanitárias no espaço

público da cidade do Natal (1850/1889). 2015. 137f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2015.

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Natal a partir da análise de três aspectos principais: o exercício médico e farmacêutico, a fiscalização desenvolvida nos gêneros alimentícios e o ordenamento urbano da cidade.

A construção do Leprosário São Francisco de Assis, em Natal, começou a ser idealizada no ano de 1925, com o Presidente do Estado, José Augusto Bezerra de Medeiros, após os óbitos registrados entre os anos de 1923 e 1925 e o aumento significativo das notificações compulsórias. Diante dos dados registrados, o então Diretor do Departamento de Saúde Pública, Manoel Varella Santiago, ordenou a construção de um espaço médico especializado para receber os leprosos de acordo com os preceitos médicos modernos.

A partir de um estudo inicial, observei que esse espaço ganhou diferentes nomes e vários significados durante a sua trajetória institucional. Recebeu o nome de Leprosário, colônia, colônia agrícola e Hospital Dermatológico José Maciel. No final dos anos 1980, o Leprosário foi totalmente desativado e algumas dependências foram destruídas. Atualmente, o prédio abriga o almoxarifado da secretaria de saúde do Estado, sendo uma espécie de depósito. Antes entendido como símbolo da modernidade, do progresso médico, espaço de diferentes histórias, atualmente não exerce mais nenhuma simbologia na organização médica e espacial da cidade.

Esse estudo inicial foi realizado a partir da organização do arquivo da instituição médica. O arquivo do Leprosário São Francisco de Assis conta com um vasto corpo documental distribuído entre os anos de 1926 a 1998. Os documentos se dividem em dois grupos principais: o primeiro deles compreende as fichas clínicas dos pacientes, histórico da doença, ficha de evolução da enfermagem. Já o segundo grupo é composto por uma série de documentos administrativos do hospital dos anos de 1980 e 1990. A partir da organização desse arquivo, observei que era importante desenvolver um estudo sobre essa instituição, que marcou as práticas médicas de combate a uma epidemia e demonstrou o pensamento médico de uma época.

A transformação de um espaço da cidade de Natal em leprosário teve a contribuição de parcela da sociedade. A primeira ação para a materialização do isolamento foi a formação da

Comissão Central Pró-Leprosário, que se encarregou de angariar recursos para a construção do

edifício. Esses recursos foram obtidos por meio de doações e de festas organizadas por associações beneméritas da capital, sobretudo as organizações religiosas. Todo o trabalho da comissão teve o forte apoio dos jornais locais, que apresentavam esse espaço como primordial para a manutenção da saúde potiguar. Esses elementos demonstravam que o Leprosário São Francisco de Assis adquiriu significado entre a população como um espaço indispensável para a

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manutenção da saúde da cidade. Dessa forma, o leprosário ganhou significado a partir dos elementos construídos em torno da sua função, primeiramente como um espaço desejado pela população, espaço necessário para a manutenção da saúde da sociedade. E espaço significado por membros da classe médica e da classe política potiguar, como espaço que representava a materialidade das ideias modernas e inseria o Estado no projeto político de construção de uma sociedade saudável.

O leprosário foi construído fora dos muros da cidade, com o objetivo de isolar todos os doentes e proteger a população saudável do terrível mal de Hansen. Esse espaço deveria ficar fora do cotidiano da cidade e, consequentemente, os seus internos deveriam se manter longe de qualquer contato com o mundo externo. Os leprosos ficavam restritos ao espaço determinado pelos muros da instituição e seu cotidiano passava a ser regido pelas regras e práticas desenvolvidas no interior do isolamento. Com isso, posso afirmar que os internos do Leprosário São Francisco de Assis vivenciaram e praticaram o espaço do leprosário de diferentes maneiras.

O Leprosário São Francisco de Assis ganhou significado a partir das práticas desenvolvidas dentro da instituição de forma individual – médicos e internos –, e de forma coletiva, a partir da construção do discurso de uma sociedade saudável e ideal proclamado nos jornais e pelas políticas públicas.

Ao conceber o espaço como produção cultural que ganha significado a partir de práticas instituídas, valho-me das ideias de Michel de Certeau7, para quem o espaço é praticado a partir das vivências de cada indivíduo. Partindo dessa lógica, procurei identificar no Leprosário São Francisco de Assis como o espaço foi praticado pelos diferentes sujeitos.

Ao mapear as teses e dissertações sobre a lepra que foram produzidas no Brasil, percebi que alguns estudos estavam circunscritos a duas grandes abordagens historiográficas: uma que analisa o estigma causado pela doença nos seus portadores e a outra que discute as políticas públicas implantadas no combate a essa epidemia. Meu estudo foge a essa dicotomia e procura investigar a relação entre a História da Doença e a História do Espaço. Nesse sentido, procurei investigar as mudanças e permanências identificadas em um espaço concreto – o Leprosário São Francisco de Assis – em razão de práticas nele desenvolvidas com o intuito de combater uma doença.

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A saúde, a doença e a lepra na historiografia

Desde os tempos mais antigos, a lepra esteve presente entre a humanidade, sempre ligada às conotações religiosas. Para entender o estigma dessa doença, analisei a obra de Curi8 que retrata a construção desse estigma. No período medieval, as manchas e as feridas no corpo do doente eram a concretização do pecado, as marcas da doença eram entendidas como castigos divinos. Os primeiros registros sobre a lepra são encontrados na Bíblia. Nessas escrituras a doença apresenta grande ligação com o pecado e com a cura divina, como demonstram as passagens religiosas. Nesses trechos a salvação é narrada como um ato de misericórdia. O autor demonstra como essa ligação histórica da lepra com a religiosidade embasou intensamente o estigma da doença consolidado durante a Idade Média. Esse estudo contribui para entender a historicidade da doença e o estigma que a lepra causou sobre os seus portadores no Brasil. É importante ressaltar que durante o período medieval a lepra englobava todas as doenças dermatológicas, não havia distinção entre as doenças que ocorriam na pele, todas eram identificadas como lepra.

No Brasil, a lepra foi uma doença que ganhou importância, sendo entendida como um mal nacional durante o século XX. Devido a isso, foi tema de diversas ações do poder público e médico. A tese de Costa9 apresenta as primeiras intervenções propostas pelo governo no combate à lepra através do aparato institucional das leis e dos regulamentos. A autora analisa essa regulamentação entre os anos de 1894, momento de criação do Laboratório Bacteriológico no Hospital dos Lázaros, no Rio de Janeiro, e o ano de 1934, quando a Inspetoria de Profilaxia da Lepra foi desativada. Através desse trabalho, entrei em contato com as primeiras intervenções governamentais na profilaxia da lepra no Brasil.

Outro trabalho basilar para compreender as políticas públicas de profilaxia da lepra foi a dissertação de Cunha10. A autora demonstra como ocorreu a organização das políticas públicas voltadas ao combate à lepra durante os anos de 1920 a 1945 e retrata como essa

8 CURI, Luciano Marcos. Defender os sãos e consolar os lázaros: lepra e isolamento no Brasil (1935-1976). 2002.

231f. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de História, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2002.

9 COSTA, Dilma Fátima Avellar Cabral da. Entre ideias e ações: medicina, lepra e políticas públicas de saúde no

Brasil (1894-1934). 2007. 410f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.

10

CUNHA, Vivian da Silva. O isolamento compulsório em questão: política de combate à Lepra no Brasil (1920 e 1945). 2005. 151. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – História das Ciências e da Saúde, Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2005.

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inspetoria atuou. A principal medida profilática de combate a essa doença, segundo o Regulamento Sanitário de 1923, era o isolamento compulsório dos doentes em colônias ou leprosários e o acompanhamento médico dos seus familiares. Sem um tratamento específico para combater o bacilo causador, o isolamento dos doentes foi a principal medida profilática utilizada no combate à lepra, perdurando até o ano de 1962.

A autora também retrata que várias medidas e acordos foram realizados entre União e Estado para combater a lepra. Um dos primeiros acordos estabelecidos foi com o estado do Pará, que inaugurou a primeira colônia agrícola do país, chamada Lazarópolis do Prata, no ano de 1924. Além dessa colônia, outros isolamentos foram construídos no Paraná (O Leprosário São Roque), e no Rio de Janeiro (o Hospital Colônia Curupaiti). Outros espaços hospitalares destinados ao isolamento de doentes já existiam no país, construídos ainda durante o século XVIII, como o Lazareto da Piedade, no Rio de Janeiro, e o Hospital dos Lázaros, na Bahia. É importante destacar que os lazaretos eram locais de isolamento de diferentes doenças, não existia uma especialidade médica nesses locais, somente com o Regulamento Sanitário de 1923 a profilaxia da lepra ganhou instituições específicas.

O Leprosário São Roque foi um dos primeiros isolamentos de leprosos construído segundo as novas ideias de profilaxia da lepra. Castro11, em sua dissertação de mestrado, apresenta a relação estabelecida entre as ideias de modernidade presentes na Primeira República brasileira e a construção do Leprosário São Roque no Paraná. Este espaço hospitalar, construído no ano de 1926, tinha como principal característica tornar o isolamento dos doentes prazeroso, como explicava o Regulamento de 1923. Segundo as ideias presentes nesse regulamento, o espaço destinado ao isolamento dos leprosos deveria oferecer o tratamento médico aos internos, mas deveria ser também um espaço apropriado para a realização de diversas atividades. A ideia era construir uma cidade dentro da cidade. O leprosário contava com oficinas, áreas para a agricultura, igreja, cinema e outras dependências. Dessa forma, a autora analisa em quais aspectos esse espaço hospitalar se enquadrava na política modernizadora presente no Brasil nesse período, observando especialmente a arquitetura do isolamento e os seus espaços. Assim como o Leprosário São Roque, o Leprosário São Francisco de Assis baseou a sua construção nas novas ideias científicas que circulavam no Brasil. Esse trabalho contribuiu, entre outros aspectos, para

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CASTRO. Elizabeth Amorim de. O Leprosário São Roque e a modernidade: uma abordagem da Hanseníase na perspectiva da relação espaço-tempo. 2005. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal de Curitiba, Curitiba, 2005.

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realizar associações sobre os diferentes espaços de isolamento edificados no país.

Ainda sobre as políticas públicas de combate à lepra implantadas no território brasileiro, o trabalho de doutorado de Maciel12 aborda tais políticas durante os anos de 1941 a 1962. A autora realiza uma extensa análise das políticas sanitárias de combate à lepra implantadas a partir dos anos 1930 e enfoca as principais transformações ocorridas nos regulamentos, como a criação do Serviço Nacional de Lepra e o fim da política isolacionista no ano 1962. Ela afirma que, desde a desativação das inspetorias de profilaxia, instituída com o decreto de 1934, o combate à lepra deixou de ser prioridade nacional, já que as Diretorias dos Serviços Sanitários tinham diferentes atribuições nos Estados. O objetivo principal desse órgão era intervir na saúde como um todo e não atuar exclusivamente no combate a uma doença específica como a lepra. Somente com a implantação do Plano Nacional de Combate à Lepra a profilaxia contra essa doença foi novamente direcionada. Esse plano objetivava centralizar e uniformizar as ações de profilaxia e criar novos leprosários em todo o Brasil.

Outro trabalho importante no entendimento das políticas públicas de combate à lepra, foi a dissertação de Santos13. Ele aborda o combate à epidemia da lepra durante o período de 1934 a 1941, a partir da relação estabelecida entre filantropia e profilaxia da lepra muito presente no Brasil. As ações filantrópicas foram de grande importância para a edificação de isolamentos e a manutenção destes. Ao analisar a construção do Leprosário São Francisco de Assis, observei a intensa participação de grupos filantrópicos na edificação do isolamento e na organização de ações festivas destinadas ao leprosário potiguar.

Os trabalhos expostos até o presente momento, de maneira geral, abordaram as políticas públicas de combate à lepra instaurada no Brasil a partir do século XX. Esses estudos construíram o aparato institucional que alicerçou a edificação do Leprosário São Francisco de Assis e as práticas médicas desenvolvidas nesse espaço médico.

É importante ressaltar que as políticas públicas sanitárias eram baseadas no discurso científico do período. Oliveira14 apresenta uma análise das ideias e dos discursos higienistas

12 MACIEL, Laurinda Rosa. Em proveito dos sãos, perde o lázaro a liberdade: uma história das saúdes públicas

de combate à lepra no Brasil (1941-1962). 2007. 380 f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.

13 SANTOS, Vicente Saul Moreira dos. Entidades filantrópicas e políticas públicas no combate à lepra:

Ministério Gustavo Capanema (1934-1935). 2006. 163 f. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – História das Ciências e da Saúde, Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2006.

14 OLIVEIRA, Iranilson Buriti de. Fora da higiene não há salvação: a disciplinarização do corpo pelo discurso

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presentes no Brasil nas duas primeiras décadas da República brasileira. Objetivo dos que seguiam as ideias higienistas era construir cidadãos “ideais” para a sociedade republicana que se consolidava. Esses discursos estiveram presentes em várias instituições, como Igreja, escolas, hospitais, e para a sua consolidação foram utilizados diversos dispositivos de poder para disciplinar o corpo familiar durante as primeiras décadas da República brasileira, entre eles o discurso médico. Essas ideias sanitaristas também estiveram presentes no espaço doméstico, a família carecia ser ordenada e higienizada, tanto no intelecto como nos hábitos físicos. Era necessário “civilizar” a família para “civilizar” a pátria. O higienismo tinha como objeto de atuação tanto o espaço físico da cidade como os hábitos desenvolvidos pelos seus habitantes. Segundo esse pensamento científico:

A questão da doença ou de sua reprodução encontrava sempre como chave explicativa o “meio-ambiente”. Nesta perspectiva, o “meio- ambiente” era portador e o reprodutor das doenças. A única forma de eliminá-la era atingindo e transformando este meio. O “meio- ambiente” era a cidade, que precisava ser trabalhada para sobreviver aos males que nela se reproduziam15.

Era necessário controlar o meio ambiente, estabelecer novos serviços sanitários e instaurar novos padrões de civilidade. As ideias higienistas que nortearam as interferências no meio ambiente e na estrutura da cidade também foram visualizadas nos espaços hospitalares, racionalizando o espaço físico e especializando as suas práticas médicas. O combate à lepra no Brasil seguiu o discurso sanitário e médico de limpar e civilizar a sociedade. Criaram-se espaços médicos especializados e diretrizes públicas específicas para a profilaxia da lepra.

Ao analisar a trajetória das políticas públicas sanitárias, observei que no período colonial brasileiro a saúde pública nunca foi tema das ações da corte portuguesa. Nunes16 retrata em seu trabalho que nesse período já ocorria o combate à lepra, à peste e o controle sanitário em alguns espaços, como os portos, as ruas, as casas e as praias, mas estas ações tinham como base controlar apenas o corpo infectado do doente. Somente no século XIX a preocupação do poder governamental deixou de ter como eixo norteador o corpo do doente e se dedicou a promoção da saúde, iniciando o processo de medicalização das instituições e dos espaços da cidade. Hospitais,

15 LUZ, Madel. Medicina e ordem política brasileira: políticas e instituições de saúde (1850-1930). Rio de Janeiro:

Graal, 1982. p. 70.

16

NUNES, Everaldo Duarte. Sobre a história da saúde pública: ideias e autores. Revista Ciências e Saúde

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cemitérios, escolas, quartéis, fábricas e prostíbulos passam a ser objeto da ação do poder governamental.

Em seu trabalho, Silva17 apresenta que São Paulo e Rio de Janeiro foram as primeiras cidades a construir um modelo de atenção à saúde pública. Essa preocupação com a saúde da cidade pode ser verificada na atuação da Santa Casa de Misericórdia, sobretudo na cidade de São Paulo. A atenção à saúde observada por Silva foi verificada nas transformações realizadas no atendimento, nos relatórios e nos recursos financeiros destinados à Santa Casa de Misericórdia. Com o crescimento da cidade de São Paulo, tanto populacional como econômico, as avaliações de atendimento realizadas pela Santa Casa apontavam um crescimento de enfermos, sendo estes provenientes de duas classes principais: estrangeiros e pobres. Esses dados significavam um risco para a saúde da cidade. A presença da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo nos relatórios da cidade, bem como a verba destinada pela assistência pública do governo a ela, colocava essa instituição como central no atendimento da assistência pública. Para a autora, a assistência à saúde realizada nesse espaço hospitalar evidenciava a importância das questões da saúde na organização das questões da cidade antes que os temas do sanitarismo e da urbanização fossem vistos como centrais na organização política. A atuação das instituições religiosas no campo da saúde esteve presente em todas as partes do Brasil, realizando o trabalho que era para ser desenvolvido pelo Estado.

Diferentemente de São Paulo, Natal não tinha na sua estrutura sanitária a presença da Santa Casa de Misericórdia, o que permite concluir que o início da atenção à saúde pública foi mais tardio na cidade potiguar. Estiveram presentes aqui as irmãs de caridade que atuaram em diferentes espaços médicos, sendo de grande importância no funcionamento do Leprosário São Francisco de Assis.

Além da presença das instituições religiosas na implantação das políticas de saúde, a atuação dos médicos sanitaristas foi importante no trabalho de medicalização dos hábitos de higiene da população. O trabalho de Fonseca18 reconstrói a visão de alguns profissionais que atuaram no serviço de profilaxia das doenças venéreas no interior dos estados a partir dos anos 1930. Segundo a autora, as reformas na saúde pública influenciaram de forma ativa a formação

17 SILVA, Márcia Regina Barros da. O processo de urbanização paulista: a medicina e o crescimento da cidade

moderna. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 27, n. 53, p. 243-266, 2007.

18 FONSECA, Cristina M. Oliveira. Trabalhando em saúde pública pelo interior do Brasil: lembranças de uma

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dos médicos na década de 1930 e essa geração contribuiu para a construção do aparato institucional do período republicano. Assim, ela entende que o processo de institucionalização da saúde pública nesse período possuiu ampla relação com a trajetória pessoal e profissional desse grupo médico. Compreender o pensamento médico desse período foi importante para dimensionar o papel desses profissionais na implantação das políticas sanitaristas e na atuação do combate à lepra.

Outro trabalho importante para compreender a atuação dos médicos, em especial no combate à lepra, foi a tese de Andrade19. O autor analisa a trajetória e a atuação de Souza-Araújo, antes de se tornar um dos grandes leprologistas do Brasil. A análise abarca o início de sua carreira, as suas nuances dentro da sociedade e as suas possibilidades profissionais, contrariando a imagem que se construiu sobre esse médico. Souza Araújo foi um dos responsáveis pela edificação do Lazarópolis do Prata, no Pará, primeira colônia agrícola fundada no Brasil. Assim, entender o médico Souza Araújo, sua carreira, suas ideias médicas, contribuiu para compreender o pensamento que embasou a construção dos leprosários do Brasil e em especial o Leprosário São Francisco de Assis. Neste trabalho, esse espaço de isolamento é entendido como uma instituição total, como classifica Erving Goffman20.

Para esse autor, as instituições totais são espaços que impõem uma barreira entre os internos e o mundo externo, que apresentam um mesmo espaço para todos os aspectos da vida, com horários fixos e padrões a serem seguidos. Essa característica define as instituições de isolamento, sejam leprosários, colônias, manicômios ou prisões. Essas instituições também realizam o que Goffman chamou de mortificação do eu, como descreve no momento da admissão dos internos.

Obter uma história de vida, tirar fotografia, pesar, tirar impressões digitais, atribuir números, procurar e enumerar bens pessoas para que sejam guardados, despir, dar banho, desinfetar, cortar os cabelos, distribuir roupas da instituição, dar instruções quanto a regras [...]21.

Ao entrar no Leprosário São Francisco de Assis, podemos afirmar que o interno deixava de ser um membro da sociedade para se transformar em um número, uma porcentagem

19 ANDRADE, Marcio Magalhães de. Capítulos da história sanitária no Brasil: a atuação profissional de Souza

Araújo entre os anos 1910 e 1920. 2011, 210f. Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2011.

20 GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974. 21 Idem, 1974. p. 25.

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negativa nos dados de epidemiologia. As instituições hospitalares são entendidas como instituições totais, já que os internos passam a seguir normas e condutas, eles sofrem diferentes tipos de enquadramento e mortificação do eu. São instituições onde existe uma rede complexa de relações sociais, regras e linguagem próprias. Assim, O leprosário é analisado como espaço complexo de intensa relação entre os internos e entre internos e equipe dirigente, com códigos e ajustamentos secundários próprios.

Modernidade e cultura política na construção do Leprosário São Francisco de Assis

A República brasileira se estabeleceu em meio a grandes transformações no campo econômico, político e cultural, advindos da Revolução Industrial e da Revolução Científico-Tecnológica. Surgiram novos potenciais enérgicos e novas áreas de estudos, sobretudo ligadas à medicina, como farmacologia, microbiologia e bacteriologia. Os novos processos científicos e as novas ideias modernizadoras estiveram presentes no discurso da elite política e intelectual brasileira, desejosa de acabar com qualquer elemento que a conectasse com o antigo regime político. Durante toda a primeira República brasileira, a elite política interferiu no processo de organização da cidade, na formação de novos sistemas culturais e da medicalização das doenças e dos doentes baseada nas ideias de modernização da sociedade brasileira22. A construção e as práticas médicas desenvolvidas no Leprosário São Francisco de Assis se inscrevem dentro das ideias de modernidade implantadas no Brasil. Os discursos médicos colocaram o combate à lepra como uma das principais ações modernizadoras do período. Dessa forma, o conceito de modernidade é central para compreender os discursos e práticas realizadas na idealização e na construção desse espaço médico em Natal durante os anos 1920.

A modernidade tinha como base a transformação das antigas estruturas, políticas, econômicas e culturais, e a instalação de uma sociedade calcada nas novas ideias científicas, inspiradas no Darwinismo social, no Positivismo de Augusto Comte e no determinismo de Lombroso. Essas ideias da modernidade ressignificaram os espaços da cidade e estabeleceram novas relações entre poder institucional e saber médico. Elas deram o tom do discurso de

22 SEVCENKO, Nicoloau. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In: SEVCENKO,

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formação de uma cidade saudável, limpa, isolando o louco, vacinando o doente e expulsando os desviantes.

O discurso proferido pelo saber médico a partir dos ideais de modernidade foi incorporado pelo poder político, se fazendo presente em diferentes instituições, como escolas, portos, feiras, matadouros e espaços hospitalares. Ele interferiu na organização da sociedade, nos hábitos e nos costumes da população brasileira. O processo de modernização da sociedade, derivado dos novos saberes médicos e da presença da cientificidade na organização da cidade contribuíram para a emergência, de diferentes instituições médicas especializadas, como os leprosários e as colônias. Entendemos esses espaços médicos como intervenção do poder público no processo de organização da cidade saudável e no estabelecimento de uma nova cultura política sanitária, baseada nas ideias higienistas e modernizantes.

A aliança entre o poder político e o saber médico ressignificou as práticas médicas, estabelecendo novas relações entre a doença e a saúde, entre a ciência e a feitiçaria, contribuiu na construção de espaços especializados e discursos que normatizaram as atividades da vida cotidiana, as políticas públicas sanitárias e, consequentemente, o combate à lepra. Novas relações foram instituídas entre saber médico, poder governamental e sociedade, novas práticas foram estabelecidas nas escolas, nos hospitais, na limpeza pública, no papel das mães e da família. Estabeleceram-se novas práticas culturais na sociedade brasileira, uma nova cultura, médica, sanitária e política, foi implantada.

O termo cultura utilizado neste trabalho ganhou diferentes significados nas abordagens historiográficas. Inicialmente, esteve ligado ao cultivo de vegetais e à criação de animais e, por extensão, ao cultivo da mente humana. A partir da introdução do termo cultura nos estudos da antropologia comparada, seu conceito foi ampliado no sentido de entender que não existe uma única cultura na sociedade, mas culturas que coexistem no mesmo espaço e na mesma temporalidade.

Segundo Raymond Williams, o termo cultura pode ser entendido como “[...] modo de vida global distinto, dentro do qual se percebe, hoje, um sistema de significações bem definido não só como essencial, mas como essencialmente envolvido em todas as formas de atividade social”23

. Dessa forma, entendemos que durante o processo de implantação da modernidade

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brasileira, uma nova maneira de se relacionar com a doença e com o doente foi implantada a partir do discurso médico, criando novos espaços, novos estigmas, novas práticas médicas.

Para alguns teóricos da história cultural, as produções realizadas na década de 1970 e 1980 podem ser demarcadas pelo que se intitula de Nova História Cultural. Para Burke24, essa Nova História Cultural teve influência da sociologia e da antropologia, das confluências dos estudos produzidos na Europa e nos Estados Unidos. Essas produções culturais surgiram como resposta à expansão do sentido de cultura, sendo caracterizada pelo zelo com a teoria. Diferente de Burke, Roger Chartier afirma que a produção da História Cultural foi desenvolvida a partir da oposição às abordagens produzidas pela história das mentalidades. Esse seria um termo muito ambíguo para retratar os elementos psicológicos e os elementos sociais de um determinado espaço. Além dessa crítica ao termo história das mentalidades, ele também questiona a forma linear como as produções culturais eram retratadas25. Para o autor, as produções realizadas antes dos anos 1980 não tinham unidade, como também não apresentavam elementos metodológicos suficientes para o embasamento das produções culturais.

Diferentemente de Chartier, Pesavento26 afirma que a Nova História Cultural é um desmembramento da história social e as suas investigações vêm somar com as abordagens já presentes, tendo como um dos campos teóricos a representação. Ela entende que a própria produção da história cultural não passaria de representações de uma determinada sociedade.

Dois conceitos são importantes ao retratar a História Cultural: práticas e representações. Segundo Barros27, as práticas culturais são as formas como as diferentes sociedades reagem a diferentes ações, seja do ponto de vista do aspecto político, econômico ou social. As práticas seriam

[...] não apenas a feitura de um livro, uma técnica artística ou uma modalidade de ensino, mas também os modos como, em uma dada sociedade, os homens falam e se calam, e bebem, sentam-se e andam, conversam ou discutem, solidarizam-se ou hostilizam-se, morrem ou adoecem, tratam seus loucos ou recebem os estrangeiros28.

24

BURKE. Peter. O que é história cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

25 BURKE. Peter. O que é história cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

26 PESAVENTO, Sandra Jatahy. Muito além do espaço: por uma história cultural do urbano. Revista Estudos

históricos, Rio de Janeiro, v .8, n. 16, p. 279-290, 1995.

27

BARROS, José D’Assunção. A nova história cultural: considerações sobre o seu universo conceitual e seus diálogos com outros campos históricos. Cadernos de História, Belo Horizonte, v.12, n. 16, p. 6-38, 2011.

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Com base na definição de práticas culturais, analisar o processo de isolamento dos leprosos em espaços delimitados e construídos para esse fim a partir da História Cultural consiste em indagar além dos aspectos relativos à arquitetura, ou ao processo de construção, mas compreender o discurso proferido sobre esse isolamento, sobre a doença, compreender as práticas médicas instauradas e quem eram os sujeitos que o integravam e como viviam os doentes.

O segundo conceito, as representações, está estreitamente ligado às práticas. As representações geram práticas, assim como as práticas geram representações, ou seja, não existem práticas que não sejam produzidas pelas representações.

A consolidação da classe médica como os grandes salvadores da pátria no século XX, como formadora da nova sociedade brasileira, foi essencial na consolidação das ideias de modernização do país e, consequentemente, nas representações construídas em torno da lepra e da sua profilaxia (baseada no isolamento compulsório dos doentes em leprosários e colônias). Nesse sentido, podemos dizer que o grupo médico se consolidava na sociedade como um importante grupo social, com local de fala e atuação bem determinados.

Os discursos médicos, proferidos sobre a necessidade de construção de um leprosário, a necessidade de exclusão dos leprosos do convívio com o saudável, a presença do saber médico nas diversas instituições, como escolas e entidades filantrópicas, demarcaram o poder das novas ideias higiênicas e o poder médico na sociedade, demonstrando a participação dessas instituições na construção do isolamento em Natal.

O discurso produzido por diferentes grupos e atores sociais durante o combate à lepra, nas primeiras décadas do século XX, é entendido neste trabalho como uma narrativa cultural. O combate à doença e a busca pela saúde criaram novas práticas médicas profiláticas e novos espaços hospitalares, como o Leprosário São Francisco de Assis. Para entender o processo de edificação do isolamento em Natal, bem como as práticas médicas realizadas nessa instituição, utilizei o conceito de cultura política. O estudo do político do ponto de vista cultural é importante porque possibilita compreender os atos dos homens, os sistemas de valores, as crenças, as normas, as representações da sociedade. O combate à lepra no Brasil fazia parte de um conjunto de ações políticas que envolvia diferentes atores sociais.

O termo Cultura Política surgiu da aproximação entre os elementos culturais e os elementos políticos. O alargamento do conceito de cultura possibilitou novas análises baseadas na abordagem cultural, como as análises políticas. Esse termo foi utilizado pela primeira vez nos

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anos 1960, com os trabalhos de Gabriel Almond e Sidney Verba, os estudos tinham como objetivo compreender os aspectos subjetivos ligados aos ideais políticos presentes nas sociedades contemporâneas29.

Jean-François Sirinelli30 define cultura política como um conjunto de símbolos e códigos, seja em uma tradição política ou um partido. Assim, existem várias culturas políticas em um mesmo espaço, se relacionando entre si e criando novas culturas e novas ideias. Berstein31 retrata que a cultura política permite adaptar as diferentes complexidades dos comportamentos humanos dentro da sociedade, já que existe uma pluralidade de culturas políticas convivendo no mesmo tempo e espaço. A República brasileira, especificamente entre os anos de 1910 a 1930, pode ser caracterizada pela pluralidade de grupos políticos que atuavam em diferentes espaços, grupos com culturas políticas diversas que se mesclavam e se adaptavam entre si. O processo de implantação do leprosário, bem como as práticas de combate à lepra, tornou-se parte do plano de governo, no qual o saber médico e o poder político se entrecruzavam em Natal. O combate à epidemia da lepra tornou-se um elemento indispensável para a efetivação das políticas sanitárias e símbolo da preocupação política do período.

O conceito de cultura política é utilizado neste trabalho para defender a ideia de que a ação do poder público e o discurso médico, através dos seus agentes, presente nas primeiras décadas do século XX, possuía uma cultura política própria, proveniente do grupo político que fazia parte, do conceito de modernidade que defendiam e do local de fala.

As culturas políticas surgem de uma necessidade da social, uma resposta aos problemas enfrentados. Nas primeiras décadas do século XX, as estruturas sociais brasileira sofreram transformações importantes na sua forma política, na concepção do que seria uma sociedade ideal, da relação entre saúde e poder político. Esses elementos propiciaram a construção de novos elementos culturais, em especial o fortalecimento do poder médico nas estruturas políticas e o desenvolvimento do conceito de saúde.

As culturas se materializam por meio dos discursos e dos símbolos. O discurso, como portadores das ideias, da materialização da sua identidade, e os símbolos, no nível dos gestos e das representações visuais das ideias. Portanto, se faz de grande importância analisar as

29 BARROS, José D’Assunção. A nova história cultural: considerações sobre o seu universo conceitual e seus

diálogos com outros campos históricos. Cadernos de História, Belo Horizonte, v. 12, n. 16, 2011.

30

BERSTEIN, Sérgio. A cultura política. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François. Para uma história

cultural. Lisboa: Estampa, 1998.

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práticas e os discursos presentes nas primeiras décadas na cidade do Natal no processo de construção e no funcionamento do Leprosário São Francisco de Assis.

Esse isolamento tornou-se um importante espaço médico da cidade, local de simbologias e de práticas. O espaço é uma instância que recebe diferentes significados nos trabalhos científicos, aqui utilizaremos a ideia de espaço como produção cultural, que ganha significado a partir das práticas instituídas e das simbologias construídas pela sociedade e pelos seus praticantes. Para Certeau, o espaço é praticado e experenciado pelos indivíduos de diferentes formas32. Utilizo a sua ideia de espaço praticado no sentido de afirmar que cada interno vivenciou o isolamento e experenciou os diferentes espaços da instituição de forma singular. Médicos, pacientes e funcionários praticaram o espaço e criaram simbologias próprias sobre a instituição de isolamento.

As cidades são organizadas segundo o discurso dos não praticantes do seu espaço, a partir da visão dos planejadores, seguindo um plano racional, excluindo do campo de visão qualquer poluição ou mal que pudesse prejudicar a cidade ideal e a formação de um sujeito único, modelar. A cidade republicana, baseada nas ideias de modernidade, foi planejada para se transformar na cidade ideal, limpa, moderna, racional, com indivíduos civilizados. Ela instaurou uma nova ordem simbólica, uma cidade conceito, com novos espaços. Natal sofreu o processo de organização do seu espaço, sendo exaltado o que era tido como saudável e excluindo-se o que era impuro e doente. O Leprosário São Francisco de Assis inseriu-se nessa organização, sendo o espaço da exclusão dos impuros, dos leprosos.

O Leprosário São Francisco de Assis e as suas fontes

O trabalho de investigação da História situa-se entre o tempo do objeto e o tempo do investigador33. Essa afirmação da historiadora Carla Boto leva-me a pensar sobre a produção histórica e as interferências que essa escrita sofre no tempo e no espaço em que está inserida. Dessa forma, não é intenção deste trabalho abarcar todos os aspectos relativos ao combate à lepra no Rio Grande do Norte, mas trata-se de uma produção pertencente ao seu tempo.

32

CERTEAU, Michael. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2008.

33 Para mais informações, ler: BOTO, Carla. Nova história e seus velhos dilemas. Revista USP, São Paulo, n. 24, p.

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O campo de investigação da história da saúde e da doença é bastante amplo, com diferentes abordagens e enfoques, no entanto, as pesquisas referentes à História da Saúde e da Doença sobre o Rio Grande do Norte ainda se encontram em menor número. Diante das questões propostas, foi necessário realizar uma pesquisa bibliográfica ampla sobre as trajetórias médicas no início da República, conhecer outros leprosários construídos no Brasil, se debruçar sobre as políticas de combate à lepra instauradas em diferentes temporalidades. Essas informações, obtidas a partir da leitura sistematizada desses temas, foram de grande importância, pois possibilitaram fechar algumas lacunas deixadas pela documentação a que tive acesso e também compreender a organização institucional à qual o Leprosário São Francisco de Assis estava subordinada.

O combate à lepra fez parte da política sanitária nacional, estando presente em todo o território brasileiro. Assim, a lepra, como outras doenças entendidas como problema nacional, ganharam uma atenção especial das políticas públicas em diferentes temporalidades, com inspetoria própria, congressos, notificação compulsória e tratamento específico. Dessa forma, é importante compreender a construção do aparato institucional elaborado para combater o grande mal que assolava o país. Diante dessa questão indago: quais eram os órgãos institucionais presentes nesse período? Quais os regulamentos e leis que organizavam o serviço de combate à lepra e a instalação do Leprosário São Francisco de Assis? Quais os dados oficiais sobre os doentes?

Para responder a esses questionamentos, utilizamos um conjunto documental de natureza administrativa que engloba discursos médicos – participantes da Comissão Pró-leprosário, principais leprologistas e participantes dos congressos médicos durante os anos de 1923 a 1941; fala dos principais agentes políticos, presidentes do Estado, diretor do Departamento Nacional de Saúde, diretor do Leprosário São Francisco de Assis e de outras instituições médicas; leis, decretos e resoluções que demarcaram e regulamentaram o isolamento dos doentes; mensagem dos Presidentes do Estado do Rio Grande do Norte.

Além do aparato institucional, foi importante compreender os discursos presentes na construção do Leprosário São Francisco de Assis, observando: quem idealizou; quais os recursos utilizados; como a sociedade participou dessa construção. Dessa forma, utilizamos os jornais de diferentes localidades publicados no período entre os anos de 1910 e os de 1950, para compreender as falas e os discursos retratados pelos médicos e pelo poder público e entender

(30)

como a construção e o funcionamento do Leprosário São Francisco de Assis foram demonstrados e enfatizados nesses períodos.

Outro conjunto documental utilizado foram os documentos presentes no arquivo do leprosário. Esse arquivo conta com uma vasta documentação que compreende um recorte temporal de 1926 até 1998. A partir do estudo dessa vasta documentação, pude compreender, de forma mais ampla e aprofundada, funcionamento do hospital e quem eram seus internos.

Esse arquivo apresenta dois tipos de documentos principais: o primeiro deles corresponde aos documentos administrativos, como dados dos funcionários, transações financeiras, dieta alimentar dos internos e projetos sociais implantados na instituição. O segundo grupo de documentos corresponde aos prontuários médicos dos pacientes, que denominei de prontuários médicos. Esse corpo documental foi objeto de análise deste trabalho. Ele é formado por uma série de documentos de distintas temporalidades e com diferentes nomenclaturas: ficha clínica dos pacientes dos anos de 1926 a 1930, que corresponde aos primeiros internos da instituição. Ela apresenta nome do paciente, idade, local de origem, como contraiu a doença, os primeiros sintomas, profissão e o resultado do exame da mucosa nasal com o tipo de bactéria que o indivíduo estava contaminado; fichas clínicas de 1930 a 1960, fichas dos pacientes que foram internados nesses anos, registram as principais características do doente, nome, idade, altura, estado civil, situação da doença. Diferente das primeiras fichas, essas possuem a preocupação de registrar a situação social do indivíduo, o tipo de casa, profissão que exercia e todo o antecedente familiar do doente.

Além desses documentos, também estão presentes dois tipos de fichas de avaliações médicas dos doentes produzidas entre os anos 1930 a 1960: O primeiro grupo é formado por um conjunto de fotografias, o qual demonstra as principais deformidades físicas causadas pela bactéria e o tipo de tratamento a que o paciente foi submetido. O segundo tipo corresponde às avaliações realizadas pelos médicos no corpo dos doentes através de desenhos e símbolos que demonstram o grau e a evolução da incapacidade do corpo.

Por meio do estudo desse corpo documental, pude identificar quem foram os internos dessa instituição, qual a situação econômica, quem eram os seus familiares, qual o período de entrada e de saída, quantas fugas foram registradas. Também foi possível investigar as práticas médicas desenvolvidas no interior do isolamento, observando alguns aspectos como: os procedimentos para a elaboração do diagnóstico do doente, os exames realizados, os médicos

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presentes nessa instituição, o tratamento desenvolvido, a forma como os enfermos contraíam a bactéria, os níveis de infecção, os níveis de incapacidade física, o período de permanência na instituição, altas hospitalares.

Entre os documentos que englobam o que denominei de prontuário médico, também há fichas de notificação compulsória dos anos de 1920 e 1930. Apesar de ser formada por um grupo reduzido de fichas, a análise desses documentos possibilitou compreender como ocorria a notificação dos leprosos no Estado, quais os dados registrados, quem foram os doentes notificados e quem realizava a notificação dos casos de lepra denunciados.

O arquivo ainda conta com fotografias do período da inauguração das dependências do Leprosário São Francisco de Assis e das casas ocupadas por alguns internos. A planta baixa do isolamento datada da década de 1970 apresenta o modelo arquitetônico do leprosário e as várias interferências arquitetônicas realizadas em suas dependências. Esses documentos foram utilizados para compreender os elementos físicos presentes no seu edifício, as partes que formavam o isolamento, como eram as dependências e as suas estruturas.

A análise desse corpo documental também nos apresenta outra questão, as diferentes nomeclaturas que essa instituição adquiriu durante a sua trajetória. No primeiro momento, foi chamada de Leprosário, logo após Colônia São Francisco, Colônia Agrícola e Vila São Francisco. É importante investigar a relação dessas denominações com o tipo de tratamento realizado, a política nacional de combate à lepra implantada e o conceito médico do isolamento.

Entendemos que todas as fontes utilizadas neste trabalho possuem um local de fala e uma intencionalidade ao ser produzida. Não existe trabalho de História sem a análise das fontes e sem as perguntas que o historiador realiza. No processo de análise do material, respeitamos o local de produção e a sua intencionalidade, já que os documentos históricos são fruto da prática social da sociedade que o produziu.

O presente trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro capítulo, A construção

do Leprosário São Francisco de Assis, aborda a construção do Leprosário São Francisco de

Assis, procurando responder as seguintes questões: qual o local escolhido para instalação do leprosário? Por quê? Quem financiou a construção? Qual o modelo arquitetônico empregado? Quais as suas dependências e como foram construídas? Existiam semelhanças entre o Leprosário São Francisco de Assis e os demais leprosários no Brasil?

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O segundo capítulo, Os internos do Leprosário São Francisco de Assis, discute quem foram os sujeitos que vivenciaram o isolamento compulsório no Leprosário São Francisco de Assis. Dessa forma, buscamos compreender quem eram os internos, qual a sua origem, a situação econômica, a profissão que exercia, quantos anos permaneceram na instituição, quem era a família, qual o tipo de acomodação tinha no leprosário.

O terceiro e último capítulo, As práticas médicas desenvolvidas no Leprosário São

Francisco de Assis, busca compreender quem foram os profissionais que atuaram no isolamento,

qual o pensamento desses médicos, quais as práticas médicas utilizadas, como ocorria a identificação dos doentes, de que forma eram realizados os exames, o diagnóstico e a evolução dos enfermos.

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