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2. IMPORTÂNCIA TEÓRICA E PRÁTICA DA ADOÇÃO PELA

2.2. Contribuição da “doutrina crítica” ao princípio da supremacia do interesse

2.2.4. Atualidade e funcionalidade da definição de conceito formulada pelo

Antônio Bandeira de Mello.

A despeito da critica que se possa fazer à sua doutrina, é inegável que essa noção de interesse público manifestada pelo Professor Celso Antônio Bandeira de Mello confere maior segurança às relações jurídicas. Trata-se, quando menos, de relevante instrumento para a proteção dos direitos subjetivos individuais em face de pretensões circunstanciais do poder público, qualificadas por Renato Alessi como interesses secundários421 e doravante designadas por Bandeira de Mello como interesses individuais (ou particulares) do Estado422. Em especial quando se compara esse seu magistério ao posicionamento de autores que refutam a possibilidade de instituição de um semelhante conceito unívoco de interesse público423. Afinal, quando se considera que, cotidianamente, agentes públicos e privados são chamados a realizar o interesse público, com destaque para a atuação do Poder Judiciário, não há dúvidas sobre a funcionalidade do estabelecimento de parâmetro objetivo para a definição do conceito de interesse público.

Sob um ponto de vista mais geral, qualquer parâmetro objetivo mostrar-se-ia operativo. No entanto, quando se analisa o problema sob a ótica da atuação do poder público

419 BORGES, Alice Gonzalez. Supremacia do interesse público: desconstrução ou reconstrução?, cit., p. 780. 420 Ibidem, p. 789.

421 Cfr.: ALESSI, Renato. Sistema instituzionale Del Diritto Amministrativo Italiano, cit., p. 197. 422 Cfr.: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. A noção jurídica de “interesse público”, cit., p. 188.

423 Ao ensejo, reporto-me, a título de exemplo, ao magistério da Professora Odete Medauar, para quem “a uma

concepção de homogeneidade do interesse público, segue-se [...] uma situação de heterogeneidade”, que induz uma “concreta existência de multiplicidade de interesses públicos” (MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em evolução, cit., p. 181). A propósito, Medauar rejeita “prefixação do interesse público”, invocando, ao ensejo, a “relatividade de todo padrão de comparação”, e observa que “a indeterminação e dificuldade de definição do interesse público”, somada à “sua difícil e incerta avaliação e hierarquização” põem em crise a sua objetividade (Ibidem, p. 181). Também refere a uma suposta multiplicidade de interesses públicos o Professor Conrado Hübner Mendes, para quem “curvar-se à retórica do interesse público, sem atentar para a existência de uma multiplicidade de interesses públicos, é submeter-se a um discurso político perverso e dissimulador” (MENDES, Conrado Hübner. Reforma do Estado e Agências Reguladoras, cit., p. 104).

(que não pode, em suas relações, escusar-se à realização do interesse público424) esse parâmetro objetivo não pode ser outro que não a vinculação do interesse público à juridicidade, como propõe Bandeira de Mello425. Do contrário, os agentes estatais teriam dificuldades para realizar o interesse público, pois, em concreto, poderiam ser chamados a optar entre ele e a legalidade estrita426.

Apesar disso, a “doutrina crítica” enxerga o princípio da supremacia do interesse público como uma “regra de preferência”, que, em conflitos entre interesses públicos e privados, sempre constituiria óbice à realização de direitos subjetivos individuais. Ocorre que, como demonstrei427, essa objeção não pode ser oposta ao princípio quando aplicado à luz da noção de interesse público manifestada por Bandeira de Mello428. É que, nessa perspectiva, não há qualquer dificuldade de se sustentar a supremacia do interesse público429, precisamente porque, para esse professor paulista, o interesse público identifica-se com a juridicidade, com o cumprimento dos enunciados prescritivos que compõem o ordenamento jurídico-positivo, pelo que a sua realização pressupõe, sempre, a observância dos direitos subjetivos conferidos aos indivíduos pelas leis e pela Constituição430. Disso decorre a absoluta compatibilidade do conceito de interesse público formulado por Bandeira de Mello com a realização dos direitos subjetivos individuais.

Mas há mais. Essa definição de conceito atende, ainda, ao reclame destacado ao início deste capítulo, em vista do corte metodológico impresso a este trabalho431, pela

424 Quanto a esse pormenor, recobre-se, com Bandeira de Mello, “que a Administração Pública está, por lei,

adstrita ao cumprimento de certas finalidades, sendo-lhe obrigatório objetivá-las para colimar interesse de outrem: o da coletividade”, e que “é em nome do interesse público - o do corpo social - que tem de agir, fazendo-o na conformidade da intentio legis” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, cit., p. 98).

425 Vide Tópico 2.1.4 deste capítulo.

426 Quanto ao particular, reporto-me às minhas considerações no Tópico 1.2 do Capítulo 1. 427 Vide Tópicos 2.2.3.1 e 2.2.3.2.

428 A propósito, recobro a lição de Adriana da Costa Ricardo Schier, para quem “as premissas epistemológicas

que fundam tal concepção não permitirão interpretar tal princípio como uma cláusula geral de restrição dos direitos fundamentais, nem admitir qualquer resolução prima facie em favor do princípio da supremacia do interesse público em eventual colisão com qualquer outro princípio da Carta Constitucional” (SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e o direito de greve de servidores públicos, cit., p. 387).

429 Cfr.: BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. A noção jurídica de interesse público no Direito Administrativo

Brasileiro, cit., p. 112.

430 Ibidem, p. 95.

431 Consistente na investigação do modus operandi da aplicação do Direito pela Administração Pública, que se

identificação, entre as tantas definições de conceito manifestadas pela doutrina jurídica, de uma tal definição de conceito que permita aos agentes públicos, a um só tempo, observar a legalidade estrita e induzir a realização do interesse público. Posto isso, defendo a sua aplicação pelos agentes públicos em geral e pelos advogados públicos em particular no exercício de suas atividades cotidianas, de modo a que, quando confrontados com pretensões dirigidas à Administração Pública, assim como na sua própria atuação por impulso oficial, predisponham-se, sempre, a uma correta aplicação do Direito; mesmo quando essa postura puder induzir, em concreto, maiores gastos para o poder público, ou quando prejudicar-lhe a arrecadação de receitas; porque assim o impõem o princípio da legalidade estrita e a supremacia do interesse público sobre os interesses privados, que, como expus, também abarcam os chamados interesses particulares do Estado432.

Disso decorre a atualidade e a funcionalidade dessa definição de conceito manifestada por Bandeira de Mello, que, pelas razões dantes expostas não foi refutada, e tampouco superada, pela crítica formulada por Humberto Ávila, Alexandre Santos de Aragão, Daniel Sarmento, Gustavo Binenbojm e Paulo Ricardo Schier. Entretanto, se a formulação dessa crítica contribuiu, em alguma medida, para por em evidência que, muitas vezes, a aspiração teórica manifestada pelo professor paulista não se realiza em concreto, a despeito de considerá-la infundada (essa “doutrina crítica”), como, de fato, a considero, não tenho dúvidas em afirmar a importância da contribuição desses autores para uma melhor explicitação do conceito de interesse público.