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O Governo brasileiro e a construção dos leprosários

CAPÍTULO 1 A CONSTRUÇÃO DO LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS

1.1 O Governo brasileiro e a construção dos leprosários

A lepra começou a ser objeto da atenção sistemática por parte de médicos e do Estado brasileiro a partir dos anos 1920. Um marco importante desse processo foi a publicação do

Decreto nº. 3.987, de 02 de janeiro de 192034, que criou o Departamento Nacional de Saúde Pública. Vinculada a esse departamento, foi criada a Inspetoria de Profilaxia da Lepra35, que

intensificou a campanha contra a doença em todos os estados brasileiros. A construção dos leprosários nos estados fez parte de um projeto modernizador que vislumbrava a saúde como essencial na construção de uma sociedade saudável e civilizada. No Rio Grande do Norte, especificamente, uma das medidas tomadas para o combate à lepra foi a construção, em 1926, do Leprosário São Francisco de Assis.

No Brasil, desde o século XIX, podem ser identificadas medidas sanitárias, tais como: a criação de espaços médicos (hospitais e isolamentos); de regulamentos (que determinaram, por exemplo, a notificação compulsória das doenças transmissíveis (1902) e a instituição da obrigatoriedade da vacina contra a varíola (1904)); e de alguns órgãos públicos (tais como a Diretoria Geral de Saúde Pública (1897) e o instituto soroterapêutico Municipal (1900)36. Esses órgãos públicos funcionavam sobretudo nas grandes cidades, como o Rio de Janeiro, e controlavam estaticamente os pacientes e as doenças, além de notificar os enfermos nos casos de doenças contagiosas. Já nas áreas mais distantes dos centros políticos, como o nordeste do Brasil, como afirmou Oliveira, as reformas sanitárias tonaram-se mais efetivas durante a década de 1920.

Comparativamente, os Estados do Nordeste ficariam muito aquém da referência sanitária que vivenciaram Rio de Janeiro e São Paulo. Mesmo a Bahia, um dos mais populosos Estados do Nordeste, e visto como um locus tradicional em educação médica, em virtude da Faculdade de Medicina aí instalada, não teve uma reforma sanitária expressiva até a década de 20 [...]37.

Em Natal, particularmente, a adoção dessas medidas era tímida. A precariedade das condições de saúde estava expressa tanto na ausência de hospitais adequados, quanto na

34 BRASIL, Coleção de Leis. Decreto nº. 3.987, de 02 de janeiro de 1920. Rio de Janeiro, 1920. 35

Inicialmente, essa divisão foi denominada Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas. Posteriormente, foi transformada em Inspetoria de Profilaxia da Lepra.

36SILVA, Rodrigo Otávio da. Sair curado para a vida e para o bem: diagramas, linhas e dispersões de força no

complexo nosoespacial do hospital da caridade Juvino Barreto (1909-1927). 2012. 121f. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de História, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2012, p. 47.

37 OLIVEIRA, Iranilson Buriti de. Fora da higiene não há salvação: a disciplinarização do corpo pelo discurso

inexistência de órgãos que controlassem os dados numéricos sobre as doenças e os enfermos, desrespeitando o que determinava o Decreto Federal de 190438.

Por essa linha de pensamento, pode-se inferir que, se nesse período não havia uma política sistematizada de saúde para o país, não havia também medidas de monitoramento e de profilaxia para controlar uma doença específica como a lepra. No que concerne especificamente à lepra, não havia um acompanhamento sistemático da doença, sobretudo, nas pequenas cidades, como era o caso de Natal. Por essa lógica, que a ausência de registros médicos e de órgãos que acompanhassem os dados acerca dos doentes pode ter gerado a informação de que não havia casos de lepra no Rio Grande do Norte antes da década de 192039.

Há notícias da presença da lepra no território brasileiro desde o período colonial, sobretudo em São Paulo e Minas Gerais40. Todavia, até os primeiros anos do século XX, quando se tornou um problema sanitário nacional, a lepra não era vista como uma grande epidemia, outras doenças – como a sífilis, a varíola e a tuberculose – causavam mais preocupação às autoridades. Apesar de haver registros em 190441 de discursos médicos, como o de Osvaldo Cruz, que defendiam a construção de lugares apropriados para o isolamento e o abrigo dos leprosos, não existia uma regulamentação que responsabilizasse o Estado por essa ação. Em geral, o que os médicos defendiam era que os leprosos deveriam ser atendidos pelos setores caridosos da sociedade. Nesse sentido, é importante afirmar que até a década de 1910 o Movimento Sanitário42 ainda não havia inserido essa epidemia como problema nacional a ser enfrentado pelo Estado43.

Segundo Cabral, somente com o crescimento alarmante de casos de lepra nos diversos estados brasileiros, a partir da década de 1920, a epidemia passou a exigir uma política

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Decreto Federal nº 1.151, de 5 de janeiro de 1904. Esse Decreto Reorganiza os serviços da hygiene administrativa da União.

39 Os primeiros casos de lepra no Rio Grande do Norte são notificados em 1923.

40 Vários autores se referem à presença dessa doença em diferentes períodos históricos. Entre eles, pode-se citar

CUNHA, Vivian da Silva. Isolados “como nós” ou isolados “entre nós”?. História, Ciências, Saúde –

Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, p. 939-954, out./dez. 2010.

41 O Regulamento Sanitário de 1904 previa o isolamento e a notificação compulsória dos doentes. Entretanto, não

havia nenhuma diretriz sobre quem seria o responsável por tal isolamento. Na prática, a diretriz era letra morta na lei.

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Por Movimento Sanitário, compreende-se uma série de ações desenvolvidas tanto em âmbito nacional, como em âmbito estadual, em prol da saúde pública. Sobre o tema, consultar: SANTOS, Luiz A. de Castro. As origens da

reforma sanitária e da modernização conservadora na Bahia durante a Primeira República. Disponível em:

<http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52581998000300004>. 43

MACIEL, Laurinda Rosa. Em proveito dos sãos, perde o lázaro a liberdade: uma história das saúdes públicas de combate à lepra no Brasil (1941-1962). 2007. 380f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.

para o seu combate44. A partir de então, alguns grupos da sociedade brasileira passaram a debater sobre a necessidade de cada estado da União criar instituições (leprosários), para evitar a convivência dos doentes com as pessoas saudáveis, revelando a falta de um consenso sobre a necessidade de isolar os pacientes. Esse debate perdurou até a década de 1930 e contou, basicamente, com duas posições diferentes acerca do isolamento dos doentes.

A primeira posição argumentava em favor do tratamento em pequenas colônias e em residências, contrapondo-se à ideia de internamento compulsório. Esse posicionamento permitiu a criação de diretrizes para o combate à lepra e às doenças venéreas na década de 1920. A segunda interpretação argumentava em favor do isolamento amplo do doente em colônias e realizado por intermédio da internação compulsória dos doentes. Foi a proposta da segunda interpretação que se tornou hegemônica no Brasil.

Somente a partir do ano de 1915, diante do aumento dos casos de lepra no território nacional e a ineficácia do isolamento realizado nos lazaretos45, o saber médico passou a interferir na política estatal e a defender a implantação de políticas públicas para combater a lepra. Nesse período foi instaurada a Comissão de Profilaxia da Lepra, organismo criado pelos médicos com o objetivo de discutir sobre essa doença e os doentes por ela acometidos e elaborar alternativas para o problema de combate ao mal de Hansen no Brasil. Essa comissão – idealizada por Belmiro Valverde, leprologista do Hospital de Lázaros no Rio de Janeiro, e Juliano Moreira – atuou nesse estado, nos anos de 1915 a 1919. Foi a partir do debate realizado por esse grupo de médicos que a lepra passou a ser entendida como um grande mal nacional que precisava ser combatido e exterminado do Brasil.

A Comissão de Profilaxia da Lepra produziu um documento com várias deliberações e reivindicações, entre as quais, a de que era o Estado responsável pelo combate à lepra. Segundo Maciel46, as propostas dessa Comissão – fundamentadas no sanitarismo e na saúde pública – foram a base do projeto estatal de combate à lepra implantado durante os anos de 1920.

Os debates nessa Comissão giravam em torno de diversas temáticas, tais como, a lepra e o casamento, lepra e profissão, lepra e imigração e o isolamento dos doentes da lepra, entre outras.

44 CABRAL, Dilma. Lepra, medicina e políticas de saúde no Brasil (1894-1934). Rio de Janeiro: FIOCRUZ,

2013.

45 Espaço utilizado para acomodar os doentes com doenças infectocontagiosas, entre elas a lepra. 46

MACIEL, Laurinda Rosa. Em proveito dos sãos, perde o lázaro a liberdade: uma história das saúdes públicas de combate à lepra no Brasil (1941-1962). 2007. 380f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.

Médicos como Juliano Moreira e Fernando Terra, ambos da Sociedade Brasileira de Medicina, tiveram papel decisivo nesses debates. Defendiam a tese de que a dificuldade de cultivar o bacilo e, consequentemente, o desconhecimento sobre a sua forma de transmissão, eram fatores decisivos para a proliferação da doença. Seguindo essa lógica, os médicos passaram a defender o isolamento compulsório dos doentes como alternativa para evitar a proliferação do mal de Hansen.

Segundo os médicos, as pesquisas desenvolvidas, naquela conjuntura, sobre a bactéria, demonstravam que o organismo humano hospedava o bacilo47 da lepra, tornando-se, assim, o principal responsável pela transmissão da doença. Assim, só com o isolamento dos hospedeiros, o mal de Hansen poderia ser exterminado do Brasil.

Ainda nos debates da Comissão acerca da transmissão da lepra, o médio Adolpho Lutz afirmava que apenas o isolamento dos doentes não seria totalmente eficaz, pois a transmissão da doença ocorria também por meio de mosquitos sugadores. Sendo assim, Lutz defendia que o isolamento dos doentes necessitava ser realizado em lugares distantes das cidades, longe da presença de mosquitos transmissores. O jornal A Rua, do Rio de Janeiro, no dia 20 de novembro de 1915, publicou um texto do médico Plácido Barbosa no qual ele afirmou que o governo não precisava saber a forma de transmissão da doença, mas sim saber a forma de reduzir o número de leprosos. O início do combate à lepra no Brasil foi permeado por diferentes posicionamentos quanto às ideias de transmissão, às ações de combate à disseminação da doença. No entanto, era consenso entre a classe médica a necessidade de isolar os leprosos em espaços médicos especializados. Plácido Barbosa afirmou em seu artigo:

[...] O comunicante [Adolpho Lutz] teve por escopo esclarecer a questão do modo de transmissão da lepra, sem o que, como elle próprio disse, seria impossível a Comissão orientar o Governo sobre sua conveniente profilaxia; e em toda a sua oração tomou a peito provar que essa transmissão deve se fazer por via de mosquitos. O Sr. Dr. Adolpho Lutz disse que se não pode atribuir o desaparecimento ou decrescimento da lepra, onde elle se deu, a simples isolação dos leprosos, porque nunca se poude isolar “todos” os doentes de um paiz. Puro engano. Se ha cousaprovada é que a diminuição da lepra na Noruega foi devida exclusivamente ao isolamento dos leprosos. [...]48.

47 Bacilos são bactérias em forma de bastonetes. O indivíduo era portador do bacilo Mycobacterium leprae. 48 A RUA, Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1915.

Assim como outros países europeus, a Noruega sofreu, no final do século XIX e início do século XX, com a presença de novos casos de lepra, principalmente nas suas colônias africanas. O retorno dessa doença trouxe novos debates sobre sua incurabilidade e suas formas de transmissão. A forma de controle da lepra foi precedida de vários debates, sobretudo ocorridos nas duas primeiras Conferências Internacionais de Lepra, ocorridas no ano de 1897, em Berlim, Alemanha, e a segunda Conferência Internacional de Lepra, 1909, Bergen, Noruega. Nesses debates o isolamento dos doentes, revestido por um discurso médico e científico, voltou a ser defendido como única medida profilática para reduzir o número de doentes. Dois modelos de profilaxia (isolamento) foram apresentados, o modelo norueguês, defendido por Armauer Hansen e o modelo alemão defendido por Robert Koch49. Segundo Carolina Oliveira,

Dois modelos de isolamento teriam se destacado: o proposto pela Noruega, representado por Armauer Hansen, e o proposto pela Alemanha, apresentado por Robert Koch [um dos fundadores da microbiologia e dos estudos relacionados à epidemiologia das doenças transmissíveis]. O modelo alemão de combate à lepra foi desenvolvido em suas colônias africanas, nas últimas décadas do século XIX. Diferentemente da França, Inglaterra e Noruega, a Alemanha teria desenvolvido uma forma específica de tratar os seus leprosos. Em 1890, o governo alemão teria enviado às suas colônias uma comitiva médica, chefiada por Koch, com o intuito de mapear os casos da doença na região, além de fornecer soluções que se adequassem aos interesses sociais das colônias e aos interesses econômicos da metrópole50.

Pensando em questões econômicas, o modelo proposto pelo alemão Koch defendia o isolamento dos leprosos em instituições autossustentáveis, que respeitavam a diversidade cultural e étnica dos internos. Segundo Reinaldo Bechler51, nos leprosários africanos construídos seguindo o pensamento alemão, os doentes eram separados pelo sexo e pela etnia. A alimentação deveria estar adequada aos hábitos, às necessidades e aos gostos dos internos. Nesses estabelecimentos, a vigilância dos doentes era realizada por um segurança que compunha o grupo de internos, as visitas e a presença de cônjuge e familiares eram permitidas. O objetivo era

49 Existiam vários modelos de isolamentos de leprosários no mundo, entre os principais podemos destacar o modelo

alemão e o modelo norueguês.

50 OLIVEIRA, Carolina Pinheiro Mendes Cahu de. De lepra à hanseníase: mais que um nome, novos discursos

sobre a doença e o doente: 1950-1970. 2012. 246f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife,2012.

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BECHLER, Reinaldo Guilherme. Muito mais do que isolamento em questão: ciência, poder e interesses em uma análise das duas primeiras Conferências Internacionais de Lepra: Berlim 1897 e Bergen 1909. Temporalidades, Minas Gerais, v. 1, n. 2, p. 176-201, ago./dez. 2009.

montar um isolamento em que o doente se sentisse em um lugar prazeroso e agradável, reduzindo a possibilidade de fuga.

Já o modelo norueguês tinha como principal característica o isolamento voluntário dos doentes, por meio de medidas sanitárias e educativas entre a população. O governo investiu na formação de médicos especialistas em leprologia, entre os principais nomes podemos destacar Daniel Danielsen e Carl Boeck, que afirmavam a incurabilidade da doença e reforçavam o isolamento dos doentes como medida profilática. Nesse modelo, o isolamento adquiriu duas características: o isolamento domiciliar ou o isolamento em leprosários. O primeiro tipo de reclusão ficava restrito à população mais abastada que pudesse manter financeiramente o doente sem contato com outros indivíduos. A partir dos estudos desenvolvidos nesse país, e a diminuição significativa do número de leprosos, a Noruega destacou-se como grande potência científica no combate à lepra.

Entre os principais críticos desse modelo, destacou-se Robert Koch. Para esse cientista, a redução do número de doentes de lepra na Noruega representava apenas registros numéricos e não a cura da doença. Também criticou a responsabilidade estatal na construção e manutenção dos isolamentos dos leprosos. Apesar das críticas realizadas por Koch, o modelo utilizado no Brasil, no combate ao mal de Hansen, seguiu os padrões noruegueses. No Brasil, o modelo adotado de combate à lepra não foi unânime entre os participantes da Comissão de Profilaxia da Lepra. Entre as principais divergências, estava o isolamento domiciliar dos doentes. Para os médicos Eduardo Rabello e Oscar da Silva Araújo, esse tipo de isolamento não representava segurança para os familiares e as pessoas mais próximas do doente. Eles defendiam que o leproso poderia ser isolado em casa apenas emcasos excepcionais e sob uma forte vigilância sanitária na residência do enfermo. A profilaxia da lepra deveria ser realizada com o isolamento dos doentes em colônias agrícolas instaladas em uma geografia específica.

A partir das ideias defendidas pela Comissão de Profilaxia da Lepra, foi instituído o Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923, assinado por João Luís, Ministro da Justiça do governo Artur Bernardes. Esse decreto determinou a obrigatoriedade em território nacional do isolamento dos leprosos em colônias ou no próprio domicílio.

A assinatura desse documento marcou a fixação de uma diretriz governamental para o tratamento da Lepra no Brasil. Antes dessa diretriz, a lepra, ao lado de outras doenças, era tratada em lazaretos que, concebidos como instituições de caridade, foram construídos, em alguns

estados brasileiros, nos séculos XVIII e XIX. Entre os lazaretos construídos nesse período, destacam-se: Hospital dos Lázaros (posteriormente transformado em Hospital Frei Antônio), construído no Rio de Janeiro (1741); Hospital dos Lázaros (depois denominado de Hospital) D.

Rodrigo de Meneses, erguido na Bahia (1787); Hospital dos Lázaros de Recife (1789); Asilo São João dos Lázaros, edificado em Mato Grosso (1815); Asilo do Gavião, erigido no Maranhão

(1870); Hospital dos Lázaros de Sabará, erguido em Minas Gerais (1883). No Rio Grande do Norte, particularmente, o Lazareto foi construído em 1857 e transformado em Lazareto da Piedade de Natal em 188252. Essa instituição tinha a função de recolher e abrigar doentes com patologias estigmatizadas, tais como tuberculosos, pessoas com distúrbios mentais e pessoas com doenças venéreas. Diferente do que acontecia em outros lazaretos brasileiros, o Lazareto de Natal não registrou nenhum caso de lepra entre os seus internos. Como já afirmei, nas fontes53 analisadas, não encontrei, no Rio Grande do Norte, registros de casos de lepra antes de 1923, o que não significa que não existissem casos da doença entre a população.

Diante do que está sendo discutido, torna-se importante evidenciar como o Decreto nº 16.300/1923 estabelece as normas para o combate à Lepra. Esse decreto dedica exclusivamente à lepra o seu Título V, Capítulo II, intitulado Prophylaxia Especial da Lepra.54 Ao legislar sobre a lepra, percebe-se uma intenção, por parte setores do Estado, de encontrar um meio para controlar a enfermidade. Percebe-se ainda uma preocupação dos gestores públicos em centralizar o combate à lepra e, assim, evitar que o doente transmita a doença a outras pessoas. Especificamente, as diretrizes para o tratamento da doença, explicitadas nesse capítulo, são as seguintes: todos os suspeitos de lepra deveriam ficar sobre vigilância até que o resultado do exame fosse confirmado; era obrigatória a notificação de todos os doentes; cabia ao médico informar à família (por intermédio de conversas e de material escrito, elaborado pelo Departamento de Saúde Pública) as formas de transmissão e de combate da doença; o isolamento nosocomial dos doentes em instalações fundadas pelo poder público, federal, estadual ou municipal ou mesmo por iniciativas privadas.

52 SILVA, Fernando de Souza; SIMPSON, Clélia Albino; DANTAS, Rita de Cássia. Reforma psiquiátrica em Natal-

RN: evolução histórica e os desafios da assistência de enfermagem. SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool

Drog. (Ed. port.), Ribeirão Preto, v. 10, n. 2, p. 101-109, ago. 2014.

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Analisei todas as mensagens dos presidentes do Estado enviadas à Assembleia Legislativa entre 1905 e 1930. Só depois de 1923 é que surgiram as primeiras menções à lepra.

Esse decreto ainda definiu, no seu Art. 139, que “os estabelecimentos nosocomiaes [que abrigarão os pacientes de lepra] serão os seguintes: a) colonias agricolas; b) sanatorios ou hospitaes; c) asylos”. Segundo o próprio documento, todas essas acomodações deveriam seguir as condições de higiene necessárias para acomodação do doente, sendo preferível a instalação dos doentes nas colônias agrícolas. Esses espaços constituiriam uma verdadeira Vila de leprosos, assegurando para o doente uma vida confortável, mas também segurança para a população vizinha, como o decreto retratou.

A preferência do decreto para que os leprosos fossem instalados em colônias agrícolas era evidente, conforme determina o Art., 139, § 2º:

Os sanatorios, hospitaes e asylos, só admissiveis quando as condições locaes e outras o permittirem, ou o reduzido numero de doentes dispensar o estabelecimento de uma colonia, terão por fim principal multiplicar as casas de isolamento na medida do possivel, junto dos fócos, afim de facilitar a segregação dos leprosos. Deverão ser estabalecidos em logares onde, a par das melhores condições hygienicas, existam amplos logradouros para os isolados55.

A partir do que determinava o Decreto nº 16.300/1923, surgiram os primeiros leprosários do Brasil, todos inaugurados antes de 1930. Entre os leprosários inaugurados depois de 1923 e antes de 1930, destacaram-se56: o Lazarópolis do Prata, no Pará (1924); o Leprosário São Roque, no Paraná (1926); o Leprosário Antonio Diogo, construído pela iniciativa privada no Ceará (1928); o Leprosário Santo Ângelo – construído exclusivamente com verbas estaduais – no Estado de São Paulo (1928), o Hospital Colônia Curupaiti, no Distrito Federal (1929), e o Leprosário São Francisco de Assis (1929), no Rio Grande do Norte – construído pelo Governo do Estado, com auxílio da iniciativa privada e estadual. 57

Portanto, a diretriz nacional estabelecida para o tratamento da lepra está intimamente ligada à construção, no Rio Grande do Norte, do Leprosário São Francisco de Assis. Essa diretriz possibilitou ainda a criação de duas outras instituições no estado voltadas para a profilaxia da lepra: o Preventório Osvaldo Cruz, fundado em 1938, que receberia, para educar, os filhos de