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A prática profilática implantada no combate à lepra no isolamento potiguar

CAPÍTULO 3 AS PRÁTICAS MÉDICAS DESENVOLVIDAS NO LEPROSÁRIO SÃO

3.3 A prática profilática implantada no combate à lepra no isolamento potiguar

A lepra, durante todo o século XIX e o século XX, foi caracterizada por ser uma doença transmissível, sem cura e com grande estigma social. Sua profilaxia foi baseada no isolamento compulsório dos doentes em leprosários e colônias. Com o aprimoramento da

274 Não foi possível identificar no momento da pesquisa as características das formas do bacilo de Hansen que foram

utilizadas no processo de classificação do Leprosário São Francisco de Assis.

275 Atualmente, a Hanseníase se divide em quatro tipos: indeterminada, tuberculoide, virchowiana e dimorfa. De

modo geral, as lesões maculares caracterizam as fases iniciais da doença (hanseníase indeterminada). Ocorrendo resistência imunológica, o quadro evolui para uma forma mais resistente (hanseníase tuberculoide), caracterizadas por lesões pouco numerosas, circunscritas e bem delimitadas. Não havendo resistência, o quadro torna-se forma grave da doença (hanseníase virchowiana), evidenciando-se por lesões numerosas, de coloração ferruginosa, difusa e de limites imprecisos, sem possibilidade de cura espontânea. A presença de lesões circunscritas e difusas simultaneamente caracteriza a hanseníase dimorfa. As lesões neurológicas ocorrem em qualquer das formas clínicas e, na maioria dos casos, antecedem os sintomas cutâneos.

276 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE. Tratado de leprologia: história da lepra no Brasil e sua

química, da física e dos novos estudos científicos sobre bactérias, desenvolveu-se uma profilaxia dentro dos leprosários e das colônias no Brasil. A primeira medida profilática instituída no Brasil foi o conhecimento de todos os leprosos e a notificação desses indivíduos.

Segundo o Regulamento Sanitário de 1923, todos os indivíduos que tivessem contato com leprosos ou que, por alguma evidência, fossem um possível caso positivo da doença, deveriam ser acompanhados e notificados compulsoriamente:

[...] consistia, em linhas gerais, na notificação obrigatória, como a prescrita para outras doenças infecciosas; no exame periódico dos comunicantes, como meio de descobrir novos casos; e no isolamento nosocomial em colônias ou mesmo em domicílio, desde que cumprindo uma série de condições. Os doentes e os comunicantes deveriam seguir rigorosamente as prescrições do regulamento e as exigências da autoridade sanitária. Os comunicantes seriam submetidos a exames periódicos, até que se confirmasse um novo caso ou que se tornasse negativo277.

Sem conhecimento específico sobre a bactéria causadora do mal do Hansen, a prática médica empregada nos asilos e colônias consistia no acompanhamento dos doentes e na utilização de elementos químicos, como o óleo de chaulmoogra e injeções de antileprol. O óleo de chaulmoogra era um composto muito utilizado na Ásia no tratamento de doenças de pele, entre elas a lepra. Essa prática foi incorporada pelo Império Britânico, por volta do século XIX, em instituições médicas indianas. A partir da utilização desse óleo em práticas curativas populares, os cientistas e médicos ocidentais passaram a manusear esse material em laboratório a partir dos preceitos científicos da bacteriologia e da microbiologia. A utilização do óleo de chaulmoogra no Ocidente só foi possível a partir de uma criação de rede de saberes científicos baseada em elementos culturais ocidentais:

a chaulmoogra, para ser reconhecida como um medicamento passível de ser prescrito pela medicina ocidental, deveria ser avaliada dentro do padrão científico, vigente na época, sendo assim dissociada da sua rede tradicional de saberes, a qual inclui tanto as práticas intrínsecas ao sistema médico indiano, quanto as matrizes culturais e sociais que o envolvem. Sua assimilação somente

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CUNHA, Vivian da Silva. O isolamento compulsório em questão: política de combate à lepra no Brasil (1920 e 1945). 2005. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – História das Ciências e da Saúde, Casa de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, 2005. p. 48.

se concluiu na medida em que foi construída uma nova rede calcada nos valores dessa rede278.

No Brasil, a utilização desse óleo como medida profilática no tratamento da lepra também foi embasada por uma série de valores científicos, sobretudo durante a década de 1930, através de instituições científicas, especialmente o Centro de Leprologia no Brasil. Essa instituição desenvolveu várias atividades de pesquisa sobre a lepra, dentre elas estudos epidemiológicos, análises bacteriológicas e produção de ácidos a partir do óleo de chaulmoogra. Também, em conjunto com a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e o Instituto Oswaldo, ofertou o Curso de Leprologia, formando noventa médicos especialistas em lepra durante os anos de 1936 e 1937.279

No entanto, o óleo de chaulmoogra no Brasil foi utilizado desde o início do isolamento dos doentes exclusivamente para o tratamento da lepra. Inicialmente, esse óleo foi empregado externamente no corpo, sendo aplicado nas úlceras e nas manchas dos doentes. De acordo com Santos,

[...] esse medicamento foi, inicialmente, administrado externamente, com a aplicação direta do óleo sobre as úlceras, numa replicação do modo de usar tradicional do Oriente. A aplicação externa revelava resultados limitados no tratamento da doença, e o uso interno, embora fosse mais efetivo, tornava-se de difícil utilização pelo fato de que o óleo era mal tolerado pelo organismo, causando vômitos, diarreia e problemas gástricos. Ou seja, a efetividade do remédio estava limitada pela tolerância do aparelho digestivo do doente, levando médicos, químicos e farmacêuticos a aperfeiçoarem os medicamentos derivados280.

Com a busca pelo aperfeiçoamento da utilização dos compostos de chaulmoogra, no final do século XIX, os médicos produziram injeções utilizando essa planta. Essas injeções eram aplicadas de forma intramuscular ou subcutânea. Assim, posso afirmar que a utilização do óleo de Chaulmoogra – nas suas diversas formas, seja em óleo, em banhos, em cápsulas ou injeções –

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SANTOS, Fernando Sergio Dumas; SOUZA, Letícia Pumar Alves de; SIANI, Antonio Carlos. O óleo de chaulmoogra como conhecimento científico. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 29-47, jan.-mar. 2008.

279 CUNHA, Vivian da Silva. O isolamento compulsório em questão: política de combate à Lepra no Brasil (1920

e 1945). 2005. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – História das Ciências e da Saúde, Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2005.

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SANTOS, Fernando Sergio Dumas; SOUZA, Letícia Pumar Alves de; SIANI, Antonio Carlos. O óleo de chaulmoogra como conhecimento científico. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 29-47, jan.-mar. 2008.

constituiu a base do tratamento dos leprosos nos Brasil até a década de 1940, momento de utilização das sulfonas. Para Maciel, “o óleo de Chaulmoogra, foi a forma menos agressiva de tratamento e que apresentou menores complicações nos pacientes e, por esta razão, era consenso entre os médicos.”281 No entanto, a utilização desse tratamento gerava pânico entre os pacientes, por diversos motivos: a dor causada pela injeção, o desconhecimento sobre a prática médica e as reações locais, como febre, dores e mal-estar.282

Apesar de o óleo de chaulmoogra ser utilizado desde fins do século XIX, não se evidenciou registros de aplicação desse elemento químico nos primeiros internos do Leprosário São Francisco de Assis. Essa ausência de terapêutica científica pode ser associada ao estado avançado de infecção em que se encontravam os doentes, como também à função inicial do Leprosário São Francisco de Assis, que era a de recolher os doentes que oferecessem grande perigo para a sociedade. A utilização da terapêutica científica verificada na Mensagem do Presidente de Estado (lida na Assembleia Legislativa, em 1929, por Juvenal Lamartine) retratava a utilização dos mais modernos medicamentos no tratamento da lepra: “[...] os doentes são convenientemente medicados e os medicamentos empregados no tratamento delles são os mais modernos e de maior efficacia”283

. Esses medicamentos eram compostos do óleo de Chaulmoogra e de injeções de antileprol. Naquele ano a farmácia do Hospital Juvino Barreto produziu mil novecentos e vinte e nove injeções de antileprol, número considerável diante do total de internos dessa instituição. Pode-se inferir que as injeções eram realizadas de forma frequente nos doentes isolados no leprosário. Além disso, esse dado revela a existência de doentes notificados que utilizavam esse medicamento por meio do isolamento domiciliar.

Ainda segundo a Mensagem apresentada por Juvenal Lamartine nesse mesmo ano, o tratamento realizado no Leprosário São Francisco de Assis consistia nos melhores tratamentos, podendo os internos adquirir o benefício de voltar a viver em sociedade. O Presidente do Estado retratou:

281 MACIEL, Laurinda Rosa. Em proveito dos sãos, perde o lázaro a liberdade: uma história das saúdes públicas

de combate à lepra no Brasil (1941-1962). 2007. 380f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007. p. 111.

282 RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Exmo. Dr. Juvenal Lamartine de Faria, Presidente do

Estado do Rio Grande do Norte à Assembleia Legislativa, por ocasião da abertura da terceira sessão da décima terceira legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1929, p. 67.

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RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Exmo. Dr. Juvenal Lamartine de Faria, Presidente do Estado do Rio Grande do Norte à Assembleia Legislativa, por ocasião da abertura da terceira sessão da décima terceira legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1929.

Actualmente há doentes tão melhorados que poderão ter alta daqui há algum tempo. Nesse caso, elles ficarão obrigados a comparecer a repartição competente, pelo menos duas vezes por anno, afim de serem submetido a inspecção de saúde. A alta para elles terá naturalmente o effeito de um livramento condicional284.

Apesar de a lepra ser considerada uma doença sem cura, a partir da década de 1930, com a utilização de novos compostos químicos, a alta dos internos passou a ser visível nos isolamentos brasileiros, sobretudo no Leprosário São Francisco de Assis. O médico Varella Santiago defendeu a cura dos doentes em entrevista concedida ao Jornal do Brasil.285

O aperfeiçoamento químico do óleo de chaulmoogra apontou para a produção de novas substâncias, como os ésteres etílicos de chaulmoogra, obtidos a partir do álcool e do ácido sulfúrico. Souza-Araújo, durante os anos 1930, defendeu o tratamento da lepra a partir da utilização de várias substâncias, como o uso de sais e outros ácidos químicos aliados ao óleo de chaulmoogra. Esse médico propunha a utilização do que ele chamou de tratamento eclético, baseado em ácidos e sais:

Souza Araújo recomendava, como medicação interna, o uso de dois a oito comprimidos de sais sódicos, preparados com os ácidos totais do óleo de Hydnocarpus whigtiana; por via hipodérmica, recomendava duas ou três injeções de éster etílico do óleo de chaulmoogra por semana; nas úlceras, infiltrações e lepromas, recomendava três a quatro aplicações mensais de galvano-cautério; sobre as lesões tratadas com o galvano, e sobre todas as outras, deveriam ser pincelados solutos de ácido tricloracético. Como tratamento complementar, indicava o uso de tônicos, tais como arsênico e óleo de fígado de bacalhau creosotado, entre outros, além do uso periódico de laxantes e de diuréticos. Fazia-se necessário, também, um regime de farta alimentação, exercícios e repousos metódicos286.

A partir das ideias propostas por Souza-Araújo, o tratamento dos leprosos deveria seguir um conjunto de ações, como: utilização de ácidos, alimentação adequada e realização de atividade física, todos eles baseados em ideias cientificistas. No Leprosário São Francisco de Assis, o tratamento dos doentes utilizava os compostos químicos antileprol e éster, presentes,

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RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Exmo. Dr. Juvenal Lamartine de Faria, Presidente do Estado do Rio Grande do Norte, à Assembleia Legislativa, por ocasião da abertura da terceira sessão da décima terceira legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1929, p. 67.

285 JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 03 de julho de 1929, p. 2. 286

SANTOS, Fernando Sergio Dumas; SOUZA, Letícia Pumar Alves de; SIANI, Antonio Carlos. O óleo de chaulmoogra como conhecimento científico. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 29-47, jan./mar. 2008, p. 36.

sobretudo, a partir de 1936. A partir dessas informações, posso inferir que o tratamento utilizado no isolamento potiguar seguia os preceitos médicos e científicos nacionais, bem como as recomendações proclamadas pelo doutor Sousa-Araújo.

O tratamento realizado no Leprosário São Francisco de Assis pode ser verificado na ficha clínica do paciente Santos Marcolino, internado em quinze de março de 1929, permanecendo nessa instituição até onze de junho de 1940, quando recebeu alta hospitalar. Segundo consta na sua ficha, o paciente recebeu o seguinte tratamento médico: “De 936 para cá vem fazendo uso de antilebricos, esters iodados em injeções em doses e infiltrações intradermicas nas manchas eritematosas em doses entre 15 a 20 cc semanais”287

.

Ainda segundo a sua ficha clínica, o resultado obtido a partir do uso dos antilebricos e ácidos foi descrito como: “o seu mal vem gradativamente regredindo, apezar da irregularidade do tratamento na fase de 1930 a 1936. Desaparecimento das manchas eritematosas, persistindo alguns lepromas maiores tuberculosos”288

. O tratamento do paciente Hermildo Lucas de Oliveira, internado em vinte e cinco de abril de 1929, foi retratado da seguinte forma: “de 929 até mais de 936 vinha fazendo uso de medicação de chaulmoogra numa media de 1,5 a 3 cc”289

. Já o paciente José Pedro do Nascimento, internado em dez de maio de 1929, recebeu como tratamento quarenta e seis injeções de antileprol e óleo de chaulmoogra de forma gástrica.290

Assim, como pode ser verificado no relato médico, até a inauguração oficial do leprosário não existiu nenhuma prática profilática realizada com os internos que foram isolados nesse estabelecimento. Durante os três primeiros anos de isolamento, a medida profilática resumia-se exclusivamente no recolhimento dos doentes que ameaçavam a saúde da população. Somente a partir de 1929, iniciou-se uma prática médica profilática direcionada a redução dos sintomas, realizada de maneira irregular e inconsistente. A profilaxia no leprosário consistia na utilização de compostos químicos de antileprol e ampolas de compostos de chaulmoogra ministrados mensalmente. Após 1936, com a presença de novos compostos químicos, o tratamento dos doentes realizado no Leprosário São Francisco de Assis passou a ser mais intenso, utilizando injeções semanais nas regiões das manchas e úlceras, ésteres e compostos de chaulmoogra.

287 LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº125. 288

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº125.

289 LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 77. 290 LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 84.

Analisando as fichas clínicas presentes no Arquivo do Leprosário São Francisco, observa-se que as informações presentes nelas foram produzidas de maneira contínua, o que nos permite concluir que regularmente os médicos realizavam supervisão dos doentes. Essa prática de acompanhamento dos doentes será chamada neste trabalho de revisão clínica, como foi denominada na documentação oficial do isolamento, ocorrida a partir de 1936. Essa revisão médica seguia os mesmos procedimentos realizados no período de entrada do doente no isolamento, como o exame bacteriológico da mucosa nasal e a análise do corpo do doente.

No processo de análise do corpo do doente pelo médico, a revisão clínica ganhou um novo elemento: a necessidade de registrar a presença da doença e as suas características. Os graus de incidência das manchas, das ulcerações e lesões da pele eram registrados em um desenho do corpo humano. Para cada tipo de lesão e evolução da doença, os médicos utilizavam um símbolo especifico291. Esse processo avaliativo passou a ser realizado de forma contínua, registrando a evolução da doença ou a sua cura clínica. Em alguns pacientes, verificou-se a presença do exame anual, enquanto em outros doentes o exame era realizado com um espaço de tempo maior.

A presença da revisão médica no isolamento foi associada à utilização de compostos químicos, desenvolvidos ao longo das décadas de 1930 e 1940. A partir da utilização regular dos medicamentos e das práticas realizadas no interior do isolamento, os doentes poderiam chegar à cura recebendo alta do isolamento. A ideia de o doente alcançar a cura, durante os primeiros anos do século XX, era entendida como algo impossível, contudo essa concepção sofreu modificação entre a classe médica a partir da década de 1930. No entanto, o processo de cura dos leprosos seguia uma série de padrões científicos e práticas médicas estabelecidas nas instituições de isolamento. Segundo o Serviço de Profilaxia da Lepra de São Paulo, de acordo com o Dr. Nelson de Souza Campos, a cura do leproso seguia vários procedimentos, como o tempo de infecção, a idade do doente, o estado da doença em seu corpo, o período que estava em tratamento e a profilaxia desenvolvida. De acordo com esse médico, o tempo estimado para ser curado da doença do mal de Hansen era de aproximadamente seis anos e, mesmo após a alta da instituição de isolamento, o doente era obrigado a realizar exames periódicos, sob a vigilância médica292. O tratamento da lepra realizado nessas instituições seguia os preceitos científicos proclamados no

291 Ver Imagem 9.

292 BECHELLI, Luiz Marinho. Simpósio sobre a epidemiologia e a profilaxia da lepra (1933-1954). Revista

período, baseados em exames científicos comprobatórios, análise do médico (o único capaz de identificar essa evidência) e o uso de compostos químicos adequados.

No Leprosário São Francisco de Assis, foi identificada a presença da alta dos doentes, no entanto não existem documentos retratando explicitamente os procedimentos médicos para a liberação do interno da instituição. A partir das fichas clínicas individuais, inferi que esse procedimento seguia os mesmos caminhos proclamados pelo Dr. Nelson de Souza Campos, em São Paulo: verificação do corpo do doente, resultado do exame bacteriológico, idade de entrada na instituição e utilização dos compostos químicos.

A leprosa Maria de Lourdes Lima, internada em nove de dezembro de 1929, aos dez anos de idade, foi uma das internas que recebeu alta do isolamento potiguar em vinte e dois de dezembro de 1930. Segundo os dados presentes na sua ficha clínica, Maria de Lourdes Lima realizou o exame da mucosa nasal no momento da internação, sendo positivo para o bacilo de Hansen. No seu corpo foram identificadas diversas manchas nos braços, nas pernas e no dorso, no entanto, não apresentava infiltrações, zonas de anestesia e úlceras no seu corpo293. Apesar de possuir a bactéria no seu organismo e apresentar sintomas da lepra, a paciente recebeu alta do isolamento. Posso inferir que esse benefício ocorreu devido à idade que Maria de Lourdes apresentava e ao fato de não possuir zonas de infiltrações e regiões com anestesia, como retratou o médico: não apresentava manchas sensíveis.294

No entanto, Maria de Lourdes foi reinternada em quinze de dezembro de 1932, dois anos após a sua alta hospitalar. Diante dos dados, posso inferir que os internos que adquiriam o benefício da alta no Leprosário São Francisco de Assis eram acompanhados pelo Serviço de Saneamento Rural e pelos médicos, por meio dos exames das suas manchas e do teste bacteriológico. O retorno de Maria de Lourdes ao isolamento potiguar confirma o que foi retratado pelo Presidente do Estado Juvenal Lamartine em discurso proferido na Assembleia Legislativa:“elles [os doentes de lepra] ficarão obrigados a comparecer a repartição competente, pelo menos duas vezes por anno, afim de serem submetido a inspecção de saúde”295

. A alta hospitalar condicionava o leproso a realizar exames periódicos e sofrer inspeção médica para

293 LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 105 294 LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 105.

295 RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Exmo. Dr. Juvenal Lamartine de Faria, Presidente do

Estado do Rio Grande do Norte, à Assembleia Legislativa, por ocasião da abertura da terceira sessão da décima terceira legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1929, p. 67.

avaliar a evolução da doença no corpo. A reinternação de Maria de Lourdes comprova que, caso a doença continuasse a evoluir, o leproso seria submetido novamente ao isolamento.

A evolução das manchas no corpo era um dado importante na evidência do tratamento e no processo da alta hospitalar. O paciente Santos Marcolino foi internado com dez anos de idade e permaneceu isolado a década de 1940. A partir do tratamento realizado no interior do isolamento São Francisco de Assis, os seus resultados foram apresentados como: “o