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Administração Pública, litigiosidade e juridicidade: a importância da Advocacia Pública para o exercício da função administrativa DOUTORADO EM DIREITO

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Claudio Penedo Madureira

Administração Pública, litigiosidade e juridicidade: a importância

da Advocacia Pública para o exercício da função administrativa

DOUTORADO EM DIREITO

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Administração Pública, litigiosidade e juridicidade: a importância

da Advocacia Pública para o exercício da função administrativa

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito, área de concentração Direito Administrativo, sob a orientação do Professor Doutor Clovis Beznos.

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BANCA EXAMINADORA

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seria possível a realização do verdadeiro exercício de transpiração que foi a construção deste estudo.

Agradeço, ainda, aos Professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, ao pessoal da Secretaria do Doutorado e aos colegas com quem tive o prazer de compartilhar o dia a dia de um Programa de Pós-Graduação que realmente prima pela qualidade de sua pesquisa. Entre eles, dirijo um agradecimento especial ao Professor Clovis Beznos, meu Orientador no Doutorado, e aos Professores Márcio Cammarosano e Maria Helena Diniz, pela terna acolhida e pelas gentis palavras de incentivo; bem como aos Professores Ricardo Marcondes Martins e Luiz Manuel Fonseca Pires, que juntamente com o Professor Clovis compuseram a minha Banca de Qualificação, pelas oportunas observações críticas que me fizeram naquela oportunidade, que foram fundamentais ao aperfeiçoamento de meu trabalho.

Também agradeço a Cláudia Oliveira de Barros Feitosa e a Márcia Elena Dias Alves, pelo providencial auxílio na pesquisa e revisão das minhas referências bibliográficas e na confecção do meu resumo (abstract).

Agradeço, outrossim, aos meus Professores da Graduação e do Mestrado de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo, aos quais cumprimento da pessoa dos Professores Francisco Vieira Lima Neto, meu Orientador no Mestrado e combativo advogado público, e Jader Ferreira Guimarães, cuja prestimosa orientação foi fundamental para o redirecionamento dos meus estudos para as discussões jurídicas subjacentes ao Direito do Estado e, sobretudo, para o meu ingresso no Doutorado da PUC/SP.

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isso lhes dirijo os meus mais sinceros agradecimentos, dois Procuradores Gerais do Estado com quem tive a felicidade de trabalhar nos últimos anos, que com habilidade invulgar e irretocável vocação democrática, lideraram a construção dentro da Procuradoria Geral do Estado do Espírito Santo de modo de atuação bastante semelhante àquele descrito, nas linhas que se seguem, como paradigma para a atuação da Advocacia Pública: Rodrigo Rabello Vieira e Rodrigo Marques de Abreu Júdice.

Por fim, à minha esposa, Brunela, às minhas filhas, Maria Luísa e Ana Maria, aos meus pais, Márcio e Wanda, aos meus familiares, assim como aos verdadeiros amigos, mais do que um simples agradecimento, expresso as minhas mais sinceras desculpas pelas vezes que me ausentei do nosso convívio para dedicar-me a este trabalho; que, por isso, é tanto meu quanto de vocês.

Cachoeiro de Itapemirim/ES, novembro de 2013.

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“Quanto mais aprendemos sobre o Direito, mais nos convencemos de que nada de importante sobre ele é incontestável”.

Ronald Dworkin1

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Advocacia Pública para o exercício da função administrativa

RESUMO

Abordo o problema da litigiosidade no processo, mas sob o enfoque da necessária compatibilidade do agir administrativo aos limites impostos pelo ordenamento jurídico-positivo à intervenção do Estado na esfera das disponibilidades jurídicas do cidadão. A discussão proposta é relevante porque o Estado, como elemento orgânico da institucionalização política de uma sociedade, sustenta, em todas as suas emanações, numerosas responsabilidades e pretensões, que o conduzem, cotidianamente, aos litígios judiciais. Ocorre que, como cediço, a Administração Pública e seus agentes estão sujeitos aos ditames da legalidade estrita (aqui compreendida como juridicidade, para também abarcar o cumprimento das regras e princípios que integram a Constituição) e têm sua atuação vinculada à realização do interesse público (aqui compreendido como interesse do Estado e da sociedade na observância da ordem jurídica estabelecida). Essa constatação tem crucial importância para a compreensão do problema da litigiosidade na esfera pública, visto que a incidência da legalidade estrita e a necessidade da realização do interesse público condicionam a atuação estatal a uma correta aplicação do Direito. É certo que o atendimento desse reclame pressupõe atividade interpretativa, e que nem sempre os agentes públicos estão preparados para exercitá-la, o que em parte se explica em parte pela diversidade na base de formação profissional das pessoas que integram a Administração. Com isso, surgem, em concreto, problemas na realização de atos necessários à execução da função administrativa, pautados em equívocos na aplicação do Direito. Assim, pode ocorrer, por exemplo, de a Administração negar fruição a direitos subjetivos assegurados pelo ordenamento, ou dela impor aos administrados obrigações e sanções não autorizadas pelos textos normativos. Esses equívocos precisam ser corrigidos pela Administração, sob pena e risco de se depreender, na casuística, ofensa à legalidade estrita e de não se promover adequadamente a realização do interesse público. Nisso reside a importância da Advocacia Pública e de seus integrantes (os advogados públicos, também designados como procuradores), a quem a Constituição (arts. 131 e 132) confere o atendimento ao poder público nos processos administrativos (atividade consultiva) e judiciais (atividade contenciosa), no curso dos quais esses profissionais exercem, ainda, o controle interno da juridicidade do agir administrativo (art. 70). Como decorrência desse controle jurídico, sempre que verificarem que atos praticados pela Administração contrariam o Direito, os advogados públicos devem orientar a sua revisão na esfera administrativa (atividade consultiva). Cumpre-lhes, ainda, utilizarem-se dos mecanismos que lhes são conferidos pelo ordenamento para promover a antecipação do desfecho de demandas judiciais em que se discute a validade desses mesmos atos viciados, por exemplo, deixando de apresentar defesas/recursos e promovendo a conciliação no processo (atividade contenciosa). Esses elementos induzem a conclusão de que é incompatível com o regime jurídico administrativo, em especial com a legalidade estrita e com a necessidade de realização do interesse público, a compreensão segundo a qual compete aos advogados públicos, como profissionais de atividade jurídica vinculada, “sustentar o insustentável”, ou “contestar incontestável”, nos processos em que atuam.

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Advocacy for practice of administrative function

ABSTRACT

I focus the problem of litigation in the legal process, but under the view of needed compatibility of administrative acting in the boundaries imposed by positive-law order to the State intervention in the range of legal possibilities of the citizen. The discussion proposed here is important because the State, as an organic element of political institutionalization of a society supports in all its aspects several possibilities and claims that lead it to legal litigations dayly. The fact is that Public Administration and its agents are subject to the rules of written legality (here understood as juridicity in order to cover the following of rules that are part of the Constitution) and have their activities linked to the achievement of public interest (here understood as State and society interest observing the established juridical order). This finding is of crucial importance for understanding the litigation problem in the public field, since the incidence of strict legality and need of public interest achievement condition the state activity to a correct application do Law. The achievement of this purpose presupposes interpretative activity and not always the public agents are prepared to act, which explains diversity in the basis of professional training that are part of the Administration. Like this problems outcome in the realization of necessary acts to the administrative functions, based on mistakes in the Law application. It may happen that Administration denies usufruct to subjective rights by order or from it imposes the administered people obligations and punishment not authorized by the normative terms. These mistakes need to be corrected by Administration under the hazard and risk of inferring offense to strict legality and of not promoting properly the achievement of public interest. The importance of Public Advocacy and its participants is here to whom the Constitution (articles 131 e 132) gives assistance to the public service in the administrative processes by means of which these professionals can have the internal control of juridicity of the administrative acting (article 70). As a consequence of this juridical control, when acts practiced by the Administration contradicts Law, the public lawyers must direct their review in the administrative range. It is their duty to use tools that are given to them to promote the anticipation of litigious demand closure that the validity of these same acts are discussed, for example, not presenting defense or legal resources and promoting conciliation in the process. These elements lead to the conclusion that it is incompatible to the administrative law system, specially to the strict legality and with the need of achieving public interest, the understanding according to which it is for the public lawyers , as professionals of the linked legal activity “support the unsustainable” or “question the unquestionable” in the processes they are linked to.

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PRIMEIRA PARTE - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, LITIGIOSIDADE E

JURIDICIDADE... 19

1. O PROBLEMA DA LITIGIOSIDADE E A APLICAÇÃO DO DIREITO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA... 20

1.1. O poder público como agente indutor da litigiosidade no processo e da morosidade da Justiça... 21

1.2. Legalidade, legalidade estrita e vinculação dos agentes públicos ao Direito.... 23

1.3. Agir administrativo e interesse público... 28

2. IMPORTÂNCIA TEÓRICA E PRÁTICA DA ADOÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO DE CONCEITO DE INTERESSE PÚBLICO COMPATÍVEL COM OS DITAMES DA LEGALIDADE ESTRITA... 34

2.1. O que é interesse público?... 36

2.1.1. Interesse público como realização de interesses individuais... 38

2.1.2. Interesse público como interesse da sociedade... 39

2.1.3. Interesse público como realização da dignidade da pessoa humana... 40

2.1.4. Interesse público como síntese dos interesses assimilados pelo ordenamento jurídico-positivo: posicionamento do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello... 44

2.2. Contribuição da “doutrina crítica” ao princípio da supremacia do interesse público sobre o privado para uma melhor difusão do conceito de interesse público 53 2.2.1. Notas sobre a “doutrina crítica” ao princípio da supremacia do interesse público sobre o privado... 54

2.2.1.1. Posicionamento de Humberto Ávila... 57

2.2.1.2. Posicionamento de Alexandre Santos de Aragão... 60

2.2.1.3. Posicionamento de Daniel Sarmento... 62

2.2.1.4. Posicionamento de Gustavo Binenbojm... 64

2.2.1.5. Posicionamento de Paulo Ricardo Schier... 68

2.2.2. Desmistificações necessárias... 69

2.2.2.1. Distinção conceitual entre interesse público e interesse do poder público... 69

2.2.2.2. Distinção conceitual entre o interesse público e os múltiplos interesses atribuídos à coletividade... 73

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manifestada pelo Professor Celso Antônio Bandeira de Mello... 79

2.2.3.2. Impropriedade teórica da caracterização do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado como “regra de preferência”... 81

2.2.3.3. O direcionamento da crítica à operacionalização prática do princípio analisado e a ausência de correlação lógica entre o seu objeto e a proposta teórica apresentada... 84

2.2.4. Atualidade e funcionalidade da definição de conceito formulada pelo Professor Celso Antônio Bandeira de Mello... 87

2.2.5. Interesse público e ponderação: atualizando a definição de conceito formulada pelo Professor Celso Antônio Bandeira de Mello... 89

SEGUNDA PARTE – ADVOCACIA PÚBLICA E AUTONOMIA TÉCNICA... 95

3. AS ATIVIDADES TÍPICAS DE ADVOCACIA PÚBLICA E O ÂMBITO DA SUA INCIDÊNCIA... 96

3.1. Atividades típicas de advocacia pública... 96

3.1.1. Consultoria jurídica... 98

3.1.2. Contencioso judicial... 106

3.1.3. Uma terceira atividade típica: o controle interno da juridicidade do agir administrativo... 108

3.2. A função administrativa como campo de incidência das atividades típicas de advocacia pública... 114

3.2.1. O problema relativo ao exercício de atividades típicas de advocacia pública para atendimento ao Poder Legislativo, ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e aos Tribunais de Contas... 119

3.2.2. O problema relativo ao exercício de atividades típicas de advocacia pública para atendimento a empresas públicas e sociedades de economia mista... 129

4. CONDICIONANTES TEÓRICAS DA AUTONOMIA TÉCNICA DA ADVOCACIA PÚBLICA... 140

4.1. Retrospecto do tratamento normativo conferido pelo Direito Brasileiro às procuradorias jurídicas... 142

4.2. Posicionamento da Advocacia Pública na organização do Estado Brasileiro... 158

4.2.1. As “Procuraturas Constitucionais” e suas respectivas funções institucionais... 162

4.2.2. Dificuldades inerentes à qualificação da Advocacia Pública como órgão subordinado ao Poder Executivo... 167

4.2.3. A Advocacia Pública como “órgão constitucional de soberania”... 170

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4.3.3. Reflexões sobre existência de hierarquia entre os advogados públicos e sobre a necessidade de se promover a uniformização dos posicionamentos

jurídicos firmados pela Advocacia Pública... 193

4.3.4. Autonomia do procurador ou da procuradoria?... 197

5. DISCUSSÕES JURÍDICAS SUBJACENTES À AFIRMAÇÃO DA AUTONOMIA TÉCNICA DA ADVOCACIA PÚBLICA... 199

5.1. O problema relativo à atribuição de atividades típicas de advogados públicos a pessoas estranhas aos quadros da Advocacia Pública... 200

5.1.1. Sobre o atendimento da Administração Pública por escritórios de advocacia e advogados contratados... 201

5.1.2.Sobre a atribuição de atividades típicas a servidores comissionados... 207

5.1.3.Sobre a atribuição do comando das procuradorias a pessoas estranhas aos quadros da Advocacia Pública... 214

5.1.4. O controle jurídico das manifestações de advogados contratados e procuradores-chefes como instrumento para promoção da legalidade do agir administrativo e do atendimento do interesse público... 217

5.2. O problema da responsabilização de procuradores por suas manifestações jurídicas... 223

5.2.1. Legalidade, moralidade e probidade: uma necessária delimitação do conceito de improbidade administrativa... 228

5.2.2. O caráter problemático da aplicação do Direito na Era Contemporânea 233 5.2.3. A mecânica dos opinamentos jurídicos e a exigência de voluntariedade da conduta para incursão na infração... 241

5.2.4. Absoluta ausência de correlação lógica entre o hipotético equívoco na interpretação do Direito e a efetiva demonstração da responsabilidade do agente imputado... 248

5.2.5. Ilegitimidade da responsabilização de procuradores por suas manifestações jurídicas... 253

TERCEIRA PARTE - ADVOCACIA PÚBLICA E FUNÇÃO ADMINISTRATIVA... 256

6. A IMPORTÂNCIA DA ADVOCACIA PÚBLICA PARA O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO ADMINISTRATIVA... 257

6.1. Importância da atividade consultiva desenvolvida pela Advocacia Pública... 258

6.1.1. Atividade consultiva e interesse público... 259

6.1.2. Atividade consultiva e prevenção de demandas judiciais... 261

6.1.2.1. A consultoria jurídica e a correção de equívocos da Administração Pública na interpretação e aplicação do Direito... 262

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deduzidos em juízo pelo poder público... 272 6.2.2. Mecanismos de atuação disponíveis aos advogados públicos... 275

6.2.2.1. Dispensa da apresentação de defesa e autorização para reconhecimento da procedência do pedido... 276

6.2.2.2. Autorização para desistência de ações propostas e/ou para renúncia do direito em que se funda o litígio... 278

6.2.2.3. Dispensa da apresentação de recursos e autorização para desistência de recursos interpostos... 281

6.2.2.4. Opção pela conciliação no processo... 283 6.2.3. Imperiosidade da utilização pelos advogados públicos dos mecanismos que permitem a antecipação do desfecho de ações judiciais virtualmente perdidas... 288 6.2.4. Necessidade de formalização das razões que justificam a dispensa da apresentação de defesas e recursos e a opção pela conciliação... 293 6.2.5. A jurisprudência consolidada nos Tribunais brasileiros como padrão valorativo adequado a balizar a disposição pelos advogados públicos de direitos e interesses deduzidos em juízo pelo poder público... 294 6.3. Importância da atividade de controle interno desenvolvida pela Advocacia Pública... 301

7. FRONTEIRAS DA ATUAÇÃO DA ADVOCACIA PÚBLICA NA

ORIENTAÇÃO E CONTROLE DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO ADMINISTRATIVA... 305

7.1. Condicionantes da representação de irregularidades a órgãos externos de fiscalização e controle... 305 7.2. Particularidades da depreensão de irregularidades quando se tem em vista simples discordância de posicionamento jurídico entre integrantes da Administração Pública... 309 7.3. Postura a ser adotada pelos procuradores no seu relacionamento com outros servidores e com autoridades administrativas... 315

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INTRODUÇÃO

É tema recorrente nas investigações dos juristas brasileiros a crise da realização do Direito, contexto em que se situam, em posição de destaque, discussões relativas à demora do Poder Judiciário em dar resposta aos conflitos submetidos à sua apreciação. Com muita freqüência questiona-se, nesse campo, a ineficiência dos diplomas legislativos que compõem nosso regime processual, em especial a circunstância de a lei processual em hipótese estabelecer prazos muitos extensos para as manifestações das partes e prever espécies recursais supostamente desnecessárias1.

Este trabalho tangencia essa temática, que procuro enfrentar, todavia, sob enfoque distinto. Tomo como premissa de análise a suposição de que a crise da realização do Direito no Brasil tem raízes mais profundas, relacionadas ao problema da litigiosidade. Estou convencido de que uma melhor compreensão das partes sobre os reais contornos do objeto litigioso, seja no que se refere à caracterização dos fatos constitutivos da lide, seja no que toca à identificação e interpretação dos enunciados prescritivos que lhes são aplicáveis, conduz, potencialmente, a um desfecho mais célere para a contenda, que pode nem vir a ser judicializada (prevenção de demandas judiciais) ou, ainda, encerrar-se antes da prolação de decisão definitiva pelo Poder Judiciário (reconhecimento do pedido, opção pela não apresentação de defesas e recursos, conciliação, etc.). Assim, em apertada síntese, quer me parecer que as partes envolvidas em um litígio podem ser convencidas de que não há sentido em instaurar ou sustentar uma ação judicial quando depreenderem, de antemão, que o desfecho dessa demanda hipotética não lhes será favorável2.

1 Semelhante percepção do problema inclusive conduziu o Ministro Cezar Peluso, então Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, a formular proposta de alteração na Constituição para reduzir o número de recursos ao Supremo e ao Superior Tribunal de Justiça, como forma de conferir maior agilidade à prestação jurisdicional. Conforme se colhe de reportagem publicada no site do Conselho Nacional de Justiça, na oportunidade, Peluso “classificou a morosidade da Justiça, causada pela multiplicidade de recursos, como um problema ‘crônico, velho, persistente e relevante para a sociedade’, que precisa ser atacado pelo Judiciário em parceria com os demais Poderes” (Disponível na internet: < http://www.cnj.jus.br/atos- administrativos/13613:ministro-peluso-propoe-medida-para-combater-morosidade-gerada-por-excesso-de-recursos>; acesso em 13 de maio de 2013).

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Não ambiciono discorrer, nesta sede, sobre as razões que justificam a adoção, na seara privada, de semelhantes posturas frente ao litígio. O tema é palpitante, mas de tormentoso enfrentamento em um trabalho jurídico. A começar porque a deliberação por não instaurar/sustentar um litígio judicial pauta-se, muitas vezes, em posicionamentos que se fundam em conteúdos próprios da sociologia jurídica e, quiçá, da psicanálise, portanto em elementos estranhos à seara jurídica.

Meu objetivo é menos audacioso. Discuto, neste trabalho, o problema da litigiosidade no processo, mas sob o enfoque da necessária compatibilidade do agir administrativo aos limites impostos pelo ordenamento jurídico-positivo à intervenção do Estado na esfera das disponibilidades jurídicas do cidadão.

A discussão proposta é relevante, pois, como já se afirmou3, o poder público está presente em parte considerável das ações judiciais em curso no país. Tal se dá em parte porque o Estado, como elemento orgânico da institucionalização política de uma sociedade, sustenta, em todas as suas emanações, numerosas responsabilidades e pretensões, que o conduzem, cotidianamente, aos litígios judiciais. Porém, também instila esse quadro a compreensão, assente no plano empírico, segundo a qual compete aos advogados públicos, enquanto profissionais de atividade jurídica vinculada, posicionar-se contrariamente às suas convicções jurídicas, sustentando o insustentável, ou contestando o incontestável, pois não lhes caberia dispor sobre direitos e interesses manifestados pelo poder público, notadamente sobre aqueles deduzidos em juízo.

Ocorre que esses profissionais, além de serem advogados (que, por concepção, devem ser fieis aos interesses de seus clientes), também se investem da condição de

3 A propósito, cfr., entre outros: (MADUREIRA, Claudio Penedo. Poder público, litigiosidade e responsabilidade social. Fórum Administrativo de Direito Público, Belo Horizonte, ano 11, n.126, ago. 2011. p. 9-22); (SOUZA, Luciane Moessa de. Autonomia institucional da advocacia pública funcional de seus membros: instrumentos necessários para a concretização do Estado Democrático de Direito. In: GUEDES, Jefferson Carús; SOUZA, Luciane Moessa (Coord.). Advocacia de Estado: questões institucionais para a construção de um Estado de justiça. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 91); (MADEIRA, Danilo Cruz. O papel da Advocacia Pública no Estado Democrático de Direito. Revista Virtual da AGU, ano 10, n. 107, dez. 2010.

Disponível em:

<http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateImagemTextoThumb.aspx?idConteudo=152998&id_site=1115 &ordenacao=1>. Acesso em: 23 out. 2012. p. 02); (WATANABE, Kazuo. O acesso à justiça e a sociedade moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (Coord.).

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servidores públicos, que lhes sujeita aos ditames da legalidade estrita4 (compreendida, neste trabalho, em sentido amplo, como juridicidade, para também abarcar o cumprimento das regras e princípios que integram a Constituição) e vincula a sua atuação à realização do interesse público (aqui qualificado como interesse do Estado e da sociedade na observância da ordem jurídica estabelecida5). Assim, os advogados públicos, como quaisquer outros agentes da Administração, não podem se furtar a cumprir o Direito.

Essa constatação tem crucial importância para a compreensão do problema da litigiosidade na esfera pública e, talvez, para a sua resolução. Com efeito, se a incidência da legalidade estrita e a necessidade da realização do interesse público condicionam a atuação estatal a uma correta aplicação do Direito, disso resulta que o poder público só pode intervir na esfera das disponibilidades jurídicas do cidadão na medida em que os textos normativos o autorizarem, e nos limites dessa autorização legislativa. A título de exemplo, o Estado só pode cobrar tributos das pessoas indicadas pela lei como sujeitos passivos da relação jurídica tributária, e deve fazê-lo dentro dos limites legais, isto é, deve aplicar a alíquota prevista na lei e fazê-la incidir sobre a base de cálculo indicada pelo legislador. O mesmo vale para as multas, cuja aplicação está condicionada à violação da norma sancionadora pelo apenado. De igual modo, o poder público não pode conceder aposentadorias ou pensões àqueles que não se enquadram nas hipóteses legalmente previstas, assim como não pode recusá-las a quem atenda tais requisitos.

Contudo, nem sempre os agentes estatais estão preparados para aplicar o Direito, o que se explica, em parte, pela diversidade na base de formação técnica das pessoas que integram a Administração Pública, que é composta por médicos, ambientalistas, economistas, administradores, entre outros profissionais que não foram talhados para aplicar o Direito. Com isso, surgem, em concreto, problemas na concretização pela Administração dos enunciados prescritivos que compõem o ordenamento jurídico-positivo. Com efeito, pode ocorrer, na casuística, a exigência de tributos de pessoas que não foram indicadas na lei como

4 Enquanto o cidadão comum apenas se encontra obrigado a fazer o que a lei não lhe proíbe, os servidores públicos, entre eles os integrantes da Advocacia Pública, somente podem fazer o que a lei lhes autoriza. Quanto ao particular, cfr., por todos, os magistérios de Hely Lopes Meirelles (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 16ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 77-78), Celso Antônio Bandeira de Mello (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Legalidade, discricionariedade: seus limites e controle. In: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Grandes temas de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 57) e Maria Sylvia Zanella Di Pietro (DI PIETRO,Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 68).

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sujeitos passivos da relação jurídica tributária, ou a sua cobrança fora dos limites legais, seja pela aplicação de alíquota distinta daquela prevista na lei, seja pela incidência dessa alíquota sobre base de cálculo diferente daquela indicada pelo legislador. Pode-se depreender, ainda, a aplicação de multas quando não se está diante de violação da norma sancionadora pelo apenado, ou a rejeição de pedidos de aposentadorias e pensões formulados por pessoas que atendem aos requisitos legalmente previstos para a concessão desses benefícios previdenciários.

Esses equívocos devem ser corrigidos pela Administração, sob pena e risco de que se configure, em concreto, ofensa à legalidade estrita e de que não se realize o interesse público. Afinal, não se discute, entre nós, a possibilidade de a Administração vir a decretar, nos limites da lei, a nulidade de atos viciados, sob a invocação do instituto da autotutela6.

São de duas ordens os âmbitos de decisão em que essa atividade corretiva pode ser exercida: a esfera administrativa e o processo judicial. Em ambos, tem singular importância a atuação dos advogados públicos, a quem a Constituição atribui a representação judicial e a consultoria jurídica do poder público7, conferindo-lhes, com isso, a prerrogativa de exercer, em âmbito interno, o controle da juridicidade do agir administrativo8-9. Esses profissionais atuam preventivamente, quando prestam orientação jurídica aos demais integrantes da Administração; mas também agem curativamente, quando orientam a modificação de posicionamentos firmados pelo poder público, bem como quando atuam nos processos judiciais, contexto em que a depreensão de equívocos na aplicação do Direito por agentes estatais poderá induzir, na casuística, a dispensa da apresentação de ações, defesas e recursos, bem como a celebração de acordos nos processos. Cumpre-lhes, enfim, em um e outro âmbito de decisão, orientar a Administração Pública sobre como deve se dar a aplicação do Direito.

Postas essas premissas, procuro demonstrar, neste trabalho, que é incompatível com o regime jurídico-administrativo, e em especial com os ditames da legalidade estrita e

6 A propósito, cfr., por todos: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, cit., p. 71. 7 Como se infere da leitura dos seus artigos 131 e 132, cujo conteúdo será minudenciado no Capítulo 3.

8 De que trata o artigo 70 da Constituição da República.

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1. O PROBLEMA DA LITIGIOSIDADE E A APLICAÇÃO DO DIREITO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

Dalmo de Abreu Dallari conceitua o Estado como “ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em um território”10. Ora, se o Estado, enquanto institucionalização política de uma sociedade, resulta de uma ordem jurídica, por óbvio não lhe assiste, sob qualquer perspectiva, desafiá-la. Destarte, a sua atuação, frente à sociedade, pressupõe a atenção aos limites que lhe atribui essa mesma ordem jurídica. Afinal, como ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “a lei [...] estabelece também os limites da atuação administrativa que tenha por objeto a restrição ao exercício de [...] direitos em benefício da coletividade”11.

Disso decorre a noção de legalidade, que, na feliz observação do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, traduz o propósito político “de submeter os exercentes do poder em concreto - o administrativo - a um quadro normativo que embargue favoritismos, perseguições e desmandos”12. Até porque, como lecionam Eduardo García de Enterría e Tomás-Ramón Fernández, “a legalidade a que a Administração está sujeita é antes de tudo uma técnica para garantir a liberdade”, de tal sorte que “a violação à legalidade que leve o cidadão a suportar o que a lei não permite é uma agressão à sua liberdade e sua oposição a isto é uma defesa dela”13.

Nessa senda, Bandeira de Mello acentua que “através da norma geral, abstrata e por isso mesmo impessoal”, isto é, da “lei, editada, pois, pelo Poder Legislativo - que é o colégio representativo de todas as tendências (inclusive minoritárias) do corpo social”, pretendeu-se “garantir que a atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização dessa vontade geral”14. Por esse motivo é que os agentes públicos têm a sua atuação vinculada aos estritos limites do que lhes determinam a lei e a Constituição. Cumpre-lhes, pois, em suas

10 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 118. 11 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, cit., p. 67.

12 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, cit., p. 100.

13 ENTERRÍA, Eduardo García de; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de Derecho Administrativo, vol. II. 11ª ed. Madri, Thomson Civitas, 2008. p. 48; apud MELLO, Celso Antônio Bandeira de. A noção jurídica de “interesse público”. In: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Grandes temas de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 186.

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atividades cotidianas, aplicar corretamente o Direito, servindo, assim, aos interesses juridicizados pelos legítimos representantes do povo.

Ocorre que, dia após dia, ações judiciais são propostas por particulares em face do poder público, justamente sob a invocação de hipotética negativa de fruição a direitos subjetivos fundados em regras e princípios que compõem o ordenamento jurídico-positivo; sendo que, como mostra a experiência, diversas dessas demandas são solucionadas pelo Poder Judiciário contrariamente às posições nelas sustentadas pelos entes estatais15. Depreende-se, então, em concreto, um hiato entre a prática e a teoria, isto é, entre a imposição jurídico-normativa a que os agentes públicos apliquem corretamente o Direito e a verificação casuística de que, por vezes, essa tarefa administrativa não é exercida a contento.

O Professor Clovis Beznos certa feita expressou que, se o Estado de Direito pressupõe a efetividade do Direito e o respeito à Constituição, quando essa expectativa não se realizar, “é papel do jurista identificar os mecanismos de defesa do Estado de Direito, para que o Direito, em sua dinâmica, seja efetivo”16. A isso me proponho neste capítulo, em que tomo por objeto de análise o relacionamento entre o problema da litigiosidade e a (má) aplicação do Direito pelo poder público.

1.1. O poder público como agente indutor da litigiosidade no processo e da morosidade da Justiça.

Luciane Moessa de Souza leciona que “qualquer estudo sério sobre os entraves ao acesso à justiça no Brasil depara-se com a constatação de que o obstáculo mais criticado é a morosidade”17. Esse obstáculo, por sua vez, “encontra-se ligado, entre outros fatores, ao grande número de feitos levados ao Judiciário”, isto é, ao problema da litigiosidade18. Mas o

15 Quanto ao particular, Luciane Moessa de Souza leciona que “quando o Poder Executivo não cumpre os seus deveres estatuídos em lei, há muito se admite a necessidade e conveniência da atuação do Poder Judiciário - aí entra o já tradicional controle jurisdicional da atividade administrativa, mormente quando ela se manifesta por uma ação positiva que afronte a previsão legal, mas também por omitir-se o administrador na realização dos deveresprevistos em lei -, sendo que já ficou consagrado que o dogma da separação dos poderes deve ceder ante a necessidade de império do Direito” (SOUZA, Luciane Moessa de. Consultoria jurídica no exercício da advocacia pública: a prevenção como melhor instrumento para a concretização dos objetivos do Estado brasileiro. In: GUEDES, Jefferson Carús; SOUZA, Luciane Moessa de (Coord.). Advocacia de Estado: questões institucionais para a construção de um Estado de justiça. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 170). 16 BEZNOS, Clovis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 15. 17 SOUZA, Luciane Moessa de. Autonomia institucional da advocacia pública funcional de seus membros:

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que mais impressiona quando se enfoca essa questão é a constatação de que “o Poder Publico é, de longe, o litigante mais freqüente em juízo”19-20.

Essa constatação empírica fez com que Kazuo Watanabe reconhecesse no Estado brasileiro “um grande gerador de conflitos”21. O processualista destaca, a propósito, que parte considerável das várias demandas que diariamente afluem ao Poder Judiciário apresenta, num dos pólos, principalmente no pólo passivo, na condição de réu, o Estado ou uma de suas emanações (autarquias, empresas públicas, ou sociedades de economia mista)22. Quanto ao particular, Pierpaolo Cruz Bottini, então Secretário-Chefe da Secretaria da Reforma do Judiciário, instituída no âmbito do Ministério da Justiça, relatou, em texto acadêmico, que, conquanto no Brasil exista um processo em tramitação para cada dez brasileiros, o que sugere que, entre nós, os mecanismos de acesso ao Judiciário funcionariam muito bem, esse “alto índice de litigância no Judiciário brasileiro aponta apenas que um número muito pequeno de pessoas ou instituições utilizam intensamente o sistema, enquanto que a maior parte da população não tem acesso a este meio formal de resolução de conflitos”, para concluir, adiante, que o que vivenciamos, na verdade, não é “a democratização do acesso à justiça, mas da sua utilização exagerada por poucos atores, dentre os quais o Poder Público”23-24.

Nesse mesmo sentido se pronunciaram, em evento público, o Vice-Presidente da República, Michel Temer, e o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, como retrata notícia publicada no portal do Conselho Nacional de Justiça em 21 de março de 201125. Temer observou, na oportunidade, que “um dos grandes geradores de processos na Justiça é o Executivo”26. Cardozo, por sua vez, criticou a litigiosidade excessiva gerada pela Administração Pública e salientou a importância de se promover o maior acesso à justiça no

19 SOUZA, Luciane Moessa de. Autonomia institucional da advocacia pública funcional de seus membros: instrumentos necessários para a concretização do Estado Democrático de Direito, cit., p. 91.

20 Nesse mesmo sentido se manifesta Danilo Cruz Madeira (MADEIRA, Danilo Cruz. O papel da Advocacia Pública no Estado Democrático de Direito, cit., p. 02).

21 WATANABE, Kazuo. O acesso à justiça e a sociedade moderna, cit., p. 130. 22 Ibidem, p. 130-131.

23 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. A Justiça do Trabalho e a Reforma do Judiciário, cit., p. 102.

24 Sobre o assunto, ler também: MADUREIRA, Claudio Penedo. Poder público, litigiosidade e responsabilidade social, cit.

25 Disponível na internet: <http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/13613:ministro-peluso-propoe-medida-para-combater-morosidade-gerada-por-excesso-de-recursos>; acesso em 13 de maio de 2013.

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Brasil, dispondo, a propósito, que “se de um lado temos a litigiosidade do Estado com a sociedade, que abarrota os tribunais, de outro temos muitos brasileiros afastados da prestação jurisdicional, com direitos violados que não são levados à Justiça”27.

Isso ocorre porque o Estado é elemento orgânico da institucionalização política de uma sociedade, e por isso sustenta numerosas responsabilidades e pretensões, que o conduzem cotidianamente aos litígios judiciais; mas também porque comumente se supõe que competiria aos servidores públicos, em vista do conteúdo do princípio da indisponibilidade do interesse público, a defesa incondicional do erário; contexto em que cumpriria aos advogados públicos, como profissionais de atividade jurídica vinculada, posicionarem-se contrariamente às suas convicções jurídicas, sustentando o insustentável, ou contestando o incontestável, pois não lhes caberia dispor sobre direitos e interesses deduzidos em juízo pelo poder público. Todavia, semelhante inclinação teórica representa outro daqueles inconscientes coletivos que por vezes se instalam nas mentes dos juristas, e que culminam por afetar o Direito, no campo de sua aplicação, prejudicando a sua realização, até que descobertos e subjugados pelo debate científico.

Afinal, como observa, noutro trabalho, Luciane Moessa de Souza, o Estado, “como fonte praticamente exclusiva da emanação de normas jurídicas de cunho geral, [...] deveria ser o primeiro a dar o exemplo no seu cumprimento”28. Se atuasse desse modo, “além de contribuir para reduzir a morosidade do Judiciário”, o poder público “contribuiria também para despertar uma maior confiabilidade nas instituições oficiais, instaurando um clima tão propício seja para o desenvolvimento em sentido meramente econômico, seja para o desenvolvimento de uma sociedade em sentido amplo”29.

1.2. Legalidade, legalidade estrita e vinculação dos agentes públicos ao Direito.

Em rigor, não resta alternativa ao Estado brasileiro. Com efeito, como leciona Hely Lopes Meirelles, o agente público “não pode [...] deixar de cumprir os deveres que a lei lhe impõe, nem renunciar a qualquer parcela dos poderes e prerrogativas que lhes são conferidos”, precisamente porque “os deveres, poderes e prerrogativas não lhe são outorgados

27 Disponível na internet: <http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/13613:ministro-peluso-propoe-medida-para-combater-morosidade-gerada-por-excesso-de-recursos>; acesso em 13 de maio de 2013.

28 SOUZA, Luciane Moessa de. Consultoria jurídica no exercício da advocacia pública: a prevenção como melhor instrumento para a concretização dos objetivos do Estado brasileiro, cit., p. 167.

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em consideração pessoal, mas sim, para serem utilizados em benefício da comunidade administrada” 30. Daí falar-se em legalidade estrita, a vincular a Administração Pública e seus agentes, que, conforme observa o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, é “fruto da submissão do Estado à lei”31; que se encontra positivada, entre nós, como princípio de sede constitucional, na medida em que restou assentada pelo poder constituinte originário no caput do artigo 37 da Constituição32-33.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro destaca a absoluta importância da legalidade para o regime jurídico-administrativo, quando afirma que “este princípio juntamente com o de controle da Administração pelo Poder Judiciário, nasceu com o Estado de Direito e constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais”34. Nesse mesmo sentido se posiciona Romeu Felipe Bacellar Filho, quando expõe que esse princípio decorre “do Estado de Direito, respeitadas as nuances da construção do significado desse conceito em cada país”35. Trata-se, pois, como ensinam José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, de “instrumento normativo de vinculação jurídico-constitucional da Administração”36.

Por força desse princípio é que, na preciosa observação de Meirelles, “enquanto na administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza”37. Ou, como expressa Bandeira de Mello, “ao contrário dos particulares, os quais podem fazer tudo que não lhes seja proibido, a

30 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, cit., p. 77.

31 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, cit., p. 100.

32 CRFB. “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)” (destaques pessoais).

33 Cfr.: BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. A noção jurídica de interesse público no direito administrativo brasileiro. In: BACELLAR FILHO, Romeu Felipe; HACHEM, Daniel Wunder (Coord.). Direito administrativo e interesse público: estudos em homenagem ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 96.

34 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, cit., p. 67.

35 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. A noção jurídica de interesse público no Direito Administrativo Brasileiro, cit., p. 96.

36 CANOTILHO, José Joaquim Gomes de; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991. p. 84.

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Administração pode fazer apenas o que lhe seja de antemão permitido por lei”38-39. Ou, ainda, como sintetiza Di Pietro, “a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite”40.

Postos esses contornos gerais, Bacellar Filho chama a atenção para importante debate, travado no campo da Ciência, que consiste em investigar se o princípio da legalidade vincula a Administração ao ordenamento jurídico como um todo ou exclusivamente à lei em sentido formal41. Em suas próprias palavras, “o princípio da legalidade conduz à formação da relação de legalidade entre os atos administrativos, de um lado, e o sistema jurídico (concepção ampla) ou a lei em sentido formal (concepção estrita), do outro”42. Assim, ao lado de uma acepção restritiva de legalidade, que relaciona esse princípio tão-somente ao que prescrevem as leis administrativas, construiu-se, conforme Bacellar Filho, uma acepção mais ampla, que vincula a Administração e seus agentes ao ordenamento jurídico em sua integralidade, isto é, às leis e também à Constituição.

Segundo Bacellar Filho, aderem a essa acepção mais ampla de legalidade (legalidade como conformação à integralidade do ordenamento jurídico, inclusive à Constituição) Lúcia Valle de Figueiredo43, Odete Medauar44 e Carmen Lúcia Antunes Rocha45-46. Como forma de explicitá-la, o publicista procura sintetizar o pensamento de Carmen Lúcia Rocha47, observando, quanto ao particular, que, para essa professora mineira, “o princípio da legalidade [...] conserva o nome de legalidade, embora signifique, hoje,

38 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Legalidade – discricionariedade – seus limites e controle, cit., p. 57. 39 Sobre o assunto, consulte-se, ainda: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo,

cit., p. 76 e 101.

40 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, cit., p. 68.

41 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. A noção jurídica de interesse público no Direito Administrativo Brasileiro, cit., p. 96.

42 Ibidem, p. 96.

43 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Processo e procedimento administrativo. In: FIGUEIREDO, Lúcia Valle.

Perspectivas do direito público. Belo Horizonte: Del Rey, 1995.

44 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.

45 Cfr.: (ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O princípio constitucional da igualdade. Belo Horizonte: Lê, 1990) e (ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994).

46 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. A noção jurídica de interesse público no Direito Administrativo Brasileiro, cit., p. 96-97.

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juridicidade, de sorte que quando a Constituição refere-se à legalidade [...] deve-se ler juridicidade”48.

Bacellar Filho manifesta a sua adesão à acepção mais restrita de legalidade (legalidade como conformação apenas às leis), também sustentada, entre nós49, por Maria Sylvia Di Pietro50. Esse professor paranaense defende que “a adoção do sentido restrito do princípio da legalidade é exigência da própria Constituição”, à consideração de que “se o princípio da legalidade pretendesse abarcar a própria vinculação constitucional da atividade administrativa seria inútil e totalmente despida de sentido a afirmação dos outros princípios constitucionais da Administração Pública”51. E observa, em arremate, que “a adoção de conceito amplo faz confundir legalidade e constitucionalidade”, pervertendo-se “a hierarquia das fontes do direito (são colocados no mesmo plano blocos distintos da pirâmide normativa) quando no sistema constitucional brasileiro estão, rigidamente, delimitados”52. Daí que, em sua opinião, a atividade administrativa pressupõe “a observância de ambos os princípios: legalidade (em sentido estrito), como cumprimento da lei formal, e juridicidade, como atendimento aos mandamentos do ordenamento jurídico como um todo, sobretudo das normas constitucionais”53.

De minha parte, não vejo razão para que se estabeleça semelhante distinção entre legalidade e juridicidade, enquanto princípios jurídicos. Com efeito, a Ciência Jurídica, campo da atuação do jurista, tem por objeto de análise as normas que compõem o ordenamento (Direito)54. As normas são editadas, como regra, pelo Parlamento55, e se qualificam como proposições prescritivas, porque prescrevem comandos que devem ser obedecidos pelos seus destinatários. Analisando-as, o jurista enuncia proposições descritivas, por meio das quais procura descrever o Direito, criando um sistema.

48 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. A noção jurídica de interesse público no Direito Administrativo Brasileiro, cit., p. 97.

49 Ibidem, p. 97-98.

50 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, cit., p. 61.

51 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. A noção jurídica de interesse público no Direito Administrativo Brasileiro, cit., p. 99.

52 Ibidem, p. 99. 53 Ibidem, p. 99.

54 Sobre a argumentação que se segue, cfr.: MADUREIRA, Claudio. Royalties de petróleo e Federação. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 131-133, passim.

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Posto isso, torna-se absolutamente relevante distinguir ordenamento jurídico e sistema. O ordenamento é composto por normas editadas por autoridades competentes (Direito), sob a forma de enunciados prescritivos, que são reais, porque pertencem ao mundo empírico; o sistema, por sua vez, é o método de análise do ordenamento, o mecanismo pelo qual o jurista organiza seu objeto, que é o Direito, e por isso não é real, mas irreal, porque está no mundo do pensamento. O ordenamento apresenta contradições, que são bastante comuns no mundo fenomênico, a começar porque tantas vezes as preferências sociais de hoje destoam daquelas prevalentes no passado, o que pode induzir a formação de antinomias; o sistema não as comporta, porque, nele, o jurista procura harmonizar o Direito, pela via do emprego de técnicas interpretativas e integrativas. Assim, conquanto comumente se refira, em doutrina, ao Direito como um sistema (fala-se, a propósito, em “sistema jurídico”), o Direito não é sistema, embora possa ser visto pelos juristas como sistema56. Outras vezes, teóricos qualificam o ordenamento como sistema, mas o diferenciam do sistema produzido pela Ciência Jurídica. É assim em Emil Lask, que refere à existência de dois sistemas, o sistema da Ciência do Direito, que é criado pelo jurista, e o sistema não-teórico da realidade jurídica57; e também em Lourival Vilanova, que refere à existência de um sistema de direito positivo (ordenamento) ao lado de um sistema da Ciência do Direito (sistema)58. Mas, independentemente das designações que lhes são atribuídas pela doutrina, é fato que o ordenamento e o sistema apresentam-se, frente ao fenômeno jurídico, como realidades distintas: o primeiro como objeto de análise do jurista, ou outro como uma produção sua, cuja finalidade é conferir coerência e sistematicidade ao Direito.

Essas considerações demonstram que o trabalho do jurista, quando se propõe a descrever o Direito (ordenamento), sistematizando-o, pressupõe, sempre, a referibilidade das suas conclusões às especificidades ao ordenamento jurídico-positivo que é objeto dessa sua atividade descritiva. Destarte, a investigação acerca da hipotética separação entre a legalidade e a juridicidade conduz, por imperativo lógico, à indagação sobre se é possível, entre nós, a aplicação das leis sem necessária referência do intérprete (aplicador) às normas e princípios que integram a Constituição.

56 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à

filosofia do direito, à sociologia jurídica e à lógica jurídica. Norma jurídica e aplicação do direito. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 199-204, passim.

57 A propósito, cfr.: FERRAZ Jr., Tércio Sampaio. Conceito de direito no sistema. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976. p. 123-165.

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A resposta a esse questionamento é negativa, pois, como cediço, o Direito brasileiro comporta, desde a nossa primeira Constituição Republicana, o controle difuso de constitucionalidade das leis, que autoriza os intérpretes em geral e os juízes em particular a deixar de aplicar leis incompatíveis com o texto constitucional59. Em razão dessa particularidade do ordenamento jurídico-positivo brasileiro, não há espaço para a dissociação entre as leis e a Constituição como objeto a que se reportam a Administração e seus agentes no campo da aplicação do Direito, o que torna inadequada a distinção, no plano da Ciência, entre a legalidade e a juridicidade.

Por esse motivo é que, em minhas considerações neste trabalho, emprego a juridicidade como legalidade em um sentido mais amplo; de maneira que, quando me reporto ao conteúdo do princípio da legalidade estrita, estou a referir à vinculação da Administração e de seus agentes não apenas à lei em sentido formal, mas ao próprio Direito, quando considerado em sua integralidade. Isso significa dizer que a Administração e seus agentes também se encontram vinculados, por força desse princípio, aos enunciados prescritivos que compõem o texto constitucional, e que devem, por isso, quando de sua referência às leis, interpretá-las e aplicá-las em consonância com a Constituição.

1.3. Agir administrativo e interesse público.

As razões expostas no tópico anterior põem a salvo de quaisquer dúvidas que a atividade administrativa desenvolvida pelos servidores públicos quando se propõem a defender o erário, assim como aquela desempenhada pelos advogados públicos quando atuam na consultoria jurídica e nas ações judiciais de que toma parte o poder público, deve ser

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exercida com o propósito de possibilitar a integral fruição dos direitos subjetivos assegurados pelo ordenamento jurídico-positivo. Afinal, como assevera Maria Sylvia Zanella Di Pietro, noutra passagem, “os poderes atribuídos à Administração têm o caráter de poder-dever; são poderes que ela não pode deixar de exercer, sob pena de responder pela omissão”60. A propósito, o Professor Clovis Beznos critica o emprego da expressão poder-dever, recomendando a sua substituição pela expressão dever-poder, à consideração de que “a administração, na competência que lhe é atribuída, para curar dos interesses públicos, de onde lhe decorre um poder de agir, tem em contrapartida um dever de atuar, configurando antes tal atribuição, um dever-poder, do que um poder-dever”61. Mas é certo que, sob uma ou outra designação, “a autoridade não pode renunciar ao exercício das competências que lhe são outorgadas por lei”, pois a “cada vez que ela se omite no exercício dos seus poderes, é o interesse público que está sendo prejudicado”62, como expressa Di Pietro em arremate.

Assim, esses profissionais devem cultivar, em suas atividades cotidianas, uma correta aplicação do Direito; mesmo quando, em concreto, dela puder resultar contrariedade a interesses transitoriamente defendidos pelo poder público, comumente designados como “interesses secundários”, segundo a classificação de Renato Alessi63. Esses interesses não se apresentam como legítima expressão do interesse público, mas se qualificam, simplesmente, como interesses particulares do Estado, na locução empregada pelo Professor Celso Antônio Bandeira de Mello64, e por isso apenas se revestem dessa condição (de interesse público) quando instrumentais à realização de interesses ditos primários65. Por esse motivo, não prospera a ilação de que é missão dos servidores públicos, em especial daqueles que integram a Advocacia Pública, tão-somente “a defesa do interesse público secundário (apenas do Estado), ao passo que ao Ministério Público é que caberia, com exclusividade, a defesa do interesse público primário (da sociedade)”, como denuncia Luciane Moessa de Souza66. Luís

60 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, cit., p. 70.

61 BEZNOS, Clovis. Procuradoria Geral do Estado e defesa dos interesses públicos. Revista de Direito Público, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 23, n. 93, jan./mar. 1990. p. 138.

62 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, cit., p. 70.

63 Cfr.: ALESSI, Renato. Sistema instituzionale del diritto amministrativo italiano. 3 ed. Milão: Giuffrè, 1960. p. 197.

64 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. A noção jurídica de “interesse público”. In: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Grandes temas de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 188.

65 A propósito, reporto-me às minhas considerações no Tópico 2.1.4 do Capítulo 2.

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Roberto Barroso parece aderir a essa compreensão criticada pela publicista; como se depreende da seguinte passagem doutrinária:

“A noção de interesse público, para os fins aqui visados, irá utilizar uma distinção fundamental e pouco explorada, que o divide em primário e secundário. O interesse público primário é a razão de ser do Estado e sintetiza-se nos fins que cabe a ele promover: justiça, segurança e bem-estar social. Estes são interesses de toda a sociedade. O interesse público secundário é o da pessoa jurídica de direito público que seja parte em uma determinada relação jurídica - quer se trate da União, do Estado-membro, do Município ou das suas autarquias. Em ampla medida, pode ser identificado como interesse do erário, que é o de maximizar a arrecadação e minimizar as despesas.

Embora não tenha sido objeto de elaboração doutrinária mais densa, conforme registrado acima, essa distinção não é estranha à ordem jurídica brasileira. É dela que decorre, por exemplo, a conformação constitucional das esferas de atuação do Ministério Público e da Advocacia Pública. Ao primeiro cabe a defesa do interesse público primário; à segunda, a do interesse público secundário”67.

Ocorre que, como bem observa Marçal Justen Filho, “o Estado não pode ludibriar, espoliar ou prevalecer-se da fraqueza ou da ignorância alheia”, porque “o interesse público não reside em obter lucro, se tal se fizer através de atividades especulares, de duvidosa valia ética”68. Destarte, os agentes públicos, com destaque para a atuação da Advocacia Pública, devem perseguir, sempre, a realização do interesse público primário, de modo a assegurar aos administrados a integral fruição dos direitos subjetivos que lhes são assegurados pelo ordenamento jurídico-positivo. Até porque, pelas razões dantes expostas, outra alternativa não lhes confere o princípio da legalidade estrita, enunciado no tópico anterior.

Demais disso, sequer se justifica, em rigor, falar-se em interesse público secundário. A propósito da distinção teórica entre interesses primários e secundários, o Professor Ricardo Marcondes Martins observa, reportando-se diretamente à doutrina de Alessi69, que o interesse primário corresponde ao “complexo de direitos individuais

67 BARROSO, Luís Roberto. Prefácio. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses públicos versus interesses

privados:desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. xiii-xiv.

68 JUSTEN FILHO, Marçal. Conceito de interesse público e a “personalização” do direito administrativo.

Revista Trimestral de Direito Público, n. 26, 1999. p. 118.

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prevalentes em uma determinada organização jurídica da coletividade”, ao passo que o interesse secundário comporta “o interesse da administração enquanto aparato organizativo, unitariamente considerado”70. Entre nós, essa distinção foi propagada por Bandeira de Mello, para quem o interesse primário qualifica-se como dimensão pública dos interesses individuais, porque se refere ao plexo de interesses dos indivíduos enquanto partícipes da sociedade, ao passo que o interesse secundário é o interesse particular (ou individual) do Estado, enquanto pessoa jurídica autônoma71-72. De todo modo, tanto Alessi, quanto Bandeira de Mello “insistiram numa observação importantíssima”, ao enunciarem que “o interesse secundário só pode ser perseguido pela Administração quando for coincidente com o primário”73, como destaca Martins na seqüência.

Martins observa, ainda, que “a partir da lição de Alessi, parte de doutrina passou a defender a existência de interesses públicos disponíveis, justamente os interesses patrimoniais da Administração, interesses secundários”, dispondo, em geral, que quanto a esses interesses secundários “a Administração não gozaria de supremacia”, mas “estaria numa posição de igualdade em relação aos administrados”74. Para esse professor paulista “a pressuposição de interesses públicos disponíveis decorre de um vício metodológico, de um vício de premissa teórica, da equívoca pressuposição de que a Administração pode assumir a posição jurídica de um particular e afastar-se do regime de direito público”75.

Muito embora essa compreensão tenha escapado ao próprio Alessi76, Martins considera que sua doutrina permite superar esse vício, na medida em que expõe que o “interesse público secundário só é reconhecido pelo Direito quando for coincidente com o interesse público primário”77. Nessa perspectiva, “não basta que o interesse secundário da Administração seja compatível com o primário, ele deve ser coincidente, quer dizer, ele deve

70 MARTINS, Ricardo Marcondes. Arbitragem e administração pública: contribuição para o sepultamento do tema. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo: Malheiros, n. 54, 2011. p. 197-198.

71 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. p. 65-66.

72 Quanto ao particular, cfr., ainda: MARTINS, Ricardo Marcondes. Arbitragem e administração pública: contribuição para o sepultamento do tema, cit., p. 198.

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ser igual ao primário”78. Enfim, o “interesse público secundário, enquanto interesse juridicamente reconhecido, não possui autonomia”, precisamente porque “só é juridicamente acatado pelo ordenamento se for coincidente com o primário”. Assim, “noutros termos, o interesse secundário será um interesse juridicamente reconhecido somente quando for também um interesse primário”79. Trata-se, conforme Martins, “de uma armadilha conceitual: a Administração só pode perseguir o interesse primário e, por isso, só pode perseguir o chamado interesse secundário quando este for interesse primário”80. Destarte, ou interesse secundário coincide com o interesse primário, qualificando-se, assim, como interesse público, ou não se trata de interesse público.

Por uma e outra razão, em nada se distinguem, quanto ao particular, as finalidades da atuação dos advogados públicos e dos membros do Ministério Público. Afinal, quando se tem em vista a interpretação e aplicação do Direito, uns e outros devem procurar induzir, cada qual a seu modo, a efetiva realização dos direitos subjetivos individuais assegurados pelo ordenamento jurídico-positivo. Nesse campo, cumpre aos agentes estatais aplicar o Direito aos fatos administrativos, inclusive quando realizam o controle interno da juridicidade do agir administrativo, que é atividade típica de advocacia pública, na medida em que se instrumentaliza a partir da atuação dos procuradores nos âmbitos consultivo e contencioso81. Essa sua atuação pode ser preventiva, quando realizada no contexto da tomada de posições em âmbito administrativo, notadamente quando se está diante da revisão de posturas administrativas contrárias ao Direito (autotutela), própria da atividade de controle desempenhada pela Advocacia Pública em âmbito consultivo82. Mas também deve ser desenvolvida no ambiente processual, quando se verificar, em concreto, que a pretensão deduzida em juízo pelo poder público, ou ato impugnado pelo postulante, revela-se contrário ao Direito83-84.

78 MARTINS, Ricardo Marcondes. Arbitragem e administração pública: contribuição para o sepultamento do tema, cit., p. 200-201.

79 Ibidem, p. 201. 80 Ibidem, p. 201.

81 Quanto ao particular, reporto-me às minhas observações no Tópico 3.1.3 do Capítulo 3. 82 Cfr., ao ensejo, as considerações que teci no Tópico 3.1.1 do Capítulo 3.

83 Sobre o assunto, ver, também, o argumento contido no Tópico 3.1.2 do Capítulo 3.

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Daí que, como expressa Romeu Felipe Bacellar Filho, “não é por outro motivo, senão para alcançar o interesse público, que a Administração Pública, antes de tudo, está presa ao princípio da legalidade”85. O que se dá é que a legalidade estrita apresenta-se, conforme Bandeira de Mello, como decorrência natural do interesse público, bem como da sua indisponibilidade pela Administração86. Disso resulta que, sob a ótica da atuação da Administração Pública e de seus agentes, a realização do interesse público deve guardar irrestrita compatibilidade com o Direito, adequando-se, assim, aos ditames da legalidade estrita.

finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas” (destaques pessoais). Retomarei esse ponto no Tópico 3.1.3 do Capítulo 3.

85 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. A noção jurídica de interesse público no Direito Administrativo Brasileiro, cit., p. 95.

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2. IMPORTÂNCIA TEÓRICA E PRÁTICA DA ADOÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO DE CONCEITO DE INTERESSE PÚBLICO COMPATÍVEL COM OS DITAMES DA LEGALIDADE ESTRITA.

Fábio Medina Osório leciona que “na ausência do interesse público, a Administração Pública, em nossos dias, não poderia atuar, em face do desaparecimento de seu único, porém suficiente, suporte justificatório”87. Mas adverte que essa expressão “não traduz nenhuma ‘fórmula mágica’ que a tudo pode abarcar”, e que é “difícil estabelecer um conceito apriorístico e material de interesse público, dada a grande diversidade de conteúdos que um interesse público comporta, e tendo em vista a enorme variedade de situações nas quais pode incidir e operar funcionalmente”88.

Ciente dessas dificuldades, Guilhermo Andrés Muñoz, em conferência ministrada em maio de 2003 no “V Congresso de La Asociación de Derecho Público del MERCOSUR”89, optou por não definir o conceito de interesse público, preferindo dizer que “o interesse público é como o amor”90. Na oportunidade, esse professor argentino observou que muito embora as pessoas, de um modo geral, animem-se a dizer que sabem o que é o amor, poucos conseguiriam expressar o seu significado; e por isso concluiu que o melhor, então, seria não defini-lo91-92.

87 OSÓRIO, Fábio Medina. Existe uma supremacia do interesse público sobre o privado no direito administrativo brasileiro? Revista dos Tribunais, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 770, dez.1999. p. 54.

88 Ibidem, p. 57.

89 Doravante publicada na coletânea “Direito administrativo e interesse público: estudos em homenagem ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello” (MUÑOZ, Guilhermo Andrés. El interés público es como el amor. In: BACELLAR FILHO, Romeu Felipe; HACHEM, Daniel Wunder (Coord.). Direito administrativo e interesse público: estudos em homenagem ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 21-31)

90 Por óbvio, Muñoz não rejeita a importância da definição do conceito de interesse público, mas apenas quis realçar as dificuldades inerentes à execução dessa tarefa intelectiva. Tanto que expressou, na seqüência de sua fala, os cinco dilemas que parecem dividir a doutrina jurídica quando a esse particular: o primeiro desses dilemas consiste em investigar o que é interesse público, isto é, qual o seu conteúdo; o segundo, comporta a discussão sobre a coincidência entre o interesse público e o interesse geral, a utilidade pública, bem comum, o interesse geral do Estado e/ou o interesse geral da sociedade; o terceiro, refere-se à dificuldade de identificação de a quem compete definir o que é interesse público (se os juízes, a Administração Pública, o legislador ou constituinte); o quarto, demanda a verificação de se interesse público pode ser depreendido em abstrato ou se apenas quando da apreciação de casos concretos; o quinto, comporta a identificação de quem são os destinatários do interesse público (Ibidem, p. 23-27).

91 Ibidem, p. 30.

Referências

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