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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC – SP Ana Carolina Schmidt

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Academic year: 2018

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Ana Carolina Schmidt

Práticas Restaurativas Comunitárias: um olhar psicodramático

sobre o lugar do jovem nos círculos restaurativos

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

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Ana Carolina Schmidt

Práticas Restaurativas Comunitárias: um olhar psicodramático

sobre o lugar do jovem nos círculos restaurativos

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Psicologia Social, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Cristina Gonçalves Vicentin.

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Banca Examinadora

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________________________________________

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À minha orientadora Profa. Dra. Maria Cristina Gonçalves Vicentin. Por acolher este projeto de pesquisa. Por me acompanhar nos caminhos e descaminhos desta pesquisa, com dedicação, cuidado e carinho. Pelo respeito aos momentos difíceis e por perceber e valorizar os momentos produtivos. Por me ajudar a compreender que, para chegar aos nossos objetivos, podemos seguir por diversos caminhos, buscar a mudança por outros meios e não apenas desempenhando os conservados Personagens “denunciantes”, porém, nunca nos esquecendo de quem somos, de onde viemos e o que nos vez vir até aqui.

À Profa. Dra Marília Josefina Marino, pela intensidade de cada encontro e por ser sempre essa presença apaixonante. Por estar presente em tantos momentos desta pesquisa. Por acolhê-la como “nosso projeto” para a monografia do curso de formação em Psicodrama. Pelas constantes contribuições e discussões, indicando leituras, lendo e relendo meus textos, escutando minhas angústias em relação ao campo e me fazendo ver novas alternativas. Por acompanhar e me ajudar nas tantas mudanças necessárias ao “nosso projeto”.

À Profa. Dra Patrícia Junqueira Grandino, por fazer parte desta banca e pelas

contribuições fundamentais que trouxe a este trabalho desde o momento da qualificação. Pelas indicações de leitura e dos caminhos possíveis a seguir.

Ao grupo de práticas restaurativas de São Caetano do Sul: aos facilitadores comunitários, à equipe de capacitação e, em especial, ao Juiz Dr. Eduardo Melo, pela confiança de todos neste trabalho, pela disponibilidade e por nos possibilitar a vivência dos círculos restaurativos.

Aos professores do Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Social da PUC-SP, pelo constante aprendizado que me proporcionaram.

À minha família. Meus pais Delmar e Regina, meus irmãos Patrícia e Carlos e meu sobrinho Leo. Fontes e exemplos de coragem, força ética e esperança. Pelo amor, apoio e cuidado constantes. Por todo investimento feito. Por me fazerem acreditar e lutar pelos meus e nossos sonhos.

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Ao Nuclíssimo, Suzana, Ana Lúcia, Gabriela, Adriana, Carla e Fernando, pelas inquietações e resistências. Pelas longas discussões apaixonantes, e pelas comemorações.

À Gabriela Gramkow, a Gabi, por novamente me ajudar a realizar meus sonhos profissionais e por me apoiar desde os primeiros passos desta conquista.

À Ana Lúcia Prado Catão, pelo apoio e ajuda essenciais nos momentos finais. À Carla Carolina Anunciação, a Carlota, por dividirmos as angústias de um campo novo e as dificuldades de nossas pesquisas. E por tentarmos construir um lar, mesmo longe de nossas famílias.

À Elisabeth Maria Sene-Costa, a Beth, por me buscar de onde eu me perdia. Por sua doçura, dedicação, amor e cuidado. A Zizi, Miguel e Márcia, companheiros desta jornada.

À Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP) por me proporcionar esse Encontro com o Psicodrama. Em especial à Marília Marino, Luis Russo, Sérgio Perazzo e Gisela Castanho pelos momentos de crescimento e deste “vir a ser psicodramatista”. E, ainda, à Maria Célia Malaquias, Izilda, Camila, Mary e Janaína pelo acolhimento e carinho.

À turma Mexpresso 2222, pela possibilidade de pegar o bonde na hora certa, e ter vivido momentos tão espetaculares e transformadores com vocês. Por me acolherem nesta terra e nos desafios que ela me trazia. Por me ajudarem a construir e a me sentir em casa.

Às amigas Carla, Bianca, Fabi, Tamara, Camila e Carol, e aos amigos Kléber, Chagas e Walter por serem meus anjos da guarda e companheiros nessa vida paulistana.

Às amigas Renata, Paty, Marcela, Manu e Dani, e os amigos André, Marcelo, Vini e Pedro pelo incentivo à busca pelos meus sonhos e por me deixarem partir nesta busca.

Ao Núcleo de Estudos e Atenção à Exclusão Social (NATEX) por me proporcionar os primeiros espaços de prática e de discussões críticas.

Aos jovens que encontrei por estes caminhos. Kléber, Carlos Eduardo, Pedro Henrique, Rafael, Paulo Henrique, Edenezer, Paulo, Galeno e tantos outros que resistiram como foi possível e para além de seus limites.

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RESUMO

SCHMIDT, Ana Carolina. Práticas Restaurativas Comunitárias: um olhar psicodramático sobre o lugar do jovem nos círculos restaurativos.

As práticas restaurativas são consideradas, em relação ao Sistema de Justiça Tradicional, uma nova alternativa para a resolução de conflitos e a restauração das relações que foram afetadas. Nesse trabalho investigamos estas práticas no contexto comunitário do município de São Caetano do Sul, SP, e, em específico, o lugar atribuído ao jovem e à sua participação no contexto do círculo restaurativo.

O aporte teórico e metodológico é o Psicodrama, com foco na Teoria de Papéis e nos conceitos de Papel Social e Personagem.

Os dados desta pesquisa referem-se ao acompanhamento dos círculos restaurativos e realização de entrevistas com facilitadores, que conduzem os círculos restaurativos. Todas as situações de conflito que acompanhamos ocorreram no contexto escolar.

Os dados foram tratados por meio de cenas, ou passagens de cenas, ocorridas no próprio contexto do círculo restaurativo ou nos contextos onde ocorreram e se desdobraram os conflitos. Os papéis sociais que identificamos no contexto do conflito são vinculados a Personagens estereotipados, que são atribuídos aos jovens. Nos círculos restaurativos, esses Personagens se evidenciam e dificultam ou impossibilitam o diálogo entre as partes do conflito. Dessa forma, a participação dos jovens nos círculos restaurativos é comprometida e, na maioria dos casos, compromete, também, a mudança da relação que está em conflito e a vivência de Personagens menos conservados.

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look about the place of youth in restorative circles.

The restorative practices are considered a new alternative for resolving conflicts and restoring the affected relationships in conflict, in opposition to the traditional justice system. In this research we have considered (acrescentei e mudei o tempo verbal) these practices inside the community of the city of São Caetano do Sul – SP. Particularly, ponder about the place given to the youth and their participation in the restorative circle.

The theoretical framework and the methodology is psychodrama, with a specific focus on the Theory of Roles and in the concepts of Social Role and Character.

The research data refers to the monitoring of restorative circles and the interviews with facilitators, who lead the restorative circles. All the conflicts, that we accompanied, occurred in the school context.

The data was processed through scenes or pieces of scenes, which took place in the actual context of the restorative circle or in the context in which the conflicts occurred. The social roles that are involved in the conflict are bound to stereotyped characters, which are attributed to young people. In the restorative circles these characters become evident and they make the dialogue between the parties involved difficult or impossible. Therefore, youth participation in restorative circles is compromised. Moreover, in most cases, it is impossible to change the relationships that is in conflict and experience a character less conserved.

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INTRODUÇÃO ...12

1. Da chegada ao tema ...12

2. Dos caminhos e dos procedimentos de pesquisa...16

3. Das partes que compõem este trabalho ...20

CAPÍTULO 1 – DAS PRÁTICAS RESTAURATIVAS ...22

I - Justiça Restaurativa: aspectos filosóficos, jurídicos e históricos ...22

1. No mundo ...29

2. No Brasil ...30

3. Em São Caetano do Sul ...31

II - As práticas e metodologias da Justiça Restaurativa...33

1. Diferentes práticas e metodologias ...33

2. No contexto de São Caetano do Sul...35

3. No contexto comunitário: o modelo Zwelethemba...35

4. A formação dos facilitadores em São Caetano do Sul...42

III - Justiça Restaurativa e Juventude ...44

CAPÍTULO 2 – DAS FERRAMENTAS CONCEITUAIS PARA PENSAR AS PRÁTICAS RESTAURATIVAS: UM OLHAR DESDE O PSICODRAMA...47

I - Vida e obra de J. L. Moreno ...47

II - A teoria socionômica: psicodrama ...49

III - Dimensões individual e relacional: A microssociologia moreniana ...51

1. Tele...55

2. Encontro ...56

IV - Teoria de papéis e o conceito de Papel ...58

V - Personagem ...61

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I - Dos procedimentos de análise...72

II - Dos círculos que acompanhamos...74

1. Estrutura de desenvolvimento do círculo...75

2. Sinopses dos círculos...76

2.1. Círculo 1...77

2.2. Círculo 2...78

2.3. Círculo 3...79

2.4. Círculo 4...80

III - Dos conflitos e seus encaminhamentos...81

1. Dos tipos de conflito ...81

1.1. Conflito aluno-aluno ...82

1.2. Conflito professor-aluno ...82

2. Rotas institucionais do conflito ...85

3. Das ausências ...88

3.1. Das partes do conflito...88

3.2. Da escola ...90

3.3. Dos facilitadores...92

IV - Alguns aspectos problemáticos do manejo do círculo...94

1. Buscar a verdade ou construir responsabilização? ...94

2. A complexidade do Papel de facilitador...97

CAPÍTULO 4 – QUANTO AO LUGAR DO JOVEM NOS CÍRCULOS...99

I - Dos modos pelos quais os jovens são referidos...99

1. O Personagem aluno “problema” ...99

2. O Personagem jovem “violento” ...102

3. O Personagem “homossexual” ...105

II - De quando o jovem tem voz e de como ele se apresenta ...106

III - Do lugar do jovem no acordo ...113

1. O acordo forçado...113

2. Acordo entre adolescentes ...118

3. Acordo encobridor ...118

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IV - De como o jovem é afetado pela atribuição de Personagens ...119

V - Do lugar da família ...121

1. Família como causa do conflito ...121

2. Pai silenciado, passivo ...122

3. Família em defesa do jovem...123

4. A família surpreendida e a escola que não fala...125

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...127

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...133

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INTRODUÇÃO

1. Da chegada ao tema

As interfaces da Psicologia com a Justiça constituíram-se em interesse desde a graduação em Psicologia na Universidade Católica de Brasília – UCB, em especial o campo dos adolescentes autores de ato infracional. Ainda na graduação tive a oportunidade de realizar estágios e a monografia de final de curso nessas interfaces.1 Nos estágios trabalhava com grupos de jovens numa abordagem psicodramática.

Depois de formada, trabalhei em uma instituição de semiliberdade em Brasília, sempre com a escuta e o olhar psicodramático. No decurso do processo de graduação e nos primeiros passos como profissional, fui voluntária no Núcleo de Estudos e Atenção à Exclusão Social (NATEX), uma Organização Não-governamental (ONG) que desenvolvia projetos sociais junto à população em situação de rua e às instituições que aplicavam as medidas sócio-educativas aos jovens autores de atos infracionais, no contexto do Distrito Federal. O NATEX proporcionava um espaço de intervenção psicossocial e política com forte embasamento psicodramático e, além disso, um espaço de discussão crítica em relação às políticas públicas aplicadas a essas populações.

A partir desses trabalhos que estava realizando, surge a necessidade de aprofundar meus estudos, tanto da teoria e prática psicodramática, quanto das discussões críticas a respeito dos modelos institucionais de atendimento aos jovens autores de atos infracionais. Visto que, dentro da unidade de semiliberdade, senti-me violentada como profissional, desacreditada por ser “jovem demais”, “cheia de ideologias”, que “não sabe do que esta falando”, “não sabe como o mundo é na realidade”, “não vê o que esses adolescentes fizeram” e forçada a ver fotos em processos de homicídios para “encarar a realidade dos fatos”. Sem muitas alternativas e possibilidades de mudanças, a não ser enquadrar-me na forma institucionalizada de trabalhar, no modo “sempre foi assim”. A valorização profissional era dada pelos juízes, promotores e defensores da Vara da Infância e Juventude, pois levavam em consideração os relatórios feitos, valendo-se de seus argumentos técnicos para dar seu parecer quanto à permanência ou não do

1 Schmidt, A.C. Construindo mudanças: adolescentes em conflito com a lei e redes sociais. Trabalho final de

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adolescente encarcerado, fato que incomodava profundamente os funcionários não-técnicos da unidade. Negando-me a assumir estes Personagens profissionais, da psicóloga que “faz relatórios adequados”, para a unidade ou para o sistema judicial, e da psicóloga que “acalma jovens que se rebelam”, peço demissão!

Vir para São Paulo torna-se um desejo profissional e pessoal, que em poucos meses se concretiza. Paralelamente a esta pesquisa, realizo a especialização em Psicodrama2 e desta forma, as bases filosóficas, teóricas e metodológicas desse campo são atravessamentos ainda mais marcados e constantes nos estudos e escutas que realizo. Ainda relevante, considera-se que o referencial teórico-metodológico do Psicodrama potencializa a discussão das interações indivíduo-grupo-sociedade nas práticas restaurativas, que são interesses desta dissertação.

A Justiça Restaurativa atravessa minha prática profissional quando, ainda trabalhando na semiliberdade em Brasília, os profissionais de diversas unidades de atendimento aos jovens infratores são “convidados” a assistir uma palestra sobre o tema. Apresentam-nos, então, as práticas de Justiça Restaurativa que estavam se iniciando no Núcleo Bandeirante – DF. O encantamento imediato com as possibilidades dessa prática, desse novo paradigma, infelizmente, se esvai no cotidiano do trabalho.

Voltemos aos aspectos relativamente mais formais desta introdução, para apresentar a Justiça Restaurativa, a pesquisa do Núcleo de Estudos Violências: Sujeito e Política (NEVIS) e esta dissertação em particular.

As práticas restaurativas têm sido difundidas em diversos países desde a década de 70 do século XX. A Nova Zelândia, pioneira na implantação de práticas restaurativas, inspiradas em costumes dos aborígenes Maoris, reformulou, em 1995, seu Sistema de Justiça da infância e juventude e teve grande sucesso na prevenção e reincidência de atos infracionais. Atualmente, projetos similares estão sendo desenvolvidos no Canadá, Austrália, África do Sul, Reino Unido e Argentina. Em 2002 o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas recomendou a aplicação da Justiça Restaurativa aos Estados-Parte das Nações Unidas.

No ano de 2005, no Brasil, foram implementados três projetos-piloto de Justiça Restaurativa: nas cidades de São Caetano do Sul (SP), Núcleo Bandeirante

2 Convênio entre a Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP) e a Pontifícia Universidade Católica de São

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(DF) e Porto Alegre (RS)3. Desde então, outras cidades estão aderindo a essas práticas restaurativas, buscando, com esse meio alternativo às formas tradicionais de justiça, dita Retributiva, uma mudança paradigmática na forma de resolução de conflitos.

Essas práticas restaurativas ocorrem nos chamados círculos restaurativos4, que, reunindo voluntariamente as partes5 de um conflito, familiares, pessoas da comunidade afetadas pelo conflito e facilitadores6, buscam, através do diálogo, a pacificação e, na medida do possível, a restauração das relações afetadas pelo conflito.7 O círculo restaurativo visa ser um espaço de poder compartilhado, sem julgamentos ou culpabilização, em que os participantes são estimulados a discutir, de forma organizada, o que motivou o conflito e suas conseqüências. O objetivo é conseguir superar o conflito e chegar, de forma cooperativa e autônoma, a um acordo e a um plano de ação, que deve ser factível, preciso e válido para todos os envolvidos.

Por meio do protagonismo de cada um dos envolvidos, buscam a reparação das conseqüências de um conflito ou infração, humanizando e trazendo para o campo da afetividade as relações atingidas, de forma a gerar maior coesão social na sua resolução e maior compromisso na responsabilização do infrator e no seu projeto de ajustar socialmente seus comportamentos futuros.

Parte-se do pressuposto de que o conflito, crime ou o ato infracional causa danos às pessoas e aos relacionamentos. Entende-se que não só a vítima e o transgressor são afetados, mas também toda comunidade sofre as conseqüências do ato danoso. Desta forma, não se trata mais apenas de concentrar-se na determinação da culpa e na punição aos transgressores, como ocorre no modelo retributivo, com fraco potencial de transformação positiva do agressor, mas de permitir a compreensão das razões de seus atos e das conseqüências deles advindas.8

3 Com apoio do Ministério da Justiça, através da Secretaria da Reforma do Judiciário, em parceria com o PNUD

– Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

4 Alguns autores também os denominam como círculos de paz ou câmaras restaurativas, fato que causa algumas

confusões, pois se referem a metodologias diferentes, como veremos no item II deste capítulo.

5 Chamados de vítima e agressor no modelo de Justiça Tradicional, Retributiva. 6

Inicialmente o facilitador era chamado de conciliador, porém outros termos também são utilizados, como mediador e pacificador. Melo (2008) define o facilitador como alguém que conhece as dinâmicas dos processos restaurativos.

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Abordaremos mais profundamente a Justiça Restaurativa, suas práticas, contextos e metodologias no Capítulo 1 deste trabalho.

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Especificamente no município de São Caetano do Sul, contexto desta pesquisa, sob a coordenação do Juiz titular daquela comarca, a capacitação dos facilitadores inicia-se com professores e técnicos do Fórum, que passam a aplicar as práticas restaurativas nas escolas e no Fórum, com a metodologia da Comunicação Não-Violenta. Posteriormente, as práticas restaurativas são expandidas também para a comunidade e a capacitação dos facilitadores passa a incluir uma nova técnica, baseada no modelo de Zwelethemba9, da África do Sul. Ampliam-se, assim, os contextos de atuação, o número de facilitadores capacitados e a diversidade de conflitos e situações em que podem atuar. Posteriormente, o projeto é ampliado para capacitar os chamados derivadores10, atores sociais que, por sua função, constantemente recebem encaminhamentos de casos de conflito e/ou de atos infracionais. Esses têm a função de acolher e encaminhar os casos às diferentes alternativas de resolução de conflito, Restaurativas ou Retributivas, informando sobre as conseqüências de cada opção e respeitando a voluntariedade da participação dos envolvidos.11

A pesquisa que resulta nesta dissertação é parte integrante da pesquisa “Práticas de Justiça Restaurativa: subjetividade e legalidade jurídica”, desenvolvida pelo núcleo de pesquisa Violências: sujeito e política (NEVIS) do Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), em parceria com a 1ª. Vara Criminal e de Crimes contra a Criança e o Adolescente de São Caetano do Sul (SCS), que desenvolve o Projeto de Prevenção e Resolução de Conflitos nesse município.

O referido projeto do NEVIS pretende investigar, a pedido da equipe de práticas restaurativas de SCS, as articulações justiça e produção de subjetividade em novas práticas de justiça – os círculos restaurativos, no âmbito do trabalho junto ao adolescente em conflito com a lei, visando contribuir para a implantação e qualificação dessas práticas no Sistema de Justiça e de Socioeducação juvenil.12

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Este modelo enfatiza menos as necessidades e responsabilidades individuais, de cada parte do conflito, mudando o foco de atuação para a mudança comunitária e democracia deliberativa (Melo, 2008).

10 Juiz, promotores de justiça, diretores de escolas, assistentes sociais, policiais, agentes comunitários,

conselheiros tutelares, advogados e grupos de suporte a minorias e de atendimento a drogadição e alcoolismo.

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No decurso desta pesquisa, dois outros projetos a ela vinculados estavam trabalhando os sentidos de justiça para os jovens participantes dos círculos restaurativos e a construção do laço social no círculo restaurativo.13

A presente pesquisa propõe-se a problematizar, a partir do referencial do Psicodrama, as práticas restaurativas no contexto comunitário de São Caetano do Sul, com foco nos modos pelos quais se desenha o lugar do jovem nos círculos restaurativos e nos conflitos ali trabalhados.

2. Dos caminhos e dos procedimentos de pesquisa

Neste item temos por objetivo apresentar o desenho desta pesquisa, explicitando seus objetivos, os procedimentos adotados, além das mudanças de trajetória que se mostraram importantes.

Quando formulamos o objetivo desta pesquisa, entendíamos que, ainda que a metodologia restaurativa propusesse uma maior horizontalidade das relações nos círculos, a relação adulto-jovem merecia ser analisada, dada a persistente relação de dominação de que essa se reveste. Ou seja, entendíamos, a partir das formulações de Rosemberg (1985), que podemos falar de uma relação de idade, tal como a relação de classe, enquanto relação de dominação.

No entanto, precisávamos conhecer inicialmente a metodologia utilizada na facilitação dos círculos. Assim, começamos tomando conhecimento do material disponibilizado, principalmente o relatório das práticas restaurativas de São Caetano do Sul14 e o vídeo que acompanha este relatório, que apresenta e avalia a prática naquele município. Foram-nos disponibilizados, também, pela equipe de capacitação dos facilitadores, outros dois vídeos que se referem às práticas do Rio Grande do Sul e Heliópolis-Guarulhos.

Nesse momento inicial, ainda visando uma primeira aproximação das práticas restaurativas, mantivemos um olhar ampliado para as demandas que emergissem. Assim, chamaram-nos a atenção, também, o papel e o lugar institucional dos facilitadores, conforme explicitaremos mais à frente.

Iniciamos, então, o contato com a equipe de capacitação e com os facilitadores de um bairro em São Caetano do Sul, o que nos permitiu acompanhar e

13 Anunciação, C.C.P. Figuras de justiça: trajetórias de jovens em práticas de Justiça Restaurativa e Lainetti, M.

Justiça Restaurativa e Transformação do Laço Social: adolescência e autoria do ato infracional. Ambas realizaram entrevistas com os jovens participantes dos círculos restaurativos em São Caetano do Sul.

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observar círculos restaurativos realizados naquela comunidade. Considerávamos fundamental, antes de iniciarmos uma abordagem direta com os facilitadores, compreendermos e nos apropriarmos da metodologia de trabalho nos círculos restaurativos e do cotidiano da prática dos facilitadores. A possibilidade de observação dos círculos restaurativos mostrou-se fundamental para tal objetivo.

Inicialmente realizamos uma conversa com a coordenadora das práticas restaurativas e com uma facilitadora que atua naquela comunidade, buscando compreender o campo em que estávamos nos inserindo. Nesse momento, o cotidiano dos facilitadores, suas demandas e suas dificuldades na realização do seu trabalho ganharam a cena. Já no primeiro contato afirmaram que os facilitadores que continuavam atuando sentiam-se sozinhos e sobrecarregados, pois muitas das pessoas que tinham sido capacitadas nas técnicas restaurativas estavam afastadas da prática na comunidade, além do que, o afastamento da equipe responsável pelo Projeto JR deixava-os inseguros, pois afirmavam ser essa uma prática de muita responsabilidade.

Tínhamos desenhado uma proposta de pesquisa junto aos facilitadores com base nas técnicas psicodramáticas e pretendíamos realizar, inicialmente, três encontros com o grupo de facilitadores, prevendo a possibilidade de ampliação do número de encontros. O foco era a participação dos jovens nos círculos restaurativos e a relação de idade, considerando-se as práticas cotidianas dos facilitadores nos círculos restaurativos.

Nessa primeira conversa, a proposta do grupo psicodramático15 com os facilitadores foi apresentada e bem aceita. Cogitamos a possibilidade de um trabalho conjunto com os facilitadores da escola, entretanto, essas facilitadoras preferiram, inicialmente, um trabalho apenas com os facilitadores da comunidade, incluindo-se os facilitadores que estavam afastados da prática, buscando o fortalecimento do grupo. Concordaram em, posteriormente, incluirmos facilitadores das escolas.

A partir das conversas que se sucederam com as facilitadoras e da escuta de suas demandas, começou a se configurar a necessidade de olharmos para o grupo de facilitadores, visto que, para além do objetivo desta pesquisa, evidenciaram-se as necessidades, por parte do grupo de facilitadores, de supervisão e de participação

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de atores externos, pois sentiam necessidade de compartilhar sua prática e avaliá-la criticamente. Na fala das facilitadoras, ficou evidente que o afastamento de vários membros e a falta de acompanhamento e supervisão de suas práticas, tornava o grupo fragilizado e reduzia sua capacidade de atuação.

Concomitantemente, iniciamos a observação dos círculos restaurativos com o objetivo de nos aproximarmos de suas práticas e formas de condução do trabalho, observando inclusive a circulação da fala, principalmente no tocante à participação dos jovens. Inicialmente, propusemo-nos a uma observação buscando interferir o mínimo possível no desenrolar do círculo, mesmo sabendo que nossa presença já configurava um fator interveniente. Assim mesmo, o mero fato de observar em silêncio o círculo restaurativo configurava uma situação de tensão e de estranhamento para os participantes e facilitadores, visto que todos eram convocados a manifestar-se em relação à situação de conflito de que se tratava. Já ao final da observação do primeiro círculo, foi solicitado pelos facilitadores que a pesquisadora participasse dos mesmos, pois consideravam importante que todos os presentes buscassem participar na resolução do conflito.

No transcorrer das observações dos círculos restaurativos, paralelamente, buscamos construir a possibilidade de realização do grupo com todos os facilitadores daquela comunidade, buscando, com o apoio dos facilitadores que estavam atuando, a participação dos que se tinham afastado. Fizemos uma primeira tentativa de realização do grupo em um período em que não haveria círculos restaurativos, escolhendo dias e horários em que a maioria teria disponibilidade. Entretanto, apesar desse período ter sido apontado como o mais adequado para a realização dos encontros com o grupo, não foi possível realizá-los, tendo em vista a afirmação dos facilitadores de que não teriam disponibilidade de tempo, pois resolveriam problemas pessoais nesses dias sem círculos restaurativos.

Resolvemos, assim, seguir por outro caminho, realizando inicialmente entrevistas psicodramáticas individuais16 com os facilitadores, visto que tínhamos um prazo para a realização deste grupo que se tornou inviável dentro dos limites temporais desta pesquisa. Porém, ainda haveria a possibilidade de realizarmos os encontros com o grupo de facilitadores mais ao fim da pesquisa.

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Fizemos um convite aos facilitadores por e-mail, apresentando a proposta da pesquisa e convidando-os a participar de entrevistas individuais e anunciando a possibilidade de realização de alguns encontros em grupo. No entanto, apenas uma facilitadora respondeu ao e-mail, disponibilizando-se a participar da entrevista. Com ela, fizemos vários contatos telefônicos, chegando a marcar algumas vezes a entrevista, a qual foi reiteradamente desmarcada por motivos pessoais da facilitadora.

Passamos a uma nova estratégia e por telefone buscamos entrar em contato com os facilitadores. Contudo, alguns dados estavam incompletos e alguns telefones não existiam mais, as ligações não se completavam.17

Desses contatos, obtivemos êxito em apenas um contato e a entrevista foi realizada. Esse facilitador disponibilizou-se e achou interessante a realização dos encontros em grupo, buscando um retorno dos facilitadores que se afastaram da prática. Após diversos contatos telefônicos, conseguimos realizar uma segunda entrevista, desta vez com a outra facilitadora que se havia disponibilizado.

Paralelamente às entrevistas, continuávamos acompanhando os círculos restaurativos realizados na comunidade. Em um desses círculos restaurativos (Círculo 4),18 fui solicitada a participar mais ativamente, pois a facilitadora estava sozinha e o círculo incluía grande número de participantes. Essas demandas de participação dirigidas à pesquisadora repetiram-se em outros momentos e serão analisadas no Capítulo 3.

Após acompanharmos a realização de quatro círculos e realizar duas entrevistas, dois caminhos de pesquisa se evidenciaram: continuar as entrevistas com os facilitadores, com o risco de seguir enfrentando as mesmas resistências que já se evidenciaram no primeiro momento ou voltar o olhar para a riqueza de dados fornecidos pelos círculos restaurativos acompanhados. Assim, decidimos trabalhar fundamentalmente com o material oriundo das observações dos círculos, considerando, então, como participantes desta pesquisa todos os presentes nos círculos, voltando nosso olhar fundamentalmente para o lugar e o papel atribuídos ao jovem e à sua participação nesse contexto restaurativo.

Sintetizando, os dados desta pesquisa abrangem:

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Fato que também dificultou as pesquisas anteriores desenvolvidas pelo NEVIS, porém em relação à localização dos adolescentes que seriam entrevistados.

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1- Observação de quatro círculos restaurativos conduzidos por facilitadores comunitários no contexto de um bairro de São Caetano do Sul. Não houve um critério de escolha dos círculos restaurativos que acompanhamos, visto que a pesquisadora compareceu a todos os plantões restaurativos19

aos quais foi convidada. Não tínhamos acesso a nenhuma informação referente a esses encontros antes de sua realização, apenas nos era informado que haveria plantão restaurativo.

2- Realização de entrevistas com dois facilitadores.

3- Escrita de diário de campo no transcorrer de toda pesquisa.

Cabe esclarecer, ainda, que, desde o início, este projeto foi submetido ao Comitê de Ética. Os participantes (incluindo-se as partes em conflito, seus acompanhantes e os facilitadores) autorizaram verbalmente a gravação do círculo restaurativo e foram esclarecidos quantos aos seus direitos. Os facilitadores comunitários de Justiça Restaurativa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.20

3. Das partes que compõem esse trabalho

No primeiro capítulo desta dissertação apresentamos os aspectos filosóficos, jurídicos e históricos da Justiça Restaurativa, nos contextos mundial, brasileiro e de São Caetano do Sul; abordamos as práticas e metodologias da Justiça Restaurativa, destacando as diferentes metodologias (em especial o modelo Zwelethemba, que é o mais utilizado no contexto comunitário de São Caetano do Sul); apresentamos rapidamente o processo de capacitação dos facilitadores de São Caetano do Sul; e problematizamos a aplicação da Justiça Restaurativa no contexto da juventude.

No segundo capítulo, apresentamos a filosofia, teoria e metodologia psicodramática como ferramenta conceitual e metodológica para olhar e problematizar os círculos restaurativos.

No terceiro e quarto capítulos, apresentamos os dados da pesquisa e desenvolvemos a análise dos mesmos, articulando-os com o aparato conceitual e metodológico do psicodrama.

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O Plantão Restaurativo refere-se a dois dias da semana disponibilizados pelos facilitadores comunitários nos quais recebem pessoas da comunidade que as procuram espontaneamente ou pessoas encaminhadas diretamente pelo Fórum. Pode ocorrer apenas o pré-círculo (caso uma das partes não compareça), o círculo restaurativo propriamente dito (quando há a presença das duas partes do conflito e há um acordo) ou o pós-círculo (com a presença de uma das partes ou ambas e o cumprimento do acordo é confirmado).

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CAPÍTULO 1 – DAS PRÁTICAS RESTAURATIVAS

Iniciaremos, neste capítulo, pela apresentação de alguns aspectos históricos, jurídicos e filosóficos das práticas de Justiça Restaurativa, considerando como surgem no contexto mundial, para depois caracterizá-las no Brasil, no estado de São Paulo e, em específico, no município de São Caetano do Sul.

Na seqüência, ainda com o propósito de caracterizar essas práticas no contexto de São Caetano do Sul, apresentamos as diferentes metodologias e o processo de formação dos facilitadores comunitários.

Finalmente, problematizaremos a Justiça Restaurativa no contexto da juventude e da Justiça Juvenil.

I - Justiça Restaurativa: aspectos filosóficos, jurídicos e históricos

A Justiça Restaurativa surge, no âmbito do sistema judicial, como um novo paradigma, um novo olhar para os conflitos, atos infracionais e crimes, uma ruptura com a tradicional forma do “fazer justiça”, a chamada Justiça Retributiva. Diversos autores21 destacam essa oposição entre o Sistema de Justiça Retributivo e o Restaurativo, destacando as diferenças entre os dois modelos, no que se refere aos seus aspectos filosóficos e de procedimento jurídico, principalmente aspectos como: a relação com o Estado, o entendimento de crime ou infração, o papel da vítima, do ofensor e dos envolvidos, dentre outros.

Por exemplo, Pinto faz um quadro comparativo entre a Justiça Retributiva e a Justiça Restaurativa, destacando as diferenças de valores, procedimentos, resultados e efeitos para a vítima e para o infrator22. Afirma que a mudança de paradigma da Justiça Restaurativa afeta a todos os profissionais envolvidos nessas práticas, indicando que precisam mudar o olhar sobre sua atuação, pois estarão “trabalhando com uma concepção ampliada de justiça, que não é mais estritamente jurídica, mas interdisciplinar.”23

Benedetti afirma que muitos autores, por uma mobilização militante ou por descrever experiências pontuais, acabam por fazer esta confrontação direta entre a Justiça Retributiva e Restaurativa, por meio de uma comparação negativa, o que

21

Melo (2005), Konsen (2007), Pinto (2005 e 2006), Scuro (2008).

(23)

limita o desenvolvimento conceitual e a fundamentação teórica da Justiça Restaurativa.24 Para além dessas diferenças, alguns autores25 afirmam que, no que se refere à prática do Sistema Judicial, a Justiça Restaurativa é complementar à Retributiva, e não substitutiva.

Segundo Pinto26, a expressão Justiça Restaurativa é atribuída a Albert Eglash, que em 1977 afirmou que havia três possibilidades de respostas a um crime, a Retributiva (punição), a Distributiva (reeducação) e a Restaurativa (reparação). Além disso, considera que apesar de a expressão “Justiça Restaurativa” prevalecer na língua portuguesa, a tradução mais adequada de Restorative Justice seria “Justiça Reparadora”.

Analisando os aspectos contemporâneos do Sistema Judiciário, Neto destaca que a Justiça Restaurativa conforma-se à reforma do Judiciário27 e é uma alternativa para solucionar a paralisia desse Poder Público. Refere-se a três interseções da relação da Justiça Restaurativa com o Sistema Judiciário: facilitando o acesso de pessoas desprivilegiadas aos serviços de Justiça principalmente em casos de família, infância e juventude e crimes de menor potencial ofensivo; reafirmando o poder estatal e desfazendo o desencanto das pessoas comuns com o Judiciário; e identificando momentos durante o processo legal em que a Justiça Restaurativa pode ser inserida.28

Neto afirma que os Juizados Especiais, também conhecidos como de “pequenas causas”, ao trocarem penas por outras medidas têm passado, de forma geral, a imagem de impunidade à população. Aponta que as práticas de Justiça Restaurativa seriam uma alternativa para mudar essa percepção, restaurando a imagem da Justiça no Brasil, ao mesmo tempo em que a Justiça Restaurativa se beneficiaria por estar sob “supervisão competente” do Poder Judiciário.29

Outro aspecto constantemente destacado pelos autores30 e usado como argumento para enfatizar as vantagens da Justiça Restaurativa é o de que as práticas de Justiça Restaurativa e Retributiva devem ser conjugadas, possibilitando que crimes ou atos infracionais considerados como de menor gravidade e que

24 Benedetti (2009).

25 Melo (2005) e Konsen (2007), por exemplo. 26

Idem.

27 Aprofundaremos esta discussão no item 2 deste capítulo, referente à implementação da Justiça Restaurativa no

Brasil.

28

Neto (2004).

29 Idem.

(24)

envolvem conflitos em relações interpessoais prolongadas no tempo possam ser atendidos em seus contextos de origem, comunitários e escolares. Essas medidas visam não sobrecarregar o Sistema Judicial com esses processos e, até mesmo, possibilitar que esses conflitos, que muitas vezes seriam encaminhados para o Sistema Judicial, sejam resolvidos nos seus contextos de origem.

Neste novo paradigma, o crime ou infração é compreendido de forma diversa do que na Justiça Tradicional. O crime é entendido como uma “violação nas relações entre o infrator, a vítima e a comunidade.”.31

Jaccould sustenta que: “O crime não é mais concebido como uma violação contra o Estado ou como uma transgressão a uma norma jurídica, mas como um evento causador de prejuízos e conseqüências.”.32

Em consonância com essas afirmações, Konsen acrescenta a relevância do dano causado:

Delito, não mais como uma violação contra o Estado ou como uma transgressão à norma jurídica, mas como um evento causador de prejuízos e conseqüências, dimensões que não se anulam, mas que se somam no propósito de reparar os danos vividos, na abrangência das “dimensões simbólicas, psicológicas e materiais”.33

No modelo de Justiça Restaurativa entende-se que as relações entre as pessoas envolvidas são afetadas pelo crime, ato infracional ou conflito, pois os envolvidos não conseguem perceber o outro e colocar-se no papel do outro. Konzen observa que a Justiça Restaurativa possibilita a “emergência do relacional, locus de instituição de uma ética em que o outro conta como absolutamente outro.”.34

Para Konzen, a responsabilidade, as dores e as culpas intrínsecas a um conflito são das partes envolvidas, entretanto, no modelo de Justiça Tradicional, o Estado retira delas a possibilidade de buscar uma solução. Considera esse fato como outra forma de violência.35

De forma geral, e ainda sem adentrar nas controvérsias da literatura de Justiça Restaurativa, podemos afirmar que o modelo busca resolver um conflito/ato

31 Pinto, p. 5, 2006.

32 Jaccould, M, p.7, 2005, In: Achutti, p.72, 2006. 33 Konzen, p. 15, 2008.

34 Idem. 35

(25)

infracional/crime através da participação voluntária das pessoas envolvidas e da construção de uma decisão consensual, com o objetivo de reparar o dano causado, restaurar as relações e a harmonia, com um olhar para o futuro dessas relações e da comunidade. Um novo paradigma, em que o conflito/ato infracional/crime é visto como um ato que afeta não apenas as partes diretamente envolvidas (vítima e ofensor), mas, também, suas famílias e a comunidade.

Apesar desses valores serem comuns aos pesquisadores e atores da Justiça Restaurativa, diversos são os seus olhares e outros os embasamentos filosóficos. Além disso, os variados campos de aplicação da Justiça Restaurativa e diferenças culturais e sócio-econômicas entre os países e mesmo, no Brasil, os vários projetos-piloto também influenciam e possibilitam que diversas metodologias sejam utilizadas.36

De forma geral, pode-se afirmar que a Justiça Restaurativa é passível de aplicação em dois contextos:

- no contexto judiciário: há uma valorização, entre alguns autores,37 da participação da vítima durante o processo, em um papel central, destacando a importância da reparação do dano causado pelo ofensor, que deve arrepender-se verdadeiramente de seu ato, sendo capaz de perceber o prejuízo que causou à vítima e responsabilizar-se por ele. Entre esses autores, defende-se que a participação da vítima possibilita um enfrentamento do crime ao qual foi submetida e pode evitar traumas decorrentes do mesmo.

- no contexto comunitário e educacional: percebe-se que o foco é a restauração da relação que foi afetada, buscando cessar o conflito, a pacificação e a construção de relações mais harmoniosas entre os envolvidos. Tem um caráter preventivo, visando evitar que os conflitos se agravem e cheguem ao contexto judiciário. Busca empoderar a comunidade e a escola para a resolução dos seus conflitos e tem por objetivo um esvaziamento do Sistema Judicial, visto que muitos casos encaminhados aos Fóruns poderiam ser resolvidos por estes meios nos próprios contextos de origem.38

36

As diferentes metodologias serão tratadas na parte II deste capítulo.

37 Pesquisadores da abordagem da Vitimologia, campo multidisciplinar que inicialmente estava vinculado a

Criminologia, e que busca, atualmente, constituir interfaces com as áreas de Direitos Humanos e Justiça Restaurativa, como, por exemplo, Walgrave, que esteve presente no 1º Seminário Internacional de Justiça Restaurativa, organizado pela ABMP e Uniabc.

(26)

Durante o 1º Seminário Internacional de Justiça Restaurativa, realizado no Brasil39, esses diferentes contextos ficam explícitos nas falas dos diversos palestrantes40, principalmente na posição de Walgrave, que afirma que não podemos nomear como Justiça Restaurativa as intervenções que estão sendo realizadas nos contextos comunitários e escolares, visto que o termo define as práticas do Judiciário, e não se trata de um conflito, mas de um crime (ou ato infracional) que deve ser incluído nos trâmites legais. Afirma, ainda, ser necessário definir claramente os conceitos da Justiça Restaurativa para que confusões ou usos inadequados não sejam feitos.41

Pinto também nos aponta que, devido ao movimento emergente da Justiça Restaurativa, “o conceito de Justiça Restaurativa ainda é algo inconcluso”.42

Vejamos como, no Brasil, demais autores têm se posicionado. Para apresentar sua concepção de Justiça Restaurativa, Melo reporta-se aos escritos de Van Ness e Strong que afirmam que a Justiça Restaurativa é composta de três eixos gerais: reparação de danos; envolvimento dos afetados e de seus suportes; e transformação do papel governamental e da comunidade em mudanças sistêmicas.43 Melo afirma ainda que:

Seus valores regentes são empoderamento, participação, autonomia, respeito, busca de sentido e de pertencimento na responsabilização pelos danos causados, mas também a satisfação das necessidades surgidas da situação de conflito.44

Um dos aspectos importantes, destacados por alguns autores45, é que a Justiça Restaurativa tem o foco no futuro e na restauração das relações interpessoais, principalmente quando os conflitos ocorrem entre pessoas que convivem, seja na comunidade, na família ou em instituições, como escola, igreja, associações.

Outro aspecto destacado está vinculado à importância da responsabilização do causador do dano e da participação das vítimas dos crimes ou atos infracionais. De acordo com Pinto, as pessoas, ao se inserirem nas práticas de Justiça

39 1º. Seminário Internacional de Justiça Restaurativa. Realizado entre 30 de setembro e 2 de outubro de 2009

organizado pela ABMP e Uniabc.

40

Lode Walgrave, Pedro Scuro, Leonardo Sica, Egberto Penido e Afonso Konsen.

41 Walgrave, 2009. 42 Pinto, p.21, 2005. 43

Van Ness e Strong, 1997 In: Melo (2006).

44 Melo, p. 65, 2006.

(27)

Restaurativa participam coletiva e ativamente da construção de soluções, buscando a superação dos traumas e a reparação das perdas causadas pelo crime.46

A Justiça Restaurativa enfatiza a importância de se elevar o papel das vítimas e membros da comunidade ao mesmo tempo em que os ofensores (réus, acusados, indiciados ou autores do fato) são efetivamente responsabilizados perante as pessoas que foram vitimizadas, restaurando as perdas materiais e morais das vítimas e providenciando uma gama de oportunidades para diálogo, negociação e resolução de questões.47

Aprofundando este aspecto da responsabilização e restituição, Achutti afirma que os objetivos da Justiça Restaurativa seriam “restituir à vítima a segurança, o auto-respeito, a dignidade e, mais importante, o senso de controle”, e atribuir “[...] aos infratores a responsabilidade por seu crime e respectivas conseqüências; restaurar o sentimento de que eles podem corrigir aquilo que fizeram e restaurar a crença de que o processo e seus resultados foram leais e justos”.48

Em relação ao papel do Juiz na Justiça Restaurativa, comparando-o ao modelo tradicional de Justiça, Konzen estabelece que o Juiz deveria abrir mão de seu poder real e simbólico e dar ao adolescente, antes de ser interrogado, a possibilidade da palavra genuína. Isto não significa deslegitimar o Estado, nem sugerir um modelo abolicionista ou de desinstitucionalização, pois observa que “há necessidade de instituições que arbitrem e uma autoridade política que a sustente”.49

Apresentaremos, na seqüência, alguns aspectos referentes às práticas da Justiça Restaurativa, visando um primeiro delineamento do funcionamento deste modelo.50

Esse novo paradigma que apresentamos até então, o da Justiça Restaurativa, é concretizado, principalmente, nos chamados círculos restaurativos. Melo afirma que o círculo restaurativo divide-se em três etapas que visam restaurar, reparar e reintegrar as relações: compreensão mútua, reconhecimento das responsabilidades e acordo. Os resultados dos círculos podem ser: pedido de desculpas, reparação, restituição e prestação de serviços comunitários.51

Este mesmo autor afirma que o ambiente onde ocorrem os círculos deve ser informal, estruturado, tranqüilo e seguro. Deve ser observado se há tensão ou

46 Pinto (2006) 47

Azevedo, p.6, 2005 In: Achutti, p.100, 2006.

48 Morris, p.3, 2005 In: Achutti, p.71, 2006. 49 Levinas, p. 248, 2005 In: Konzen, p. 19, 2008. 50

Aprofundaremos os aspectos teóricos referentes às práticas e metodologias restaurativas na parte II desse capítulo.

(28)

ameaça, buscando evitar a re-vitimização do ofendido ou a vitimização do infrator. Define o círculo restaurativo como:

Um espaço onde as partes envolvidas em um conflito, apoiadas por alguém com conhecimento das dinâmicas próprias ao processo (um Conciliador52), se encontram com a intenção de se expressarem e de se ouvirem uns aos outros, de reconhecerem suas escolhas e responsabilidades e chegarem a um acordo concreto e relevante em relação ao ato transgressor, que possa cuidar de todos os envolvidos.53

O processo restaurativo é estritamente voluntário para todos os envolvidos e não pode ser imposto, direta ou indiretamente. Alguns autores54 afirmam a relevância da participação da vítima, sendo ela o centro de todo o processo restaurativo, no qual o principal objetivo é a reparação do dano material ou psicológico causado. O infrator tem, então, a possibilidade de responsabilizar-se pelo ato e de desculpar-se com a vítima. Ambos devem participar ativamente, interagir entre si e ter suas necessidades atendidas.

Um aspecto considerado importante durante o processo restaurativo refere-se à expressão dos sentimentos e expectativas das partes. As pessoas devem ser francas e claras em relação a isso. A expressão dos sentimentos será usada na construção do acordo restaurativo, que contempla a restituição e a restauração das relações.55

Segundo Pinto, as práticas restaurativas podem ocorrer nos moldes da mediação vítima-infrator, reuniões coletivas ou círculos decisórios. Para ele, todos esses modelos buscam “o diálogo sobre as origens e conseqüências do conflito criminal e construção de um acordo e um plano restaurativo.”.56 Entretanto, na reunião coletiva e no círculo decisório as ações são mais coletivas e comunitárias do que na mediação vítima-infrator, que é mais individualizada.

Pinto afirma que um dos aspectos mais importantes é que os núcleos de Justiça Restaurativa trabalhem em rede, encaminhando tanto vítima quanto infrator para os serviços públicos ou privados necessários para o cumprimento do acordo.57

52

Chamado também de facilitador ou pacificador.

53 Melo, p. 13, 2008.

54 Pinto, (2006) e Walgrave (2009). 55

Sócrates (2006) In: Pinto (2006) e Rolim (2004) In: Achutti, 2006.

(29)

1. No mundo

Diversos autores58 afirmam que a Justiça Restaurativa tem suas bases no método de resolução de conflitos de tribos indígenas, as quais, quando havia um conflito interno, buscavam resolvê-lo em uma roda de discussão, com a participação de todos. Porém, quando se tratava de um conflito com outra tribo, a solução era a guerra, a vingança, pois não era mais um conflito entre iguais, mas com o diferente, o externo à comunidade.

Melo afirma que, na década de 70 do século passado, no contexto judiciário de diversos países, resgatam-se essas formas de resolução de conflitos, pois, nos moldes dos processos judiciais tradicionais, era pequena a participação das vítimas.59

Afirma ainda que, em 1989, com base no modo aborígene (tribo maoris) de resolver conflitos, a Nova Zelândia tornou-se pioneira em adotar a Justiça Restaurativa nos tribunais e escolas como forma de resolução de conflitos e como principal modo de atuação frente aos atos infracionais de adolescentes.

Segundo afirma Pinto, seguiram-se outros países, dentre eles a Colômbia, que também já incluiu a prática na legislação.60

Mas é em 2002 que o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas recomenda a aplicação da Justiça Restaurativa nos Estados-Parte das Nações Unidas.61

58

Melo (2005 e 2008), Konsen (2007), Pinto (2005 e 2006), Scuro (2008).

59 Melo 2008. 60 Pinto, (2006). 61

Programa de Justiça Restaurativa significa qualquer programa que use processos restaurativos e objetive atingir resultados restaurativos.

Processo restaurativo significa qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e, quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, participam ativamente da resolução das questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um facilitador. Os processos restaurativos podem incluir a mediação, a conciliação, a reunião familiar ou comunitária (conferencing) e círculos decisórios (sentencing circles).

Resultado restaurativo significa um acordo construído no processo restaurativo. Resultados restaurativos incluem respostas e programas tais como reparação, restituição e serviço comunitário, objetivando atender as necessidades individuais e coletivas e definir as responsabilidades das partes, bem assim, promover a reintegração da vítima e do ofensor.

Partes significa a vítima, o ofensor e quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime que podem estar envolvidos em um processo restaurativo.

(30)

2. No Brasil

Desde o final do século XX, tem-se discutido e implementado no Brasil reformas no Sistema Judiciário, visto que as formas até então vigentes de “fazer justiça” não têm surtido o efeito desejado no que se refere ao controle do aumento da criminalidade e violência, principalmente no que se refere às políticas voltadas à infância e juventude.62

No Brasil, as primeiras experiências com práticas restaurativas iniciam-se em 1998, no Projeto Jundiaí, que se estabelece em escolas públicas. Pesquisadores e funcionários das escolas envolvidas no projeto delineavam e executavam as práticas, visando à prevenção de desordem, violência e criminalidade no contexto escolar. Buscavam, através da transformação institucional, possibilitar o protagonismo e a co-responsabilidade dos atores, capacitando-os a transformar a realidade, por meio de um sistema diferenciado para a resolução de conflitos e problemas disciplinares.63

A partir desse projeto e das recomendações da ONU, alguns setores do Sistema Judicial, principalmente os vinculados à Reforma do Judiciário, passam a replicar e ampliar essas práticas para as políticas públicas destinadas aos jovens infratores. As práticas restaurativas passam a ser articuladas e supervisionadas pelo Sistema Judiciário e passam a ter papel estratégico, visando resguardar a ordem social e viabilizar mudanças, tornando o processo legal mais apropriado às atuais demandas individuais e sociais.64

No ano de 2004, através do Ministério da Justiça e da Secretaria de Reforma do Judiciário, formalizam-se no contexto judiciário brasileiro três projetos-piloto de Justiça Restaurativa que começam a ser implementados: no Núcleo Bandeirante – DF, em Porto Alegre – RS e em São Caetano do Sul – SP.65

Apesar de não haver, na legislação brasileira, aparato legal que estabeleça o uso da Justiça Restaurativa,66 a legislação atual permite o encaminhamento de casos para a Justiça Restaurativa. Atualmente, conforme nos descreve Pinto, após o parecer do Ministério Público, o caso é encaminhado para os núcleos de Justiça

62 Melo (2008). 63 Scuro (2008). 64

Idem.

65 Desses projetos, os de São Caetano do Sul e de Porto Alegre abordam a atos infracionais praticados por

adolescentes e o do Núcleo Bandeirante, crimes praticados por adultos. Neste último, os casos indicados para a Justiça Restaurativa envolvem crimes de menor potencial ofensivo e contravenções penais.

66 Existe um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados, PL 7006/2006, propondo alterações visando

(31)

Restaurativa para avaliação multidisciplinar e só então, verificada a viabilidade, inicia-se o processo restaurativo. Concluído o processo, o caso retorna ao Ministério Público com relatório do acordo firmado entre as partes e a Promotoria inclui as cláusulas para homologação do Juiz. Passa-se então à execução e, posteriormente, à avaliação do cumprimento do acordo.67

Em relação ao uso da Justiça Restaurativa no Brasil, Pinto afirma ainda ser importante a construção de metodologias adequadas à nossa realidade, afirmando que “nossa criminalidade retrata mais uma reação social, inclusive organizada, a uma ordem injusta, cruel, violenta e, por que não, também criminosa.”.68

Fazendo referência, ainda, a esses aspectos da realidade brasileira, Pinto afirma que o empoderamento comunitário, proposto pela Justiça Restaurativa, pode ser um risco, pois a desjudicialização do processo pode significar “um abandono das pessoas, principalmente pobres, à própria sorte na resolução de conflitos de natureza penal, sob pretexto de estarem “empoderados” para operarem micro-sistemas de justiça criminal da ‘comunidade’.”.69

3. Em São Caetano do Sul70

O processo de implementação da Justiça Restaurativa em São Caetano do Sul abrange, de forma geral, dois momentos. Inicialmente, o projeto-piloto “Justiça e Educação: parceria para a cidadania” contempla os contextos judiciário e escolar. Posteriormente, um novo projeto é implementado, “Restaurando justiça na família e na vizinhança: Justiça Restaurativa e comunitária no bairro de Nova Gerty”, ampliando o projeto inicial para o contexto comunitário e incluindo-se novas metodologias.71

Os objetivos centrais que motivaram a implantação do primeiro projeto foram: evitar o encaminhamento de conflitos escolares ao sistema judicial, buscando resolvê-los no próprio contexto escolar; resolver conflitos caracterizados como atos infracionais com uma nova forma de práticas judiciárias, a Justiça Restaurativa; e o fortalecimento da rede de atendimento a crianças e adolescentes no município.72

67 Pinto (2005). 68

Pinto, p. 17, 2006.

69 Idem.

70 Os dados contidos neste tópico referem-se ao relatório da implantação da Justiça Restaurativa no município de

São Caetano do Sul, produzido por Melo (2008).

(32)

No primeiro momento, três escolas foram inseridas no projeto e alguns professores foram capacitados nas técnicas de Comunicação Não-Violenta. Visando formar uma rede de encaminhamento com base na lógica restaurativa, outros profissionais das escolas envolvidas foram convidados a participar, formando-se assim lideranças educacionais.

Outro espaço onde a Justiça Restaurativa foi disseminada desde o começo foi o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, envolvendo além da educação, os contextos da saúde, assistência social e segurança. O Conselho Tutelar também foi um espaço de realização de círculos restaurativos desde o começo do projeto, especialmente quando envolvia situações de risco e vulnerabilidade de crianças e adolescentes.

Inicialmente, como não havia círculos restaurativos na comunidade, nos casos em que não havia uma relação contínua entre os envolvidos no conflito, os círculos eram realizados no Fórum.

Em 2006 ocorre uma expansão do projeto-piloto, com a inclusão de todas as escolas estaduais de São Caetano do Sul.73

Após avaliação do trabalho realizado até o momento, destaca-se a necessidade de um trabalho no contexto comunitário. Capacitam-se então facilitadores para intervir em conflitos familiares e de vizinhança. Um novo projeto-piloto foi estabelecido “Restaurando justiça na família e na vizinhança: Justiça Restaurativa e comunitária no bairro de Nova Gerty”.74

No novo contexto de intervenção, torna-se necessário o uso de uma nova metodologia, pois o foco principal passa das necessidades e responsabilidades individuais para a mudança comunitária. O novo modelo é trazido da África do Sul, o modelo Zwelethemba e, inicialmente, 20 facilitadores são capacitados. Possui um código de atuação (base ética e legal)75 que serve de parâmetro aos facilitadores e aos participantes.

Em 2007 o financiamento foi interrompido, sendo necessário rever o projeto e traçar caminhos para efetivar sua implantação, buscando diversificar as técnicas utilizadas e fazer uma maior articulação entre os diferentes contextos (Escola,

73

Destaca-se que, também em 2006 a Justiça Restaurativa foi expandida para outras cidades do estado de São Paulo, como as cidades de Guarulhos e São Paulo (bairro de Heliópolis). E, em 2008, a cidade de Campinas também iniciou a implantação do projeto.

74

Essa comunidade foi escolhida para a implementação do novo projeto, pois é considerada um dos bairros com maior índice de violência do município de São Caetano do Sul.

(33)

Justiça e Comunidade). Com novo financiamento surge um novo projeto, mais amplo, e que abrange os dois projetos-piloto anteriores: “Justiça Restaurativa e Comunitária em São Caetano do Sul: parceria pela cidadania.”

II - As práticas e metodologias da Justiça Restaurativa

A partir deste momento, abordaremos os aspectos metodológicos das práticas de Justiça Restaurativa, considerando-se as diferentes técnicas utilizadas e os diferentes contextos de atuação dos facilitadores, atribuindo destaque para as técnicas utilizadas no município de São Caetano do Sul e, em específico, em seu contexto comunitário. Na seqüência, apontamos o processo de formação dos facilitadores, com suas etapas metodológicas.

1. Diferentes práticas e metodologias

As práticas restaurativas têm um vasto campo de atuação: contextos jurídico, educacional ou comunitário. Diversas demandas são por elas atendidas: crimes graves que são encaminhados ao Sistema Judiciário; conflitos do cotidiano que ocorrem no contexto comunitário ou escolar e que, muitas vezes, também são encaminhados ao Sistema Judiciário; e conflitos que são tratados no próprio contexto em que ocorrem, seja escolar ou comunitário.

As práticas restaurativas são bastante diversas no que se refere aos modelos e técnicas restaurativas utilizadas nos diferentes países e contextos. Desde práticas mais voltadas para conflitos particulares, com menor participação comunitária com foco na relação entre as partes envolvidas no conflito e nas conseqüências do conflito para elas; até práticas mais abrangentes, com maior participação comunitária, nas quais o foco do processo restaurativo vai além do conflito concreto entre as partes, pois inclui a comunidade como um todo e busca as origens comunitárias dos conflitos, identificando os mais recorrentes e construindo uma cultura de diálogo e de pacificação.76

Além disso, essas diferentes práticas restaurativas, apesar de todas buscarem o diálogo entre as partes e chegarem a um acordo justo para todos, têm por referências diferentes bases filosóficas. Algumas têm o foco no atendimento às necessidades da vítima e à reparação do dano material e/ou moral causado, por

(34)

parte do ofensor; nessas costuma-se buscar que o ofensor explique-se e demonstre arrependimento. Outras têm o foco na relação de forma mais ampla: são consideradas as necessidades de todos participantes e, principalmente, dos diretamente envolvidos. Outras, ainda mais amplas, têm o foco na pacificação da comunidade e na construção de uma cultura de paz.

Froestad e Shearing diferenciam as práticas restaurativas em mediação vítima-infrator, reconciliação vítima-infrator, reunião restaurativa e círculo de emissão de sentença.77 Já Neto diferencia as práticas restaurativas apenas entre mediação vítima-infrator e câmaras restaurativas.78

Devido à diversidade de práticas vinculadas ao termo “Justiça Restaurativa”, Froestad e Shearing afirmam ser importante definir os valores fundamentais da Justiça Restaurativa, que são para estes autores, essencialmente, a não-dominação e o diálogo respeitoso.79

Apesar disso, podemos perceber que Neto, ao detalhar as diferentes práticas, ressalta a importância do arrependimento e mudança de comportamento do infrator.80 Além disso, percebemos que alguns autores que têm por base a

Vitimologia, apesar de valorizarem o espaço de diálogo e a interação pró-ativa das partes, destacam a importância dos efeitos normativos dos grupos na responsabilização do infrator.

Neto destaca que essas práticas são meios de “conferir às famílias e às comunidades autoridade suficiente para decidir o que fazer com seus jovens infratores, contando para isso com a participação das vítimas e de grupos de apoio.”.81

Destaca, ainda, que são práticas indicadas para casos de crianças e adolescentes com problemas de conduta, em que se visa autorizar a família, colocando-a em uma posição de poder e de condição de intervenção junto aos filhos, assim como as autoridades e os profissionais.

Contrapondo-se a esses aspectos, Froestad e Shearing ressaltam que os elementos relevantes para avaliar a capacidade restaurativa das práticas são: o grau de inclusão e engajamento dos interessados e a pluralidade de vozes; a ampliação

77 Froestad e Shearing (2005). 78 Neto (2004).

79

Froestad e Shearing (2005).

(35)

do olhar sobre o conflito, tratando de questões referentes à desigualdade social; e a redistribuição do poder e da tomada de decisão, do Estado para a comunidade.82

Concluindo, Froestad e Shearing destacam que a Justiça Restaurativa precisa de novas estratégias: focar a atenção na paz futura, mais do que na restauração ou re-integração; receber indicações de casos não somente pelo sistema criminal; estabelecer uma maior vinculação entre o atendimento de conflitos individuais e de problemas genéricos; possibilitar às comunidades as responsabilidades, os recursos e o controle das práticas restaurativas; e estabelecer regras e mecanismos de avaliação que garantam o respeito aos valores centrais da Justiça Restaurativa. Para estes autores, o modelo Zwelethemba de resolução de conflitos, que abordaremos a seguir, está de acordo com estes princípios e valores da Justiça Restaurativa.83

2. No contexto de São Caetano do Sul

Inicialmente, a técnica utilizada nos contextos jurídico e escolar em São Caetano do Sul teve por base a metodologia da Comunicação Não-Violenta. Entretanto, os profissionais responsáveis pelo projeto-piloto perceberam a necessidade de ampliar as práticas para o contexto comunitário e de incluir outras metodologias, pois a experiência lhes mostrou que diversos aspectos precisariam ser considerados (contexto, tipo de conflito, relações entre os envolvidos, etc.) para que o círculo restaurativo cumprisse sua função de restaurar as relações e de construção da paz. Os facilitadores foram, então, capacitados no modelo Zwelethemba sul-africano e começaram a utilizá-lo, principalmente no contexto comunitário.84

3. No contexto comunitário: o modelo Zwelethemba

Para Melo, os conflitos familiares e de vizinhança têm um aspecto cultural e estrutural que se destaca e, por isso, as soluções dos conflitos devem ser

82 Froestad e Shearing (2005) utilizam-se de argumentos de McCold (2000), Digman (2005), Van Ness (2002) e

Mika e Zehr (2003).

83 Froestad e Shearing (2005).

84

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