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A escola e a identidade territorial o rural e o urbano em Santa Rosa/RS

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul PPGEC – Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências

CAMILA BENSO DA SILVA

A ESCOLA E A IDENTIDADE TERRITORIAL o rural e o urbano

em Santa Rosa/RS

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CAMILA BENSO DA SILVA

A ESCOLA E A IDENTIDADE TERRITORIAL o rural e o urbano

em Santa Rosa/RS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências, Stricto Sensu, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, como requisito à obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências.

Orientadora: Prof. Dr. Helena Copetti Callai.

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AGRADECIMENTOS

Nesses dois anos de caminhada, preciso agradecer a todas as pessoas que, ao passar pela minha vida, deixaram um pouco de si e transformaram um pouco de mim. Ninguém vive

só nesse mundo!

Quero começar agradecendo a Deus, pela força e fé que me acompanharam na realização do mestrado: Ele é o suporte que acalma o coração nos momentos de angústias e de

esperanças com as realizações.

A querida professora Helena Callai, por sempre acreditar e apostar no potencial dos meus trabalhos desde a graduação. A minha escrita e a minha pesquisa têm as marcas do exemplo que és para mim. Obrigada por fazer parte da minha vida profissional e pessoal. Agradecer à minha família, em especial aos pais Carlos e Lenir, por ser o esteio sempre disposto a apoiar, ajudar e caminhar junto para realização dos sonhos. Mãe e Pai,

vocês são meu exemplo de vida, caráter e garra na persistência da busca dos objetivos. Também aos irmãos Aline e Marcos, por se interessarem e me provocarem a pensar a

temática da pesquisa de mestrado por outros vieses.

Ao meu grande incentivador, Jonas. Por apostar na realização deste mestrado, estar sempre ao meu lado em todos os momentos, suportar as ausências, ansiedades e irritações, principalmente nessa fase final da escrita. O teu companheirismo e cuidado comigo sempre

foram motivos de meu amor por você. Muito obrigada!

A minha segunda família: Regina e Jozilco (sogra e sogro), por sempre receberem de braços abertos. Assim como, a Milena e o Gabriel, sobrinhos queridos que enchem de orgulho

e esperança.

A todos os amigos da vida, família do coração, obrigada por estar ao lado sempre ouvindo, por inúmeras vezes, as crises vividas no mestrado mesmo que à distância, bem como

pelas boas risadas: Cristiane, Lenize e Elton, Kerlen e Paulo, Michele e Vinícius, Raquel e Arthur, Cláudia e Célio, Helena e Maria.

Aos colegas de mestrado: as queridas Lisiane Sales Rodrigues e Mariel Haubert, pelas idas e vindas a Ijuí no transcorrer das disciplinas em 2013. Um abraço especial à Lisiane,

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amiga e colega de área, professora de História, pela sua sempre disponibilidade em conversar e emprestar material de leitura.

Às colegas da Escola Estadual de Ensino Fundamental Coronel Braulio Oliveira de Santa Rosa, em especial as professoras Isalete Mahl e Susiane Palaver que não só me escutaram e incentivaram, mas auxiliaram na realização prática da pesquisa junto às crianças.

Também a diretora, Margarete Kaefer, obrigada pela disponibilidade da escola. Um abraço carinhoso a Ledy Zimmermmann, professora querida, sempre disposta a compartilhar experiências e melhorar o mundo com a sua positividade! Um abraço também a todos os

colegas que com suas experiências e histórias sobre o bairro foram me ajudando nessa construção.

Ao Museu Municipal de Santa Rosa, pelo empréstimo e disponibilidade do material utilizado na pesquisa.

Ao programa de pós-graduação da Unijuí, por sua humanidade em todas as atividades e atendimento aos estudantes. Agradeço em especial o carinho e apoio das secretárias Lígia,

Carmen e Laura.

Agradeço também à CAPES, pelo apoio financeiro.

De modo geral, um abraço do tamanho do mundo a todos àqueles que fazem parte da minha história e contribuíram para realização deste trabalho.

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RESUMO

O rural e o urbano são referenciais do espaço geográfico que representam a divisão territorial do trabalho. Com o advento da globalização, esse processo não é linear, mas faz um movimento complexo produzindo territorialidades próprias a cada agrupamento regional. No caso do município de Santa Rosa, noroeste do estado do Rio Grande do Sul, há uma simbiose entre o urbano e o rural em que a produção econômica industrial e agrícola é interdependente, ainda que com suas características próprias a uma Identidade urbana ou a uma Identidade rural. Essa dimensão territorial do pertencimento é múltipla e tem na forma como os sujeitos se relacionam com o lugar o seu meio de ser produzido. Para crianças e adolescentes que precisam se deslocar do rural ao urbano para estudar, o processo de constituição da Identidade passa pelo ir e vir cotidiano das paisagens do campo e da cidade. Desse modo, as perguntas que ficam são: como essas crianças e adolescentes se entendem nesse processo? Como é a constituição das suas Identidades, tendo em vista de um lado a influência urbana da escola e de outra a participação nas atividades familiares voltadas ao rural? A partir destes questionamentos, a metodologia desenvolvida para buscar as respostas, ou os caminhos sobre essa problemática, é a chamada Triangulação de Métodos. Com um conjunto de metodologias da pesquisa social, foi se construindo o quadro de Identidades dos sete sujeitos participantes desta pesquisa de mestrado. Quem inspirou essa pesquisa foi a Lisbela, estudante do 6º ano do ensino fundamental, que passava por diferentes situações em sala de aula por conta da sua condição territorial: a rural. No decorrer de um ano de atividades desenvolvidas no ambiente escolar, foi possível criar uma tríade na qual as crianças possuem laços de afetividade e pertencimento: a família, a escola e a Igreja. Nos quatro capítulos que apresento busco articular a problemática à bibliografia estudada, aos documentos levantados e nas atividades realizadas com as famílias e as crianças para acompanhar esse processo de constituição da Identidade Territorial entre o urbano e o rural. Um processo que se faz continuamente no percorrer de toda vida. São sete crianças que vivem um híbrido cultural com fortes marcas de uma realidade rural, voltada à realização do trabalho de seus pais, mas com a participação de elementos urbanos em seus gostos e práticas.

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ABSTRACT

The rural and urban are references of geographical space that represent the territorial division of work. With the growth of globalization, this process is not straight, but made a complex movement producing own territorialities of the each regional grouping. In the case of the Santa Rosa city, there is a joining together the urban and the rural in that the industrial and agricultural economic production is interdependent, even with own characteristics to an urban or rural identity. This territorial dimension of belonging is multiple and has in how subjects relate to the place and his means of production. For children and adolescents who need to move from rural to urban for study, the process of identity constitution through the coming and going everyday of landscapes of the countryside and the city. Thus, the questions that remain are: how these children and adolescents understand this process? How is the constitution of their identities, with a view on the one hand the urban influence of the school and of other the family activities participation for the rural? From these questions, the methodology developed to find the answers, or the ways of this problem, is called triangulation methods. With a set of social research methodologies, was been building Identity framework of the seven subjects in this research. Who inspired this research was the Lisbela, student of the 6th year of primary school, passing through different situations in the classroom because of their territorial location: rural. During a year of activities in the school environment, it was possible to create a triad in which children have ties of affection and belonging: the family, the school and the church. In the four chapters that present I seek to link the issue to the literature studied, the collected documents and activities with families and children to accompany this process of constitution of the Territorial Identity between urban and rural.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ... 10

INTRODUÇÃO ... 12

CAPÍTULO 1. FRONTEIRAS: OS DESAFIOS DO CONHECIMENTO E DA PESQUISA SOCIAL ... 15

1.1 As provocações da sala de aula ... 15

1.2 Percursos do rural e do urbano na sociedade globalizada ... 18

1.3 Espaços de representação na organização do transporte escolar no Brasil ... 24

1.4 Traços da pesquisa social ... 29

CAPÍTULO 2. DO LUGAR AO TERRITÓRIO DE USO: AS RELAÇÕES SÓCIO-ESPACIAIS NA FORMAÇÃO DA IDENTIDADE ... 35

2.1. A crise do Estado-nação: Rupturas e pontos de encontro ... 36

2.2. Identidade: o desafio epistemológico ... 43

2.3. Território e Territorialidades no Emaranhado do Espaço Geográfico ... 46

2.3.1 O território e a fronteira: um adendo ... 54

CAPÍTULO 3. RURAL E URBANO EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO OS ARRANJOS TERRITORIAIS ... 56

3.1 O Noroeste Rio Grandense e os traços culturais de uma colonização... 57

3.2. O lugar da Escola Coronel Braulio Oliveira na formação da Esquina Cruzeiro ... 62

3.3. Território e Identidade: um contexto rural na região noroeste do Rio Grande do Sul ... 67

CAPÍTULO 4. AVENTURAS DE UMA VIAGEM: O TRAJETO AO LAJEADO REGINALDO PELO ATENTO OLHAR DAS CRIANÇAS ... 74

4.1 Os marcos da representação sócio-espacial e o roteiro de viagem ... 74

4.2. Aventura de um trajeto: o partir e o chegar na escola Coronel Braulio Oliveira do bairro Cruzeiro em Santa Rosa ... 82

4.3. Lisbela, a bela que inspirou esta pesquisa. ... 88

CONCLUSÃO ... 93

BIBLIOGRAFIA ... 95

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APRESENTAÇÃO

Uma escrita nunca é algo sequencial ou isolado, masalgo construído consigo e com os outros. As experiências vividas junto aos colegas, professores e as secretárias do programa foram muito importantes, porque a cada diálogo novas oportunidades de pensamento se abriam e a forma de ver e perceber o mundo se ampliava. Esses encontros foram fecundos.

Mas, de modo muito significativo, o grupo de pesquisa da professora Helena não só contribuiu como viu essas mudanças acontecerem. Esses colegas, que me apoiaram e incentivaram na caminhada, tem também parte neste trabalho: a Líria, aluna do doutorado, que foi banca na qualificação da dissertação com contribuições significativas para o texto, assim como a Cláudia, que tem sido tão presente na construção desse trabalho, a Maristela, a Elisabete, finalizando o seu doutorado, foi minha banca de qualificação do projeto, o Cristhian, o Martín, o Sandro, a Maria Helena, a Tânia, a Adriana, com muito carinho, foi também minha banca de qualificação, a Natália o Edinaldo e a Cristiane. Já que falo em qualificação, aqui deixo o abraço ao querido professor Walter Frantz, por sua terceira leitura deste trabalho.

A Cristiane é minha colega de profissão, atua no município de Panambi como professora de Geografia, e tive a oportunidade de conhecê-la através do grupo de pesquisa no início do ano passado (2014) e, em setembro, fomos classificadas no edital de seleção para uma experiência de trabalho de campo no Chile pelo período de 10 dias. Nessa viagem, não apenas construí relações de trabalho, mas marcas de uma sincera amizade. Também nessa oportunidade estiveram presentes os estudantes da Universidade Federal de Goiás - UFG, Daniel e Ismael, queridos colegas que não só nos auxiliaram nos trabalhos, mas foram companheiros de viagem.

O tutor que acompanhou a viagem em Santiago e Cascadas, no Sul do Chile, foi o professor Marcelo Garrido em uma experiência fantásticado ponto de vista geográfico. Tive a oportunidade de conhecer Santiago através do olhar do prof.º Marcelo, assim como de conviver com outros professores da graduação da Universidad Academia Cristianismo Del Chile, acompanhando também os estudantes de geografia em suas tarefas de campo.Preciso agradecer as contribuições do professor Marcelo a esta dissertação, com sua leitura atenta

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antes da qualificação, realizando sugestões e críticas bem importantes para a forma como eu estava realizandoa análise teórica.A ele meu sincero abraço e agradecimento.

A preocupação que acompanhou essa escrita foi de que nunca se perdesse de vista o viés da análise a partir das categorias de análise da geografia – espaço, lugar, território, paisagem. A questão da Identidade Territorial perpassa a dinâmica das ciências sociais e tem essa urgência de ser respeitado como campo de estudo científico.

Essa dissertação foi sendo tecida e costurada no andar das disciplinas e orientações do grupo de pesquisa em Ijuí e é fruto de um esforço profissional e pessoal que não se encerra aqui. Nesse prólogo, expresso o desejo de que a minha Lisbela, assim como tantas outras belas, continue batalhando e realizando seu modo de ser e existir em sua comunidade, assumindo e construindo as suas Identidades.

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INTRODUÇÃO

Começo essa dissertação dizendo quem é Lisbela, a quem dediquei esta pesquisa. Trata-se de uma adolescente que mora na área rural de Santa Rosa e diariamente utilizam transporte escolar para se deslocar à escola na área urbana do município. Foi ela, minha aluna, que na sala de aula me proporcionou a oportunidade de refletir sobre as questões relacionadas à organização do espaço e o pertencimento aos diferentes lugares como projeto de pesquisa. Cada história, cada intervenção na sala de aula, ia me provocando e ativando as memórias dos meus tempos de escola, em que os estudantes, filhos de “colonos” eram vistos de modo pejorativo pelos colegas da cidade e que relato mais detalhadamente no primeiro capítulo.

Essas e outras questões que envolvem a Identidade com o espaço vivido e apropriado pelo cotidiano são parte dos resultados desta pesquisa. A provocação não se encerra nesse texto, mas é um movimento contínuo em que compreender o processo de constituição da Identidade é complexo e desafiador. O objetivo é de pensar os indivíduos em suas territorialidades desde o espaço escolar, como oportunidade do encontro com as práticas urbanas, até a organização do seu dia em sua casa com a família na roça.

Por isso se trata de uma Identidade Territorial. Ela é fixa quanto à sua materialidade concreta da paisagem, mas é simbólica e sensível no que diz respeito ao envolvimento corpóreo com o lugar demonstrando ou não familiaridade com a estrutura espacial disponível. Ela vai ser também, inevitavelmente, histórica, pois acontece situada em determinado tempo, em um lugar que está no conjunto polissêmico da realização da vida.

A conjuntura que se impõe é de um rural esvaziado, ainda que cada vez em menor intensidade, e de escolas do campo que são fechadas com a justificativa de corte de gastos, já que é mais barato pagar transporte escolar para trazer as poucas crianças para a cidade do que pagar para manter a estrutura de uma escola na área rural. Dados gerais da população nos últimos cinquenta anos demonstram que há um aumento da concentração urbana, revelando esse esvaziamento, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) como se pode ver no gráfico nº 1, da página 104 dos anexos.

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O Brasil passou a ser considerado urbanizado somente a partir de 1970, quando a população da cidade ultrapassou a do campo e,desde então, só aumentou. Esse crescimento desacelerou nos últimos dez anos. Em termos percentuais, quando a urbanização começou, a diferença da população urbana para a rural era de 10%. Nos anos que se seguiram, já em 1980, chegou a 35%, um crescimento de 25% da população urbana, o mesmo valor no início da década seguinte de 1990. Entre 2000 e 2010 o crescimento foi bem menor, de apenas 5%, o que demonstra que, embora a diferença em termos totais seja grande, houve uma redução se for acompanhar o percentual correspondente a cada novo recenseamento.

O Rio Grande do Sul acompanhou esse mesmo movimento, com a população urbana ultrapassando a rural também no ano de 1970. De acordo com o censo de 2010, a diferença hoje chega a 70%, tendo uma população rural de apenas 15%, 4% a menos que o censo anterior. É com estes dados que se justifica não só o esvaziamento, mas a falta de infraestrutura disponível nas áreas rurais. Assim, as escolas vão sendo fechadas e os alunos sendo levados para a área urbana para estudar.Entre os anos de 2003 e 2013 foram fechadas 32,5 mil escolas localizadas na área rural, segundo dados do Inep (2014). Do total de 190,7 mil escolas, apenas 37,1% estão na área rural.

Isso gera um efetivo no Brasil, de acordo com dados disponibilizados pelo Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE, 2013), de 4.420.264 crianças e adolescentes1 que precisam usar transporte escolar nos municípios para chegar até a escola, dos quais107.498 são do Rio Grande do Sul, 965 de Santa Rosa e 18 da escola Braulio Oliveira (bairro Cruzeiro), local da pesquisa empírica. Ainda que hoje exista um projeto de lei (Lei 12.960/2014)2, que dificulte o fechamento de escolas rurais e/ou quilombolas, há uma queda no número destas instituições. Só no ano de 2013 foram registrados o fechamento de 3 mil escolas.

Esses dados são referências que fazem pensar como a Lisbela e as 17 crianças que estudam na escola Braulio constituem suas Identidades na relação diária do ir e vir do rural para o urbano e, vice-versa, através do transporte escolar. Esse movimento, que desloca referenciais simbólicos e move os impulsos e as necessidades de consumo em cada um dos lugares, é responsável pelo pertencimento ao território, bem como ao desenvolvimento da

1 De acordo com o Art. 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, “Considera-se criança, para os efeitos desta

Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”.

2 Esta lei exige que o órgão normativo opine sobre o fechamento da unidade de ensino, a comunidade escolar

seja ouvida e a secretaria de educação justifique a necessidade de encerrar as atividades em escolas localizadas em áreas rurais ou em áreas quilombolas.

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territorialidade. As questões que surgiram no decorrer da investigação foram preenchendo essa lacuna e essa preocupação de que ir à escola não fosse razão de descaracterizar a Identidade que as crianças trouxessem de casa, mas sim, fosse um espaço de encontro e diálogo dessa diversidade.

Mas a Identidade, ao passar pela subjetivação da vida, coloca os grupos em diálogo e deixa marcas que transformam os sujeitos, não necessariamente descaracterizando-os, mas agregando, ou melhor, integrando outras formas de se relacionar com o espaço numa multiplicidade de opções em que as crianças não precisam escolher apenas uma e, de fato, inconscientemente não o fazem. Por isso, não há uma Identidade, mas um conjunto de elementos sociais e territoriais que produzem as Identidades, articulando pertencimentos territoriais, sociais e culturais na constituição dos indivíduos.

Nesse entrelaçamento, o texto desta dissertação foi organizado em quatro partes e sistematizado da seguinte maneira:

- Na primeira, faço uma reflexão indicandoos caminhos percorridos para chegar ao tema e ao desenvolvimento da pesquisa social nos moldes da triangulação de métodos.

- Na segunda, faço uma articulação entre o território e a Identidade, dialogando com teóricos no estabelecimento da fundamentação para realizar a análise da pesquisa empírica.

- Na terceira, trago a produção dos dados referentes à formação do território regional e da organização do espaço a partir da criação do município de Santa Rosa e do bairro Cruzeiro com a figura do Coronel Braulio Oliveira.

- Na quarta, trago as vivências das sete crianças a partir de um trajeto que fiz com elas em uma terça-feira do mês de junho/2014, ao meio dia, usando o transporte escolar para deslocar-me da escola até a comunidade do Lajeado Reginaldo com os estudantes da manhã e retornar com as crianças da tarde.

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Capítulo 1. FRONTEIRAS: OS DESAFIOS DO

CONHECIMENTO E DA PESQUISA SOCIAL

A fronteira está no limiar da divisa. É o limite. Ao mesmo tempo em que pode romper, pode unir. Ela assume diferentes significados segundo as funções que lhes foram investidas e tem a possibilidade de ser de ordem legal, fiscal ou de controle (RAFFESTIN, 1993). Essas três formas ocorrem juntas ou separadas, de acordo com a forma como se olha para a dimensão territorial. Essa noção de fronteira, tão próxima do território, é abordada não neste capítulo, mas no próximo. Contudo, aqui uso a fronteira como uma metáfora do que simboliza não a divisa, mas o encontro teórico-metodológico desenvolvido nessa dissertação. As inquietações, provocações e objetivos que deram sentido pessoal e profissional ao tema da Identidade territorial são abordados nesse capítulo, buscando direcionar os caminhos da pesquisa a partir da escolha do tema-problema. São apresentados três eixos: as provocações; a contextualização; os possíveis percursos metodológicos.

1.1 As provocações da sala de aula

A aprendizagem na sala de aula passa pelas provocações que são feitas pelo professor e pelas vivências com e entre os próprios estudantes. São mecanismos encontrados para despertar o aluno e o desafiar a buscar novos horizontes para a construção do conhecimento. Mas também é assim para o professor. O aluno traz provocações que fazem repensar formas, conteúdos, bem como tudo que aí está posto como norma. É nessa relação que há crescimento e reconhecimento de diferentes formas de ser e existir na dimensão pessoal e profissional. Para Cavalcanti (2010, p.138)

Não se trata, então, nem de simplesmente o professor transmitir conhecimentos para os alunos, nem de apenas mobilizá-los e atender a suas necessidades imediatas. Ou seja, nesse processo nem é passivo o aluno, nem o professor. O aluno é ativo porque ele é o sujeito do processo e, por isso, sua atividade mental ou física é fundamental para a relação ativa com os objetos de conhecimento; o professor é ativo porque é ele quem faz a mediação do aluno com aqueles objetos. Portanto, ambos atuam, ou devem atuar, conjuntamente ante os objetos de conhecimento.

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Foi desta forma que me senti provocada e desafiada pelo cotidiano da sala de aula. A experiência como professora de geografia do ensino fundamental II me trouxe a realidade de crianças que vêm à escola todos os dias com diferentes intenções, sonhos e olhares sobre o mundo. Trabalho com turmas de 6º e 7º ano em uma escola urbana no município de Santa Rosa/RS desde abril de 2013. Neste mesmo ano, em uma das turmas de 6º ano, ficou evidente a relação conflituosa com que eram tratadas as crianças que vinham da área rural.

Foi, sobretudo, isso que me tocou. Havia um movimento diário daquelas crianças que buscavam (e ainda buscam) na escola um espaço de possibilidades diferentes daquelas que elas tinham (e tem) na área rural. É um movimento que produz territorialidade, que constrói relações com o lugar que vai do rural ao urbano e do urbano ao rural. Esse contexto envolve as vivências da sala de aula, mas, principalmente, o processo de deslocamento vivido pelas crianças.

Uma criança em especial, chamou a minha atenção: a Lisbela. É uma pré-adolescente que vive a transição da infância para juventude em um dilema que posso chamar de territorial. Ela foi alvo, inúmeras vezes, das brincadeiras sobre sua origem rural sendo chamada de “colona” ou imitada pelos colegas por sua forma de falar e vestir. Isso marca a história pessoal e vai atribuindo sentidos a Identidade. A Identidade vai ser, deste modo, sempre ligada a dimensão territorial, constituída pela cultura e pelas diversas formas do acontecer da vida no lugar em determinado tempo.

Esta pesquisa abrangeu não somente a Lisbela, mas buscou primeiro um contato com as 18 crianças da escola que fazem uso do transporte escolar. No final do segundo semestre de 2013, os pais destes alunos foram convidados a participar de uma reunião para tomarem conhecimento da pesquisa e autorizarem a inserção dos seus filhos na investigação. Com exceção dos pais da Lisbela, todos os demais pais eram de alunos que estudavam no turno da tarde. Eu e a orientadora prof.ª Helena Callai decidimos que só participariam as crianças cujos pais tivessem participado deste primeiro encontro e, tinham como premissa, autorizar as atividades, desde que realizadas no mesmo turno das aulas. Não havia um recorte sobre a característica do grupo, se os pais de todas as crianças tivessem comparecido, todas participariam. No entanto, não foi o que aconteceu.

Acompanhar esse movimento que as crianças realizam em seu cotidiano é também buscar compreender uma história da qual faço parte. Integrei a geração que saiu do campo

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para ter facilitado a oportunidade de acesso à escola sem precisar de transporte coletivo, que na época já era oferecido. A área rural continuou fazendo parte da minha vida, e faz até hoje, porque os meus pais são agricultores e suas práticas de vida em seu sistema simbólico (Bourdieu, 2003), continuaram integrado por uma estrutura social agrária. Os gostos e práticas cotidianas continuaram ligadasàs raízes de um rural, agora, porém, urbanizado. Foi com esse olhar de fora, e ao mesmo tempo de dentro, que o tema ganhou força nas minhas escritas. Quando fui morar em outro lugar, já em idade adulta, ao fazer esse deslocamento, percebi que o pertencimento e as relações com os valores produzidos no seio familiar (e no meu caso era o rural) exerciam uma força capaz de produzir culturas. Quer dizer, o entendimento de que o poder simbólico-cultural do representa para cada indivíduo uma forma de viver e ver o espaço.

São rupturas que se fazem no caminhar. É como tomar um ônibus e pegar o caminho para outro lugar. A primeira paisagem, conhecida pelo viajante, vai tomando formas e remontando significados. As próximas paisagens, já não mais reconhecidas, julgadas, talvez, não passam de um mirar à distância. Quem fica sente uma ausência, quem vai sente uma falta de presença das pessoas, claro, mas também daquelas paisagens e rotinas até então estabelecidas no cotidiano. Novas rotinas se abrem, novas paisagens passam a fazer sentido e o pertencimento se refaz, com outras formas, gostos, aromas e cores. Mas o retorno é sempre marcado por àquelas formas que outrora ficaram para traz e foram fotografadas na memória do passageiro.

Os registros deixados em arquivos ou aqueles inscritos na memória dos sujeitos envolvidos nesta pesquisa foram fundamentais para compreender esse movimento que se faz na sutileza da Identidade e se constitui com as nuances do cotidiano nos diferentes grupos sociais. Essa dissertação busca fazer esse movimento que discute questões de Identidade em um diálogo com a construção do simbólico no reconhecimento de diferentes espaços de socialização na formação dos sujeitos e tem como recorte a região noroeste do estado do Rio Grande do Sul. A dimensão do território não é fixa, ela acompanha a formação histórica da região e, sobretudo, do município de Santa Rosa/RS.

Essa referência à rotina de caminhos e retornos por meio do transporte escolar é o que me inquieta e provoca a pensarcomo os sujeitos que precisam diariamente fazer esse movimento, de sair do rural em direção ao urbano para estudar, se relacionam com o seu lugar de referência inicial. Como o seu sistema simbólico responde ao se relacionar não com o lugar, mas com os lugares e forma não somente Identidade, mas Identidades. E nesse caso é

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uma Identidade que tem ligação com o território ora rural, ora urbano. Para chegar a essa discussão, faço uma reflexão no próximo item sobre os percursos do rural e do urbano e alguns dos dilemas voltados ao tema da Identidade territorial.

1.2 Percursos do rural e do urbano na sociedade globalizada

As áreas do conhecimento se organizam a partir de correntes teóricas. Estas, por sua vez, são fundamentais para dirigir o pensamento e assumir uma posição frente ao que se está produzindo. A história da geografia mostra como isso se articulou desde uma perspectiva mais neutra da ciência até um olhar mais crítico na leitura dos acontecimentos. O urbano e o rural passaram por essas correntes do pensamento e foram articulando conhecimentos específicos do seu interesse epistemológico na dinâmica da geografia.

A evolução dos estudos da geografia no Brasil passouprimeiropela descrição dos processos de conquista e ocupação do território em fins do século XIX e início do século XX. Com o determinismo da geografia Clássica se buscou a definição de áreas e do objeto da disciplina. A escola possibilista da geografia Teorética-quantitativa tinha um cuidado muito grande com o método matemático na classificação espacial.A geografia Crítica, com seu posicionamento mais radical frente às questões da sociedade, teve como premissa a interação e ação sobre o espaço e o uso constante de categorias de análise para reconhecer os dilemas sociais.

Em uma perspectiva mais crítica, o urbano preocupa-se com o tamanho, com as funções econômicas, e com a localização das cidades e da sua influência na organização mundial. A questão rural está atrelada à estrutura agrária, estabelecendo também as funções econômicas no uso do solo em detrimento de sua localização, pois depende das relações sociais, isto é, dos fluxos que determinam sua variação produtiva que, por sua vez, se liga à geologia, climatologia e a agronomia (quanto aos modos de produção). Os referenciais espaciais produtivos, em um sistema capitalista, vão pautando a forma de os sujeitos se relacionarem com as marcas vividas por uma coletividade.

Esse movimento de trocas simbólicas produz diferentes formas de apropriação da Identidade. É um movimento que territorializa o sujeito em dimensões geográficas, sociológicas, psicológicas de ordem subjetiva e que vai se tornando parte de um conjunto

interpretativo dessa relação dos indivíduos com o lugar. Essas relações dos grupos sociais com o seu meio, para Claval (p. 11, 1999), “não são somente materiais, são também de ordem

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simbólica, o que os torna reflexivos. Os homens concebem seu ambiente como se houvesse um espelho que, refletindo suas imagens, os ajuda a tomar consciência daquilo que eles partilham”. Uma possibilidade de pensar o material e o simbólico também é apresentada por Haesbaert (2009), o qual articula os processos que territorializam o lugar não só a partir de um imaginário social, mas das particularidades daqueles que residem e se apropriam muito subjetivamente do lugar habitado.

Os referenciais espaciais simbólicos constituem as territorialidades ao ligar-se a uma rede de significações culturais e fazer-se fruto de uma prática social situada em determinado lugar. Uma relação que também é dominação e apropriação do espaço em uma subjetivação das representações que levam a um conjunto de contextos em um sistema de pertencimento. Esse pertencimento depende dessa significação do vivido e do apropriado pelas relações sociais do lugar em uma territorialização em sentido simbólico-cultural. Há primeiro uma proximidade emocional e depois uma proximidade material, portanto, territorial. “Isso significa que o território carregaria, sempre, de forma indissociável, uma dimensão simbólica e uma material de natureza econômico-política”. (HAESBAERT, 2009, p.74)

As descontinuidades na sociedade são também as rupturas dessa relação estabelecida com o lugar que significam de outras maneiras o território, em uma dinâmica espacial que reflete a própria representação da cultura humana. A perspectiva étnica pode, nesse caso, deixar em evidência a apropriação dos grupos sociais e o pertencimento em práticas espaciais constituídas na relação do trabalho com o território.

A organização do espaço entre o urbano e o rural representa os modos de vida que se reproduzem em uma dinâmica territorial que se faz na fragmentação do trabalho humano acentuado pelos usos do capital. Para Júnior (2004, p.137)

É como se o projeto de desenvolvimento tivesse que ser único para o conjunto da sociedade, contanto que seu recorte para o campo fosse afinado aos interesses exclusivos de classe (das classes dominantes nacionais e estrangeiras). Estas, representadas, pois, pelas grandes empresas capitalistas relacionadas ao agronegócio, cujos vínculos se estendem de forma mais ou menos expressiva ao capital industrial (químico-agroalimentário), capital bancário e financeiro, aos latifundiários e grileiros de terras públicas e devolutas.

Trata-se de um rural que se submete ao urbano tanto através dos grandes empreendimentos rurais, quanto na subordinação ao mercado. Isso significa atentar sobre quem produz e para quem, ou seja, de quem são esses interesses que estão por detrás das decisões que movem esse sistema que segrega, colocando de um lado o agronegócio e de

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outro o agricultor familiar. O contexto econômico globalizador é o que produz essas novas relações com o território. Um modelo pretensamente único que não representa o olhar sobre o lugar como expressão máxima de significação local da comunidade.

Em termos conceituais, existem três formas de chamar o agricultor com propriedades em escalas menores: pequeno produtor rural, agricultor familiar ou camponês. Esta é uma questão que pode ser vista em uma perspectiva ideológica. Deste modo, o pequeno produtor rural passa a representar o modelo empresarial de mercado produtivo em escalas menores. Já o agricultor familiar é aquele que faz a gestão da sua propriedade com o trabalho de sua família e, eventualmente, necessita do trabalho de terceiros. O camponêsdesenvolve uma agricultura em que a produtividade crescente não é seu objetivo maior e ainda trava lutas contra o sistema imposto pelo capital. (FERNANDES, 2002)

Para Bombardi (2003), chamar os camponeses de agricultores familiares é também uma forma de inseri-los no mercado. Por isso a oposição a tudo isso está colocada hoje na figura do camponês, que ergue a sua luta em defesa de uma Identidade rural não agrária, mas de responsabilidade com a produção de alimentos que foge à lógica de acumulação e produtividade com pauta na soberania alimentar e críticas profundas da forma como se produz no agronegócio.

Os participantes desta pesquisa se denominam apenas agricultores, nem pequenos, nem grandes, tampouco camponeses. São aqui chamados de agricultores familiares, porque suas famílias trabalham na gestão das propriedades e não representam em suas falas e práticas de vida as lutas que hoje o campesinato assume. Entre as sete famílias, existe apenas um casal que não é dono da terra e é contratado para cuidar dos trabalhos próximos à sede da propriedade – são chamados, nesta região, de caseiros.

Um dos critérios de observação das crianças é a construção gestual. Os gestos são uma forma de manifestação corporal, que se tornam primordiais na análise, uma vez que revelam os modos de ser e agir no lugar, indicando os referenciais espaciais aos quais se identificam. E não somente esse modo de agir, mas as escolhas que caracterizam o pertencimento a um espaço de significados múltiplos fazem o sujeito se mover na cidade ou no campo com mais ou menos destreza, e isso supõe uma apropriação. A Identidade é esse movimento, esse encontro de gostos e contradições cotidianas constantemente modificadas pelo contexto e materializadas no espaço local, criando a feição da paisagem.

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Nesse sentido as ideias de Bauman (2005) colaboram para a reflexão desta dissertação, pois ele acredita que essa Identidade se constitui no grupo, a partir do convívio das/entre as comunidades. O das/entre vem no sentido de atender a uma dimensão territorial que se pode encontrar na leitura de Haesbaert (2007), em que as resistências promovidas pelo próprio espaço construído contribuem para o fortalecimento das Identidades regionais. Um das que é aquilo que emerge no seio das comunidades e um entre que é a própria reafirmação de práticas espaciais quando confrontadas com outras desconhecidas. Sempre que se confronta um conjunto de marcas que expressam determinados gostos, se reforça as características territorializadas de determinado grupo de indivíduos.

Os indícios apresentados pelas relações dos sujeitos com os lugares, por uma geração que vive um tempo histórico efêmero, com grandes rupturas humanas, estão estabelecendo valores e virtudes novas em vista de uma Identidade que não é linear, justamente por representar laços construídos em uma dimensão espaço-temporal. Para Bauman (2005, p.33) “no admirável mundo novo das oportunidades fugazes e das seguranças frágeis, as Identidades ao estilo antigo, rígidas e inegociáveis, simplesmente não funcionam”. Não funcionam porque estão situadas em tempos e espaços diferentes, com gerações distintas. O desafio ao qual me coloco nessa reflexão é pensar a Identidade territorializada em vistas de tais mudanças substanciais na sociedade contemporânea. Um desafio que precisa acompanhar esse movimento e essa transitoriedade em que os grupos e as comunidades vivem.

O espaço fragmentado em processos de diferenciação de uma globalização que desloca a representação desse espaço exige pensar e acompanhar esse movimento de transitoriedade da sociedade. Para Haesbaert (2009, p.154) trata-se de “perceber com que nova 'cartografia' (geografia) se está trabalhando, ou melhor, de que nova experiência de espaço-tempo está falando”. Assim, territorializar-se nesse tempo significa “criar mediações espaciais que nos proporcionam efetivo poder sobre nossa reprodução enquanto grupos sociais, poder este que é sempre multiescalar e multidimensional, material e imaterial, de dominação e apropriação ao mesmo tempo”. (HAESBAERT, 2009, p.97)

A divisão territorial do trabalho coloca em evidência essa relação com o espaço e entre as comunidades, dividindo de um lado o urbano e de outro o rural. Não numa dicotomia, mas em um paralelo em que ambas ora se cruzam, interpõem ou criam laços de interdependência. Para Moreira (1999), essa divisão entre campo e cidade só ocorre quando o campo emerge como possibilidade da divisão territorial do trabalho em que a sociedade de classes tem na cidade a expressão de um poder administrativo.

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As marcas dessa relação territorial são significadas a cada mudança ou alteração de práticas sociais em que a dimensão econômica se constituiu. A divisão territorial em rural ou urbana é produzida nessa perspectiva que classifica e segrega a partir de relações existenciais de produção que se voltam não somente à indústria, mas também à produção agrícola. Não é isso que define ou mesmo encerra em duas formas distintas a construção da Identidade, mas dá indicativos de que a afinidade com algumas e não com outras formas de agir e pensar vão delineando o lugar no qual o sujeito está ou já esteve em outro momento.

Dessa forma, a apropriação e o pertencimento passam pela vivência desse lugar. Primeiro até pode haver um estranhamento que, segundo Haesbaert (2009), des-loca o sujeito e o coloca diante de novas experiências sócio-espaciais, as quais somente serão atualizadas se o indivíduo precisar estar em contato com aquele lugar novamente. Lahire (2006) aposta nessa constituição do indivíduo na dinâmica da sociedade e dos espaços coletivos como participantes destas disposições sociais formadas, sobretudo, na base da produção das culturas humanas.

O envolvimento da urbanidade com o corpo, como ressalta Carlos (2007), denota a identificação com o espaço geográfico. Uma identificação que tem cor, sabor, sonoridade e forma que contemplam o arranjo do território. Tais elementos espaciais não apenas compõem, mas emergem do sujeito quando ele é confrontado com algumas realidades. Daí o cotidiano como o efêmero que marca a relação com essas diferentes territorialidades em um contexto globalizador. Uma globalização que aperta o compasso do tempo e aproxima os lugares, como já dizia Milton Santos (2006a). Contudo, não exprime as particularidades do lugar e não alcança aquilo que se desenvolve no seio de uma comunidade. O impacto que essa aceleração do tempo produz e o avanço do capitalismo, atingem o lugar de modo muito particular, porque sempre será precedido de uma conjuntura social.

A preocupação desta pesquisa vai ao encontro desse contexto ao pensar os gostos, gestos, valores e disposições que formam a Identidade de crianças que moram no Lajeado Reginaldo, em uma área rural de Santa Rosa/RS. O objetivo é reconhecer nas relações territorializadas o movimento que a Identidade faz na busca de laços na dimensão de um sistema globalizador. A intencionalidade proposta fundamenta a busca constante no reconhecimento da sociedade enquanto grupo que se encontra em determinado contexto e que condiciona relações. A constituição da Identidade está intimamente ligada a esse contexto que se produz e se reproduz na dinâmica de determinadas culturas.

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A produção do espaço agrário brasileiro advém de uma realidade colonialista, exploratória e de expansão, que deixou marcas das grandes propriedades rurais em detrimento das comunidades camponesas. Além disso, o contexto globalizador tem produzido uma Identidade urbana, que continua renegando um possível pertencimento a uma realidade rural como esboço de uma estratégia global para o consumo. Não uma realidade agrário-exportadora, voltada ao agronegócio, mas aquela vivida pelos agricultores familiares, a qual me interessa estudar neste momento.

É a fragilidade da Identidade e das relações desse tempo que me fazem olhar para os (re) arranjos do rural e do urbano brasileiro, sobretudo no que diz respeito a reprodução de uma cultura regional no Rio Grande do Sul que, com a divisão territorial do trabalho, geralmente coloca em lados opostos campo e cidade. Essa oposição se transforma e toma outros contornos, inclusive teóricos. Para Lefebvre (2001), o contexto de debates entre os pólos cidade e campo, estão mais tênues enquanto surge a oposição entre as ruralidades e urbanidades como representação das novas relações dos indivíduos com o território.

O contexto globalizador, que nesse momento é o pano de fundo das grandes transformações do espaço geográfico, atribui características e funcionalidades em um caminho que avança e se torna responsável por alterar essas relações com o território, ao mesmo tempo em que busca um retorno ao sentido dado pelo próprio sujeito, em outro momento vivido, numa relação simbólica de significação do lugar. Quanto à cidade e ao campo, eles compõem-se de um conjunto de sistemas de objetos e valores que, para Lefebvre (2001), indicam um campo ruralizado e uma cidade urbanizada que são mediadas pelas novas relações da sociedade com o espaço.

Há uma troca diária das crianças que se dividem entre o campo e a cidade atuando na formação ou constituição3 das ruralidades e das urbanidades. Isso ocorre por meio da

interação e das trocas entre os sujeitos e dos sujeitos com o lugar, construindo assim, referenciais sócio-espaciais. O transporte escolar passa a ser uma ferramenta pública para garantir o direito à escola, estabelecido pela Constituição Federal de 1988, e acaba fazendo essa troca que concretiza as relações de ordem simbólica e material com o lugar.

3 Constituição é um processo interno, que faz parte de uma mudança do próprio sujeito. Formação é algo externo, que formata e que normatiza. Por isso, ora o sujeito pode estar em processo de constituição ou formação, a depender do contexto que ele estiver vivendo. WALTER FRANTZ, 2014

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1.3 Espaços de representação na organização do transporte escolar no Brasil

A questão do transporte escolar é um dos fatores que levam à discussão da Identidade territorial dessa dissertação. Trata-se do meio que torna possível o acesso à escola pelo grupo minoritário dos municípios que vivem nas áreas rurais do Brasil. É uma política pública recentemente reconhecida na legislação e que prevê o deslocamento diário de crianças, jovens e adultos às áreas urbanas.

O transporte emerge como um direito de todos os cidadãos na esfera municipal e interestadual de acordo com diferentes interesses sejam eles profissionais, pessoais ou escolares. As normas e investimentos destinados a pensar a educação só começaram a ser firmadas no país a partir da Constituição Federal de 1934. A própria questão do transporte escolar como garantia de lei foi prevista somente pela Constituição de 1988. Nas outras sete legislações outorgadas, que compreendem a Constituição de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967, não há previsão de garantias ao transporte público coletivo para levar os estudantes até as instituições escolares.

Segundo a Constituição Federal de 1988, em seu art. 208, §07 “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica por meio de programas suplementares de material didático escolar,

transporte, alimentação e assistência à saúde”.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96), também orienta o transporte escolar em dois momentos. O primeiro no art.04, §VIII e outro no art. 70 §VIII, que consideram o transporte escolar um direito reconhecido no atendimento ao cidadão em todos os níveis da educação, prevendo, inclusive, a manutenção financeira de programas de transporte escolar.

O Ministério da Educação (MEC) possui dois programas com essa finalidade: o Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE, Resolução de criação nº 10.880 de 09/06/2004), tratando-se de uma transferência automática de recursos aos estados, Distrito Federal e municípios para custear as despesas com reforma, seguro, licenciamento, impostos, manutenção e pagamento de serviços; e o Caminho da Escola (Resolução de criação nº 3, de 28/03/2007) que é uma linha de crédito concedida para aquisição de veículos e embarcações novas. Ambos os programas são vinculados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para atender, principalmente, aos estudantes da área rural, para que possam permanecer na escola até o término do ensino fundamental e médio.

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O FNDE define os valores a serem investidos, enviando aos estados, e estes repassam aos municípios. A lei prevê que esses recursos possam ser repassados diretamente aos municípios, desde que o governo do estado faça o pedido formal ao FNDE. No Rio Grande do Sul, esses recursos são administrados pelo Programa Estadual de Apoio ao Transporte Escolar (PEATE Lei Estadual nº 12.882/2008) vinculado à Secretaria Estadual de Educação (SEDUC). Anualmente são enviados aos municípios valores que vem do Governo Federal e do Governo Estadual para transportar 107.498 alunos em 481 municípios conveniados ao programa. Santa Rosa, por exemplo, em 2014 teve um repasse total de R$115.874,42 do PNATE e 895.645,50 do PEATE (dados SEDUC, 2014).

Esse direito é garantido na Constituição Estadual de 1989 que assegura, respeitando a legislação federal, o acesso à escola por meio do transporte público em seus artigos 178, 198 e 2164, nos quais prevê essa política pública como complementaridade ao ensino, além de

garantir que na área rural, para cada grupo de escolas de ensino fundamental incompleto, deve haver uma escola central com ensino fundamental completo com vagas suficientes para absorver estes alunos.

As escolas de educação básica no Brasil estão sofrendo transformações. Entre elas está o número de alunos atendidos em relação a anos anteriores. A taxa de fecundidade do Brasil, calculada em 2011 pelo IBGE em 1,8 filhos por mulher, demonstra que a perspectiva de crescimento da população é de queda e não de aumento, o que se reflete no futuro número de matrículas nas escolas em todo o país. Em 2000, segundo dados do IBGE, essa taxa era de até 2,3 filhos por mulher, o que constitui uma pirâmide etária que ao passar dos anos será de uma maior população adulta e idosa e uma menor população de crianças e jovens. Isso influencia também o número de estabelecimentos de ensino que, ao acompanhar a queda do número de alunos, fecham ou passam por agrupamentos escolares.

Entre os anos de 2010 e 2013, a diferença no número de matrículas no Rio Grande do Sul, de alunos oriundos da área urbana chegou a 8%, enquanto que na área rural chegou a 25% de estudantes a menos. Os dados dos estabelecimentos acompanham essa queda com o fechamento de escolas. A coleta de dados junto ao Inep compreendeu os anos de 2003 a 2013, acompanhando o aumento e quedas tanto das matrículas escolares quanto do número de estabelecimentos existentes na área urbana e rural do Rio Grande do Sul na educação básica.

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A queda do número de escolas nesses 10 anos foi significativa e isso pode ser observado no gráfico nº2 na página 104.

Houve um crescimento de 18% de estabelecimentos de ensino na área urbana na educação básica no Rio Grande do Sul, enquanto que nas escolas rurais a queda chegou a números alarmantes de 44%. Ainda que a permanência das escolas nas áreas rurais ou de grupos étnicos como quilombolas e indígenas integre parte das políticas públicas mais recentes no Brasil, há dificuldade em se fazer valer o direito de acesso com qualidade aos espaços escolares de crianças que moram em áreas rurais mais distantes, ou seja, há uma política tímida de fixação, tendo em vista que tem como intenção dificultar o fechamento, mas não há um estímulo a criar novos espaços escolares nas comunidades rurais, indígenas e quilombolas.

A autora Roseli Caldart (2009), tem uma linha de frente no ideal de que todos os cidadãos têm direito de acesso à educação sem precisar percorrer diariamente grandes distâncias, sobretudo no que diz respeito àqueles que vêm da área rural. Os estudantes que precisam se locomover para chegar até a escola, segundo a autora, seriam prejudicados não só pelo tempo de deslocamento, mas pelos desgastes físicos e emocionais de longas esperas por ônibus e pela própria falta de infraestrutura em pontos de espera, vias de acesso e de frotas de ônibus em más condições de uso.

Os estabelecimentos de ensino na esfera nacional, tanto rural quanto urbana, também diminuíram significativamente. São 33% de escolas fechadas entre 2003 e 2013 considerando o número total de escolas pelo Inep. Se por um lado o número de matrículas vem diminuindo gradativamente, há um esforço em aumentar o acesso àqueles que ainda não possuem escolaridade.

A lei aprovada em 2010 que dificulta o fechamento de escolas em áreas rurais, quilombolas e indígenas, por meio do decreto 7.352/2010, que dispõe sobre a política de educação do campo e o Programa de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) e destina-se à

(...) ampliação e qualificação da oferta de educação básica e superior às populações do campo, e será desenvolvida pela União em regime colaborativo com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, de acordo com as diretrizes e metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação

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Trata-se de uma lei de incentivo que, ao propor a ampliação da rede de ensino na área rural com subsídio para manutenção da infraestrutura, não apenas dificulta, mas impossibilita que escolas rurais fechem ou deixem de atender os estudantes que residem no campo. Fica claro que ao encerrar as atividades em uma determinada comunidade, é preciso prever o local mais próximo para atendimento aos estudantes com o uso do transporte escolar, Assim como é evidente o apoio a cursos superiores voltados à educação do campo. Segundo dados do MEC (2014), existem 51 cursos de licenciatura voltados a essa finalidade e ainda outros três destinados à Pedagogia da Terra, que possui em sua essência uma mística dos movimentos sociais.

Hoje são 110.108 estudantes no Rio Grande do Sul que utilizam o transporte escolar para chegar até a instituição de ensino da educação básica. De acordo com dados fornecidos pela Seduc/RS, somente em 2013 foram investidos R$ 101 milhões no RS com recursos federais, estaduais e municipais. Para legislação vigente, orientada pelas políticas públicas como o PNATE e o PEATE, o cuidado com o transporte escolar deve ser partilhada entre as esferas da união.

O Programa Estadual de Apoio ao Transporte Escolar do Rio Grande do Sul (PEATE), que faz a gestão dos recursos, define que são considerados os alunos residentes no meio rural aqueles que têm distância mínima de dois quilômetros entre a sua residência e a escola pública mais próxima. As normativas do transporte escolar estão postas por essa legislação, bem como pelos programas de financiamento que tem origem no FNDE.

A representação do espaço, para Lefevbre (2006, p.59), está ligada “às relações de produção, à 'ordem' que elas impõem e, desse modo, ligadas aos conhecimentos, aos signos, aos códigos, às relações frontais” dos sujeitos inseridos em determinado lugar e temporalidade. São duas as premissas centrais: o tempo e o espaço. Considera-se o tempo porque certas formas de se envolver no lugar (na dimensão material do espaço) só tem sentido quando situadas na temporalidade dos fenômenos. O acontecer do cotidiano se faz nessa relação que o sujeito vai estabelecendo. Torna-se, portanto, um espaço de representação.

Só pode tornar-se um espaço de representação ao estar atrelado aos simbolismos complexos e aos códigos atribuídos pelos próprios sujeitos ao fazer da vida. Unem-se elementos do espaço vivido, tais como é o transporte escolar, a essa representação e criam-se ambientes de socialização voltados aos interesses e finalidades dadas para os diferentes usos no cotidiano. A escola, a Igreja e a família são espaços de representação nos quais há realização da cultura por meio da reprodução de determinadas práticas. São práticas sociais

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que, segundo Lefevbre (2006, p.68), “supõe um uso do corpo: o emprego das mãos, membro, órgãos sensoriais, gestos do trabalho e das atividades exteriores ao trabalho. ”

Interessa aqui colocar em evidência a forma como os estudantes que participam da pesquisa percebem a sua própria condição enquanto sujeitos que vivem o cotidiano do rural e do urbano. Sem dicotomias ou paralelos, mas com percepções de ser e existir a partir da própria condição humana de viver em grupo e constituir-se de uma Identidade que está ligada indubitavelmente à reprodução da cultura. Isso supõe a construção de espaços de representação, ao mesmo tempo em que se expressa a própria concepção da representação deste mesmo espaço, nos elementos produzidos no seio de uma comunidade.

O transporte escolar público tem e expressa também essa relação, sendo o elo destes sujeitos, constituindo simbolicamente a fronteira que rompe no cotidiano e leva a novas elaborações de vida, a um vivido5 que acompanha a dinâmica da paisagem, composta ora pelo urbano, ora pelo rural. O dilema territorial da Lisbela é o mesmo para todas as crianças que concebem o espaço e desenvolvem as noções de temporalidade em dois modos distintos de vida. As práticas, como Bourdieu (2009) nos traz, produz hábitos que são absorvidos e caracterizam as comunidades, formando um híbrido entre o território e a cultura das pessoas de determinado lugar.

Por isso, o transporte se torna um espaço de representação, porque simbolicamente liga-se à passagem, busca e leva sonhos que a escola (em tese) alimenta. E afirmo ser em tese porque nem sempre a escola urbana alimenta os desejos daqueles, justamente por serem minoria, que vem da área rural. Ainda que não dedique um capítulo à análise do currículo escolar, essas crianças nem sempre se sentem acolhidas pela prática dos professores. Suas falas e seus modos de agir na escola remetem a uma diferenciação entre aquilo que vivem no seio de suas famílias e comunidades e a prática que devem desenvolver na escola.

Quando os alunos mencionaram o assunto ‘esterqueira’ eles não estabeleceram nenhuma relação com a temática escolar em estudo que eram os problemas ambientais. Mesmo quando questionados, não havia em seus discursos essa relação direta. E isso é significativo, pois tratar os dejetos hoje abre para discussões como à questão do biogás, da redução da poluição dos solos e mananciais e mesmo com crianças em idade escolar dos anos

5 Lefevbre (2006), em A produção do Espaço, desenvolve o conceito de espaço a partir de três olhares: o vivido, (o real vivenciado e experienciado pelos habitantes e usuários de determinados lugares) percebido (base prática da percepção do mundo exterior) e concebido (na dimensão conceitual da compreensão do real, do vivido; está no ideal-ideário).

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iniciais. Transpor-se do vivido para o concebido se tornará um desafio para estas crianças. Assim como provavelmente o é também para os professores que desenvolvem seu trabalho.

Esse é o espaço relacional6, aquele em que os alunos podem estabelecer relações entre os objetos e entre os fenômenos do espaço, produzindo um conhecimento mais articulado com a realidade de cada sujeito que vem à escola. Busca-se romper com a noção de que é apenas o sujeito que “vai à escola”, mas se constitui na possibilidade da escola como lugar do encontro em que a criança não somente leva sua realidade, mas se encontra nesse ambiente com os códigos vivenciados e conhecidos no seu cotidiano. É esse encontro entre as crianças, delas com a escola e da escola com elas, que constitui a Identidade de um grupo.

É nesse sentido que essa pesquisa pode ser considerada de cunho social, pois, ao realizar uma amostragem qualitativa e abordar um tema subjetivo como é a Identidade, reconhece os processos e limites das relações que se estabelecem com o território a partir de uma temporalidade. Ela é social, humana e busca, na triangulação de métodos, fazer a análise geográfica a partir de suas categorias.

1.4 Traços da pesquisa social

Nenhuma pesquisa é totalmente controlável, com início, meio e fim. A pesquisa é um processo em que é impossível prever todas as etapas. O pesquisador está sempre em estado de tensão porque sabe que seu conhecimento é parcial e limitado. Mirian Goldenberg (2007)

A pesquisa é inquietante. Ela provoca revoluções a cada etapa em que se coloca à prova a temática escolhida e o caminho percorrido para se chegar às reflexões e resultados pretendidos. Por isso nunca é só. Sempre que se dialoga com o outro, se constroem outras possibilidades e outros percursos podem se abrir. É processo. Não tem forma exata, mas tem um conteúdo e uma intencionalidade. Está sempre buscando o melhor do pesquisador.

As três fases estabelecidas nessa dissertação foram importantes na construção deste trabalho e se fizeram no caminhar, até porque, corroborando com as discussões apresentadas pela tese de Andreis (2014), as pedras que por ventura surgem no caminho devem ser

6 David Harvey, em A Justiça Social e a Cidade, destaca três dimensões do espaço: relativo (entre os objetos); absoluto (associado a unicidade) e relacional (se estabelece entre os objetos do espaço enquanto possibilidade analítica). Diferentemente do espaço vivido, percebido e concebido de Lefevbre, essa caracterização coloca em discussão a leitura do espaço a partir da relação com os objetos, enquanto o outro diz respeito a apropriação e o pertencimento que se produz a partir da vivência dos sujeitos no espaço geográfico.

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retiradas uma a uma como uma forma de construção de si, reforçando a ideia de que a pesquisa se faz no caminhar.

Quando se fala em pesquisa social, logo vem à mente o cunho qualitativo sobreposto ao quantitativo. Trata-se de uma dualidade que acompanha muitas discussões e que vem sendo questionada pelos pesquisadores.O interesse de pesquisa é de estabelecer o recorte de estudos na dimensão humana de realização da vida de indivíduos que lidam com emoções, valores e da própria subjetividade de viver que, segundo Goldenberg (2007), só podem ser compreendidas se esse movimento de investigação for colocado dentro de um contexto de significado, atrelado também ao quantitativo. Ainda para Goldenberg (2007, p. 19), “os cientistas sociais, que pesquisam os significados das ações sociais de outros indivíduos e deles próprios, são sujeito e objeto de suas pesquisas”.

Ao ver refletida parte da minha história na trajetória da Lisbela, tracei não só um objeto de estudos, mas uma linha de pensamento em que é possível ver, nos espaços de representação simbólica dessas crianças, uma prática de vida em comunidade, que os identifica ao mesmo tempo em que produz as suas territorialidades. Mas depreender esse processo não é possível se não a partir de umconjunto de metodologias distintas, pois, corroborando com Goldenberg (2007, p.62)

há uma interdependência entre os aspectos quantificáveis e a vivência da realidade objetiva no cotidiano. A escolha de trabalhar com dados estatísticos ou com um único grupo de indivíduo, ou com ambos, depende das questões levantadas e dos problemas que se quer responder. É o processo da pesquisa que qualifica as

técnicas e os procedimentos necessários para as respostas que se quer alcançar.(grifo da autora)

Essa combinação de metodologias no estudo dos fenômenos pode ser chamada de triangulação7. O objetivo é buscar o máximo de elementos possíveis para interpretação do objeto em estudo, partindo do princípio de que os fenômenos, sobretudo os sociais, não existem isoladamente, mas no conjunto da sociedade. Para tanto, é preciso articular mais de uma técnica para construir as bases da investigação em voga.

A triangulação é uma possibilidade de superação do modo positivista e linear no uso de métodos quantitativos por um conjunto de instrumentos em que se evidencia a causalidade dos fenômenos sociais na complexidade espaço-temporal dos sujeitos envolvidos. Não o uso

7 Essa metodologia de pesquisa foi apresentada em aula pelo professor Fernando Jaime González, no segundo

semestre de 2013, na disciplina de Sociologia do Indivíduo e Educação, como recomendação do cuidado e do rigor científico com a pesquisa social.

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isolado dos métodos quantitativos, mas a sua inter-relação com as possibilidades qualitativas. Minayo (2005), justifica que “a complexidade, inter-relação e interação entre questões sociais, culturais, intervenções em diferentes níveis peculiares a qualquer empreendimento humano são de natureza diferentes do que se pode observar em laboratório”. Essa fala é posta em um contexto em que se discute o uso indiscriminado da análise a partir de dados quantificáveis para aplicação social.

Uma das representantes no Brasil deste método é a professora Maria Cecília de Souza Minayo, a qual desenvolveu técnicas voltadas à pesquisa social da saúde pública e da violência doméstica. Segundo Minayo (2005), não se trata exatamente de um método, mas de uma estratégia que congrega métodos interdisciplinares e com reconhecimento científico. Não necessariamente uma cientificidade técnica e quantitativa, mas o encontro de ambas para qualificação do trabalho na área das ciências sociais. Para a autora,

Pode-se compreender avaliação por Triangulação de métodos como expressão de uma dinâmica de investigação e de trabalho que integra a análise das estruturas, dos processos e dos resultados, a compreensão das relações envolvidas na implementação das ações e a visão que os atores diferenciados constroem sobre todo o projeto. (MINAYO 2005, p.29)

Trata-se de uma forma de integração do processo de avaliação dos resultados em que os atores sociais não são apenas objetos de análise, mas sujeitos de sua própria avaliação, na medida em que são convidados a olhar a sua trajetória e refletir sobre ela. Construindo uma relação entre os fenômenos sociais e do ambiente que contribuem para uma visão mais ampla do objeto pesquisado. No caso da Identidade territorial, algumas técnicas foram escolhidas como as mais próximas para dialogar com as crianças e traçar os elementos de sua cultura e pertencimento ao lugar a partir de seus comportamentos, escolhas, desempenho escolar e reconhecimento da representação espacial a partir de croquis.

A construção deste trabalho ocorreu seguindo a tríade: pesquisa bibliográfica – documental – empírica. São dois processos de triangulação aqui compreendidos. O primeiro é do ponto de vista do todo, em que para se chegar à avaliação do objeto de pesquisa se percorreu um caminho teórico – a busca por documentos que remontassem a história da formação do território da região em que Santa Rosa emergiu. No segundo, o empírico, em que fiz o uso de diferentes técnicas para ouvir, perceber e conviver com as crianças em sua relação com o território a partir do espaço escolar.

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Essa forma de olhar a pesquisa, de colocar em diálogo autores de diferentes correntes teóricas, configura-se em um aporte fundamental para entender as questões em análise na dissertação. Pensar a Identidade e o processo que a envolve é um desafio e é somente com o auxílio de autores que se torna possível realizar a análise por meio da pesquisa documental e empírica com o devido suporte bibliográfico/teórico, conforme pode ser demonstrado nas duas figuras abaixo:

Figura 1. Sistematização dos objetos da pesquisa em pirâmide.

A escola é o local em que se realiza a pesquisa. A família é o primeiro espaço de socialização que as crianças foram expostas. Os estudantes são os envolvidos no processo de reconhecimento da sua territorialidade. Mas, todavia, a escola e a família são duas instituições da sociedade que contribuem com a sua formação das Identidades. Por isso os pais ou responsáveis foram chamados à escola, para participarem num primeiro momento da pesquisa e serem informados do trabalho que seria realizado com os seus filhos, autorizando o uso das informações nessa dissertação. Nas outras fases da pesquisa foram utilizados os seguintes instrumentos:

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Nas próximas etapas da pesquisa foram usadas técnicas distintas para se chegar à análise, entre as quais estão: entrevistas abertas; diário de bordo; trabalho em grupo; e produção de um croqui. Trata-se de uma figura em espiral, pois a metodologia foi sendo construída como processo e em alguns momentos foi necessário retornar a atividade anterior e conversar novamente com as crianças.

Para Minayo (2005, p.91), entrevistas abertas são momentos em que os sujeitos são convidados a “falar livremente sobre um tema e as perguntas do investigador, quando são feitas, buscam dar mais profundidade às reflexões”. O diário de bordo, para Alves (s/d, p. 225), deve ser considerado um registro “de experiências pessoais e observações passadas, identificado como um documento pessoal, em que o sujeito que escreve inclui interpretações, opiniões, sentimentos e pensamentos, sob uma forma espontânea de escrita. ”

Nos dois momentos de trabalho em grupo foram utilizadas duas técnicas diferentes. Na primeira foi a utilização de gravuras e recortes de jornal, chamada de entrevista projetiva Minayo (2005); e o desenho do croqui, que, para Nóbrega (2010, p.122), é uma representação esquemática dos fatos geográficos que simplificam e evidenciam os detalhes significativos. Este último foi importante para sinalizar os elementos de representação do espaço utilizado pelas crianças, os quais têm relação direta com a forma como elas veem e constroem o pertencimento com uns e não com outros referenciais.

A triangulação destas informações recolhidas acontece na medida em que se encerra cada etapa e se faz a prévia avaliação dos êxitos ou problemas encontrados que precisam de novos investimentos. Por isto, segundo Minayo (2005, p. 43),

a experiência em avaliação leva a valorizar cada parte do processo. Do ponto de vista operacional, esta etapa consiste na ordenação dos dados, na sua classificação e na análise propriamente dita. Busca-se comparar os objetivos gerais e específicos e os resultados, analisar o uso dos recursos e dos insumos previstos, dimensionar as metas determinadas para cada etapa do processo e os efeitos e impactos quantitativos e qualitativos da intervenção como um todo.

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