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Rev. adm. empres. vol.45 número2

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Academic year: 2018

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1 0 6 •©RAE • VO L. 4 5 • N º 2

OS SENTIDOS DO CONSUM O

Por Isleide Arruda Fontenelle

Professora da FGV-EAESP

E-mail: isleide@fgvsp.br

O pan o de fu n do social presen te n o livro da an tropóloga Mary Dou glas e do econ omista Baron Ish erwood tem recrudescido nos últimos anos: a crescen te on da de protestos con tra a sociedade de con su mo. Os au -tores propõem qu e, an tes de par-tirmos para u ma con den ação moral ao ato de con su mo, n os pergu n temos sobre a qu estão fu n damen -tal qu e esse ato n os coloca: por qu e os con su midores compram ben s? Par a resp on d er a t al qu est ão, os au tores con vocam u m diálogo in -terdisciplin ar en tre a An tropologia e a Econ omia.

A An tropologia é con tem plada em seu método e em seus princípios teóricos básicos, quando os autores p rop õem p en sar m os o con su m o como um elemento do processo

so-cial. Com isso, decorre o subtítulo do livro, “Para uma antropologia do consumo”, na medida em que a teo-ria do consumo teteo-ria que ser vista como u ma teoria da cu ltu ra e da vida social, uma espécie de gramá-tica que permitiria ler uma cultura. A Economia é revisitada a partir da crítica à teoria da demanda, que, apesar de estar no centro do nasci-mento da economia como discipli-na, teria sido incapaz de responder à questão que não lhe deveria esca-p ar : esca-p or qu e as esca-p essoas qu erem bens? A teoria do consumo conspí-cuo, proposta por Thorsten Veblen, n ão escapa da crítica aos lim ites explicadores da teoria econ ômica para o fato de consumirmos, pois, embora Veblen tenha avançado so-bre a teoria utilitária para sustentar

que o ato de consumo teria uma sig-nificação social, teria sido respon-sável por uma idéia generalizada e simplista da emulação.

O diálogo entre os campos da An-tropologia e da Economia se torna fecundo no momento em que os au-tores propõem uma definição antro-pológica do consumo usando dois postulados essenciais ao pensamen-to econômico: primeiro, o consumo não é imposto; segundo, o consu-mo começa onde termina o merca-do. Com base nesses dois postula-dos, os autores definem o consumo como “um uso de posses materiais que está além do comércio e é livre dentro da lei” (p.102).

A busca de um diálogo que per-mita a ponte entre esses dois cam-pos é uma constante ao longo do

de-O M UNDde-O Dde-OS BENS: PARA UM A ANTRde-OPde-OLde-OGIA Dde-O Cde-ONSUM de-O

De Mary Douglas e Baron Isherwood

Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004. 306 p.

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senvolvimento do livro. A obra se estrutura em duas grandes partes. A primeira analisa por que queremos os bens, por que não os queremos (e preferimos poupar), como os usa-mos, como seu u so n os in clu i ou exclui e fala sobre a tecnologia e as periodicidades do consumo. A se-gunda parte articula esferas econô-micas separadas na etnografia, faz comparações in tern acion ais, dife-rencia classes de consumo e define a noção de controle do valor da pers-pectiva do uso do tempo.

Na primeira parte, os autores fa-zem uma varredura crítica por to-das as teorias econômicas que, de alguma forma, estariam relaciona-das ao consumo e ao não-consumo, além de questionarem algumas idéias que se infiltraram na análise econô-mica acerca das necessidades huma-nas por bens, como a teoria higiê-nica ou materialista e a teoria das necessidades por inveja. A análise weberiana sobre a ética protestante e o espírito do capitalismo também é q u est io n ad a. Par a o s au t o res, Weber teria tomado o espírito como dado, quando o objetivo maior de-veria ter sido o de descobrir como esse “espírito de época” foi gerado. Para avançar na proposta de “re-pensar o consumo”, os autores recor-rem à etnografia para analisar a sig-nificação que a posse dos bens car-rega e o seu valor cultural como co-municadores. Dessa forma, o consu-mo dos bens é tomado coconsu-mo parte d e u m sist em a d e com u n icação, como um ato onde se dá visibilidade e estabilidade às categorias da cultu-ra. Em suas próprias palavras, “a fun-ção essencial do consumo é sua ca-pacidade de dar sentido” (p.108).

Visando elucidar tal perspectiva, os autores fizeram comparações en-tre o que é chamado de “espaço mo-derno” – nossas casas – e outras ca-sas, em épocas remotas e lugares

di-tos exóticos, onde mercados e mer-cadorias ainda seriam produtos es-cassos. Práticas de marcação social e estratégias de inclusão também são comparadas em épocas distintas, a fim de mostrarem que os bens não são meras mensagens, mas algo que constitui o próprio sistema.

Dessa forma, os bens são pensa-dos como o hardware e o software

de um sistema de informação “cuja principal preocupação é monitorar seu próprio desempenho” (p.120). Se os bens são pensados em termos de acesso à informação, então o con-sumo seria um campo em que a ex-clu são pode ser aplicada, pois h á aqueles que controlam seu acesso. Os autores vão concluir que ao fi-nal o consumo relaciona-se com o poder, e n en h u ma teoria séria do consumo poderia evitar a responsa-bilidade da crítica social.

Tal assertiva nos remete à segun-da parte do livro, cu ja proposta é oferecer uma abordagem diferente das relações entre consumo e inte-gração social e, em última instân-cia, entre consumo e pobreza. Nes-sa perspectiva, os autores desvem uma maneira de medir o envol-vimento social comparando padrões de consumo, e afirmam esperar que essa medida revele mais sobre a de-sigualdade social do que as medidas de distribuição de renda.

Tomando a idéia do controle do acesso aos bens como o fio condu-tor dos padrões de consumo, os au-tores concluem que o modo de eri-gir barreiras pelos que controlam as entradas impede que muitos parti-cipem das trocas. E a qu estão da proteção das fronteiras é algo que poria em jogo toda a qu estão do con trole social. Afirmam qu e, n o instante em que tal proposição for apreciada por in teiro, a teoria do consumo poderá ser reintegrada à análise da economia.

Por isso, os au tores n os fazem compreender que não haveria senti-do em falar de “irracionalidade senti-do consumidor”, como se fossem mario-netes presas nas artimanhas da pro-paganda ou consumidores que com-p etem in vejosam en te. Ad icion al-mente, o risco da exclusão inibiria uma interpretação puramente racio-nal desse universo do consumo, já qu e os con su midores teriam u ma necessidade mais direta de se relacio-nar com outros consumidores e, por conseguinte, de consumirem bens. Diante disso, os autores propõem que os bens sejam tomados como “fios de um véu que disfarça as relações sociais que cobre” (p. 275). Nesta abordagem, os bens marcam apenas os padrões. Mas o que interessa, fun-damentalmente, é o “fluxo de trocas” para o qual nos dirigem.

Tal proposta tem como contexto o grande desafio que o livro se pro-pôs: recon h ecer o con su mo como “parte integrante do mesmo sistema social que explica a disposição para o trabalho” (p. 26). Em outras pala-vras, articular as esferas econômicas da produção e do consumo. Como os próprios autores assumem, esse desafio não foi de todo cumprido, em parte por falta de um modelo econô-mico em que se mesclem os mode-los de produção e de consumo. Mas, sem dúvida, os autores avançaram muito neste desafio e deixaram uma tarefa imensa para todos que se inte-ressam em pensar o consumo na con-temporaneidade.

Mesm o pu blicada n o Brasil 25 anos após sua primeira edição na In-glaterra, a obra não é datada em suas reflexões. Embora o consumo tenha se acelerado e sua tecnologia se al-terado neste último quarto de sécu-lo, uma das principais questões pos-tas pelos autores – por que consu-mimos – ainda continua a nos in-quietar.

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