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CAPITULO IV RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 CARACTERIZAÇÕES DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA

4.1.1 Flávia A

4.1.1.2 Impressões Pessoais

O relato de Flávia permite perceber seu esforço para ter o máximo de autonomia, dentro das possibilidades do seu quadro clínico. Ela buscou superar seus limites, aceitando que poderia conviver com o adoecimento, ainda ciente que este não dispõe de uma cura. Foi notório seu difícil acesso a informações sobre tratamentos disponíveis para casos de ataxia que poderiam lhe ajudar. Além disso, os tratamentos revelam-se caros e dispendiosos, sem mostrar possibilidades reais de cura. Desse modo, Flávia acreditava que estaria “perdendo tempo com isso”. Sua maior preocupação tornou-se, portanto, o nascimento da sua filha.

Nesse contexto, sua tristeza era amenizada pelo acolhimento e dedicação que recebia de membros da sua família. Apesar da revolta inicial com o sofrimento que a doença lhe trouxe, ela pareceu estar em processo de aceitação de sua condição de dependente. Porém, lamentava não “usufruir da plena liberdade” com a qual sempre sonhou. Lamentava ainda a “falta dos amigos, que não mais frequêntavam sua casa nem a visitavam, assim como da sua comunidade religiosa, que está cada vez mais distante”. Lamentava ainda o fato de que seus familiares não conseguiam mais “atender suas necessidades de sair de casa” e outras, devido à incompatibilidade de horários. Se pudesse, afirmou “que teria outro estilo de vida”, mas sentia que não tinha mais autonomia para decidir sobre aspectos importantes da sua vida, devido à cegueira e a sua marcha desregulada, em consequência da qual já andava com apoio de “carrinhos”, sob pena de cair se não tivesse alguém por perto para ajudá-la. Sua capacidade alimentar também havia sido atingida, assim como a auditiva.

Nitidamente, percebeu-se que sua capacidade física encontrava-se debilitada e fragilizada por causa do adoecimento, embora suas faculdades mentais parecessem não ter sofrido prejuízos na mesma proporção que a parte física, o que é característico deste tipo de adoecimento. Porém, no início da descoberta de seu diagnóstico, ela relatou um estado de humor típico de depressão reativa, quando “não sentia vontade de ver ninguém e tentava se isolar”.

Durante o processo de coleta de informação na entrevista, foi possível perceber o momento tenso que vivia com seus familiares, devido às condições físicas e sociais de sua nova gravidez. No entanto, segundo Flávia, a situação de ser entrevistada lhe foi útil, pois lhe permitiu deixar a inibição de lado e lhe ajudou a “refletir sobre seu atual momento da vida”, com seus medos, angústias, desejos e expectativas de futuro.

4.3 Paulo B

Natural de Brasília e morador do Guará, Paulo têm 24 anos e segundo grau completo, tendo como ocupação o trabalho em uma loja de aluguel de mesas para festa pertencente à própria família, sendo também aposentado por invalidez. Sua família é composta por cinco pessoas, incluindo além dele, dois irmãos, pai e mãe. Ele se declarou como sendo católico não praticante e afirmou conviver com uma renda familiar aproximada de seis mil reais.

Como qualquer outra criança, Paulo frequêntou a escola e também participava de brincadeiras de rua. Porém, “muito cedo começou a sentir os efeitos de um problema em sua visão”, o qual acreditou ter menor importância. Todavia, como seu problema não era identificado, passou a fazer tratamento e acompanhamento no Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais (CEEDV). Após o diagnóstico, por opção própria, resolveu não fazer tratamento específico para ataxia, o que já era feito por seu pai, que é acompanhado por profissionais da Rede Sarah.

No que diz respeito à sua vida social, diz que estuda de forma autodidata, além de participar de um programa público-privado de Capacitação no CEEDV, onde toca violão e estuda música. Porém, deixou nítido que sua vida estava “voltada à preparação para concurso público”. Destacou ainda seu interesse em estudar para ingressar em uma faculdade. Citou sua grande alegria “em participar no CEEDV”, onde afirmou “ter conseguido encontrar motivos para estudar para concurso publico”. Essa é uma tarefa que lhe ajuda a não ficar pensando na doença que, segundo ele, incapacita-o para a realização da maioria das tarefas que gostaria.

Segundo ressaltou, é lá também que “encontra pessoas para conversar e o faz perceber que sua deficiência é mais uma diante de tantas outras”.

Paulo relatou que “pensa em construir uma família”, embora isso não seja primordial. Por outro lado, afirmou que não teria filhos, pois estaria condenando seus filhos a uma doença que os levaria à morte. O certo, em sua opinião, era adotar uma criança, pois assim preencheria a necessidade de poder construir uma família sadia. Quando à questão de relacionamento, deixou claro que embora sonhasse em construir uma família, isso era “muito difícil pela sua atual situação e progressão da doença, cada dia mais agressiva”.

No trabalho, Paulo exercia, de segunda a sábado, o papel de charante, segundo ele “era um pessoa que recebe pedidos pelo computador para aluguel de mesas e cadeiras, além de fazer a contabilidade da empresa, mas tem diminuído o ritmo de trabalho”. Avaliou que se relacionava normalmente com seus pais, mas com seus irmãos havia alguns conflitos, classificados por ele como “guerrinha simples de irmão”.

Depois que foi confirmada a doença, Paulo avaliou que estava cada vez mais difícil de seus amigos aparecerem para conversar ou para realizarem outras tarefas. Por outro lado, sua vida social deu uma evoluída quando começou a estudar, pois antes se sentia recluso e limitado, não saia de casa. Em relação a sua vida afetiva, avaliou-a como boa e disse estar tentando dar continuidade à mesma após uma parada.

4.1.2.1 Histórico do adoecimento

Os sintomas de Paulo, característicos da ataxia, estavam relacionados com o desequilíbrio físico que em dois a três anos havia aumentado consideravelmente, “a visão tinha diminuído muito e a audição era pouco prejudicada, de modo que ouvia melhor do que enxergava”.

Assim como outros jovens, Paulo frequêntou academia, a qual só deixou quando seu corpo passou a acusar maior cansaço diante dos exercícios e não mais responder como o esperado. Atualmente, realizava exercícios em casa, com uso de uma esteira que, segundo ele, permitia-lhe seguir movimentando o corpo e mantendo a forma, uma vez que não mais conseguia se deslocar até uma academia sem ajuda de outras pessoas da família cujos horários nem sempre eram compatíveis com os seus.

No aparecimento inicial dos sintomas, Paulo já suspeitava que pudesse ser a ataxia, “doença que atingia outros membros da sua família”, incluindo seu pai. Porém, negava “essa possibilidade para si mesmo”. Nas proximidades dos seus 18 anos, começou a sentir os

efeitos da doença de forma mais séria e há seis anos convive com a doença. Relatou que não precisou da “avaliação de um médico para esclarecimento do diagnóstico porque tinha noção do que sentia”, tendo em consideração o histórico da doença em sua família. No entanto, chegou a ir até Ribeirão Preto, interior de São Paulo, para realizar um teste diagnóstico.

Nesse período, já era notória a falta de coordenação física, mas novamente tentou “esconder e negar para si mesmo” que poderia ter desenvolvido pelo adoecimento. Tentava esconder também de sua família, além de evitar as conversas sobre o assunto. Porém, quando os sintomas de ataxia se tornaram mais visíveis,“não foi mais possível negar a problemática ou escondê-la de sua família”. Passou, então, por situação difícil de medo, angústia e tristeza.

Conforme Paulo, no início a ataxia foi percebida por ele como um acontecimento muito ruim, “sentia raiva e tentava se esconder”. Mas hoje, embora “considere chato e frustrante conviver com a doença”, ele afirmou enfrentar melhor a situação, pois, segundo ele, “trabalhou muito sua cabeça”. Sobre o provável encurtamento da vida, considerando ser a doença progressiva, afirmando que “isso não o deixa mais deprimido” e que procurava não pensar muito no adoecimento.

Em relação ao tempo, afirmou que este “ora era amigo, ora era inimigo”. Antes, considerava que o tempo era curto e pensava muito na hora de morrer, mas atualmente achava que iria “viver mais uns 20 a 30 anos ou mesmo uns 50 anos dando trabalho para os outros”. Acreditava que poderia realizar algumas coisas dentro de sua limitação. Por tudo isso, gostaria ainda que houvesse mais pesquisas na área para, assim, encontrarem a cura para a doença.

4.1.2.2 Impressões Pessoais

Durante a entrevista, Paulo demonstrou muita segurança e confiança diante do seu atual quadro de adoecimento, que compromete sua independência para se alimentar, andar e realizar tarefas simples, como ver televisão, pois sua visão estava significativamente prejudicada.

Paulo mostrou-se receptivo e ansioso para conversar sobre a ataxia, assunto que disse ser de difícil abordagem para ele. A imagem que Paulo projeta é de calma e aceitação da doença, o que atribuiu à sua participação no CEEDV, onde disse ter encontrado o “equilíbrio que precisava para sua vida”. Chegou a dizer que se não fosse à experiência no CEEDV “seria impossível ter uma boa aceitação da situação ou mesmo participar da entrevista”.

Nesse sentido, o tempo é uma questão pessoal no sentido de compreender esse processo sem se sentir pressionado sem saber se sua morte será próxima ou não, pois acha que

irá viver alguns anos a mais que a maioria das pessoas com essa doença costumam viver. Citou casos de pessoas que “viveram mais de 30 anos”, enquanto a expectativa de vida para esse tipo de adoecimento não passava de aproximadamente dos 20 anos. Hoje suas ideias são muito diferentes das que tinha no início da doença, quando estava “revoltado”. A doença não constituir obstáculo para ele possa realizar tarefas e suprir suas necessidades. Para ele, “é importante não ficar pensando na morte ou no tempo, mas sim buscar viver a vida como se essa doença fizesse parte mesmo de si e não como algo estranho”. Assim não fazia diferença “ter nascido com ela ou se apareceu depois”.

Sua dependência física era cada vez maior, pois conseguia realizar poucas, tarefas sozinho, como exemplo, alimentar-se e realizar tarefas simples do cotidiano. Porém, isso lhe dava “segurança para deixá-lo com a sensação de que ainda tinha vida e não o fazia sentir-se derrotado por uma doença ou pela sociedade”, apesar de acreditar que a sociedade descrimina aquilo que não conhece.

4.1.3 André C

O participante André, morador de Ceilândia, 30 anos de idade, cursou até o 4º semestre de administração de empresas, enquanto trabalhava como vendedor. Sua família compõe-se por mais três pessoas, além dele, o pai e a mãe, com os quais reside, e sua irmã, que, sendo casada, reside em uma cidade próxima. Declarou-se como católico não praticante. Sua renda familiar era de aproximadamente seis mil reais.

Ainda estava passando pelo período de “adaptação ao adoecimento”. No momento, havia deixado o trabalho e os estudos, e aos poucos, estava diminuindo “suas saídas ou diversões com os amigos”. Mas os amigos não o abandonaram e costumam visitá-lo e saírem juntos. Suas frequências na academia já não são mais possíveis, pois seu “físico não conseguia suportar uma maior quantidade de exercícios”. Se sente bem quando “um colega o convidava para sair, pois isso o fazia se sentir útil”.

André foi casado, mas não teve filhos. Sua esposa, na concepção dele, no momento em que descobriu a doença, não entendeu o momento que estava vivendo, pois o mesmo passou por um período de aproximadamente “seis meses sem querer trabalhar ou sair de casa”. Nesse contexto, os dois se desentenderam e separaram-se. Ele não atribuiu a causa da separação à doença, mas admite que “ambos apresentavam dificuldades de entendimento”, devido ao momento que ele passava. Sua vida sentimental ainda estava mudando, diminuindo,

pois os sinais de dependência dão conta de que sua independência está cada vez mais próxima e poder sair sozinho já não será possível.

4.1.3.1 Histórico de adoecimento

Quando André sentiu os primeiros sintomas de ataxia estudava e trabalhava, tinha sua rotina de diversões e estudos. Desde então, tem visto “as modificações em seu corpo e na sua fala acontecerem de forma progressiva”, embora seus problemas físicos sejam ainda discretos. Seus sintomas estão relacionados principalmente a déficits de visão, pouco equilíbrio e dificuldades em relação à fala.

Quando percebeu os sintomas da ataxia, há aproximadamente quatro anos, foi a Ribeirão Preto – SP e fez exames, mas não se submeteu a um tratamento. Fazia academia por conta própria, sem indicação médica, porém interrompeu a atividade, pois não pode ir sozinho à mesma. Acredita que a família o ajuda muito, assim como a Associação Beneficente em Portadores de Ataxia (ABPAT/DF).

Diante da certeza do diagnóstico, vieram momentos difíceis de “depressão e de isolamento” para André. Sua vida começou a se transformar radicalmente, “primeiro com os sinais físicos próprio da doença, depois os psicológicos, acentuados na medida em que adoecimento físico se agravava”.

Tendo em vista suas limitações físicas, André pensa em ter uma renda, ou mesmo uma ajuda que possa lhe proporcionar independência. Com o avanço da doença, teve que sair do trabalho, assim também como interrompera faculdade, o que definiu como “muito difícil”. Antes, segundo ele, “não prestava atenção nas pessoas que tinham a doença, agora já percebia que tais pessoas sofrem e precisam ser ajudadas de alguma forma”.

Expressou que gostaria de trabalhar para “melhorar sua vida financeira e que queria voltar a estudar” considerando que “isso lhe faz muita falta” e seria capaz de mantê-lo ativo e fazê-lo sentir-se capaz e útil, além de constituir oportunidades para conversar com pessoa e não ficar pensando na doença.

Sobre seus relacionamentos, André avaliou positivamente o fato de não ter tido filhos quando foi casado, enfatizou que “em caso de nova união conjugal, preferia adotar uma criança se sua esposa desejasse filhos”. Acerca de sua vida antes do adoecimento chega a dizer que era “bastante corrida e cansativa, mas era bom, pois trabalhava, estudava e namorava”. Segundo ele, “sua vida antes estava toda planejada”, mas agora não planeja mais, porque acredita que não vai conseguir realizar muitas coisas. Nesse sentido, seu cotidiano

mudou muito, pois passou a “apresentar limitações para a realização de certas atividades”. Sobre essas mudanças, afirmou que procura de alguma forma excluir os pensamentos a este respeito. Diante disso, afirmou que seria “muito bom construir uma nova família, além também de ter trabalho”. Sobre sua expectativa gostaria de montar um negócio, mas sem ajuda acha difícil. Acreditava que suas relações de amizade o ajudavam a reagir de forma positiva quando o assunto era sua família.

Sua relação com Deus ficou enfraquecida após o adoecimento, mais ainda acreditava em Deus, porém não frequênta mais a Igreja e diz “não ser mais fiel”, embora não culpe a Deus pelos acontecimentos, pois sabe que a ataxia não tem cura. Gostaria que houvesse mais pesquisas e investimentos em relação ao tratamento da doença e a criação de um projeto de lei para facilitar a vida das pessoas com ataxia.

4.1.3.2 Impressões Pessoais

No início da entrevista foi possível perceber que para André não era fácil falar de seu adoecimento, porém aos poucos foi possível perceber a sensação de liberdade que a abordagem do assunto lhe trazia, evidenciada por sua crescente receptividade e maior desenvoltura de sua fala. Até mesmo em sua família, que possui outros membros com ataxia (pai e primos), o adoecimento havia se tornado um “tabu”, sobre o qual não costumavam falar devido à sua impressão dolorosa.

André parecia ainda passar pelo processo de adaptação ao adoecimento, e mesmo não podendo realizar atividades que antes realizava com facilidade, mantinha o desejo de executá-las como: voltar a estudar e a trabalhar. Para tanto, fazia planos de “abrir seu próprio negócio com uma pessoa de confiança”. Para ele, a limitação nesse tipo de adoecimento “acontece mais devido ao preconceito”, pois, ao contrário da forma limitada de como os outros o vêm, ele mesmo ainda se sente capaz de realizar tarefas com certa complexidade.

Apesar de tudo, mantém a expectativa de criar meios de ajudar as pessoas com o mesmo tipo de adoecimento, no sentido de que sejam assistidas pelo poder público e não fiquem abandonados à sorte sem tratamento ou qualquer ajuda por parte do governo.

Aos poucos André foi mostrando que mesmo diante de um adoecimento difícil “é possível sonhar e buscar realizações de projetos ambiciosos”, mas sentia-se preocupado em não poder realizar tudo que gostaria e “queria conseguir do governo uma forma de ajuda”. “Porém, esperava conseguir uma forma de mostrar sua capacidade de trabalhar, pois vai realizar novos exames para conquistar seus objetivos”.

4.2 O IMPACTO PSICOSSOCIAL E ELEMENTOS TEMPORAIS NO CONTEXTO DO