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A vivência da temporalidade em pessoas com ataxia hereditária

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Academic year: 2017

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Pró - Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia

A VIVÊNCIA DA TEMPORALIDADE EM PESSOAS

COM ATAXIA HEREDITÁRIA

Autor: Antonio Ferreira de Sousa

Orientadora: Profª. Dra. Lilian Maria Borges Gonzalez

Co-orientadora: Profª. Dra. Marta Helena de Freitas

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ANTONIO FERREIRA DE SOUSA

A VIVÊNCIA DA TEMPORALIDADE EM PESSOAS COM ATAXIA HEREDITÁRIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós – Graduação

Stricto Sensu em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Psicologia.

Orientadora: Prof.ª. Dra. Lilian Maria Borges Gonzalez

Co-Orientadora: Prof.ª. Dra. Marta Helena de Freitas.

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7,5cm

S725v Sousa, Antonio Ferreira de.

A vivência da temporalidade em pessoas com ataxia hereditária. / Antonio Ferreira de Sousa – 2014.

132 f.; il: 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2014. Orientação: Profa. Dra. Lilian Maria Borges Gonzalez

Coorientação: Profa. Dra. Marta Helena de Freitas

1. Psicologia. 2. Doenças crônicas. 3. Fenomenologia. 4. Temporalidade. I. Gonzalez, Lilian Maria Borges, orient. II. Freitas, Marta Helena de, coorient. III. Título.

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TERMO DE APROVAÇÃO

Dissertação de autoria do aluno Antonio Ferreira de Sousa intitulada A VIVÊNCIA DA TEMPORALIDADE EM PESSOAS COM ATAXIA HEREDITÁRIA, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, defendida e aprovada em 30 de abril de 2014, pela banca examinadora abaixo assinada:

______________________________________________________________ Profª. Dra. Lilian Maria Borges Gonzalez (Orientadora)

UFRRJ - UniversidadeFederalRural do Rio de Janeiro

________________________________________________________ Profª. Dra. Marta Helena de Freitas (Co-Orientadora)

UCB - Coordenadora do Programa de Doutorado e Mestrado

________________________________________________________ Profº. Dr. Natan Monsores de Sá (Membro externo, efetivo)

Cátedra UNESCO de Bióetica da Universidade de Brasília

_______________________________________________________ Profª. Dra. Ondina Pena Pereira (Membro interno, efetivo)

Universidade Católica de Brasília

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Camilo e Sebastiana que ajudaram a construir o ponto de partida para essa jornada. Com sua dedicação me ensinaram a importância da perseverança, do lutar pelos desejos e sonhos através de grandes exemplos. Aos meus irmãos que deram o suporte necessário para esse fim. A eles o meu Muito obrigado!

À Maene, Graças, Agostinho e João que mostraram com clareza a necessidade de seguir nessa direção, dando a real importância ao desenvolvimento dessa investigação, apontando o norte como modo correto de desvendar essa pesquisa. Foram meus maiores incentivadores e porto seguro na construção dessa caminhada. Com simplicidade indicaram como a vida pode exigir e existir de forma singular e amorosa. Por meio de atitudes humanas souberam ensinar a importância de viver e reencontrar o sentido da vida. Sendo parte primordial desse processo, geraram e incentivaram pela experiência a consistência desse estudo. A eles que moram no meu coração, o meu muito obrigado por fazerem parte da minha vida e da minha história.

À minha amada Joana. Com singular relevância mostrou-me a oportunidade de ter segurança quanto à escolha exemplar deste estudo e a persistência como gesto de amor necessário na busca de conquistas. Muito obrigado!

Ao meu pequeno e amado Pedro, que me fez ver a grandeza do progresso com seus gestos simples de motivação infantil, me fazendo acreditar que era possível ir mais longe do que se podia imaginar ou mesmo acreditar. Muito obrigado!

Muito obrigado às pessoas que lutam por dignidade ao lado daqueles com doenças raras, à AMAVI na pessoa do Rogério, por proporcionar descobertas que a muito buscava, à ABAPT, na pessoa do Junior, pela sua existência e ajuda singular no momento certo. Meus agradecimentos se estendem ainda a meus colegas de sala de aula do Mestrado, que me ajudaram nas discussões e no entendimento dos processos cognoscitivos do meio acadêmico e a todos que me ajudaram de forma direta e indireta neste momento ímpar da minha vida.

Aos meus mestres que a todo tempo me inspiraram, mostrando a direção correta para que eu pudesse chegar a este momento. Obrigado ao Professor Vicente, ao Professor Benedito por seus gestos de compreensão e ensinamentos.

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“Como é que o tempo gosta de passar o tempo? Será que ele tem algum passa tempo? Será que ele perdeu as horas? Ou usa despertador? Será que ele nunca para, nem para dar um tempo? Será que ele nunca se cansa? Será que não tira férias? Será que ele passa frio? Quando não é bom

tempo”. Dionísio Jacob

“Assim, o mais espantoso de todos os males, a morte, não

é nada para nós, pois enquanto vivemos, ela não existe, e

quando chega, não existimos mais”. Epicuro

“Não duvide do valor da vida, da paz, do amor, do prazer de viver, enfim, de tudo que faz a vida florescer”.

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LISTA DE QUADROS

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Impactos psicossociais: Aspectos invariantes --- Figura 02: Estilo de vida e suas realizações --- Figura 03: Vivência da temporalidade --- Figura 04: Vivência da religiosidade ---

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LISTA DE SIGLAS

ANVISA: Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

ABAHE: Associação brasileira de ataxias hereditárias e adquiridas. ABAPAT: Associação Beneficente em Portadores de Ataxia no Distrito Federal. AH: Ataxias Hereditárias.

AF: Ataxia de Friedreich. AG: Aconselhamento Genético. AVC: Acidente Vascular Cerebral. CAG: Citosina, Adenina e Guanina.

CEEDV: Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais. CNE: Comissão Nacional de Ética.

DJM: Doença de Machado-Joseph. DNA: Ácido Desoxirribonucleico. EIM: Erros Inatos do Metabolismo.

ICARS: Internacional Cooperative Ataxia Rating Scale e Scale. INTEGRA: Programa Público-Privado de Capacitação e Resolução. NF: Neurofibromatose.

OMS: Organização Mundial da Saúde. ONG: Organização Não-Governamental. PCR: Polymerase Chain Reaction. PCR: Reação de Cadeia em Polimerase. SNC: Sistema Nervoso Central.

SARA: Assessment and Rating of Ataxia. SCA: Spino-Cerebellar Ataxias.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO --- CAPITULO I - ATAXIA HEREDITÁRIA COMO DOENÇA RARA ---

1.1 DOENÇAS RARAS --- 1.2 ATAXIA: DEFINIÇÃO E MANIFESTAÇÕES --- 1.2.2 Ataxia Hereditária ---

CAPITULO II – A VIVÊNCIA DA TEMPORALIDADE EM PESSOAS

COM ATAXIA HEREDITÁRIA ---

2.1 A VIVÊNCIA DO TEMPO: ENTRE CHRONOS E KAIRÓS--- 2.2. TEMPORALIDADE E FENOMENOLOGIA --- 2.4 O DIAGNÓSTICO E A FINITUDE --- 2.5 O PROCESSO DE EXISTÊNCIA DIANTE DO DIAGNÓSTICO DE ATAXIA ---

CAPITULO III - PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO ---

3.1 AS QUESTÕES NORTEADORAS E OS OBJETIVOS DO ESTUDO --- 3.1.1 Objetivo Geral --- 3.1.1.1 Objetivos Específicos --- 3.2. METODOLOGIA --- 3.2.1 Participantes --- 3.2.2 Técnicas e instrumentos utilizados --- 3.2.3 Procedimentos de coleta de dados --- 3.2.4 Procedimentos de análises de dados ---

CAPITULO IV - RESULTADOS E DISCUSSÃO---

4.1 CARACTERIZAÇÕES DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA--- 4.1.1 Flávia. A --- 4.1.1.1 Histórico de adoecimento ---

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4.1.1.2 Impressões Pessoais --- 4.1.2. Paulo B --- 4.1.2.1 Histórico do adoecimento --- 4.1.2.2 Impressões Pessoais --- 4.1.3 André C --- 4.1.3.1 Histórico de adoecimento --- 4.1.3.2 Impressões Pessoais ---4.2 O IMPACTO PSICOSSOCIAL E ELEMENTOS TEMPORAIS NO

CONTEXTO DO ADOECIMENTO --- 4.2.1 As repercussões sócio-afetivas do adoecimento --- 4.2.2 Estilos de vida da pessoa com ataxia e suas realizações --- 4.2.3 A temporalidade no adoecimento hereditário espinocerebelar --- 4.2.4 A religiosidade como aspecto da finitude frente à ataxia --- CONSIDERAÇÕES FINAIS --- REFERÊNCIAS --- APÊNDICE A --- APÊNDICE B --- APÊNDICE C ---

66 67 68 69 70 71 72

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RESUMO

SOUSA, Antonio Ferreira. A vivência da temporalidade em pessoas com ataxia hereditária. 2014. 136 f. Dissertação. (Mestrado em Psicologia) - Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2014.

Nesta investigação buscou-se compreender como pessoas com uma doença degenerativa chamada Ataxia Hereditária Espinocerebelar, redirecionam e qualificam suas vidas frente à expectativa de finitude ou redução do tempo de vida e como se dá a vivência da temporalidade no decorrer deste processo. O estudo voltou-se ainda para a compreensão das repercussões dos efeitos psicossociais do adoecimento por ataxia, com especial atenção as suas repercussões sobre as relações interpessoais e vice-versa, bem como ao modo como o sujeito que desenvolve a doença percebe o tempo vivido diante da ameaça de encurtamento da vida, além da relação entre a vivência da temporalidade e a aceitação ou não do processo degenerativo decorrente do adoecimento. Para analisar estes aspectos de interesses, o estudo foi embasado na concepção da temporalidade de Merleau-Ponty e nas contribuições de Minkowski para a compreensão a cerca da forma como a finitude se apresenta diante do tempo como movimento vivido, considerando-se a importância de compreender o tempo como qualidade de vida. A metodologia de investigação pautou-se sob o modelo fenomenológico de investigação qualitativa, observando a forma como cada sujeito lida com seu adoecimento. Participaram da pesquisa três jovens com diagnósticos de ataxia, os quais foram entrevistados individualmente. As entrevistas foram gravadas e transcritas. Sobre o material produzido, procedeu-se a leitura fenomenológica, buscando a identificação das principais divergências e convergências. A partir desta leitura, foi possível identificar que, para os participantes do estudo a dor, o sofrimento e as angústias fizeram parte de um processo que antecedeu o diagnóstico, enquanto o afastamento dos amigos, a dependência e o apoio familiar foram os principais fenômenos da vivência após o aparecimento dos sintomas. Verificou-se ainda que a esperança, o desejo e a expectativa de viver bem, constituíam uma busca que refletia a subjetividade de cada sujeito e abria espaço para a harmonização entre os aspectos físicos e mentais. Em relação aos modos de viver a temporalidade, foi possível identificar vários aspectos como as transformações nas dimensões de ritmo, movimento e fluidez, as quais, por sua vez, relacionavam-se às novas formas de viver a partir do adoecimento, incluindo o impacto deste sobre o trabalho, os estudos, as relações familiares e sociais ou mesmo uma vivência religiosa ou espiritual. Conclui-se que os resultados desta pesquisa podem oferecer contribuições para a compreensão da crise psicológica pela qual tende a passar pessoas com doenças raras e crônicas como a ataxia, comumente mobilizadas em uma luta constante contra os estressores que permeiam a vivência deste tipo de adoecimento.

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ABSTRACT

In this investigation we sought to understand how people with a degenerative disease called Hereditary Spinocerebellar Ataxia, redirecting and qualify their lives against the expectation of finitude or shortening of life and how is the experience of temporality throughout this process. The study also turned to understanding the of the psychosocial effects of the disease ataxia, with particular attention to their impact on interpersonal relationships, as well as the way the guy who develops the disease realize the time spent on threat shortening of life, beyond the relationship between the experience of temporality and the acceptance or not of the degenerative process due to illness. To analyze these aspects of interest, the study was based on the concept of temporality of Merleau-Ponty and the contributions from Minkowski about how the finiteness comes before the time lived as a movement, considering the importance the time and quality of life. The research methodology was based on the phenomenological model of qualitative research, noting how each person deals with his illness. Participated in the survey with three young diagnosis of ataxia, which were individually interviewed. The interviews were recorded and transcribed. About the material produced, proceeded to phenomenological reading, seeking to identify the main differences and similarities. From this reading, we found that, participants the study of pain, suffering and anguish were part of a process before diagnosis, while alienation from friends, dependency and family support were the main phenomena of living after onset of symptoms. It was also found that hope, desire and expectation to live well, constituted a search that reflected the subjectivity of each subject and open space harmony between the physical and mental aspects. Regarding ways of experiencing temporality, it was possible to identify several aspects such as changes in the dimensions of rhythm, movement and fluidity, which, in turn, related to new ways of living from the illness, including the impact of this on work, school, family and social relationships or even a religious or spiritual experience.We conclude that the results of this research may offer contributions to the understanding of the psychological crisis that tends to move people with rare and chronic diseases such as ataxia, commonly deployed in a constant struggle against the stressors that permeate the experience of this type of illness.

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APRESENTAÇÃO

O estudo sobre a ataxia hereditária vem sendo alvo de investimentos isolados desde meados do século XIX, mas só ganhou notoriedade nos últimos 50 anos com a evolução da medicina e a tentativa de encontrar um tratamento para o controle ou cura da doença. Mas, ainda hoje, este adoecimento continua sendo um grande desafio para a ciência e uma tormenta para quem o desenvolve, assim como para aqueles, com quem a pessoa convive diretamente, principalmente seus familiares e pares. É preciso investigar melhor não apenas o sofrimento e as limitações orgânicas ocasionadas por esta doença, mas também os impactos psicológico, afetivo, social e cultural a ela relacionados. Nesse sentido, é relevante estudar casos específicos de sujeitos que vivenciam a ataxia, de modo a verificar como lidam com a expectativa de tempo reduzido e como isso afeta seu desenvolvimento e sua qualidade de vida.

A ataxia Espinocerebelar constitui uma doença rara, degenerativa, sem terapia que possibilite a cura, cuja expectativa de vida costuma variar aproximadamente de 10 a 20 anos após o diagnóstico, dependendo das particularidades do sujeito. A presente dissertação foi norteada pela proposta de uma investigação destinada a compreender como pessoas acometidas com esta doença degenerativa, qualificam sua vida diante da expectativa de finitude ou redução do tempo de vida e como se dá a vivência da temporalidade no decorrer deste processo.

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percepções e da realidade existencial dos sujeitos envolvidos. Nesse sentido buscar-se-á, ainda a compreensão da dimensão finita do sujeito.

Nesse sentido, estudar a ataxia dentro de uma dimensão fenomenológica revela-se uma tentativa acertada e pertinente, tendo em vista as possibilidades que a metodologia qualitativa oferece para a compreensão de fenômenos complexos. A profundidade qualitativa almejada por este estudo decorre da intenção de compreender a percepção de sujeitos que convivem com o adoecimento e que necessitam realizar adaptações de profunda importância em suas vidas, modificando também seu contexto familiar e social. Pressupõe-se que o prognóstico da ataxia pode levar a processos subjetivos de revisão da própria existência e a possível construção de novos projetos pessoais, com adaptação às limitações impostas pelo progresso da doença.

Defende-se, portanto, no âmbito da investigação científica, a importância de explorar o processo de adoecimento em relação a suas decorrências psicológicas, ou seja, como o sujeito lida com a nova realidade imposta pela agressividade do adoecimento no estágio em que a doença se encontra. Além disso, supõe-se que o entendimento proporcionado por estudos acerca da vivência temporal de sujeitos com adoecimento crônico degenerativo pode favorecer o desenvolvimento de intervenções clínicas e psicoeducativas que contribuam para ajudá-los a encontrar meios mais adequados de lidar com o adoecimento e a finitude, conforme a necessidade de cada pessoa que vivencia tal realidade. Estima-se que a perspectiva de finitude possa constituir um espaço essencial de temporalidade no contexto histórico do sujeito e possa lhe proporcionar mecanismos que favoreçam o processo de adaptação a um novo contexto de vida e de enfrentamento dos estressores associados a este tipo de diagnóstico (HEIDEGGER, 2012). Os fenômenos aqui encontrados serão analisados de forma descritiva.

O presente trabalho está organizado em quatro capítulos. No primeiro, serão desenvolvidos tópicos acerca das doenças raras e, mais especificamente, da ataxia hereditária espinocerebelar buscando situar um adoecimento pouco conhecido, salientar seus principais conceitos e apresentar seus tipos e manifestações.

No segundo capítulo será desenvolvido o referencial teórico para que seja possível compreender as temáticas da pesquisa dentro da perspectiva fenomenológica, mostrando a relação existente entre temporalidade, fenomenologia, finitude e adoecimento.

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e os procedimento relativos a coleta e analise de dados, de modo a clarear os esforços realizados para obter a manifestação e a compreensão dos aspectos pesquisados.

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CAPITULO I - ATAXIA HEREDITÁRIA COMO DOENÇA RARA

1.1DOENÇAS RARAS

Quando se pensa em algo raro, imediatamente é possível imaginar coisas ou fenômenos que não são comuns ou abundantes, porque ser raro pode ser também alguma coisa controversa ou mesmo valiosa. Quando se faz algo que seja rara, deve-se fazer com mérito, com extraordinariedade, com excentricidade ou extravagância. Ser raro, muitas vezes, é levar temor e mistério podendo transmitir no sujeito a ideia de inabilidade para lidar com o fenômeno, sendo este, na maioria das vezes, desconhecido, de poucas ocorrências e distinto da grande maioria (BECHARA, 2011). Nesse sentido, falar de doenças raras é dizer algo do que não se conhece, é um desafio, tanto nas ruas quanto na academia, por isso a importância de se refletir e compreender esse fenômeno que se apresenta como possibilidade de

conhecimento e “novidade” ao mundo.

As doenças raras são aquelas que afetam uma porcentagem pequena da população, quando medida em particular, chega a pouco mais de cinco pessoas por 10.000 habitantes, sendo 80% dos casos de origem genética. O Ministério da Saúde do Brasil, em consonância com a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece que a proporção de pessoas afetadas é de até 65 em cada grupo de100 mil pessoas, ou seja, 1,3 para cada duas mil (MANIFESTO DA VISIBILIDADE..., 2013).

Porém, quando consideradas em conjunto, as doenças raras podem significar uma parcela aproximada de 6% a 8% da população, dependendo da região referida. É possível situar as doenças raras na faixa das que possuem prevalência máxima variável de 0,5 a 7 por 10.000 habitantes (DOENÇAS RARAS, 2013b). Na Europa, onde há mais investimentos em estudos nesta área, cada país tem sua definição do que seja uma doença rara. Em Portugal,

uma doença é considerada rara quando atinge “[...] entre 6 a 8% da população, ou seja, entre 600 a 800 mil pessoas” (UMA BASE DE DADOS..., 1997). A Dinamarca define que uma doença é rara, segundo a Enfermedades raras (2013) “[...] quando existe uma doença da base observada em menos do que 1.000 pessoas”.

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Holanda, Bélgica e Luxemburgo. Na França, assim como na Espanha, existem

aproximadamente “3 milhões de pessoas com uma doença rara” (QU’ESTCE QU’UNE

MALADIE RARE, 2013). Em termos de continente americano, há diferenças de norte a sul. Nos Estados Unidos, estas doenças atingem em torno de 25 a 30 milhões de pessoas, levando em consideração a margem de porcentagem de até 8% da população. Já na Argentina, existem cerca de “[...] 3 milhões de pessoas” com doenças raras, segundo a Enfermedades raras (2003), o que equivalente a toda a população da Província de Santa Fé ou aos habitantes de Buenos Aires.

No Brasil, é estimada uma variação de 13 a 15 milhões de pessoas com doenças tidas como raras, dependendo da visão representada. Essa ampla variação se explica pela falta de dados específicos, embora a avaliação esteja dentro da margem observada em nível mundial (DOENÇAS RARAS, 2013). Nesse sentido, o quantitativo chega a ser superior à população da cidade de São Paulo. O Distrito Federal foi pioneiro, criando em março de 2013 a primeira Diretoria de Atendimento a pessoas com doenças raras no Brasil, servindo como exemplo para o restante do País. Assim no Brasil se requer estudos mais específicos para a melhor compreensão desse fenômeno no País. É urgente a formação e organização de núcleos ou centros de atendimentos a pacientes com doenças raras no país (LEAL; LABOISSIÈRE, 2013). Mais recentemente, pela portaria 199/2014, o Ministério da Saúde criou a política nacional para doenças raras, que está em fase de implantação, sendo necessário levar em consideração a voz dos pacientes diante do seu estado de adoecimento e de sua vivência.

Este tipo de adoecimento atinge todas as classes sociais, de qualquer parte do planeta e não somente a realidade de populações de baixa renda em determinado país ou região e, por

conseguinte, as doenças raras “não devem ser confundidas com doenças negligenciadas, que

são doenças comuns, contagiosas, que se referem a pacientes em situação de pobreza”

(ENFERMEDADES RARAS, 2013).

As doenças raras abrangem um número aproximado de 7.000 a 8.000 doenças conhecidas e diagnosticadas no mundo. Pelos dados do Ministério da Saúde no Brasil, segundo a ANVISA (2013), estão entre as doenças raras, além da Ataxia, enfermidades como a Neurofibromatose (NF), a esclerose lateral amiotrófica (ELA - doença degenerativa dos neurônios motores), o hipotireoidismo congênito, a doença de Pompe (mal genético que causa hipertrofia cardíaca na infância), a fibrose cística do pâncreas e do pulmão, a doença celíaca e outras doenças como as espinocerebelares (AYUSO; TUNON; ERRO, 2007).

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(AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR, 2011). Na maior parte, são congênitas, hereditárias e complexas, com múltiplos órgãos sendo afetados. São doenças para as quais não existe uma cura, embora os sintomas possam ser amenizados, com melhoria na qualidade de vida, mesmo que pequena. Dessa forma, constituem doenças em que o nível de dor e de sofrimento do indivíduo e da sua família é elevado e em que a qualidade de vida tende a ser comprometida pela falta de conhecimento, e autonomia dos afetados (UMA BASE DE DADOS..., 2003).

Segundo Enfermedades raras (2013), as doenças raras “afetam os pacientes em sua

reabilitação física, habilidades mentais, comportamento e habilidades sensoriais”. Tais doenças afetam significativamente as condições de vida do paciente e de sua família, provocando inúmeras consequências sociais, incluindo o estigma, o isolamento da escola e a falta de oportunidades de carreira (ENFERMEDADES RARAS, 2013). O peso social das doenças raras pode atingir não somente os pacientes, mas outros à sua volta, incluindo amigos e, principalmente, seus familiares. Esses tipos de doenças são também caracterizados por um grande número e variedade de distúrbios e sintomas, que variam não somente entre enfermidades diferentes, mas também no âmbito do mesmo tipo de adoecimento. Nesse sentido, há uma grande variedade de subtipos da mesma doença (ENFERMEDADES RARAS, 2013), especialmente da ataxia.

Os sintomas de algumas doenças raras podem aparecer a partir do nascimento, durante a infância, na juventude ou mesmo na fase adulta. Mesmo após o início dos sintomas, comumente, existe um atraso excessivo no esclarecimento do diagnóstico e na falta de encaminhamento dos pacientes para profissionais qualificados, o que pode resultar em tratamentos inadequados ou mesmo ineficazes. Como afirma Monsores de Sá (2013), “o

tempo de diagnóstico demora algo em torno de três a cinco anos”, podendo ser até mais,

sendo longo o itinerário percorrido pelo usuário. Mesmo com a definição diagnóstica, a situação pode não ser suficientemente resolvida ou esclarecida no que diz respeito ao tratamento necessário. O paciente pode ficar anos, sem ter acesso a informações e orientações pertinentes. Dessa maneira, é preciso ampliar a produção de conhecimentos científicos mediante pesquisas nessa área, possibilitando suprir a carência de produtos terapêuticos e de treinamentos médicos adequados, bem como de atenção psicossocial (DOENÇAS RARAS, 2013).

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(LEAL; LABOISSIÈRE, 2013). Outro fator que pode colaborar com essa situação é o apoio social que se caracteriza muitas vezes insuficiente para ajudar os pacientes a lidarem com dificuldades relacionadas com deficiências que limitam o desenvolvimento de atividades da vida diária (LEAL; LABOISSIÈRE, 2013). Diante disso, é importante buscar a compreensão e reconhecer a importância de se cuidar das pessoas que são portadoras desses variados tipos de adoecimentos. Nesse estudo, o interesse de investigação recaiu sobre a compreensão do que seja ataxia espinocerebelar hereditária como tipo específico de adoecimento raro.

1.2 ATAXIA: DEFINIÇÃO E MANIFESTAÇÕES.

Ataxia é um termo originário do grego, que significa desorganização, sendo que a letra A equivale a “não” ou “negação” e Taxia ou “táxis” significando “ordem”. Desta forma, ataxia quer dizer algo físico que se encontra em desordem, neste caso, o corpo da pessoa com a doença. O termo tem sido empregado desde o século XIX para significar uma incoordenação motora. Atualmente, a ataxia pode ser considerada como um conjunto de sintomas com diagnósticos específicos e formas variadas de manifestações (JARDIM, 2010).

No caso das ataxias espinocerebelares, trata-se de um distúrbio hereditário que afeta a coordenação motora e provoca comprometimento na região conhecida como cerebelo.

Significa “[...] literalmente, confusão, embora o seu sentido moderno seja o de

incoordenação” (JARDIM, 2010, p.17) ou perda de coordenação, podendo afetar os membros, a fala, a visão, os movimentos dos olhos e outras regiões do corpo. A terminologia atáxica designa um sinal neurológico sintomático que consiste na falta bruta da coordenação de movimentos dos músculos. Dessa maneira, a Ataxia é uma manifestação clínica não específica, que implica na deficiência orgânica das partes do sistema nervoso responsável pelo movimento coordenado, tal como o cerebelo. “Embora o termo ataxia seja, principalmente usado para descrever esse conjunto de sintomas, às vezes é usado para se referir também uma família de transtornos. Não é, no entanto, um diagnóstico específico” (ATAXIAS AND CEREBELLAR..., 2014).

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rigidez, além do tipo diatônico ou cortiço, que é a postura ou movimentos anormais da cabeça e dos membros. Observam-se ainda deformações osteo-articulares quando as perturbações motoras surgem na infância ou adolescência, levando a escoliose e pés cavus.

Há também uma forma de manifestação onde os sintomas aparecem antes da idade que se poderia prever, criando assim situações difíceis de lidar, além da dificuldade de compreensão dos fenômenos do adoecimento, onde a instabilidade dos alelos expandidos origina o fenômeno de antecipação se caracterizando por início precoce e de maior gravidade da doença em gerações sucessivas. Essa antecipação pode ocorrer em variadas doenças hereditárias (BRICE; DURR, 2013).

As ataxias costumam se apresentar em dois tipos: as esporádicas e as hereditárias (JARDIM, 2010). As ataxias esporádicas acometem indivíduos que não tem histórico familiar de adoecimento e podem ser adquiridas por distintas causas. Entre as doenças médicas e neurológicas que podem causar ou ser associadas com ataxia esporádicas estão o câncer (particularmente o câncer do pulmão e de ovário), o alcoolismo crônico e certas deficiências de vitaminas (como a B12), os Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs), os tumores ou cistos no cérebro, as exposições a certos materiais ou drogas tóxicas (como chumbo e tálio), a esclerose múltipla e vários tipos de neuropatia periférica (ZETOLA et al., 2001).

São descritos atualmente os tipos sensoriais, que de acordo com Adam e Victor (1998), são distúrbios da marcha em neuropatias diabéticas ou alcoólicas ou em situações que afetam a coluna dorsal, comprometendo a posição articular ou do senso sinestésico, privando o paciente do conhecimento da posição de seus membros, o que dificulta a marcha e interfere nas informações cinéticas aferentes, geralmente ocorrendo uma reação de desequilíbrio (SOARES, 2008). Estes distúrbios interrompem o input proprioceptivo aferente ao Sistema Nervoso Central (SNC), o qual é essencial para iniciar e regular ajustes corporais na posição em pé. Quando em pé com os calcanhares unidos e os olhos fechados, o teste de Romberg pode indicar uma maior amplitude de oscilação postural do paciente.

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Na Ataxia Frontal, que é uma forma rara de ataxia com comprometimento do córtex frontal (via cerebelo-frontal, responsável pelo planejamento do ato motor), as causas podem ser infartos subcorticais frontais múltiplos, tumores frontais, hematomas subdurais e outros, é o caso da esclerose múltipla que acontece segundo Humberto (2014), por motivos genéticos ou ambientais, em que o sistema imunológico começa a agredir a bainha de mielina (capa que envolve todos os axônios) que recobre os neurônios e isso compromete a função do sistema nervoso. A característica mais importante da esclerose múltipla é a imprevisibilidade dos surtos (BOLSA SOCIAL..., 2010).

Embora os sintomas sejam parecidos com os anteriores, a ataxia cerebelar é resultante de lesões que afetam o cerebelo ou suas conexões aferentes ou eferentes, que são lesões de estruturas mediais, onde o Vérmis e o lobo Floculonodular, núcleo fastigial e o núcleo interposto produzem sintomas bilaterais que afetam partes axiais (proximais) do corpo, ocasionando andar vacilante e alterações da marcha e equilíbrio (ATAXIA HEREDITÁRIA..., 2013). Podem ocorrer diartria e nistagmo, que são lesões que afetam os hemisférios cerebrais, bem como o membro ipsilateral. Semelhante a esclerose múltipla, trata-se de uma ataxia mista, trata-sendo esta caracterizada como trata-sensitiva-cerebelar, onde o

componente sensitivo é identificado pela prova de Roomberg positiva, chamada de “marcha

atalonante e pseudoatetose”.

Dentre outros adoecimentos com características mistas, existe a doença de Alzheimer, que atinge entre 10% a 15 % da população com mais de 65 anos e 50 % após os 80 anos e é caracterizada clinicamente por quadro demencial progressivo, com perdas crescentes de funções cognitivas, como o comprometimento da memória, que se inicia com perdas de fatos recentes (Facure et al., 1993; Souza, 2012). Em seguida, há deteriorização das funções cognitivas com apraxias construtivas, agnosias e distúrbios afásicos. O quadro é de evolução variável, caminhando para estado vegetativo num período de 10 a 15 anos a partir do início dos sintomas (CHIMELLI, 2006).

Em resumo, esses tipos de ataxias fazem parte de um quadro clínico de numerosas doenças do sistema nervoso, presente em vários tipos de patologias (CHIMELLI, 2006), sem que haja “[...] um componente genético envolvido, sendo causada por uso excessivo de drogas

ou álcool e ainda de disfunções do sistema neuroimunológico, como a esclerose múltipla”

(RACKEL, 2010), sendo então decorrente, por exemplo, de efeitos ambientais, tumores e outros fatores.

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cura e, na maioria das vezes, nem mesmo tratamento. Nas ataxias espinocerebelar havendo tratamento, é apenas para diminuir agressividade da doença (TERAPIA CELLULAR..., 2007), como é ocaso das ataxias hereditárias espinocerebelares.

1.2.2 Ataxia Hereditária.

São consideradas ataxias hereditárias possivelmente todos os adoecimentos herdados, geneticamente de um grupo ou famílias. As espinocerebelares podem ser descritas como uma decomposição ou imprevisão nos movimentos, comprometendo a suavidade dos mesmos (JARDIM, 2010). Há vários termos que podem ser usados para se referir a este tipo de adoecimento que causa danos ao sistema nervoso, sendo que o mais utilizado é a degeneração espinocerebelar (O QUE É ATAXIA, 2010). Sendo a noção de degeneração utilizada, não no sentido patológico, onde se poderia encontrar uma reversibilidade ou recuperação de células, (CANGUILHEM, 2009), mas de forma ampla dando à psicologia social um referencial, onde o impacto do ponto de vista da saúde mental se faz por meio da necessidade de compreensão do seu próprio estado de consciência do adoecimento (CAPONI, 2012).

As formas hereditárias estão entre as causas mais frequentes de ataxia e se manifestam pela incoordenação da marcha, das mãos, fala e do movimento ocular. Incluem perda de movimentos, equilíbrio comprometido, perda de visão, atrofia nos músculos, dificuldade na dicção e também na deglutição (JARDIM, 2010). Correspondem um extenso grupo de enfermidades neurodegenerativas heterogêneas que apresentam algumas características em comum, como a herança genética e o processo degenerativo envolvendo o cerebelo e suas conexões (FREUND, 2007), sendo elas sensoriais e motoras. A maioria dos distúrbios que resultam em ataxia hereditária pode ser encontrada por meio da degeneração ou atrofia das células existentes na parte detrás da cabeça, chamada cerebelar, influenciando a função de coordenar os movimentos musculares voluntários e manter a postura e o equilíbrio do corpo. Dessa forma a coluna vertebral (modular),também pode ser afetada. A identificação

da ataxia “depende da observação atenta do paciente, em especial durante umas poucas provas neurológicas que envolvam o eixo do corpo, os braços, as pernas e a fala” (JARDIM, 2010,

p.17).

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aparecem entre os 10 e 60 anos (BREIER, 2010). Em alguns casos pode começar a partir dos primeiros anos de vida. Conforme a doença progride, os músculos tornam-se cada vez menos sensíveis aos comandos do cérebro. Isso faz com que o equilíbrio e a coordenação se tornem um problema maior na vida dessas pessoas, impossibilitando-as de realizar tarefas que normalmente fariam de forma independente (SAUTE; JARDIM, 2010).

As ataxias hereditárias representam um grupo heterogêneo de doenças que possuem como característica comum o fato de serem geneticamente determinadas e podem ser subdivididas em recessivas e dominantes. Existem ainda as formas raras ligadas ao cromossomo X e as determinadas por mutações no DNA mitocondrial. Nessa situação, podem se iniciar em qualquer idade (JARDIM, 2010), por estar presente de forma abrangente frente aos outros que apresentam maior visibilidade (THE GLOBAL EPIDEMIOLOGY..., 2014).

As ataxias autossômicas recessivas têm, geralmente, um componente multissêmico. Os primeiros sintomas se manifestam usualmente antes dos 20 anos de idade, embora muitos pacientes já tenham manifestações clínicas na infância. Uma das primeiras ataxias desse grupo a ser descrita foi a Ataxia de Friedreich (AF), cujos primeiros sintomas já podem surgir na infância. Trata-se da ataxia recessiva de maior prevalência mundial (SAUTE; JARDIM, 2010). No entanto, pouco se sabe sobre os efeitos psicológicos ou psicossociais específicos da doença. (WHITE et al., 2010).

As ataxias dominantes, (GONZALEZ; JARQUE, 2009) por sua vez, iniciam-se geralmente na fase adulta, mas podem também ser antecipadas, tendo início precoce, ou seja, abaixo dos 20 anos de idade, quando os sintomas aparecem nas gerações posteriores de uma mesma família (O QUE É..., 2013).

Os sintomas geralmente decorrem de disfunções do cerebelo, que é a parte do cérebro responsável pela coordenação motora (ATAXIAS ESPINOCEREBELARES, 2011), assim como podem estar associados às lesões na medula espinhal e a neuropatia periférica que, segundo Hoshino (2012), é o dano ao sistema nervoso periférico. A ataxia é um sinal comum a diversas categorias de doenças genéticas. Na infância, em especial, a ataxia pode levar a má formação cerebelar. Cada uma dessas classes etimológicas tem fisiopatologias, critérios diagnósticos e manejos específicos e complexos (SAUTE; JARDIM, 2010).

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Devem compreender o papel da hereditariedade na determinação do problema, para também entenderem os riscos de recorrência. O objetivo final é o de que consigam escolher, com clareza e autonomia, o curso de ação mais apropriado aos seus objetivos e ao seu modo de ver o mundo e a vida (ARRUDA; TEIVE, 1997).

De forma geral, as Ataxias Hereditárias apresentam uma prevalência entre um caso a 17.8 casos por 100.000 pessoas (CONGRESSO INTERNACIONAL, 2014). Embora consideradas raras, o que se sabe é que, se somadas, as ataxias hereditárias autossômicas, recessivas e adquiridas (esporádicas) representariam um quantitativo considerável da população, o que provavelmente favoreceria uma maior consciência da dimensão do problema (ARRUDA; TEIVE, 2004).

Nos Estados Unidos, para cada grupo de 100.000 mil pessoas, existem 100 com este acometimento (THE BEGINNING…, 2013). Na Europa, há uma prevalência média de 6.55 casos por 100.000 habitantes, estimando um caso a cada 50.000 pessoas. No Brasil, estima-se que a doença possa atingir “[...] um caso para cada 30.000 habitantes” (JARDIM et al., 2010, p.31). Nesse sentido, a Ataxia espinocerebelar pode ser considerada uma doença rara.

Entretanto, no âmbito das famílias afetadas, pode haver um caso de ataxia a cada dois indivíduos. Assim, embora não figure entre as doenças de maior incidência, é importante observar que quando pessoas de uma mesma família são atingidas outros membros também poderão manifestar a doença (OSÓRIO, 2010). Dessa maneira, o risco de desenvolver a ataxia pode provocar medo entre as pessoas que têm vulnerabilidade genética para o adoecimento. Por seu efeito psicossocial e mau prognóstico, a ataxia pode ser definida como um sério agravo à saúde, merecedor de maior atenção do sistema público de saúde (SAUTE; JARDIM, 2010).

Existem pesquisas e descobertas recentes acerca do tratamento da ataxia espinocerebelar, embora sejam poucas diante da necessidade percebida. Ainda não existe um tratamento que possa interromper o curso da doença, ou mesmo que a previna, entre as pessoas que desenvolveram os sintomas, mas cuidados podem ser tomados para melhorar a qualidade de vida dos doentes.

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No Brasil, algumas pesquisas estão desenvolvidas com o objetivo de encontrar um tratamento medicamentoso que seja efetivo para o combate da doença (LOPES-CENDESI et al., 1997). Qualquer um dos tipos de ataxia deve sempre ter uma equipe multidisciplinar para o acompanhamento do adoecimento. Com as pesquisas foi-se descobrindo que sua presença no país, era mais forte do que se imaginava (PEDROSO et al., 2012). A fisioterapia é fundamental, assim como a fonoaudiologia, a terapia ocupacional e outros. O tratamento fisioterápico pode ser acompanhado pelo uso de medicamentos, e parece ser ainda um dos poucos caminhos a ser percorrido para quem descobre que tem Ataxia. Conforme Kulzer (2010, p.50), a fisioterapia busca minimizar a agressividade da doença por meio de exercícios

fisioterápicos em que o objetivo é “a retomada possível da habilidade dos pacientes com ataxia, no que diz respeito à realização dos seus movimentos”.

Nos últimos anos 20 anos, muitos avanços foram feitos no estudo das ataxias hereditárias, sendo testadas várias terapias com potencial efeito de retardo da progressão da doença ou de melhora sintomática. Uma limitação dos principais instrumentos utilizados nos estudos atuais, o International Cooperative Ataxia Rating Scale (ICARS) e a Scale for the Assessmentand Rating of Ataxia (SARA), é o fato de considerarem apenas os sintomas da ataxia, ignorando os demais sintomas dessas afecções de múltiplos sistemas neurológicos (BRAGA-NETO et al., 2010).

É preciso haver ainda formas de acompanhamentos a nível psicológico dos pacientes e seus familiares, para que se ampliem as buscas por uma melhor qualidade de vida. Todos esses cuidados podem favorecer e amenizar a progressividade do adoecimento. É possível imaginara dificuldade, por exemplo, do ponto de vista psicológico do sujeito realizar um tratamento fisioterápico quando não se encontra preparada para lidar com os estressores típicos deste tipo de adoecimento e tratamento (JARDIM, 2010).

A vida da pessoa pode ser comprometida muito antes do diagnóstico, quando aparecem os primeiros sintomas, o que é agravado com o avanço do quadro clínico que pode deixar a pessoa dependente de outros, para se movimentar e realizar atividades da vida diária, resultando muitas vezes em um isolamento social (SANTOS, 2011).

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JARDIM, 2010). Nesse contexto, cabe compreender a situação de como a ataxia de Machado-Joseph se apresenta frente ao sujeito que a desenvolve e com ela convive.

A Doença de Machado Joseph (DMJ) é o tipo de ataxia autossômica dominante de maior ocorrência mundial (O QUE É ATAXIA, 2013). O termo Machado-Joseph é usado para designar uma doença hereditária que passou a ser conhecida a partir de 1972, quando houve sua primeira descrição oficial por dois grupos de investigadores norte-americanos a partir de casos identificados em famílias luso-americanas (FONSECA, 2010). Há indícios de que entre os açorianos essa doença era frequente e que, com o domínio do comércio marítimo português nos séculos IV e VI, tenha ocorrido sua difusão para outros continentes e países. No Brasil, o estado com maior incidência é o Rio Grande do Sul, que possui uma grande concentração de descendentes lusitanos, e teve a prevalência mínima da doença igual a 3 para cada 100.000 habitantes (TROTT et al., 2006).

A distribuição geográfica da doença se apresenta de forma irregular. No entanto, nas ilhas de São Miguel e das Flores e em suas proximidades, nos Açores, há um grande número de famílias com o adoecimento, representando a mais alta prevalência conhecida no mundo para qualquer tipo de ataxia hereditária. Na ilha das Flores, por exemplo, um em cada 100 habitantes é doente, um em cada 40 é portador do gene e um em cada 20 está em risco para esta doente. Justifica-se por isso, que nos Açores, a doença seja encarada como um problema de saúde pública e que seja corretamente planejado e posto em prática um programa de prevenção (FONSECA, 2010).

A causa genética da doença é devido a um aumento do número de repetições de três pares de bases nitrogenadas CAG (Citosina, Adenina e Guanina) na região do gene DMJ do cromossomo 14. Os indivíduos normais apresentam de 12 a 40 cópias desta repetição, enquanto que os indivíduos clinicamente afetados têm 61 ou mais cópias da repetição. Indivíduos com expansão entre 41 e 60 repetições podem ou não apresentar manifestações clínicas (LOPES-CENDES et al., 1996). A correlação do número de repetições com a idade de início da doença não é suficientemente precisa para serem usadas clinicamente. A pesquisa desta mutação deve ser realizada para confirmação do diagnóstico clínico dos indivíduos sintomáticos, como teste pré-natal para famílias de alto risco, ou mesmo para identificar a expansão em pacientes assintomáticos que apresentam risco familiar para o desenvolvimento desta doença (SEQUEIROS, 2013).

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cada pessoa. Se uma das sequências for maior de 56 repetições, então o exame laboratorial identifica a presença de uma mutação. O diagnóstico específico das SCA (Spino-cerebellar Ataxia) é sempre baseado na testagem molecular (SAUTE; JARDIM, 2010).

O início da doença pode ser sutil e evoluir de forma gradual, afetando principalmente o caminhar e produzindo oscilações e desvios para os lados e, com o passar do tempo, até mesmo quedas. Os sinais e sintomas da doença pertencem ao grupo das degenerações cerebelares, que produzem alterações na fala, gestos, equilíbrio e marcha (JARDIM, 2010). Assim, o doente apresenta ataxia cerebelosa (descoordenação dos movimentos e fala de difícil entendimento), oftalmológica externa progressiva (limitação do olhar vertical para cima) e sinais piramidais/espasticidade (reflexos exagerados), a que se adicionam em alguns doentes uma síndrome extrapiramidal (posturas e movimentos anômalos de torção) ou síndrome periférica (atrofias musculares) (SAUTE; JARDIM, 2010).

Na alteração da postura, há sintomas como o da marcha cambaleante. De fato, esse tipo de adoecimento quase sempre se manifesta por desequilíbrio progressivo para caminhar. Com o passar do tempo, a ataxia espinocerebelar pode atingir os movimentos finos das mãos, dificultando à escrita, bem como o uso de órgãos dos sentidos, e a fala, que se torna mal articulada. Pode afetar até mesmo a capacidade de alimentação (ABDULMASSIH et al., 2013). Em muitos pacientes a dificuldade de comunicação se tornar o principal problema, Embora intelectualmente normais essas pessoas, não conseguem se expressar adequadamente através da fala (SAUTE; JARDIM, 2010).

A DMJ não causa deterioração mental e os pacientes, em geral, mantêm-se inteligentes, lúcidos e com a memória normal. Entretanto, como se trata de uma condição muito limitante, muitos sofrem de depressão, angústia e medo relacionados às dificuldades de locomoção e ao isolamento social, sendo comuns, por exemplo, perturbações no sono e irritabilidades (FONTENELLE, 2013).

Pode aparecer desde tenra idade até aos 70 anos (casos mais raros). O início precoce (abaixo dos 20 anos de idade) ocorre devido ao fenômeno genético que antecipa o surgimento dos sintomas podendo se apresentar de forma precoce nas gerações posteriores de uma mesma família (PAULSON, 2011). Neste tipo de ataxia, os genes estão presentes somente em um dos pais. A probabilidade de um filho ou irmão de um portador carregar a doença é de 50%. Nesse

sentido, Jardim (2010, p.29) afirma que “a doença aparece em todas as gerações de uma

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reprodutivo, afeta, portanto, famílias inteiras. Em quase todas as SCAs, os testes moleculares existentes podem diagnosticar com precisão não somente o primeiro afetado da família, assim também como seus parentes assintomáticos (MARTINS; RODRIGUES, 1213).

As ataxias hereditárias dominantes geralmente se apresentam em indivíduos que têm um de seus genitores afetados e história familiar positiva em duas ou mais gerações. Em alguns casos, entretanto, a história da herança dominante fica oculta ou ainda não aparece. Essa situação se dá nos casos de expressividade variável, de penetrância incompleta e de mutações. Por exemplo, a morte precoce do genitor afetado, antes do aparecimento dos seus sintomas, pode evitar o conhecimento da condição familiar, fazendo com que a história da herança vertical fique “perdida” (HALES; YUDOFSKY, 2014).

Sendo a DMJ conhecida como SCA3 (Ataxia do tipo 3) não possui um tratamento que interrompa o curso da doença, mas alguns sintomas podem ser amenizados se o tratamento se iniciar precocemente, podendo talvez, ter sua progressão diminuída (BETTENCOURT; CONCEIÇÃO; LIMA, 2011). A Ataxia espinocerebelar tipo 3 (SCA3) ou Machado–Joseph é a forma da doença mais comum entre as ataxias dominante em 7 dos 9 estudos com testes genéticos (RUANO et al., 2014). No que diz respeito ao uso de medicamentos, não se conhece ainda um que seja preventivo para a DMJ.

[...] o uso de uma medicação anti-depressiva está indicado e pode trazer grande alívio dos sintomas. Já comentamos que a DMJ traz muita incapacitação funcional: o doente deixa paulatinamente de caminhar, de se comunicar e de realizar suas tarefas. Isso traz um enorme sentimento de perda e de tristeza. Esse sentimento - essa depressão - pode, por sua vez, vir a piorar os sintomas motores, produzindo ainda mais limitação. Por isso, é possível que, em muitos casos, o uso judicioso de um anti-depressivo melhore a qualidade de vida do doente e mesmo de sua família (O QUE É GENÉTICA..., 2013).

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os sintomas motores, produzindo ainda mais limitações. Outras medidas recomendadas consistem no uso de próteses, bengalas e cadeiras de rodas, que devem ser prescritas pelo fisiatra, visando à manutenção das atividades físicas no cotidiano (VELAZQUEZ PEREZ et al., 2011). A investigação da doença tem-se desenvolvido bastante desde a descoberta da mutação, permitindo uma melhor compreensão dos mecanismos de ação da mutação e, por ventura, o eventual tratamento. Em termos práticos pode-se efetuar o teste preditivo (TP) por detecção direta da mutação nos indivíduos em risco para a DMJ; ou seja, estes indivíduos podem antecipar, se o desejarem, o diagnóstico do seu estado de portador ou não portador da mutação e, por conseguinte conhecer se poderão ou não vir adoecer, o que não garantirá sucesso na confirmação ou não dos sintomas quando este ainda não demonstrarem sinais (SAUTE; JARDIM, 2010).

O Teste Preditivo compreende uma pré-avaliação, quando são revisados os motivos que levam à decisão de realizá-lo e o possível impacto de um resultado positivo ou negativo. Ele é confidencial e sigiloso e seu resultado somente é dado para o indivíduo que o realizou. O Teste Preditivo para DMJ compreende uma pré-avaliação onde serão revisados os motivos que levam à decisão de realizá-lo, e o possível impacto de um resultado positivo ou negativo na vida desse sujeito (O QUE É A GENÉTICA..., 2013). Os laboratórios costumam realizar esse teste nos indivíduos que tenham 50% de risco de virem a apresentar essa condição de ataxia e que sejam maiores de 18 anos (SAUTE; JARDIM, 2010, p.379).

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CAPITULO II - A VIVÊNCIA DA TEMPORALIDADE EM PESSOAS COM ATAXIA HEREDITÁRIA

A concepção temporal faz parte da vida do ser humano, por isso o tempo é uma dimensão existencial presente em todas as culturas, não por que as culturas se apossaram dele como algo próprio de si mesma, mas por que o sujeito cultural tem dentro de si essa dimensão, é própria dele. “A noção de tempo relaciona-se com as características comuns às sequências de mudança que apresentam uma estrutura contínua, independentemente de suas

diferenças de natureza” (ELIAS, 1998, p.60). Essa noção é possível quando se relaciona noção de velocidade, espaço e movimento, considerando ainda que “o conceito de tempo, distância e velocidade são construtos” (ROAZZI; FILHO, 2001, p.498). Ele é também o sentido das coisas que leva à subjetividade, pois conduz ao antes e ao depois, não sendo o sujeito eterno, mas temporal, por uma própria necessidade interior (MERLEAU-PONTY, 1999).

Nesse sentido, o tempo é uma relação do sujeito com a percepção que tem dos objetos, não bastando em si mesmo (ROAZZI; FILHO, 2001). É uma dimensão do ser como sujeito, que por meio da percepção, pode ter uma experiência do presente, não significando, porém, indicação de um passado, a não ser por uma recordação (MINKOWSKI, 1993, apud, COSTA; MEDEIROS, 2009). Neste caso, percebe-se essa mudança pela nossa própria existência, presente na noção subjetiva das relações com a percepção do ser enquanto ser.

A existência do tempo permite que haja uma possibilidade de compreender os fenômenos dentro de uma relação, em que a própria percepção do ser humano o pode influenciar na duração ou não desse tempo, tendo ele uma dimensão aparentemente curta ou não, dentro de uma perspectiva em que os fenômenos possam ser apresentados de forma patológica ou comum, levando em consideração a presença real e perceptiva por parte de quem observa esse fenômeno e sua compreensão temporal de durabilidade. Nesse sentido

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(MERLEAU-PONTY, 2009). O tempo é o único movimento que em todas as suas partes convém a si mesmo.

[...] por que é pela relação entre o tempo sujeito e o tempo objeto que podemos compreender a relação entre o sujeito e o mundo [...] A síntese do tempo é uma síntese de transição, ela é um movimento de uma vida que se desdobra. “O que não passa é a própria passagem do tempo” (MERLEAU- PONTY, 1999, p.567).

Diante desse processo o tempo recomeça e só existe para o sujeito por que é pensado. Ele não é uma linha, mas uma rede de intencionalidade que por meio de seu movimento age na interação com sua passagem, pois o presente é a zona em que o ser e a consciência coincidem. Diante disso, passado e presente estão ligados no momento de temporalização (MERLEAU-PONTY, 1999).

O tempo pode se apresentar sob duas formas: como natural que é aleatório frente à concepção do antes, como experiência de uma ação vivida e um depois, frente a uma perspectiva de futuro. Ele também se apresenta como tempo histórico que flui, é movimento e é passagem, onde o presente, o passado e o futuro se realizam com suas contribuições temporais (MATTHEWS, 2010). Sendo o tempo um processo influenciado pelo dinamismo da vida, a temporalidade também se processa dentro dessa concepção, ou seja, faz parte de si mesmo na dinâmica da transformação temporal, se diferenciando por ser uma forma da vivência desse mesmo modelo de tempo.

A temporalidade é um processo constituinte e intrínseco na vida do ser humano, inclusive na vida de quem sofre de ataxia, mas não se lhes apresenta como tendo uma relevância consciente antes do diagnóstico. No entanto, após o mesmo, passa a ter um papel fundamental na forma como o sujeito se vê, e sente principalmente, a maneira como estão ligados às possíveis realizações futuras, projetos e perspectivas reais de sua existência temporal (SILVA, 2006). Dessa maneira, relaciona-se com o princípio de vida, onde o sujeito recorre ao tempo vivido como base para pensar seu presente, realizando, na maioria das vezes,

comparações do “antes com o agora”. Revela, dessa maneira, consciência do processo de temporalização que passa a viver (MERLEAU-PONTY, 1999). Ela é um sentido interno e o caráter mais geral dos processos psíquicos.

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eu não escolhi nascer e, uma vez nascido, o tempo funde-se através de mim, o que quer que eu faça (MERLEAU-P0NTY, 1999, p.572).

Desse modo, viver a temporalidade dentro de um contexto da realidade do próprio sujeito é uma situação própria do ser humano, podendo encontrar, dessa maneira, possibilidades de viver dentro de um contexto em que a valorização subjetiva torna-se primordial frente à compreensão de sua vida. Assim, busca uma compreensão da temporalidade e suas relações com o tipo de tempo que se quer viver e sua real importância (ALMADA, 2008).

Dessa maneira, a temporalidade, que faz parte da própria vida do sujeito, encontrando-se no seu coração como Ser no mundo, enquanto processo e não como fim. Nesse caso, ela é o elo entre o Ser como sujeito e o mundo dos objetos que é percebido, sendo por isso um aspecto da ambiguidade existencial do sujeito (MARQUES, 2008). Sendo ela parte da própria existência humana, aponta para sua liberdade, entendida aqui como a capacidade de assumir os desafios que vêm do passado, propiciando e incentivando a procura de soluções futuras (MATTHEWS, 2010).

Sendo o tempo um aspecto da vida humana e a temporalidade uma forma de viver esse processo, torna-se importante nesse caso, para o ser humano encontrar um sentido para sua vida. Nesse aspecto, é considerável a tentativa do indi,viduo de buscar esse sentido, sendo essa busca a motivação primária de seus impulsos, como sujeito, conforme o bem descreveu Victor Frankl (1997), onde buscar ajudar os outros, é um encontro do sentido para própria vida.

Então, nesse contexto, o tempo vivido é uma relação que se configura como parte fundamental do processo subjetivo e existencial que envolve o sujeito em direção a um desapego pela marcação de tempo (ROAZZI; FILHO, 2001). Assim, torna-se essencial compreender que a noção de tempo se faz presente no sujeito por meio de suas próprias percepções de tempo, ou seja, da experiência, que se possa ter da dimensão temporal ou do próprio tempo como fenômeno de existência experimental associado às primeiras impressões perceptíveis da realidade como um todo. Como afirma Minkowski (1993, apud COSTA; MEDEIROS, 2009, p.378).

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A concepção de tempo encontrada em Minkowski está relacionada ao pensamento de Agostinho quem primeiro buscou uma elaboração da concepção temporal no contexto ocidental, numa releitura aristotélica, em que o tempo se relaciona com a vida, assim como o cotidiano do sujeito moderno (ESPOSITO, 2010).

Nesse sentido, é importante que se compreenda o tempo como algo passível de ser medido ou mesmo controlado. Porém existe outra noção de tempo identificado como: tempo existencial, tempo vivido, ou seja, o tempo como qualidade de vida. Aqui é importante compreender o tempo vivido como parte da existência humana, podendo ultrapassar os limites da relação tempo-espaço, presente, passado ou futuro, dando à redução temporal uma insignificância frente à necessidade de viver qualitativamente (ALMADA, 2008). Esse é um processo onde a forma de viver está baseada na consciência da pessoa e a experiência pode fazer parte de um todo, sem que haja desconexão da realidade psicológica no que diz respeito à sua vida prática (MATTHEWS, 2010).

Isto torna a compreensão da temporalidade e suas relações com a experiência existencial da pessoa de grande importância, uma vez que a temporalidade não se apresenta uniforme, mas com características diversas dentro do que seja a existência humana (ALMADA, 2008) e onde viver o tempo se torna uma questão de experiência no aqui e agora, ainda que se assente sobre o passado e projete-se para o futuro. Assim, o tempo se apresenta como uma experiência primária, onde a sua assimilação temporal se relaciona com a temporalidade diante da consciência humana, que se mostra por meio da própria experiência do tempo vivido como qualidade, enquanto possibilidade de atingir um ellan vital que se relaciona com a criação do futuro antes mesmo de nós, por ser instinto, movimento e intencionalidade (MINKOWSCK, 1993, apud COSTA; MEDEIROS, 2009). Liga-se com a duração, na busca de qualidade interior do tempo materializado como movimento de expectativa (BERGSON, 1988). Ou seja, o movimento como intencionalidade se relaciona com o viver bem, como elemento essencial da vida, conforme afirma Minkowski (1993, apud COSTA; MEDEIROS, 2009). O futuro se cria antes mesmos de nós, sendo movimento atua com intencionalidade na relação com o Eu, qualificando o vivido por meio da percepção do sujeito, que se expressa na experiência do tempo qualidade, sendo ponto de partida para a escolha do viver bem.

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saber sobre sua condição degenerativa e de sua repercussão frente à dimensão psicossocial, assim também, como necessidade de reorganizar ou não sua vida, frente ao diagnóstico, de saber que o acometimento ainda não tem cura, aumentando a ansiedade sobre o que pode ou não realizar, além de dúvidas sobre seu futuro, sensação de depressão, agressividade e sentimentos mais aflorados. Assim o modo do tempo vivido pode se reorganizar intrinsecamente, desde o âmbito predicativo de suas experiências até as manifestações conscientes e relacionais (ALMADA, 2008).

2.1 A VIVÊNCIA DO TEMPO: ENTRE CHRONOS E KAIRÓS.

Na Grécia clássica existem formas variadas de se pensar ou mesmo viver o tempo, porém cada teoria, conceito, vivências ou mesmo sistemas temporais, apresentam suas peculiaridades. A historiografia grega, nesse sentido permite compreender a importância do tempo como parte da vida humana (MOMIGLIANO, 1990). Por isso, será feita uma delimitação de como alcançar uma maior clareza do fenômeno referido, tendo em vista a relação entre a temporalidade e a busca pela qualidade de vida

Nesse contexto, tem-se como exemplo o tempo Arkaios e sua dimensão de antiguidade, que não cabe trazê-lo a esse estudo, por acrescentar sentidos insuficientes, na elaboração do que se pede. Porém é importante e suficiente analisar algumas dimensões, tendo como ponto de partida o tempo chronológico, o kairótico e algumas das relações que permeiam seus significados, como a noção do ainda, do reviver momentos, sendo o ainda uma referência, assim também como a dimensão do agora, como sucessão de momentos. Nesse sentido o ponto de maior referência recai sobre o tempo kairós, por se mostrar mais adequado na identificação da qualidade do vivido (MINKOWSKI 1993, apud COSTA; MEDEIROS, 2009).

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No Chronos, o tempo é medido por anos, por primaveras e por dois acontecimentos básicos: o nascimento e a morte (SCHWARTZ, 2008). Filosoficamente, é um tempo aprisionador, pois o Ser sofre com o que passou e com o que virá. Esse sentimento para quem tem ataxia pode significar o medo e outras sensações ligadas à incapacidade de construir algo, como, por exemplo, formar uma nova família, assim também como a reorganização ou não de sua vida no tempo e espaço.

Chronos é o princípio regulador de todos os assuntos mortais dito da temporalidade. [...] Chronos que se ‘alimenta’ dos filhos e, ainda, um Chronos que se realiza em nossa sociedade como o mestre do tempo técnico dos relógios e das revoluções sócio-industriais (REGGIO; PEIXOTO, 2009, p.14).

O tempo cronológico é contado, em minutos, segundos e milésimos de segundos, numa ordem linear de tempo. Porém, se refaz nas concepções conscientes dos seres humanos (SCHWARTZ, 2008). Sua essência é indefinível, pois não se sabe ao certo se existe independentemente da realidade exterior ou se é apenas uma ilusão, um produto da consciência, que faz o sujeito imaginar como real, algo que é apenas uma memória do que foi ou a expectativa do que poderá ser. O tempo e a noção de temporalidade têm sido objetos de estudo de muitos filósofos, especialmente caros à fenomenologia, inclusive para Minkowski e Merleau-Ponty (2000, p.176), sendo que este último afirma que “o fenômeno da pluralidade

de tempo é um fenômeno de perspectiva”.

Dentro dessa noção temporal, o termo Kairós é outra concepção de tempo que se mostra como uma maneira de compreender o tempo vivido. Essa visão, por sua vez, apresenta duplo significado. Por um lado, Kairós é o momento propício; de outro lado, representa oportunidade (NATÁRIO; TEIXEIRA; EPIFÂNIO, 2010). Como momento propício, é o instante único que se abre para a ação certeira e eficaz. As decisões e ações tomadas no exato momento podem resultar em eficácia e no alcance do objetivo proposto. Como oportunidade, denota a abertura que se apresenta no tempo para uma ação determinada possibilitando ser executada (NATÁRIO; TEIXEIRA; EPIFÂNIO, 2010). Kairós, portanto, diferentemente de

Chronos, traz uma noção de qualidade na forma de se pensar, agir e aceitar a vida, vivenciando-a como um momento único, sem precipitações, medo e desilusões (MINKOWSKI 1993, apud COSTA; MEDEIROS, 2009), mas na certeza de que deve ser vivida de forma que possa proporcionar liberdade, felicidade dentro do processo de finitude humana.

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Kairos-criação, ou mesmo, Chronos-Kairos. [...] há uma relação entre o tempo menos determinado e a criação de qualquer coisa. Esta é uma experiência do tempo que não é programada. Isto é, a criação ou o ato de agir deve se passar num espaço menos restrito, num tempo menos cronometrizado, num tempo menos chronificado (REGGIO; PEIXOTO, 2009, p.15).

Enquanto sob domínio de Chronos, cabe ao ser humano apenas reduzir-se a um espaço de dominação, reflexão e de poder, tomando ações no sentido de garantir força para compensar a inexorável passagem do tempo. Em Kairós, o que se tem é uma noção de qualidade da percepção e da ação. Esse tempo é um tempo que não é medido por anos, meses e dias, é atemporal. Um dia em Kairós não tem uma dimensão relacionada ao poder de ação, que não necessariamente significa passividade, mas uma forma de agir com consciência e harmonia diante das manifestações temporais na vida do sujeito (FORGUIERI, 1993a).

Assim como em Chronos, que se mostra na tomada de atitude, onde o indivíduo é ativo, no Kairós essa visão também se faz presente, mas leva em conta o sujeito como Ser de existência consciente de sua limitação e finitude, aceitando essa realidade como parte de si mesmo na tentativa de superar essa dualidade de medo ou outros sentimentos associados à dominação temporal.

O ser humano tem consciência de sua morte, seja ele religioso ou não, podendo a partir dela gerar capacidades coletivas a fim de antecipar e criar o futuro. A consciência da finitude produz, no humano, uma necessidade projetada de atingir a eternidade (MILANI, 2009, p.297).

Nele também não há uma noção de espaço dominável, mas de pura realidade vivida na concepção da finitude humana, por isso mesmo pode ser construído levando em conta essa harmonização entre tempo e realidade, vida e morte, liberdade e felicidade (ALMADA, 2008). É nesse sentido que o sujeito com ataxia pode se encontrar como pessoa que transcende o tempo e a finitude frente a sua morte.

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de viver parece ser baseada na consciência do sujeito e a experiência pode fazer parte de um todo, sem que haja desconexão da realidade psicológica no que diz respeito à sua vida prática (MILANI, 2009).

Isto torna a compreensão da temporalidade e suas relações com a experiência existencial da pessoa de suma importância, uma vez que a temporalidade não se apresenta uniforme, mas com características diversas dentro de um contexto de existência humana (RIBEIRO; MARTINS, 2009).

Sendo o tempo um processo influenciado pelo dinamismo da vida, a temporalidade também se processa dentro dessa concepção, ou seja, faz parte de si mesmo na dinâmica da transformação temporal de um movimento que flui (MERLEAU-PONTY, 2009). Neste caso, compreende-se essa mudança pela própria existência do tempo presente na percepção subjetiva relacionada com a existência do ser enquanto ser. Existem diferentes formas de se perceber um fenômeno e esta percepção também faz parte da vida de quem tem ataxia.

Viver a temporalidade dentro de uma concepção de existência humana requer considerar a subjetividade como condição própria do ser humano, podendo o sujeito encontrar possibilidades de viver em um contexto onde a valorização da essência torna-se primordial frente à compreensão de sua vida, fazendo-se parte da existência como ser e não como objeto, o que torna necessária uma compreensão da noção de temporalidade e suas relações com o tipo de tempo que se quer viver e sua real importância (SILVA, 2007).

Nesse contexto, é necessário compreender ainda que a noção de tempo encontra-se no sujeito através de sua subjetividade temporal, ou seja, por meio da experiência vivida na dimensão temporal ou do próprio tempo como fenômeno de existência que se mostra na experiência da consciência, desde as primeiras impressões perceptíveis da realidade do sujeito. Dessa maneira, a temporalidade permite que o tempo faça parte da existência humana, possibilitando ser diante de si mesmo movimento e encontrando, dessa maneira, uma forma de ser temporalizado, ou seja, de fazer parte da vida do sujeito. É nesse processo temporal que o sujeito com ataxia pode diferenciar seu olhar diferenciado da doença e suas limitações ou se esforçar por transcender seu estado de adoecimento, encontrando no presente elemento do tempo vivido que atuem como o suporte para o futuro que, mesmo sendo finito, permite realizações, o que possibilita impulsionar sua consciência frente à debilidade física e de seu processo temporal através de sua existência como sujeito (ALMADA, 2008).

Referências

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