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Os leprosários construídos no Brasil na década de 1920

CAPÍTULO 1 A CONSTRUÇÃO DO LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS

1.4 Os leprosários construídos no Brasil na década de 1920

A partir da década de 1920, a Diretriz Nacional de combate à lepra foi baseada no isolamento dos doentes em colônias agrícolas, com o intuito de estabelecer condições físicas e sociais para os leprosos manterem uma vida confortável e digna. Seguindo esse parâmetro, verificamos a construção de alguns leprosários no Brasil durante os anos de 1920. Entre os principais leprosários e colônias construídos, podemos destacar três: Lazarópolis do Prata, primeiro leprosário construído no Brasil; Leprosário São Roque, construído dentro das ideias de modernidade; e Asilo Santo Ângelo, considerado um leprosário modelo.

Esses espaços hospitalares foram construídos seguindo a mesma diretriz nacional do Leprosário São Francisco de Assis. Dessa forma, é importante compreender as características dos demais leprosários construídos no Brasil, para analisar as semelhanças e as diferenças existentes entre esses espaços e o Leprosário do Rio Grande do Norte.

O primeiro modelo de colônia agrícola do país foi construído no Pará, a Lazarópolis do Prata. Inaugurado em vinte e quatro de junho de 1924, através da parceria ente estado e união, teve à frente da instituição o médico Souza-Araújo. O Pará contava com um alto número de casos de lepra notificados entre a sua população, em torno de dois mil leprosos. Diante do número de indivíduos contagiados, era urgente a necessidade de uma edificação para isolar os doentes. De acordo com Souza-Araújo, essa colônia, que seria modelo para as demais construções de isolamento, tinha grandes dimensões, com área de um quilômetro quadrado e com capacidade para abrigar em torno de trezentos leprosos83.

A Lazarópolis da Prata, como o seu nome indica, foi construída baseada na ideia de uma cidade dos lázaros, uma colônia agrícola. A sua administração inicialmente era exercida pelos próprios leprosos, eles eram os governadores da cidade, com eleição e estatuto próprio. Aqueles mais abastados possuíam o direito de se isolar nos pavilhões oficiais ou em casas exclusivas construídas e administradas financeiramente pelo seu dono. Esse isolamento apresentava uma base semelhante à de um plano urbanístico de cidade, com ruas e prédios bem distribuídos e ordenados.

83 SOUZA-ARAÚJO, Heraclides Cezar. Lazarópolis do Prata: a primeira colônia agrícola de leprosos fundada no

Em São Paulo, os leprosários começaram a ser edificados antes da década de 1920, o funcionamento desses espaços era baseado na ideia do asilo, sob a responsabilidade da igreja e de alguns grupos de filantropia. Entre esses locais de isolamento, podemos citar a Santa Casa da Misericórdia, que atendeu grande parcela dos leprosos do Estado de São Paulo, e o Hospital de Lázaros, que funcionava na cidade de São Paulo e a partir de 1903 teve como médico responsável José Lourenço de Magalhães, mas ainda contava com a participação das irmãs da Santa Casa de Misericórdia.

Além da participação da igreja no combate à lepra, São Paulo também se destaca pela participação da sociedade no combate a essa epidemia. Entre as principais organizações, podemos destacar a Associação Protetora dos Morféticos, fundada em 1917, que tinha como missão prestar caridade aos leprosos que estivessem isolados ou não. Sua ajuda tinha duas direções principais: a caridade aos doentes infectados e a ajuda à Santa Casa de Misericórdia, de maneira material e espiritual.

A discussão sobre a fundação de uma colônia de leprosos, como se defendia durante a década de 1920, teve início em 1918, no Oitavo Congresso Brasileiro de Medicina, ocorrido no Rio de Janeiro. Apesar de essas ideias terem surgido ainda no ano de 1918, elas apenas foram materializadas com a inauguração, em três de maio de 1928, do Leprosário Santo Ângelo, localizado em Mogi das Cruzes.

O Santo Ângelo foi construído baseado na ideia de oferecer todos os serviços existentes dentro da cidade no espaço do isolamento. Assim, a ideia era construir uma cidade dentro da cidade. Nesse leprosário, seguiu-se uma estrutura hierarquizada, com disciplina, trabalho e moralidade entre todos os internos. Segundo a Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra de São Paulo, o Santo Ângelo era um leprosário modelo, um monumento soberbo em prol dos leprosos que tanto tempo viveram à margem da sociedade.84

Além do Leprosário Santo Ângelo, podemos destacar o Leprosário São Roque, inaugurado no ano de 1926, no Paraná. A partir dos dois mandatos do Presidente do Estado Caetano Munhoz da Rocha, várias obras foram realizadas no Estado, entre elas a construção do Leprosário São Roque, incluindo o combate à lepra como ação efetiva do governo. Construído no município de Deodoro, atual Piraquara, distante vinte e cinco quilômetros de Curitiba, a sua

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MACIEL, Laurinda Rosa. Em proveito dos sãos, perde o lázaro a liberdade: uma história das saúdes públicas de combate à lepra no Brasil (1941- 1962). 2007. 380 f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.

localização seguiu fatores técnicos e geográficos, como: um número pequeno de habitantes, a ligação da região com Curitiba pela estrada de ferro, a abundância da água e, por fim, a ventilação constante da região, além da baixa produtividade dos terrenos e da pouca valorização da região.

Seguindo as ideias científicas e modernas, o Leprosário São Roque foi edificado a partir de arquitetura pavilhonar baseada na vigilância e nos preceitos de higiene defendidos nesse período. A sua estrutura deveria reconstruir os serviços presentes na cidade, proporcionando ao enfermo condições de morar e, até, trabalhar numa cidade, com atividades de trabalho e divertimento. Sua estrutura contava com um pavilhão central para atender aos leprosos, administração, consultórios médicos, salas de trabalho para os internos da instituição, além de espaço para lazer, áreas destinadas à agricultura, à criação de animais, igreja, cinema, praça e campo de futebol e de lugares específicos para aposentos particulares. Dessa forma, o princípio do isolamento era permitir que os internos mantivessem uma vida normal como qualquer outro indivíduo saudável, o objetivo das instituições de isolamento era criar uma cidade dentro cidade, assim como implantado no Leprosário Santo Ângelo.85

Caetano Munhoz Rocha, Presidente do governo do Paraná, descreveu o Leprosário São Roque como um grande pavilhão central que dá acesso às outras dependências, como a administração, o consultório médico, a sala de curativos e farmácia. Esse mesmo pavilhão também se ligava com a capela e o refeitório. Outros pavilhões eram destinados às enfermarias, salas de trabalhos, rouparia, e sala de observação. Também existiam aposentos particulares distribuídos de acordo com o sexo, a idade e a posição social. O edifício ainda possuía quarenta grupos de casas para as famílias.86 Além desses elementos, também abrigava no seu conjunto arquitetônico: água encanada, forno para incineração do lixo, necrotério, fossa séptica. Ocupava uma área total de cem hectares. O Leprosário São Roque contava com todos os espaços necessários e indicados para o isolamento dos doentes de lepra.

Desde a sua inauguração, esse leprosário sofreu mudanças nas suas edificações, inicialmente foi construído para abrigar quinhentos doentes, no entanto, com o processo de

85 CASTRO, Elizabeth Amorim. O Leprosário São Roque e a modernidade: uma abordagem da hanseníase na

perspectiva da relação espaço-tempo. 2005. 100f.Dissertação (Departamento de Geografia) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005.

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CASTRO, Elizabeth Amorim. O Leprosário São Roque e a modernidade: uma abordagem da hanseníase na perspectiva da relação espaço-tempo. 2005. 100f.Dissertação (Departamento de Geografia) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005.

internamento compulsório, chegou a isolar mil e duzentos leprosos aproximadamente. Para abrigar todos os internos, novas construções foram anexadas, seguindo o modelo pavilhonar e da vigilância. Para Castro, na estrutura arquitetônica do Leprosário São Roque, a vigilância foi uma das características mais significativas.

Com um terreno plano e limpo, os edifícios seguiam a predominância da horizontalidade, da hierarquia e da simetria espacial. Esses elementos, além de simbolizarem o controle dos internos, exaltavam a dimensão simbólica da organização e do ordenamento, elementos muito presentes em instituições de isolamento. Pode-se afirmar que a arquitetura era marcada pela sua funcionalidade, servir à ciência. Os seus traços não apresentavam exageros e ornamentação.

Assim, como esses isolamentos, o Leprosário São Francisco de Assis foi um dos edifícios construídos para recolher os leprosos durante os anos de 1920. A sua construção, bem como alguns elementos do seu conjunto arquitetônico, se diferenciava dos leprosários mencionados nesse trabalho. Como retratado anteriormente, muitos estados já possuíam leprosarias destinadas a receber exclusivamente os acometidos pelo mal de Hansen, como era o caso dos Estados do Pará, Paraná e São Paulo. No Rio Grande do Norte, o Leprosário São Francisco de Assis foi a primeira experiência de isolamento específica para essa doença.

Sem ajuda do Governo Federal e contando com as doações de parcelas da sociedade potiguar, a construção do leprosário ocorreu em diferentes etapas. No primeiro momento, no ano de 1926, a internação dos doentes foi realizada em dois pavilhões do isolamento São Roque. Suas instalações contava com abastecimento de água e gás, ele abrigou nos seus dois primeiros anos de funcionamento, aproximadamente catorze internos. As obras iniciais no Leprosário São Francisco de Assis foram finalizadas em 1928, com a entrega de dez casas edificadas ao lado dos dois pavilhões já existentes. A estrutura das casas seguia as principais ideias científicas do período e acomodavam em torno de dois ou três doentes. Nesse período o leprosário tinha capacidade para isolar cinquenta enfermos.87 Assim, nesse primeiro período, os doentes ficaram divididos entre os pavilhões e o conjunto de casas.

Somente no ano seguinte, 1929, mais dois grupos de casas foram inaugurados: um primeiro com cinco casas e o segundo com dez casas, com melhores acomodações e com mais

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RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Presidente do Estado do Rio Grande do Norte à Assembleia Legislativa e lida na abertura da primeira sessão da décima quarta legislatura, em 01 de outubro de 1928. Natal: Imprensa oficial do Estado, 1928.

conforto para os seus moradores.88 O Leprosário São Francisco de Assis não construiu todas as suas edificações ao mesmo tempo, o seu conjunto arquitetônico sofreu intervenções em diferentes períodos, até a inauguração oficial, como também recebeu novos conjuntos de casas e serviços durante as décadas 1930 e 1940. Assim, como nos demais leprosários, Leprosário São Roque e Santo Ângelo, o isolamento potiguar contou com a presença de uma arquitetura pavilhonar, sobretudo para abrigar os serviços administrativos da instituição, a presença de esgoto próprio, cemitério, capela, atividades de lazer para os internos, bem como atividades voltadas para o trabalho, mas também contou com a presença de grupos de casas para isolar os leprosos, reconstituindo a configuração de uma cidade.

O Diretor de Saúde, Dr. Manoel Varella Santiago Sobrinho, justifica a utilização desse tipo de edificação no isolamento dos leprosos:

Em vez de prédios custosos para muitos doentes, o Departamento de Saúde tem preferido construir pequenos grupos de casas, occupadas sempre por um numero reduzido de doentes, os quaes, por se sentirem assim mais a vontade, melhor suportarão a vida de isolamento. Nesse caso elles tem mais razão para se supporem habitantes de uma villa do que doentes de um isolamento89.

Como apresentado, o modelo de isolamento proposto para o Leprosário São Francisco de Assis seguiu o modelo defendido pelo Departamento Nacional de Saúde, um isolamento que possibilitasse ao doente um convívio prazeroso e agradável e seguisse os preceitos da ciência moderna. A arquitetura das casas e dos pavilhões deveria conter os elementos da modernidade urbana: setorização, conforto ambiental (insolação, ventilação), funcionalidade, racionalidade.90 Os serviços presentes nessa instituição hospitalar também deveriam seguir os preceitos modernos, como a presença do abastecimento de água, de esgoto e de luz elétrica, elementos indispensáveis para o convívio sadio do homem republicano. Também contou com a presença de telefone, sala de jogos, leitura e aparelho de rádio, elementos simbólicos da modernidade que se inseria no cotidiano dos habitantes da cidade.

88 RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Presidente Juvenal Lamartine de Faria à Assembleia

Legislativa, por ocasião da abertura da primeira sessão da décima quarta legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1930.

89 RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Presidente Juvenal Lamartine de Faria à Assembleia

Legislativa, por ocasião da abertura da primeira sessão da décima quarta legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1930, p. 68.

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CASTRO, Elizabeth Amorim. O Leprosário São Roque e a modernidade: uma abordagem da hanseníase na perspectiva da relação espaço-tempo. 2005. 100f.Dissertação (Departamento de Geografia) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005. p. 60.

Assim, o isolamento dos doentes seguiu o modelo humanitário de colônias com a presença de residências, oficinas, áreas destinadas à agricultura e à criação de animais, igreja, cinema, praça e campo de futebol. Tinha o aspecto e a organização de uma verdadeira cidade, onde os doentes, resignados da sua moléstia, procuravam refazer suas vidas dentro de seus muros.