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O cheiro do carnaval: sangue de coca-cola e a ditadura militar brasileira

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PÓS GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM. ANA CAROLINA MOURA MENDONÇA. O CHEIRO DO CARNAVAL: SANGUE DE COCA-COLA E A DITADURA MILITAR BRASILEIRA. Natal/ RN 2015.

(2) ANA CAROLINA MOURA MENDONÇA. O CHEIRO DO CARNAVAL: SANGUE DE COCA-COLA E A DITADURA MILITAR BRASILEIRA. Dissertação apresentada como exigência para obtenção de título de Mestrado em Estudos da Linguagem pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem – PPGEL, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.. Orientador: Prof. Dr. Andrey Pereira de Oliveira. Natal/ RN 2015.

(3) UFRN. Biblioteca Central Zila Mamede. Catalogação da Publicação na Fonte. Mendonça, Ana Carolina Moura. O cheiro do carnaval: sangue de coca-cola e a ditadura militar brasileira / Ana Carolina Moura Mendonça. – Natal, RN, 2015. 137 f. : il. Orientador: Prof. Dr. Andrey Pereira de Oliveira. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. 1. Romance brasileiro – Crítica e interpretação – Dissertação. 2. Drummond, Roberto Francis, 1939-2002 – Crítica e interpretação – Dissertação. 3. Ditadura militar – Dissertação. 4. Carnavalização – Dissertação. 5. Polifonia – Dissertação. I. Oliveira, Andrey Pereira de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/UF/BCZM. CDU 821.134.3(81).09.

(4) ANA CAROLINA MOURA MENDONÇA. O CHEIRO DO CARNAVAL: SANGUE DE COCA-COLA E A DITADURA MILITAR BRASILEIRA. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito para obtenção de título de mestre.. BANCA EXAMINADORA. ____________________________________________________________ Andrey Pereira de Oliveira (UFRN). ___________________________________________________________________ Maria da Penha Casado Alves (UFRN). ___________________________________________________________________ Mona Lisa Bezerra Teixeira (UERN). Natal/ RN 2015.

(5) “Da nossa vida, em meio da jornada, Achei-me numa selva tenebrosa, Tendo perdido a verdadeira estrada”. (ALIGHIERI, A Divina Comédia, Canto I) Reanimou-me meu guia. Eu sigo. Ao meu avô Virgílio..

(6) AGRADECIMENTOS. Acredito que a coragem e a perseverança são dons de Deus. Como não me faltaram, agradeço a Ele. Tive apoio irrestrito de meus pais, Josailton e Valquíria, sem os quais não teria sido possível esta dissertação. Agradeço ao meu irmão e ao meu namorado, pelos abraços e sorrisos de sempre. À minha família, minhas avós, Maria das Dores e Francisca, minhas tias e primas, pelo carinho mesmo na distância e por compartilhar comigo das minhas alegrias. . Aos amigos, pela alegria e cumplicidade que sempre demonstraram. Dentre estes, agradeço aos que encontrei nesta universidade, os quais fizeram desses anos uma maravilhosa odisseia poética. Ao Prof. Dr. Andrey Pereira de Oliveira, pela amizade e orientação, cujos ensinamentos contribuíram em minha trajetória acadêmica e ao longo desta pesquisa. E a todos os professores que colaboraram efetivamente em minha formação. Por fim, agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino SuperiorCAPES, pelo financiamento deste estudo..

(7) Das janelas, cai papel picado. Senhoras pias exibem seus pios e alvacentos lençóis, em sinal de vitória. Um cadillac conversível para perto do “Six” e surge uma bandeira nacional. Cantam o Hino também Nacional e declaram todos que a Pátria está salva. Minha filha, ao meu lado, exige uma explicação para aquilo tudo..  É carnaval, papai?  Não.  É campeonato do mundo?  Também não. Ela fica sem saber o que é. E eu também fico. Recolho-me ao sossego e sinto na boca um gosto azedo de covardia. (Carlos Heitor Cony, 02/04/1964). Ficou um resto de queixa Na minha boca oprimida. (Hilda Hilst).

(8) O CHEIRO DO CARNAVAL: SANGUE DE COCA-COLA E A DITADURA MILITAR BRASILEIRA. RESUMO Nesta dissertação, analisamos o romance Sangue de Coca-Cola (1980), de Roberto Drummond, considerando o contexto repressivo da época em que foi escrita e publicada. Dentro das questões que orientam a investigação, consideramos, sobretudo, a estrutura formal da obra, que se mostra de modo inovador quando se compara à estrutura comum à maioria das produções literárias do mesmo período e, sem dúvida, é constituinte de um diferencial estético. O romance apresenta-se como uma composição estética dialógica, atingindo um grau polifônico, por trazer os discursos sociais em dissonância na narrativa. Além desse aspecto polifônico, a carnavalização é um conceito imprescindível ao analisar Sangue de Coca-Cola, já que esta narrativa elabora uma sátira do contexto sócio-político da ditadura militar brasileira. Os elementos polifônicos e carnavalizados colaboram em uma construção literária que se preocupa em se engajar na discussão política da época. A partir do estudo da formalização estética do romance, buscamos entender de que modo a sociedade vem participar de sua composição, como integrante dessa mesma estrutura. Nosso estudo, no entanto, não pretende esgotar as possibilidades interpretativas da obra, nem pretende debruçar-se sobre a situação sócio-político de uma época, mas observar o diálogo entre a obra e o contexto, ressaltando de que modo a sociedade participa e é relevante para a configuração do romance. Palavras-Chaves: Sangue de Coca-Cola; Roberto Drummond; Dialogismo e Polifonia; Carnavalização; Ditadura militar brasileira..

(9) CARNIVAL SMELLING: SANGUE DE COCA-COLA AND THE BRAZILIAN MILITARY DICTATORSHIP. ABSTRACT In this thesis, we analyze the novel of Sangue de Coca-Cola (1980), by Roberto Drummond, considering the repressive context of the time it was written and published. Within the questions that guide the investigation, we consider, above all, the formal structure of the work, that appears in an innovative manner when comparing the common structure to most literary productions of the same period and, no doubt, is a constituent of an aesthetic differential. The novel presents itself as a dialogical aesthetic composition, reaching a polyphonic extent, by bringing the social discourse in dissonance in the narrative. In addition to this polyphonic aspect, the Carnivalization is a concept essential to analyze Sangue de Coca-Cola, as this narrative develops a satire of the socio-political context of the Brazilian Military Dictatorship. The polyphonic and carnivalized elements collaborate on a literary construction that is concerned to engage in political discussion at the time. From the study of aesthetic formalization of the novel, we research to understand how the society is participating in its composition, as part of the same structure. Our study, however, does not intend to run out of the interpretative possibilities of the work, nor does it intends to look into the socio-political situation of the time, but observe the dialogue between the work and the context, emphasizing how the society participates and is relevant to the novel configuration. Keywords: Sangue de Coca-Cola; Roberto Drummond, Dialogism and Polyphony, Carnivalization; Brazilian military dictatorship.

(10) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 11 CAPÍTULO I: A LITERATURA ENGAJADA NO CONTEXTO DITATORIAL BRASILEIRO ............................................................................................................... 15 1.1 Alguns apontamentos sobre a ditadura militar no Brasil .......................................... 15 1.2 Considerações sobre a “Literatura do Contra” no período do regime militar .......... 24 1.3 Roberto Drummond e o “Ciclo da Coca-Cola” ........................................................ 31 CAPÍTULO II: CONCEPÇÕES TEÓRICAS DE MIKHAIL BAKHTIN SOBRE DIALOGISMO E CARNAVALIZAÇÃO .................................................................. 39 2.1. O gênero romanesco na perspectiva bakhtiniana .................................................... 39 2.2. O romance dialógico e polifônico ........................................................................... 45 2.2. O conceito de Carnavalização ................................................................................. 59 CAPÍTULO III: SANGUE DE COCA-COLA:. ANÁLISE DO ROMANCE DE. ROBERTO DRUMMOND .......................................................................................... 71 3.1. A composição estética do romance Sangue de Coca-Cola .................................... 72 3.1.1. Sangue de Coca-Cola: apontamentos sobre uma estrutura dialógica e carnavalizada ........................................................................................................................................ 79 3.1.2. Revolução da Alegria: síntese dos núcleos narrativos do romance ...................... 87 3.2. A estética do carnaval: comentários analíticos de três núcleos narrativos .............. 91 3.2.1. O Homem do Sapato Amarelo ............................................................................. 91 3.2.2. Camaleão Amarelo ............................................................................................. 101 3.2.3. O General Presidente do Brasil .......................................................................... 111 3.3. O cheiro do carnaval: diálogos entre os núcleos narrativos e o contexto ditatorial brasileiro ....................................................................................................................... 122 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 134 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 137.

(11) 11. INTRODUÇÃO. O romance Sangue de Coca-Cola, de Roberto Drummond, foi publicado em 1980, ocasião em que, no Brasil, já se caminhava para o fim do período de repressão militar com o governo do General João Baptista Figueiredo. Diante da abertura política que se processava, esse romance não sofreu a forte pressão da censura ditatorial que acometeu algumas obras anteriores, como, por exemplo, As meninas (1973), de Lygia Fagundes Telles ou Zero romance pré-histórico (1975), de Ignácio de Loyola Brandão. Esses dois romances, assim como outros publicados em meados da década de 1970, influenciados pela violenta repressão do AI-5, começaram a apresentar uma estrutura estética inovadora, com uma temática ideológica camuflada, com o intuito de, burlando a censura, opor-se à ditadura militar. A obra de Roberto Drummond, ao contrário, faz uma intensa e explícita denúncia do período do regime militar brasileiro e evidencia nitidamente a influência desses anos de chumbo na sociedade brasileira da época. Sangue de Coca-Cola é uma obra inovadora em sua configuração estética, entre outras coisas, por fazer o leitor duvidar do gênero em que ela se insere, como aconteceu em outros romances do mesmo período, como em A festa (1976), de Ivan Ângelo. Diferentemente dos romances de moldes tradicionais que surgiram no mesmo período, entre as décadas de 60 e 80, o romance de Roberto Drummond não apresenta uma continuidade do enredo, nem as relações comuns às personagens. Cada personagem nucleia uma parte da história, e esta está dividida em núcleos narrativos que, alternadamente, vão se desenvolvendo no decorrer dos vários capítulos ao longo de toda a obra. O resultado dessa estrutura é a impressão de quebra de linearidade, que sugere ao leitor um universo marcado pela caoticidade. O escritor mineiro inaugura o que ele mesmo conceitua de “literatura pop”, ou seja, uma literatura em que se inserem elementos da cultura de massa, com personagens e acontecimentos reais e fictícios diluídos na mesma obra. Nessa perspectiva, procuramos mostrar esse caráter alegórico do romance de Roberto Drummond e o diálogo que este traça com a sociedade do período. A narrativa permite uma leitura integrativa (cf. Candido, 2011a) com a realidade. Isto porque a forma inacabada e incerta dos personagens, e consequentemente da própria narrativa, colabora para desenvolver uma redução estrutural do contexto ditatorial. Sabendo da pluralidade de incerteza da existência ou não desses personagens, não me proponho a verificar a natureza real ou fictícia destes, mas, sobretudo, a.

(12) 12. importância deles na redução-estrutural do próprio contexto sócio-político-cultural do período de ditadura militar brasileira. Além disso, Sangue de Coca-Cola é repleto de alegorias fantásticas, tais como o cheiro do lança perfume, a borboleta-verde da felicidade, o urso libertador, os olhos verdes, além das cenas surreais, que motivam a sátira incisiva à sociedade da época, como o general alucinado que vê e dialoga com mortos. Esses aspectos surreais e fantásticos dão à obra uma aparência peculiar, sendo, então, relevante o estudo tanto da composição literária quanto de sua relação com o contexto social a qual se refere. De acordo com Candido (2011a, p. 13), só chegamos a compreensão da integridade da obra fundindo texto e contexto numa interpretação dialeticamente orientada. Desse modo, a crítica integrativa objetiva relacionar a obra com a sociedade, tendo em vista que o elemento externo deve participar da narrativa como um fato estético, de modo que o romance seja o ponto central do estudo literário. Valendo-se dessa dialética, esperamos apontar o diferencial estético da obra em particular, investigando como a sociedade da época participa como fator estético, isto é, como um elemento interno à estrutura do romance. É importante ressaltar que o romance de Roberto Drummond utiliza uma técnica narrativa inovadora para compor uma realidade ditatorial sob a perspectiva da carnavalização, com uma crítica incisiva à repressão e à castração da liberdade de expressão. O riso apresentado não é algo festivo, mas crítico, que necessariamente leva a uma reflexão como ponto de partida para uma tomada de posição. Apesar de engajado, o romance não é considerado partidário, mas apresenta um posicionamento ideológico claro frente à realidade sócio-política do período, assumindo, assim como outras narrativas da época, o que Antonio Candido (2011b) chamou de “sentimento de oposição”. Germinou nos últimos anos no Brasil a necessidade de conhecer e discutir o momento sócio-político do regime militar de modo efetivo. A despeito das singularidades dos eventos ocorridos no Brasil e na Alemanha nazista, sem que haja qualquer tipo de comparação entre eles, podemos afirmar que, a relevância deste trabalho está em consonância ao que Adorno (2003) assevera quando se refere à educação após Auschwitz, afirmando que a lembrança da barbárie deve estar viva em nossa memória a fim de que não torne a acontecer. Diante disso, é necessário um estudo mais atento, seguindo o método integrativo das obras publicadas no período de ditadura militar brasileira, em que se conserve sobretudo uma análise estrutural, a fim de observar como se configura a literatura em um momento de restrição e repressão e o modo como se estabelece um diálogo reflexivo com o período ditatorial brasileiro, no intuito.

(13) 13. de perceber de que forma este contexto participa e é relevante para a configuração do romance. Ao apresentar a obra e o método de análise literária que iremos seguir, esclarecemos que buscamos entender o romance como uma cosmovisão carnavalizada do contexto sóciopolítico de todo o período de ditadura militar, assim como buscamos observar o caráter polifônico da obra, tanto com seu contexto, quanto na própria estrutura interna. Para tanto, utilizamos a concepção teórica de Mikhail Bakhtin sobre ambos os temas, carnavalização e polifonia, para então tecermos possíveis leituras da obra de Roberto Drummond. Dessa forma, esta dissertação está organizada em três capítulos: o primeiro aborda, de modo panorâmico, o contexto sócio-político do período ditatorial brasileiro, as produções literárias da época e o modo pelo qual Roberto Drummond tornou-se conhecido como ficcionista. O capítulo é dividido em três seções. A primeira, denominada “Alguns apontamentos sobre a ditadura militar no Brasil”, expõe o contexto político e repressivo do governo militar, desde a concepção do golpe ao período de transição democrática, encerrando com a Constituição de 1988. Na seção 1.2, “Breve estudo da ‘literatura do contra’ no período do regime militar”, traçamos algumas considerações sobre a produção artística, em especial a literatura, mostrando como esta contribuiu no desenvolvimento da crítica incisiva ao momento de forte repressão ocasionado pelo regime militar. Por fim, a seção 1.3, “Roberto Drummond e o ‘Ciclo da Coca-Cola’”, apresenta algumas considerações sobre o escritor Roberto Drummond, autor de Sangue de Coca-Cola, objeto de estudo desta dissertação, esclarecendo a fundação da chamada literatura pop nas narrativas que ele publicou. Além disso, buscamos elucidar brevemente o que Maria Lúcia Fernandes (2011) denomina por “Ciclo da Coca-Cola”, ou seja, quatro obras, dentre contos e romances, que apresentam elementos fantásticos em comum, inseridos na mesma linha pop. O segundo capítulo apresenta uma explanação dos conceitos teóricos de Bakhtin – carnavalização, dialogismo e polifonia – que serão utilizados na análise do romance. Apesar de serem conceitos que se complementam, dividimos o capítulo em três seções para discutirmos as concepções de Bakhtin de maneira mais significativa. A seção 2.1 apresenta uma introdução ao conceito do gênero romanesco e sua natureza renovadora. Em seguida, na 2.2, buscamos compreender o conceito de dialogismo como elemento importante para a criação de um novo romance, definido por Bakhtin como romance polifônico. Explanamos brevemente sobre a natureza polifônica do romance moderno a fim de explicarmos a construção estética do romance Sangue de Coca-Cola. Ainda nesse momento, é imprescindível comentar acerca da ideologia apontada na voz dos personagens em um.

(14) 14. romance dialógico para, então, entendermos o engajamento do romance. A seção seguinte, 2.3, apresenta a discussão sobre a carnavalização do texto literário, elucidando os elementos definidores do romance carnavalizado e o modo pelo qual o romance de Roberto Drummond encaixa-se nessa concepção teórica. Finalmente, no terceiro e último capítulo, unimos todas as discussões já levantadas, desde as considerações sobre o contexto até o entendimento acerca dos conceitos de Bakhtin, para propormos nossa análise interpretativa de Sangue de Coca-Cola, considerando a relação entre a configuração estética e a configuração social. Tendo em vista a natureza experimental e inacabada do romance, primeiro, na seção 3.1, apresentamos uma visão panorâmica da obra em que explanamos acerca da sua estrutura formal. Em seguida, no tópico 3.1.1, desenvolvemos uma discussão sobre os elementos dialógicos e carnavalizados presentes no romance. Já no tópico 3.1.2, apresentamos uma síntese dos núcleos narrativos do romance. A partir, então, dessas considerações iniciais sobre o romance, na seção 3.2, selecionamos três dos núcleos narrativos, sobre os quais desenvolvemos uma análise atenta e detalhada. Não se deve, no entanto, achar que as narrativas selecionadas são superiores às outras que participam da configuração estética da obra. Como veremos, o romance não nos oferece um único protagonista, porque cada personagem, inserido em sua narrativa individual, é protagonista de sua própria história. Podemos ousar afirmando que o grande protagonista do romance seria o próprio contexto sócio-político que, de certa forma, une todos os núcleos narrativos individuais. Os três núcleos narrativos escolhidos para a análise mais detida, nas seções 3.2.1, 3.2.2 e 3.2.3, serão o núcleo do “O Homem do Sapato Amarelo”, o núcleo do “Camaleão Amarelo” e o núcleo do “General Presidente do Brasil”. Destacamos que os núcleos narrativos não apresentam títulos, são apenas enumerados no romance, seguindo a ordem dos capítulos. Assim, para efeito deste estudo, nomeamos os núcleos a partir dos personagens que os protagonizam. Esses núcleos narrativos apresentam uma sátira interessante do ponto de vista formal e temático do contexto ditatorial do país, o que colaborou em nossa escolha. Após a análise individual dos núcleos selecionados, na última desta dissertação, apresentaremos uma reflexão geral sobre como todas as vozes sociais dialogam no universo artístico e criam a cosmovisão carnavalizada do período de ditadura militar. Chamaremos atenção ainda, nessa seção, para a natureza aberta do romance, com um final que remete a um novo início, conferindo um aspecto inconcluso e de múltiplas interpretações..

(15) 15. CAPÍTULO I. A LITERATURA ENGAJADA NO CONTEXTO DITATORIAL BRASILEIRO. Já que o Alto Comando Militar insiste em chamar isto que aí está de Revolução – sejamos generosos: aceitemos a classificação. Mas devemos completá-la: é uma Revolução, sim, mas de caranguejos. (Carlos Heitor Cony). Trataremos em linhas gerais e obedecendo à ordem cronológica do contexto sóciopolítico do regime militar brasileiro, com o intuito de reunir subsídios para o estudo da produção literária da época, em especial do romance Sangue de Coca-Cola, de Roberto Drummond, considerado por nós como uma homologia estrutural de ordem estética do seu contexto de enunciação. Para tal compreensão de tal momento histórico, é necessário que percorramos o período do governo em que foi decretado o golpe, do presidente João Goulart, até a promulgação da Constituição em 1988.. 1.1 Alguns apontamentos sobre a ditadura militar no Brasil. No intuito de elucidar um traçado de fatos relevantes para a compreensão do romance no período de ditadura militar, dentre outras bibliografias, nos pautamos, de modo mais atento nas considerações do livro Ditadura e democracia no Brasil (2014), de Daniel Aarão dos Reis. Quando Jânio Quadros subiu ao poder, em outubro de 1960, após o governo de Juscelino Kubitschek, conhecido como JK, acreditava-se numa mudança, já que o governo de JK havia deixado uma série de insatisfações, seja em questões econômicas, seja entre as.

(16) 16. camadas populares. No entanto, no início do governo de Jânio, já se percebia uma certa ambiguidade de discursos que tentava agradar tanto as camadas populares quanto a ala mais conservadora. Jânio começou, então, a tomar atitudes que desagradavam ambos os lados, levando à renúncia em 25 de Agosto de 1961. Com a renúncia do presidente, coube ao vice João Goulart (Jango) assumir o poder, segundo a constituição brasileira vigente. Jango estava na China, em uma visita oficial. Os militares e uma parte conservadora do congresso acreditavam que se Jango assumisse viria uma onda de instabilidade política-econômica-social, causando desordem no país. Os ministros do Exército, Marinha e Aeronáutica conseguiram colocar Ranieri Mazzili, presidente da Câmara e da ala mais conservadora, na presidência da república. Com a resistência do governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, alegando manobra política caracterizada como um crime à constituição, João Goulart acabou conseguindo assumir a presidência, com algumas restrições. Jango assumiu com a condição de que seus poderes presidenciais fossem diminuídos com a inserção de um parlamentarismo. O governo de João Goulart iniciou em 7 de Setembro de 1961. Em 1962, a insatisfação geral, que já estava em vigor desde o governo JK, transformou-se em greves e manifestações de grande parcela da população, o que levou a uma “redefinição do projeto nacional-estatista que passaria a incorporar uma vasta – e inédita – participação popular” (REIS, 2014, p. 32). O governo foi então obrigado a mudar o tom e iniciar um discurso conciliatório e radical, dando início ao projeto de Reformas de Base. As Reformas foram o estopim para o desejo do golpe de Estado pelas Forças Armadas brasileira, o que acabou tornando-se realidade alguns anos mais tarde. O programa das Reformas de Base contemplava: a reforma agrária, que tinha como objetivo a redistribuição de terras; a reforma urbana, que objetivava o crescimento da cidade; a reforma bancária, que criaria um sistema para o Estado, dando-lhe autonomia;. a reforma eleitoral, que daria o. direito a voto aos analfabetos, soldados e graduados das Forças Armadas; a reforma do estatuto do capital estrangeiro, que limitava a remessa de lucros para o exterior; e a reforma universitária, que enfatizava o ensino e a pesquisa para fins de atendimento à necessidade social e nacional, segundo Daniel Aarão Reis (2014). Contudo, para viabilizar tais reformas, era necessário o retorno de uma política presidencialista. Desse modo, em 1963 foi necessário um plebiscito que colocasse em xeque o regime parlamentarista que já iniciou fraco e caminhava ainda mais debilitado, reestabelecendo os poderes presidenciais. Vitorioso, Jango tentou iniciar um Plano Trienal que incentivaria o desenvolvimento econômico e o controle da inflação. O Plano não agradou.

(17) 17. muito, nem o lado mais conservador, nem o popular e em três meses foi totalmente abandonado. Assim, agravaram-se as agitações dos trabalhadores urbanos e rurais, dos estudantes e dos graduados das Forças armadas. Nesse contexto, alguns segmentos mais radicais gritavam ou exigiam a todo custo a reforma agrária. De outro lado, os mais conservadores e reacionários, estavam fazendo oposição às reformas. Estes últimos, já percebiam que uma distribuição de riquezas viria com as reformas, o que os atingia. Desse modo, iniciou-se o discurso do medo de uma época de caos e desordem, que afundaria o país em uma crise sem volta. Para atingir os religiosos, começou-se a falar acerca de um comunismo ateu que seria implantado no Brasil, aflição que já vinha sendo disseminada no mundo. Em uma guerra clara, já instaurada pelos conservadores, Jango resolveu seguir os conselhos dos aliados e iniciar sua resposta, com grandes comícios para fazer pressão em favor das reformas. Em 13 de Março de 1964, no Rio de Janeiro, ele conseguiu juntar cerca de 350 mil pessoas, o que começou a assustar a oposição. Em resposta a tal comício, no dia 19 de Março, em São Paulo, a direita também foi à rua na Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que agregou cerca de 500 mil pessoas. Tudo isso culminou em um golpe de Estado, mais alto estágio dessa luta direitaesquerda. Olympio Mourão Filho ordenou na madrugada de 31 de Março a partida de seus soldados do Exército de Juiz de Fora em direção ao Rio de Janeiro. Depois de uma longa conversa em Porto Alegre junto de Brizola e dos demais aliados, Jango abandonou a luta e resolveu sair do Brasil para o Uruguai, abrindo o caminho para a instauração de uma Ditadura Militar que duraria 21 anos. A partir da ascensão da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) no mundo, a Intentona Comunista (1935) no Brasil e a Revolução Cubana (1961), o Brasil e o mundo apresentaram um certo terror e abominação aos comunistas e tentaram desde então disseminar os grupos que tinham uma ideologia de esquerda, com a colaboração direta dos Estados Unidos, principalmente na América Latina. Desde o início do governo de João Goulart, os Estados Unidos já estavam unidos aos políticos e militares opositores do governo. Com o decorrer dos anos e observando a política baseada nas reformas de base de Jango, que dentre as reformas previa a estatização de empresas estrangeiras e a diminuição das remessas de lucros, os Estados Unidos se viram obrigados a se impor ao governo, ajudando a direita de diversas maneiras, a fim de diminuir o poder presidencial. O presidente Kennedy nomeou Lincoln Gordon como embaixador, o qual faria pressão contra a política independente de Goulart. Além disso, restringiram empréstimos.

(18) 18. feitos antes da posse de Jango e houve a colaboração direta de empresas americanas, como a Shell e a Coca-Cola, nas eleições para governador, senadores e deputados, sempre com o intuito de diminuir a força presidencial no Brasil. Outro nome americano importante nesse período foi o do adido militar, coronel Vernon Walters que já conversava com os militares brasileiros insatisfeitos com a política do atual governo. Quando os militares enfim subiram ao poder nacional, a imprensa americana deu total apoio à “revolução”, que segundo os jornais e revistas era a salvação do Brasil das mãos comunistas. No dia 1ª de Abril de 1964 foi declarada aberta a vaga da presidência da república brasileira no Congresso Nacional. Foi dada a posse ao presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, na madrugada de 02 de Abril. João Goulart estava no Rio Grande do Sul junto ao governador e cunhado Leonel Brizola. Eles ainda pensavam que poderiam contornar a situação, o que acabou não acontecendo. Jango preferiu não agir e evitar no Brasil uma guerra civil. Sendo assim, aceitou a condição, viajando para o Uruguai e exilando-se lá até sua morte. Durante o longo período de ditadura militar, esteve no poder cinco generais das forças armadas. O primeiro governo, foi o do general Humberto de Alencar Castelo Branco, que durou de 1964 à 1967; seguido pelo governo do general Arthur da Costa e Silva, de 1967 à 1969, quando se decreta o Ato Institucional nº 5 – AI-5; depois veio o governo do general Emílio Garrastazu Médici, 1969 à 1974, o período do milagre econômico; logo após, aparece o general Ernesto Geisel, de 1974 à 1978, estabelecendo a abertura lenta e gradual; e por fim, o governo do general João Baptista Figueiredo, no período de 1979 à 1985, em que já se caminhava para o fim do regime militar no Brasil. Para os militares e civis de direita, o golpe se intitulou Revolução e para combater o comunismo o presidente necessitava criar um estado de exceção, dando início aos Atos Institucionais. Em 9 de Abril de 1964, foi implantado o primeiro decreto ditatorial, o AI-1, que dava total poder de cassação de mandatos legislativos, além de suspender os direitos políticos por 10 anos. O militar presidente da república assumiu a presidência no período de 48 horas após o primeiro decreto. Dessa forma, em 11 de Abril o general Humberto de Alencar Castelo Branco torna-se presidente, devendo encerrar o mandato em 31 de Janeiro de 1966. Durante o mandato do presidente Castelo Branco, o Brasil teve uma relação muito próxima aos Estados Unidos. O período inicial do regime foi de caráter diplomático, já que ele tinha o objetivo de caminhar em uma linha internacionalista, quebrando com a autonomia.

(19) 19. política e econômica inserida por Jango e inserindo uma política unida aos Estados Unidos. Sua primeira medida foi tentar conter a crise econômica com a ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI), além de reduzir os gastos para o controle da inflação e tentar mudar o cenário dos baixos rendimentos, com o incentivo à exportação e os investimentos de capital privado. Mesmo assim, no governo de Castelo Branco já se iniciava o descontentamento de parcela da população. As cassações e a censura aos meios de comunicação já começavam a incomodar. A arte passou a ser ainda mais engajada. A música, o teatro e a literatura estavam voltadas à reflexão crítica acerca do domínio militar. Começou a se observar o protagonismo dos estudantes contra o governo vigente. A União Nacional dos Estudantes (UNE) junto das Uniões Estaduais (UEE) foram colocadas na ilegalidade e com isso, ainda no início, já se viam as primeiras manifestações estudantis contra o regime militar. No entanto, a maioria da população parecia indiferente à situação política, preocupadas com a própria condição, muitas vezes precárias. Foi instituído o silêncio dentre os trabalhadores e os que estavam dispostos a lutar tinham de fugir, se exilar ou já estavam presos. Com essa fragmentação de grupos insatisfeitos com o governo surgiu a denominada esquerda revolucionária que, de certa forma, unia os grupos de diferentes ideologias de esquerda. O mandato de Castelo Branco foi prorrogado até Março de 1967. Nesse período, foi decretado um novo Ato Institucional – o AI-2 – que introduzia também nos Estados e municípios as eleições indiretas, como estava acontecendo para a escolha do presidente; dissolução dos partidos existentes; deposição de alguns governadores eleitos legalmente; e o recesso temporário do Congresso Nacional. O terceiro ato, o AI- 3, por sua vez, apenas reforçava os atos anteriores e fixava o calendário das eleições para deputados federais e senadores, que ainda acontecia de maneira direta. O último Ato Institucional, AI-4, do primeiro governo da ditadura militar foi a convocação do Congresso para discutir e votar um projeto que visava inserir na Constituição elementos dos Atos Institucionais, tornando-se, assim permanentes. Contudo, a constituição foi promulgada mesmo sem o voto dos congressistas na maioria das emendas. Além disso, a partir de 15 de março de 1967, passou a vigorar a Lei de Segurança Nacional como garantia da ordem no território brasileiro, no mesmo momento em que toma posse na presidência da república o general Arthur da Costa e Silva, que era ministro do Exército no período do mandato de Castelo Branco. O mandato de Costa e Silva foi marcado pela intensificação da chamada “linha dura”. A insatisfação que vinha aumentando no governo anterior explodiria em uma série de.

(20) 20. manifestações que vão desencadear um novo Ato Institucional no fim de 1968. Mesmo assim, Costa e Silva sobe ao poder trazendo consigo várias promessas de melhora econômica e financeira para o Brasil. O que acabou acontecendo, no início de maneira ainda tímida, mas depois com um desenvolvimento significativo. Ainda no início do regime comandado por Costa e Silva, alguns civis apoiadores, ou não, do golpe de 1964, iniciaram uma Frente Ampla liderada por Carlos Lacerda (que ajudou diretamente no golpe), Juscelino Kubitschek e João Goulart, que tinham o intuito de protestar contra o regime ditatorial que se vinha aplicando. Uniu-se a eles vários outros setores da sociedade, também insatisfeitos com o governo vigente, vários jornais, dentre eles os que também apoiaram o golpe de 1964; os estudantes, que fizeram uma oposição ao regime ainda mais radical; artistas, que denunciaram a insatisfação por meio da música, do teatro, do cinema e da literatura. Dentre estes, houve aqueles mais ativos, como os estudantes universitários, que mais tarde irão até a morte, literalmente, pelo retorno à democracia. Contudo, é necessário observar que estamos falando de apenas uma parcela da sociedade, houve também os que apoiaram o regime e os que ficaram indiferentes a este, participando deste último grupo a grande massa populacional brasileira. As coisas começaram a sair do controle quando em uma manifestação estudantil no centro do Rio de Janeiro, um policial militar matou o estudante secundarista Edson Luís. O episódio culminou na Passeata dos Cem Mil em 1968, a maior demonstração da insatisfação popular contra a ditadura, encabeçada pelo movimento estudantil. Diante disso, o governo decide baixar um novo Ato Institucional que fez com que o regime militar se constituísse em uma ditadura cada vez mais repressiva. O famigerado AI-5, publicado em 13 de Dezembro de 1968, tinha como objetivo ampliar e legalizar o que já vinha acontecendo, as censuras, as cassações, as prisões, as torturas e mortes, com intuito, segundo os militares, de impor ordem e segurança à sociedade brasileira. Daí em diante, começaram a surgir diferentes visões de esquerda: os grupos que desejavam o retorno à democracia por meio do diálogo, em sua maioria os que participavam dos partidos políticos (grande parte do MDB e do clandestino PCB); os grupos que organizavam e participavam de manifestações e protestos, majoritariamente composto pelo movimento estudantil; e, ainda, os grupos compostos por aqueles que apoiavam a luta armada e acreditavam que só por meio dela se chegaria à democracia, como a Aliança Nacional Libertadora (ALN), liderada por Carlos Marighella. Os grupos começaram a fazer pressão contra o governo com sequestros, roubos e ataques a prédios públicos e das embaixadas que colaboravam com o governo. A resposta da ditadura veio com as prisões, torturas e mortes. A.

(21) 21. preocupação em disseminar os “subversivos” acabou virando prioridade para o regime militar no período de 1968-1974. Após a trombose cerebral sofrida pelo General-Presidente Costa e Silva, assume o poder o General Emílio Garrastazu Médici em 30 de Outubro de 1969. Seu governo foi marcado pelo “milagre brasileiro”, expressão que designava o crescimento econômico que aconteceria no período. Em contrapartida, para o povo, o regime liderado por Médici foi denominado “Anos de Chumbo”, pela resposta incisiva e violenta contra qualquer forma de oposição, já iniciada no governo anterior desde a publicação do AI-5. Com a violência institucionalizada, a guerrilha urbana e rural só aumentou. Cresceram os grupos apoiadores da luta armada, entre os participantes estava o ex-capitão do Exército Carlos Lamarca que fora considerado traidor das Forças Armadas e transformou-se em um dos mais importantes dirigentes da Vanguarda Popular Revolucionária, responsável por vários sequestros a embaixadores em troca de outros guerrilheiros presos. No entanto, todos os gritos de torturas e mortes foram abafados pelo som ufanista da Copa do Mundo. O Brasil vence a copa no México em 1970 e o povo, indiferente à situação política do país, torna-se espectador de toda a violência ocorrida no mesmo ano e que se estende por todo o período. A copa serviu, assim, para desviar a atenção da população perante a repressão militar que vinha ficando cada vez mais profissional e irredutível. Por outro lado, o milagre econômico de Médici parecia caminhar como um verdadeiro milagre. O desenvolvimento industrial do país e do próprio Produto Nacional Bruto (PNB) crescia como nunca antes tinha-se visto. A exportação se desenvolvia de maneira semelhante à importação, cerca de 32% ao ano. Via-se bem que a célebre frase do General-presidente fazia sentido: “O Brasil vai bem, o povo é que vai mal”. Observavam-se claramente e de modo alarmante a pobreza e a desigualdade social que assolava o país. O período do governo “modernizante” de Médici chega ao fim em 1974. Assume a presidência da república o General Ernesto Geisel no dia 15 de março, tendo fim em 1979. O novo governo tinha como objetivo iniciar o processo de distensão “lenta, gradativa e segura” para o reestabelecimento da democracia. O projeto de distensão foi bem visto dentre os aliados europeus, porém com certo incômodo das classes mais conservadoras no Brasil. No governo anterior, do general Médici, os militares ganharam prestígio dentre a classe conservadora com a famigerada disseminação de grupos de esquerda, por isso achavam importante uma maior duração da ditadura militar, com o apoio à repressão como garantia de ordem. Enquanto isso, os exilados políticos faziam.

(22) 22. campanhas contra a ditadura estabelecida, denunciando as práticas repressivas e a desigualdade social explícita que ameaçava a integridade do povo brasileiro. Os grupos partidários de oposição, mesmo o PCB, ficaram quase invisíveis depois do AI-5, mas voltariam à ativa com a distensão. Mesmo assim, o governo de Geisel tranquilizouse quando em 1974, na eleição para governadores, 91% dos eleitos eram aliados ao governo, especificamente do partido Arena. Contudo, nas eleições para o Senado Federal, o MDB foi superior, ganhando 16 das 22 disputas para Senador. Desse modo, “a partir de novembro de 1974, o projeto de institucionalização da ditadura teria que se haver com vozes dissonantes, à direita e à esquerda” (REIS, 2014, p. 108). A crise internacional do petróleo atrapalhou os planos de avanço econômico do Brasil. Nacionalmente, os mesmos problemas sociais continuavam, o que viria a se agravar com a crise mundial. A voz da oposição cresceu utilizando tal fato e a partir de então vieram as greves e manifestações em prol de uma política do povo. Além disso, as prisões, torturas e mortes não foram totalmente amenizadas. Devemos lembrar que se houve uma diminuição da violência, sua única causa foi a extinção dos grupos de resistência armados ou não. Mas houve a continuidade das prisões nos órgãos militares de segurança, como os DOI-CODIS, DOPS, Cenimar e outros. A morte do jornalista Vladimir Herzog em 1975 reacendeu a revolta contra a violência armada do regime militar e colaborou para pressionar o governo na agilização da abertura. O regime liderado por Geisel ficou marcado primeiro pelas greves dos operários e depois pela Lei da Anistia em 1979. Observando o crescimento da empatia popular com os partidos de oposição, mesmo depois da Lei Falcão, que proibia as propagandas políticas contrárias ao regime vigente, o governo de Geisel resolveu interferir nas mortes que continuavam ocorrendo nos porões dos órgãos de segurança, ficando expresso que o presidente da república seria o único a autorizar qualquer ação mais radical de violência. Isso acabou sendo entendido pelos mais conservadores como uma castração da autonomia dos militares comandantes dos órgãos em questão. Logo, muitas ações violentas foram tramadas pelos órgãos de repressão, mesmo sem a autorização do presidente. Houve a morte dos organizadores da Frente Ampla, Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos Lacerda que hoje já se considera como um atentado elaborado pelos órgãos de repressão dentre outros que ainda foram vistos. Quanto às greves e os movimentos sociais da época, merece destaque o metalúrgico Luís Inácio Lula da Silva, presidente do sindicato dos metalúrgicos. Com a necessidade de novos reajustes salariais, em 1978 foi decretada greve dos setores operários, iniciando uma.

(23) 23. longa manifestação com a participação de cerca de 50 mil operários. No mesmo período, o contexto fez retornar as manifestações estudantis ocasionando a paralisação de várias universidades a partir de 1977. Para o fortalecimento do regime no congresso, um grupo de senadores eram indicados pelo presidente no intuito de estabelecer o poder ditatorial tanto no executivo quanto no legislativo. Esses senadores foram popularmente denominados “senadores biônicos”. O nome “biônico” foi adotado depois do sucesso de uma série de muito sucesso na época, chamada “O homem de 6 milhões de dólares”, o protagonista, chamado “Homem Biônico” era um herói metade humano e metade máquina, o que condiz com o cargo proposto pelo GeneralPresidente, que objetivava construir um congresso tal como se constrói uma máquina, isto é, não haveria oportunidade para um ponto de vista contrário ao que o governo militar propunha, os senadores eram comandados pelo próprio presidente para deter todo o poder do legislativo. Esses senadores biônicos surgiram durante o “Pacote de Abril”, nome dado pela Imprensa ao pacote de reforma do Judiciário, em abril de 1977, instituído pelo General Presidente. Eram medidas com o propósito de garantir a vitória do partido Arena nas eleições parlamentares de 1978. Mesmo com todas essas estratégias, em 1978, Geisel acaba cedendo e revoga o estado de exceção iniciado com o Ato Institucional nº 5, restaura o habeas corpus, concede a volta da autonomia do Poder Judiciário, autoriza lideranças cassadas a retornar do exílio e reestabelece a liberdade de imprensa. Com todas essas ações, o General-presidente dá um importante passo para o retorno da democracia no Brasil. O governo de Figueiredo já inicia com o problema das manifestações operárias provindas do governo anterior, em março de 1979. Nessa época, o movimento sindical explode com a grande greve de 1979, quando centenas de operários ocupam um estádio de futebol, sob a liderança de Lula. Mesmo depois de Figueiredo determinar reajustes salariais semestrais e negociação da produtividade como trégua provisória contra a greve, as reivindicações não foram atendidas e por isso a greve continuou em 1980, fazendo com que o governo interferisse no sindicato, fechando-o e prendendo os seus dirigentes. Em Outubro de 1979 é decretada a Lei nº 6.683, que anistiava os que cometeram atos considerados crimes políticos e ficou conhecida como Lei da Anistia. Tal período que inicia com a revogação dos atos de exceção em 1979 e tem fim com a nova Constituição de 1988 é chamado de “Transição Democrática”. Entretanto, como bem veremos, no Brasil, a transição do governo militar para um governo civil aconteceu, mas não de maneira democrática..

(24) 24. A reforma partidária em 1979 colaborou para o nascimento de seis novos partidos. A partir do protagonismo sindical nas manifestações sociais e nas greves, cria-se o Partido dos Trabalhadores (PT). Mas toda essa abertura a uma redemocratização não agradava muito setores de direita mais conservadores e radicais, o que ocasionou alguns atentados ou tentativas com a utilização de bombas, como a ocorrida em 1981 no Riocentro. O Generalpresidente, mesmo desmoralizado, providenciou o fim desse período de atentados, só não se sabe quais medidas foram tomadas para isso. As primeiras eleições diretas foram feitas para Governador em 1982. No entanto, o Brasil ainda não havia conseguido equilibrar a satisfação popular com a econômica. As crises explodiram com a dívida externa, a inflação e o desemprego. Em 1984, o povo vai às ruas em dezenas de comícios exigindo o direito de votar. Mas as eleições de março de 1985 ainda seriam indiretas, com o diferencial de quem subiu à presidência da república, José Sarney, um civil depois de 21 anos, mesmo que apoiador do governo militar. Em 1986, o governo de Sarney lançou o Plano Cruzado na tentativa de conter a inflação e renegociar a dívida externa. Ainda em 1985, foi reestabelecida por meio da Emenda Constitucional nº 25, eleição direta em todos os âmbitos de governo para as próximas eleições e no ano seguinte com a Emenda nº 26 foi definido que se “elegeria um Congresso com poderes constituintes” (REIS, 2014, p. 148). Nas eleições de 1986, todas a legendas partidárias criadas puderam participar das eleições diretas e criou-se condições para a transição democrática propriamente dita. O PMDB, partido originado do MDB, elegeu o maior número de parlamentares para compor a bancada no Congresso e compôs quase todos os Governos dos Estados. Apenas em fevereiro de 1987 se instalou o Congresso Constituinte. Em Setembro de 1988 foi a votação do texto final da Constituição brasileira e em Outubro foi promulgada. A nova Constituição seria aclamada como sendo a “Constituição Cidadã”, a qual, mesmo com algumas ambiguidades provenientes do período ditatorial, agradou a massa populacional brasileira.. 1.2 Considerações sobre a “Literatura do Contra” no período do regime militar. As considerações utilizadas nesta seção, baseiam-se, sobretudo, nos estudos desenvolvidos por Tânia Pellegrini (1996) e Flora Sussekind (1985) sobre as manifestações literárias no contexto de regime militar no Brasil. Outras bibliografias foram apreciadas neste.

(25) 25. resumo crítico, como as considerações de Antonio Candido, Roberto Schwarz e Renato Franco, contudo, os livros Gavetas vazias e Literatura e Vida literária, são considerados fontes principais. Durante o período ditatorial brasileiro as manifestações artísticas estiveram em conflito diante da realidade social. A cada novo governo, uma nova proposta de mudança, de desenvolvimento ou prosperidade adiava a volta de uma sociedade democrática. Havia sempre um Ato Institucional prestes a explodir que fazia com que toda a esperança pelo fim da ditadura instaurada fosse perdida. Até chegar o AI-5 que foi a confirmação de que, além da sociedade passar por um trauma como um governo ditatorial, ainda seria do tipo repressor e violento. Na discussão sobre as produções artísticas do período do regime militar, iremos nos centrar na arte literária, objeto de análise desse estudo. Muitos consideram que a censura foi a grande adversária dos artistas e intelectuais da época, principalmente depois do AI-5. Mas, desde 1964 os conflitos entre arte e sociedade já existiam, quando a ditadura resolveu investir na sociedade do espetáculo, como bem esclarece Flora Sussekind (1985). Enquanto a arte literária começava a explorar a homologia entre a estética e o social e tinha liberdade, até 1968, para fazer uma literatura engajada, o governo incentivava os meios de comunicação e colaborou diretamente na consolidação da televisão para a massa populacional. Durante esse período de ascensão da televisão, ganhou prestígio a TV Globo, patrocinada diretamente pelo regime militar. Assim, a literatura se tornou uma voz no vazio, já que não tinha público dentre a população de massa, a não ser um certo grupo restrito com os mesmos interesses. Desse modo, mesmo com a liberdade literária em escrever textos engajados, como Pessach, a travessia (1966), de Carlos Heitor Cony e o célebre Quarup (1967), de Antonio Callado, a literatura passou algum tempo, nesse início de ditadura militar, sem conseguir atingir as massas, com uma limitação de público-leitor. Acerca dessa quebra de relações entre as manifestações artísticas e a massa populacional, esclarece Roberto Schwarz (2008, p. 72): Cortadas naquela ocasião as pontes entre o movimento cultural e as massas, o governo Castello Branco não impediu a circulação teórica ou artística do ideário esquerdista, que embora em área restrita floresceu extraordinariamente. Com altos e baixos essa solução de habilidade durou até 1968, quando nova massa havia surgido, capaz de dar força material à ideologia: os estudantes, organizados em semiclandestinidade..

(26) 26. Assim, em 1968, quando a repressão da censura decaiu violentamente sobre as manifestações culturais, um grupo social restrito conseguiu utilizar a produção artística dos anos anteriores na organização de um movimento esquerdista mais ativo. A censura começou, então, a restringir a expressão de artigos de jornais, as letras de música, roteiros de peças teatrais e de cinema, e por fim, dos textos literários. A chamada “política de supressão” iniciou a partir de 1968, mas só veio adquirir um caráter realmente radical a partir de 1970, quando até mesmo os escritores eram presos ou perseguidos, fazendo com que muitos fossem obrigados a recorrer ao exílio. Em contrapartida, os órgãos ditatoriais responsáveis pela motivação cultural, criaram outros mecanismos para chamar atenção dos artistas e favorecer a produção literária, mesmo diante da pressão da censura. Muito mais que uma adversária, os escritores aprenderam a fazer da censura uma aliada, já que souberam adaptar o texto às restrições políticas com o uso de técnicas narrativas que camuflavam o teor crítico engajado na escrita literária. A literatura era limitada e vigiada pela forte censura, mas não tanto quanto outras manifestações artísticas. O regime ditatorial não valorizava o poder ideológico da literatura por ela não conseguir chegar até as camadas populares da sociedade. O que acabou se tornando um grande erro. Segundo Sussekind (1985, p. 21), “graças ao interesse maior da censura pelos filmes para cinema e televisão, por seu alcance; ou pelos espetáculos teatrais, por seu contato direto com o público; foi possível à literatura utilizar-se de certa margem de liberdade”, pelo menos até 1975.. Os textos literários serviam como uma extensão do jornal, trazendo em sua. estrutura estética muitos acontecimentos impossíveis de serem publicados no jornal. Depois de algum tempo, a esquerda começou a perceber essa estratégia, o que culminou no boom editorial no país, com o sucesso de vendas de obras consideradas engajadas. Assim, depois de 1975, a literatura recebe uma “resposta mais violenta da parte dos mecanismos de censura”. (SUSSEKIND, 1985, p. 21). O peso dessa censura e o Ato Institucional número 5, publicado em 1968, influenciaram nas produções artísticas da época, forçando muitos artistas a construir uma literatura que denunciasse esse tempo de forte repressão militar com o uso cada vez mais inovador da linguagem literária, de modo a camuflar críticas e posicionamentos ideológicos, principalmente nas obras posteriores a 1970, atingindo o ápice criativo em 1975. Assim, conforme Geraldo Mayrink em artigo para a revista veja em 1978 (apud PELLEGRINI, 1996, p. 16) “o AI-5 teve uma influência não apenas externa (proibindo obras), como interna (encravada no corpo dos artefatos culturais produzidos) ao forçar uma linguagem cabalística de sinais trocados, de segredos indecifráveis (...)”..

(27) 27. Desse modo, as obras do período, em geral, apresentam um potencial estético vanguardista e em algumas delas, podemos ver claramente um teor experimental da estrutura narrativa, como no romance Zero (1975), de Ignácio de Loyola Brandão, censurado na época, forçando sua primeira publicação na Itália. Outro texto literário que utiliza uma técnica narrativa original e sobretudo sutil em seu posicionamento ideológico é o romance As meninas (1973), de Lygia Fagundes Telles. Em tal obra, a relação entre as personagens, Lorena, Lia e Ana Clara, e sua relação com a sociedade ditatorial este diluída no texto, que tece críticas incisivas às diversas esferas sociais, com a representação da burguesia, dos grupos militância política e da desigualdade social alarmante do período. Antonio Candido (2011b, p. 253) também ressalta a pluralidade narrativa das obras desse período, com o próprio desdobramento das características tradicionais dos gêneros literários, em especial o romanesco. Segundo ele, “(...) o timbre dos anos 60 e sobretudo 70 foram as contribuições de linha experimental e renovadora, refletindo de maneira crispada, na técnica e na concepção da narrativa, esses anos de vanguarda estética e amargura política”. As obras da década de 70 expõem claramente o silêncio, proveniente da castração da liberdade de expressão, e o medo que se propagava no país. A originalidade estética derivava das lacunas que haviam nas narrativas que denunciavam o momento histórico. Personagens sem caracterizações, narrativa não-linear, excesso de fluxos psicológicos e outras características, faziam com que nascesse, em um período tão complicado para a produção literária, um novo modo de se pensar o romance, voltado a necessidade de responder por meio do discurso literário o próprio universo discursivo mimetizado. Sobre o experimentalismo da linguagem e como consequência essa imprecisão dos gêneros literários, explica Antonio Candido: Hoje não há mais gêneros literários. Esta crise nos gêneros favorece no escritor o gosto de uma liberdade desejada mas incômoda, pois, torna-se necessário descobrir até certo ponto o próprio enquadramento; o escritor está entregue a sua própria liberdade. Daí não apenas a possibilidade, mas a necessidade de experimentação. (Veja 15/10/1975) (apud PELLEGRINI, 2008, p. 17).. Mas a censura não foi a única adversária das produções artísticas da época. A indústria cultural do período militar trouxe uma “política de cooptação”, segundo Sussekind (1985), para a arte, que pressupunha um amplo jogo de incentivo das manifestações artísticas, com a abertura de dezenas de concursos e prêmios para fomentar a produção. Esse incentivo provém, exatamente, da necessidade de controle das esferas artísticas. Com isso, houve o.

(28) 28. surgimento de diversos novos escritores e a ascensão do gênero conto, que em um momento de auge da literatura experimental, apresenta uma maior liberdade artística na técnica narrativa de menos extensão. Roberto Drummond, com o livro de contos A morte de D.J. em Paris (1975), foi um dos novos escritores descobertos por meio dos vários concursos surgidos durante o longo período do governo ditatorial. Além dessa política do incentivo, a arte encontrou no nacionalismo exacerbado um grande adversário. Exemplo disso foi o grande conflito entre a própria esquerda com os músicos do movimento artístico denominado Tropicalismo. No período havia uma necessidade de retorno ao popular, de maneira a enfatizar um Brasil livre do poder internacional. Com esse pensamento, a esquerda não entendeu a crítica e o bom uso das Guitarras elétricas na Música Popular Brasileira. Esse impasse gerou algumas manifestações contra a Guitarra Elétrica americana nas músicas tropicalistas compostas na década de 70. Na crítica literária, preferiu-se o estudo imanente do texto literário. A teoria Estruturalista era uma saída para o desenvolvimento de uma crítica preocupada com a estrutura do texto, nunca com seu sentido ideológico e sua relação com a sociedade. Muitos críticos foram terminantemente contra tal estudo, demonstrando que a literatura é uma criação estética do próprio contexto de enunciação, como Antonio Candido e Roberto Schwarz. Nessa confusão crítica, houveram também os extremos opostos. Muitos da esquerda cobravam um posicionamento puramente ideológico dos escritores nas obras literárias. Surge-se, assim, uma pressão pela resistência na literatura, ou melhor, uma literatura terminantemente engajada e militante. O mercado editorial a partir desse mesmo ano, começa a temer as publicações de alguns textos literários ou relatos pessoais. A editora Civilização Brasileira teve a coragem de continuar as publicações, mesmo que de obras com sentido estritamente ideológicas. Com isso, foi perseguida e teve sua autonomia castrada pelo regime militar, culminando em um incêndio na sede da editora já no final da década de 70. O próprio editor Ênio da Silveira foi preso diversas vezes acusado de subversão. Desse modo, vários foram os opositores da produção artística no período ditatorial. Na literatura, começa-se observando a dificuldade das narrativas chegarem à população. Depois vemos a força da censura, na tentativa de silenciar os escritores; o ufanismo futebolístico da década de 70, que contribuiu para a indiferença ainda mais marcante da grande massa populacional; e o nacionalismo de esquerda dos próprios grupos opositores ao regime, que se mostraram muitas vezes, no decorrer da história, tão radicais quanto seus algozes. Quanto a este nacionalismo, houve a dificuldade em lidar com a necessidade do engajamento político.

(29) 29. da literatura, exigido pelos grupos de esquerda, como forma de resistência clara e direta. Houve também a dificuldade contrária, em relação à crítica Estruturalista que determinava o estudo imanente do texto, sem qualquer visão ideológica que relacionasse a obra ao seu contexto. E por último, a perseguição ao mercado editorial, fechado para publicações após a censura, de narrativas de caráter engajado. Logo, a produção artística teve vários adversários, chegando a um momento crítico, após o AI-5, de diminuição de publicações literárias. A maioria das obras inseridas no período de ditadura militar articula um momento singular do país, em que a arte voltava-se diretamente para a sociedade em um “sentimento de oposição”, segundo Antonio Candido (2011b). Denomina-se “romances de resistência” as obras que tinham o intuito de construir uma identidade para as construções artísticas que apresentavam o mesmo objetivo, o de opor-se ao regime militar vigente. A literatura, portanto, torna-se “foco de resistência” (PELLEGRINI, 1996 p. 17) e tem a necessidade de trazer um sentido ideológico para o texto, com uma construção, neste sentido, neo-realista. Davi Arrigucci Jr. (1999 p. 11) considera como neo-realismo esse realismo alegórico e documental que vinha surgindo nas narrativas, sejam elas ficcionais ou relatos, e que estavam ligadas “às formas de representação do jornal”. Portanto, a literatura Assume, já nesse início de década [...] um papel que, se não chega a constituir uma novidade, vai estar reforçado e revalorizado pelas circunstâncias políticas e culturais do país: contar a história, testemunhar, colar-se ao real imediato. (HOLLANDA; GONÇALVES, 2005, P. 102). Assim, os romances apresentavam a necessidade de uma ânsia documental e por isso, trouxeram para o procedimento narrativo aspectos comuns a escrita jornalística, sendo chamadas “romances-reportagem”. Acerca dessas nomenclaturas que caracterizam uma determinada geração, Antonio Candido (2011b), utiliza a terminologia “literatura do contra” e dá destaque àquelas surgidas nos anos 70, enfatizando sua construção criativa de reduzir estruturalmente a sociedade brasileira e o próprio momento histórico. O que se via claramente era que na maior parte da produção literária do período ditatorial havia uma homologia entre a estética e o contexto social. A literatura não poderia fugir da realidade da qual ela também fazia parte. Segundo Pellegrini (1996, p. 8) “a arte não é apenas representação da realidade; sendo obra e sendo arte, ela reconhece a realidade e a cria, pois é parte integrante da realidade social, é elemento da estrutura de tal sociedade e expressão da produtividade social e espiritual do homem”. Durante o período, a literatura explorou sua inserção na estrutura social, ressignificando as experiências singulares da.

(30) 30. sociedade em criação artística, em uma forma de redução estrutural do contexto de enunciação. O conceito de redução estrutural, de Antonio Candido, corrobora com a citação anterior de relação arte-sociedade, em que a literatura, muito mais que uma mera representação, é uma forma de recriação artística da realidade vigente. Quanto a isso, observamos diversas críticas à experimentação da linguagem e da técnica narrativa, por verem na literatura um elemento informacional ou documental, e por isso, dando-lhe a obrigação de resistir por meio da linguagem no conteúdo do texto literário, quando o foco dos escritores na época era a inovação da forma. Quanto a isso, Antonio Candido em Literatura e Sociedade (2011a, p. 22), já traz essa relação entre estrutura formal e contexto histórico como estudo necessário na teoria literária, afirmando a primazia da forma, ao dizer que “a mimese é sempre uma forma de poiese”. Os elementos sociais participam da construção artística, de modo que passa a compor o universo discursivo criado no romance. É importante perceber como o autor constrói o mundo em sua sintaxe, já que é nela que o conteúdo é inserido. O famoso lema revolucionário de Maiakovski corrobora tal acepção quando afirma “sem forma revolucionária não há arte revolucionária”1. No entanto, a inovação das produções literárias do período chegou ao ponto de originar narrativas inseridas em um gênero novo, principalmente quando se fala em romance. Assim explicita Pellegrini (1996, p. 22): “esse tipo de narrativa, geralmente de cunho político, representa talvez um gênero novo (ou gêneros), ligado às injunções próprias da nossa situação histórica e que extrapola os velhos esquematismos forma/conteúdo”. Neste sentido, a discussão colocada da supremacia da forma e do conteúdo já perdera seu sentido, no momento em que as narrativas chegaram em um ponto de experimentalismo capaz de fugir dos próprios aspectos comuns aos gêneros literários estabelecidos. Nessa valorização do conteúdo de denúncia do período repressivo, vimos uma série de relatos, depoimentos e testemunhos publicados, principalmente depois de 1979, com a aprovação da Lei da Anistia. Diante disso, houve o questionamento relevante acerca do contraponto entre o literário e o não-literário. O surgimento de diversos tipos de literatura, seja do tipo alegórica, documental, testemunhal, realista etc., fez com que a crítica literária começasse a prestar atenção aos limites do gênero literário. Quanto a isso, destacamos a literatura-depoimento de Fernando Gabeira, O que é isso, Companheiro? (1979), em contrapartida o romance-testemunho de Renato Tapajós, Em câmera lenta (1978). Não é 1. Tal lema foi anexado em 1961 como Post Scriptum ao Plano Piloto para Poesia Concreta (1958), de Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari. (CAMPOS, Haroldo; CAMPOS, Augusto; PIGNATARI, Décio. Teoria da Poesia Concreta: textos críticos e manifestos 1950-1960. São Paulo: Ateliê Editorial. 2006)..

Referências

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