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3. AS ATIVIDADES TÍPICAS DE ADVOCACIA PÚBLICA E O ÂMBITO DA

3.1. Atividades típicas de advocacia pública

3.1.1. Consultoria jurídica

Na esfera administrativa, a atividade de consultoria jurídica destina-se à orientação dos agentes estatais sobre como deve se dar a aplicação do Direito. Afinal, como leciona o Professor Ricardo Marcondes Martins, “o Estado de Direito [...] veda o arbítrio dos agentes públicos”, vinculando a atuação estatal à aplicação de normas jurídicas, o que faz com que, em concreto, o exercício da função pública pressuponha a concretização do ordenamento posto por esses agentes estatais465-466.

Nessa sua atividade consultiva, os advogados públicos são chamados a se manifestar em processos administrativos instaurados para a prática de atos cuja confecção dependa de prévia análise jurídica, como ocorre, por exemplo, nos processos que demandem a análise de minutas de editais de licitação, contratos, acordos, convênios ou ajustes, de que trata o parágrafo único do artigo 38 da Lei nº 8.666/1993467. Cumpre-lhes, ainda, responder a consultas jurídicas que lhes são formuladas pela Administração Pública, como se verifica, ainda exemplificativamente, quando deles se demanda o esclarecimento de dúvida relativa a direitos subjetivos manifestados por servidores públicos, ou à concessão de aposentadorias e pensões, ou, ainda, à correta incidência de tributos, entre outras situações concretas. Também lhes é remetida, com freqüência, a análise da constitucionalidade de minutas de projetos de lei e de outros atos normativos (decretos, resoluções, portarias, etc.).

463 SILVA FILHO, Derly Barreto. O controle da legalidade diante da remoção e inamovibilidade dos advogados

públicos, cit., p. 48.

464 GRANDE JÚNIOR, Cláudio. Advocacia pública: estudo classificatório de direito comparado. In: GUEDES,

Jefferson Carús; SOUZA, Luciane Moessa de (Coord.). Advocacia de Estado: questões institucionais para a construção de um Estado de justiça. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 64.

465 MARTINS, Ricardo Marcondes. Regime estatutário e estado de direito. Revista Trimestral de Direito

Público, São Paulo: Malheiros, n.55, 2011. p. 141-142.

466 Sobre o assunto, cfr., também: MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo, cit.,

p. 64-102.

467 Lei 8.666. “Art. 38 [...] Parágrafo único. As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos,

acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)”.

Trata-se, com efeito, de atividade privativa de advogado, prevista no inciso II do artigo 1º da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia), juntamente com o contencioso judicial (art. 1º, I), a assessoria jurídica (art. 1º, II) e a direção jurídica (art. 1º, II)468. Deixando de lado, por ora, o contencioso judicial, que será minudenciado no tópico subseqüente, é fato que, na esfera administrativa, as atividades de assessoria e direção jurídica também se instrumentalizam como exercício de atividade consultiva, na medida em que pressupõem, sempre, a orientação dos agentes públicos sobre como deve se dar a aplicação do Direito. Ocorre que, em especial com relação à assessoria jurídica (também designada como assistência jurídica, ou, ainda, como assessoramento jurídico), há quem sustente, em doutrina, uma sua dissociação da atividade consultiva desenvolvida em âmbito estatal.

Quanto ao particular, Claudio Grande Júnior, procura qualificar a consultoria e o assessoramento como espécies do gênero orientação jurídica469. Para Grande Júnior, a consultoria “é exercida com larga autonomia e em benefício imediato da própria ordem jurídica e de toda a sociedade, pois com ampla liberdade aponta qual a melhor decisão ou o melhor caminho, em termos jurídicos, a seguir”, enquanto que a assessoria “é função ancilar e de apoio, exercida com menor autonomia e em benefício do Estado, para operacionalizar, conforme o ordenamento jurídico, uma decisão política”470.

Nesse mesmo sentido se posiciona Diogo de Figueiredo Moreira Neto, para quem a assessoria jurídica, e também a direção jurídica, “não são essenciais à justiça, porque não têm eficácia jurídica direta sobre a atuação do Estado”, e por isso se qualificam, no máximo, como “úteis à justiça, mas não essenciais, ainda porque podem ser dispensadas, pelo agente, órgão ou entidade beneficiários diretos dessas atividades”471. A propósito, Moreira Neto expressa que “na assistência jurídica [...] não se outorga ao advogado qualquer parcela de responsabilidade sobre a decisão técnica a respeito da juridicidade de interesse”, num contexto em que “dele se espera apenas uma orientação ao agente, órgão ou entidade ao qual incumbe a decisão que, para tomá-la, têm plena responsabilidade”472. Daí que “seus

468 Lei 8.906. “Art. 1º São atividades privativas de advocacia: I - a postulação a qualquer órgão do Poder

Judiciário e aos juizados especiais; II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas”.

469 GRANDE JÚNIOR, Cláudio. Advocacia Pública: estudo classificatório de direito comparado, cit., p. 64. 470 Ibidem, p. 64.

471 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. As funções essenciais à justiça e as procuraturas constitucionais.

Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, dez. 1991. p. 21.

pronunciamentos ou encaminhamentos (e não pareceres, no sentido técnico próprio) não vinculam o Estado e nem mesmo o assistido, que poderá não só deixar de seguir a orientação pedida como não solicitá-la, e, se o fizer, até ignorá-la”473. Já a consultoria jurídica encerra, para Moreira Neto, “atividade essencial à justiça, porquanto nela o advogado tem a decisão técnico-jurídica a seu cargo e sob sua plena responsabilidade, direta e pessoal”474. Com efeito, “o consultor jurídico do Poder Público emite uma vontade estatal, como órgão do Estado que é, vinculando-o de tal forma que, se a Administração não seguir o ditame, deverá motivar porque não o faz, sob pena de nulidade do ato”475. Por isso, seus pronunciamentos têm “uma eficácia própria, que é a eficácia do parecer jurídico, indistintamente os emitidos por solicitação externa ou ex-officio, no exercício das funções de fiscalização da juridicidade dos atos do Estado”476.

Também se manifestaram pela dissociação entre as atividades de consultoria e assessoramento Rommel Macedo477 e Luciane Moessa de Souza478. Conforme Macedo, “na consultoria, o advogado possui inequívoca responsabilidade sobre a decisão que será proferida com base no seu parecer jurídico”, contexto em que emite “verdadeira vontade estatal”, diversamente do que ocorre no assessoramento, quando “o advogado apenas orienta a instância decisória, não tendo qualquer responsabilidade sobre a decisão a ser tomada”479. Souza, por sua vez, leciona que a assessoria, conquanto se assemelhe à consultoria jurídica “por envolver a aplicação espontânea de normas jurídicas por parte do Poder Público”, como forma de “evitar futuros questionamentos quanto à licitude de seus comportamentos”, dela se distingue “por envolver uma orientação voltada não à realização dos valores permanentes do Estado, pré-definidos pela ordem jurídica [...], mas sim à realização de objetivos transitórios, de governo, em que a ordem jurídica revela-se apenas como limite e não como objetivo

473 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. As funções essenciais à justiça e as Procuraturas Constitucionais,

cit., p. 21-22.

474 Ibidem, p. 22. 475 Ibidem, p. 22. 476 Ibidem, p. 22.

477 MACEDO, Rommel. A advocacia pública consultiva e a sustentabilidade jurídico-constitucional das políticas

públicas: dimensões, obstáculos e oportunidades na atuação da Advocacia-Geral da União. In: GUEDES, Jefferson Carús; SOUZA, Luciane Moessa de (Coord.). Advocacia de Estado: questões institucionais para a construção de um Estado de justiça. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 468.

478 SOUZA, Luciane Moessa de. Autonomia institucional da advocacia pública funcional de seus membros:

instrumentos necessários para a concretização do Estado Democrático de Direito, cit., p. 90.

479 MACEDO, Rommel. A advocacia pública consultiva e a sustentabilidade jurídico-constitucional das políticas

norteador”480. Por isso é que, para essa publicista, a “consultoria, via de regra, deve ser vinculante”, ao passo que “o assessoramento, em regra, não é vinculante”481.

Essa dissociação proposta pela doutrina parece haver induzido a suposição, expressada por Grande Júnior, de que a Advocacia Pública ora serve à sociedade (quando realiza consultoria jurídica), ora ao Estado (quando exerce atividade de assessoramento)482. O problema é que nem sempre são coincidentes os interesses do Estado e da sociedade. Refiro- me, nesse ponto, aos conflitos entre os interesses manifestados pelos indivíduos enquanto integrantes do corpo social (que, quando acolhidos pelo ordenamento jurídico-positivo, corporificam interesse público483) e os interesses particulares (ou individuais) do Estado, qualificação atribuída pelo Professor Celso Antônio Bandeira de Mello484 àqueles interesses designados por Renato Alessi como interesses secundários485. Como, na prática, quem solicita (ou não) a manifestação jurídica dos advogados públicos é o próprio Estado, representado pelos seus gestores, a quem cumpriria, na hipótese aventada por esses doutrinadores, conferir- lhes, conforme a sua avaliação pessoal, ou a atividade consultiva, ou simples assessoramento, a distinção proposta pode conduzir, no limite, à utilização da Advocacia Pública para a justificação técnica de posturas estatais contrárias aos interesses da sociedade, inclusive daquelas contrárias ao Direito. Adotá-la, pressupõe, ainda, que se possa admitir que os advogados públicos, quando confrontados, no exercício de atividade de assessoramento, com posturas administrativas contrárias ao Direito, estariam impedidos de suscitar as ilegalidades depreendidas; porque essa sua atividade constituiria simples função ancilar, ou de apoio, que poderia ser exercida com menor autonomia e em benefício do Estado, apenas para operacionalizar, em vista do ordenamento jurídico, uma decisão política, como expôs Claudio Grande Júnior486; ou porque deles apenas se esperaria uma orientação ao Administrador, a quem cumpre, sob sua própria responsabilidade, tomar as decisões administrativas, pelo que, nesse contexto, seus pronunciamentos não vinculariam o Estado e seus agentes, que poderiam

480 SOUZA, Luciane Moessa de. Autonomia institucional da advocacia pública funcional de seus membros:

instrumentos necessários para a concretização do Estado Democrático de Direito, cit., p. 90.

481 Ibidem, p. 90.

482 GRANDE JÚNIOR, Cláudio. Advocacia Pública: estudo classificatório de direito comparado, cit., p. 64. 483 Quanto ao particular, reporto-me às minhas considerações no Tópico 2.1.4 do Capítulo 2, no qual procuro

minudenciar a noção jurídica de interesse público manifestada pelo Professor Celso Antônio Bandeira de Mello.

484 Cfr.: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. A noção jurídica de “interesse público”, cit., p. 188. 485 Cfr.: ALESSI, Renato. Sistema instituzionale Del Diritto Amministrativo Italiano, cit., p. 197.

não solicitá-los, ou até mesmo deixar de segui-los, como expressou Digo de Figueiredo Moreira Neto487; ou, ainda, porque, nesse âmbito, somente estariam a orientar a instância decisória, e por isso não teriam responsabilidade sobre a decisão a ser tomada, como supôs Rommel Macedo488; ou, talvez, porque essa sua atividade apenas envolveria a aplicação espontânea de normas jurídicas pelo poder público, de modo a evitar futuros questionamentos quanto à licitude de seus comportamentos, como disse Luciane Moessa de Souza489.

Ocorre que, como demonstrei nos capítulos anteriores, os agentes públicos em geral e os advogados públicos em particular não podem se furtar, na esfera administrativa, a uma correta aplicação do Direito. Com efeito, a incidência conjugada da legalidade estrita (que neste trabalho é compreendida em sentido amplo, como juridicidade, para também abarcar o cumprimento das regras e princípios positivados no texto constitucional) com a supremacia do interesse público sobre o privado, quando relacionada à constatação de que o interesse público corresponde, em especial para a Administração e seus agentes, ao interesse do Estado e da sociedade na observância da ordem jurídica estabelecida490, impedem a configuração, no âmbito da Advocacia Pública, de construções jurídicas meramente legitimadoras de decisões administrativas preestabelecidas pelos gestores públicos.

O que se dá é que, a circunstância de o regime jurídico-administrativo vincular a Administração Pública e seus agentes à observância do Direito (legalidade estrita) e de os exortar a fazer com que o interesse público (compreendido, para esse efeito, como observância do Direito) prevaleça sobre os interesses particulares, inclusive sobre os interesses particulares (ou privados) do próprio Estado491, não deixa alternativa aos advogados públicos. Eles devem atuar, sempre, ainda quando lhes for solicitada a construção de soluções jurídicas capazes de conferir aparente juridicidade a decisões administrativas, com larga autonomia e em benefício imediato da ordem jurídica e da sociedade, apontando, em tal conjuntura, qual a melhor decisão ou o melhor caminho jurídico a seguir, como expressou

487 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. As funções essenciais à justiça e as Procuraturas Constitucionais,

cit., p. 21-22.

488 MACEDO, Rommel. A advocacia pública consultiva e a sustentabilidade jurídico-constitucional das políticas

públicas: dimensões, obstáculos e oportunidades na atuação da Advocacia-Geral da União, cit., p. 468.

489 SOUZA, Luciane Moessa de. Autonomia institucional da advocacia pública funcional de seus membros:

instrumentos necessários para a concretização do Estado Democrático de Direito, cit., p. 90.

490 Cfr.: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, cit., p. 72. 491 Cfr.: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. A noção jurídica de “interesse público”, cit., p. 188.

Claudio Grande Júnior em referência à atividade de consultoria jurídica492. Assim, mesmo na hipótese em que o gestor almeja lhe conferir tão-somente o exercício de assistência jurídica, que em tese se revestiria da conotação de simples atividade legitimadora do agir administrativo, os advogados públicos devem emitir, como órgão do Estado, uma vontade estatal, vinculando a Administração de tal forma que a sua negativa em seguir essa orientação jurídica deve ser motivada, sob pena de nulidade, porque seus pronunciamentos têm uma eficácia própria, que é a eficácia do parecer jurídico, que pode ser emitido por solicitação externa ou ex-officio, no exercício das funções de fiscalização da juridicidade dos atos do Estado, como expressou Diogo de Figueiredo Moreira Neto abordando a atividade de consultoria jurídica493. Aliás, essa vontade estatal vocalizada no pronunciamento dos advogados públicos lhe confere, sob certa ótica494, alguma responsabilidade sobre a decisão administrativa que será adotada, como observou Rommel Macedo em relação à atividade de consultoria jurídica495; porque envolve, sempre, orientação voltada à realização dos valores permanentes do Estado, pré-definidos pela ordem jurídica, destacada por Luciane Moessa de Souza quando se reportou à atividade de consultoria jurídica496.

Em rigor, nem mesmo os advogados privados podem ser compelidos a direcionar seus posicionamentos técnicos à legitimação de opiniões preestabelecidas por seus clientes, porque o Estatuto da Advocacia lhes assegura, no inciso I de seu artigo 7º497 e no parágrafo 1º de seu artigo 31498, exercer com liberdade a sua profissão. Todavia, quando essa discussão é transposta para o âmbito administrativo, a liberdade e a independência atribuída aos advogados para promover a correta aplicação do Direito é potencializada pela circunstância de os advogados públicos participarem, de forma efetiva, da formação da vontade administrativa. Com efeito, diversamente do que ocorre no campo privado, em que as

492 GRANDE JÚNIOR, Cláudio. Advocacia Pública: estudo classificatório de direito comparado, cit., p. 64. 493 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. As funções essenciais à justiça e as Procuraturas Constitucionais,

cit., p. 22.

494 A propósito, cfr. o que observei no Tópico 5.2 do Capítulo 5.

495 MACEDO, Rommel. A advocacia pública consultiva e a sustentabilidade jurídico-constitucional das políticas

públicas: dimensões, obstáculos e oportunidades na atuação da Advocacia-Geral da União, cit., p. 468.

496 SOUZA, Luciane Moessa de. Autonomia institucional da advocacia pública funcional de seus membros:

instrumentos necessários para a concretização do Estado Democrático de Direito, cit., p. 90.

497 Lei 8.906. “Art. 7º São direitos do advogado: I - exercer, com liberdade, a profissão em todo o território

nacional”.

498 Lei 8.906. “Art. 31. O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua

para o prestígio da classe e da advocacia. § 1º O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância”.

decisões são tomadas pelos clientes sob a mediação da autonomia privada499, na seara pública vigoram a legalidade estrita e a supremacia do interesse público sobre o privado, que impõem à Administração e a seus agentes uma criteriosa aplicação do Direito. Isso significa que a formação da vontade administrativa pressupõe, sempre, a observância dos limites impostos pelo ordenamento jurídico-positivo para a intervenção do Estado na esfera das disponibilidades jurídicas do cidadão. Assim, considerando que a observância desses limites pressupõe o pleno conhecimento e a boa aplicação do Direito, e que essa atividade é subsidiada, na esfera administrativa, pelos posicionamentos técnicos construídos pela Advocacia Pública, é natural que se conclua que, em rigor, esses seus posicionamentos integram a formação da vontade administrativa.

A propósito, Danilo Cruz Madeira lembra que “no exercício gerencial da coisa pública, é comum que o Administrador se depare com situações que suscitam dúvidas jurídicas quanto à forma e, até mesmo, quanto ao conteúdo dos atos que pretende praticar”500. Disso decorre, conforme Madeira, a necessidade de o advogado público orientá-lo juridicamente, para que “aja em sintonia com a legislação, os princípios que norteiam a atividade administrativa e, principalmente, com a Constituição da República”501. Essa orientação jurídica não pode ser desconsiderada. Afinal, na lição de Moreira Neto, “os órgãos da Administração Pública, que têm na ordem jurídica não só o fundamento como os limites de sua atuação, não podem ignorar os pareceres regularmente emitidos pelas consultorias jurídicas dos órgãos da procuratura502 constitucional que sobre elas atuem”503. Se deixarem de segui-los, devem fazê-lo mediante decisão motivada, e sempre a seu inteiro risco jurídico e

499 Quanto ao particular o Professor Ricardo Marcondes Martins destaca a importância de se examinar “o

conceito de autonomia e a diferença entre a autonomia pública e a autonomia privada”, dispondo, a propósito, que “o primeiro passo para compreender essa diferença é assinalar que o direito fundamental à liberdade é garantido apenas aos particulares”, o que significa dizer que “entes públicos não têm liberdade” (MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de direito e a constitucionalização do direito privado, cit., p. 65). Disso decorre a afirmação de que “enquanto o particular pode fazer tudo que o sistema jurídico não proíbe, a Administração Pública somente pode fazer o que o sistema jurídico expressamente autoriza” (Ibidem, p. 65). Conforme Martins, a autonomia privada “é a possibilidade concedida aos particulares de editar, na esfera de liberdade garantida pelo sistema normativo, normas jurídicas que não são mera concretização das normas legislativas e constitucionais (Ibidem, p. 72).

500 MADEIRA, Danilo Cruz. O papel da Advocacia Pública no Estado Democrático de Direito, cit., p. 16. 501 Ibidem, p. 16.

502 Moreira Neto qualifica como “procuraturas constitucionais” os órgãos elencados pela Constituição de 1988

no Capítulo IV da Sessão II da Constituição, que trata das funções essenciais da justiça, ou seja do Ministério Público, da Advocacia Pública e da Defensoria Pública (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. As funções essenciais à justiça e as Procuraturas Constitucionais, cit., p. 18). Retomarei esse ponto no Tópico 5.2.1 do Capítulo 5.

político504. Assim, admitir-se, ainda que para efeito de classificação, que algumas dessas manifestações jurídicas, por simples opção do administrador, não vinculariam a sua atuação, ou que, quando menos, a inobservância desses posicionamentos técnicos não implicaria na sua responsabilização pessoal, pela razão simples de serem por ele qualificadas como simples atividade de assessoramento, corresponde a aceitar que, em concreto, a Administração Pública e seus agentes podem se furtar ao cumprimento do Direito tal como interpretado pela Advocacia Pública quando da formulação de respostas aos questionamentos jurídicos que lhe são apresentados.

Ao ensejo, não prospera a ilação de que essa dissociação entre consultoria e assessoramento faria sentido à luz de uma hipotética distinção qualitativa entre os prolatores dessas manifestações jurídicas, como se somente a atividade de consultoria fosse atribuída à Advocacia Pública, num contexto em que o assessoramento jurídico poderia ser atribuído, então, a servidores estranhos aos seus quadros e, bem assim, a advogados contratados junto à iniciativa privada. Em primeiro lugar porque o regime constitucional atribui ambas as atividades (consultoria e assessoria) aos advogados públicos505, o que torna impróprio, como regra, o seu exercício por profissionais que não integram a Advocacia Pública, sejam eles servidores comissionados506, sejam advogados privados contratados para exercer esse mister507. Em segundo lugar porque ainda que se admita ser viável, à luz da Constituição, que profissionais estranhos aos quadros da Advocacia Pública exerçam funções de assessoramento jurídico, também esses advogados estarão vinculados, nesse seu relacionamento com o poder público, aos ditames da legalidade estrita e da supremacia do interesse público sobre o privado, e por isso não podem se furtar a uma correta aplicação do Direito a pretexto de estarem exercendo, em concreto, simples assessoramento jurídico. Em terceiro lugar porque, como exposto, mesmo os advogados privados não podem ser obrigados a direcionar os seus posicionamentos jurídicos à legitimação de opiniões preestabelecidas por seus clientes, porque a lei lhes assegura exercer com liberdade a sua profissão.

504 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. As funções essenciais à justiça e as Procuraturas Constitucionais,

cit., p. 22.

505 A atribuição dessas duas atividades à Advocacia Pública Federal decorre do texto de artigo 131 da