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Litigância estratégica em direitos sociais e a formação de decisões judiciais exequíveis no controle de políticas públicas

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL

GABRIELLE CARVALHO RIBEIRO

LITIGÂNCIA ESTRATÉGICA EM DIREITOS SOCIAIS E A FORMAÇÃO DE DECISÕES JUDICIAIS EXEQUÍVEIS NO CONTROLE DE POLÍTICAS PÚBLICAS

NATAL/RN 2017

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GABRIELLE CARVALHO RIBEIRO

LITIGÂNCIA ESTRATÉGICA EM DIREITOS SOCIAIS E A FORMAÇÃO DE DECISÕES JUDICIAIS EXEQUÍVEIS NO CONTROLE DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito Constitucional.

Orientadora: Prof.ª. Doutora Maria dos Remédios Fontes Silva

NATAL/RN 2017

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. - UFRN - Biblioteca Setorial do CCSA

Ribeiro, Gabrielle Carvalho.

Litigância estratégica em direitos sociais e a formação de decisões judiciais exequíveis no controle de políticas públicas / Gabrielle Carvalho Ribeiro. - 2017.

158f.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Direito, Natal, RN, 2017.

Orientador: Prof. Dra. Maria dos Remédios Fontes Silva.

1. Direitos sociais- Dissertação. 2. Efetividade - Dissertação. 3. Políticas públicas - Dissertação. 5. Litigância estratégica – Dissertação. I. Silva, Maria dos Remédios Fontes. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

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Litigância estratégica em direitos sociais e a formação de decisões judiciais exequíveis no controle de políticas públicas

Dissertação aprovada em 21 de dezembro de 2017.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________ Prof.ª. Doutora Maria dos Remédios Fontes Silva – Presidente

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

________________________________________________ Prof. Doutor Morton Luiz Faria de Medeiros – 1º Examinador

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

________________________________________________ Prof. Doutor Rosivaldo Toscano dos Santos Júnior – 2º Examinador

Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

Natal/RN 2017

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Aos meus pais, pelo amor incondicional e apoio em todas as atividades que me proponho a desempenhar.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus amados pais, Adriana e Ricardo, pelo apoio incondicional. A Camila, minha irmã, pela sua cumplicidade.

A Mateus, por ser meu grande companheiro nesta jornada.

À professora Maria dos Remédios Fontes Silva, por todas as lições trazidas ao longo do mestrado e pelas contribuições valorosas na formação deste trabalho.

A Naide Maria Pinheiro, por me incentivar a fazer a seleção do mestrado.

Aos amigos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, em especial os que integraram a turma ingressante de 2015, por terem tornado o Mestrado uma experiência leve e prazerosa.

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RESUMO

O reconhecimento, no Brasil, da legitimidade do Poder Judiciário de intervir no controle de políticas públicas sobreleva a preocupação com a efetividade dos atos decisórios. O trabalho ressalta que, dos anos 2000 até a atualidade, houve ampla evolução jurisprudencial no campo do controle judicial de políticas públicas. Aduz, no entanto, que o grande desafio não é mais obter uma decisão judicial, e sim assegurar a execução do ato decisório. A pesquisa tem por objetivo abordar a litigância estratégica em direitos sociais como instrumento voltado à formação de decisões judiciais exequíveis no controle de políticas públicas. Adota o método dedutivo, a abordagem qualitativa e a pesquisa aplicada e exploratória, valendo-se de estudo de caso e da pesquisa bibliográfica, incluindo a exploração da doutrina, legislação e decisões judiciais. Sustenta que o litigante estratégico deve pautar sua atuação a partir do conhecimento da violação ao direito social, mediante a escuta qualificada das vítimas; a identificação das metas e prioridades do gestor público e a análise de programa definido por conselho de políticas públicas. Destaca a importância da busca de soluções consensuais no curso da instrução dos procedimentos extrajudiciais, da escolha da via adequada para a litigância estratégica e do conhecimento do juízo que apreciará a causa. Explica que, na fase do processo de conhecimento, o litigante estratégico deve ter enfoque prospectivo na produção probatória, além de buscar a democratização do debate e soluções dialógicas e cooperativas. Evidencia a importância de se ponderar os impactos micropolíticos e macropolíticos da decisão judicial, analisando, ainda, os custos e bônus da demora da decisão e a preocupação com a inclusão da demanda em pauta de julgamento. Analisa caso paradigmático de litigância estratégica em direitos sociais: a gestão do sistema socioeducativo do Estado do Rio Grande do Norte frente à intervenção judicial na Fundação Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, buscando relacionar as etapas do caso com os momentos da litigância estratégica. Evidencia que, no cenário de desrespeito, por parte dos Poderes Executivo e Legislativo, da efetividade dos direitos sociais, ao lado da constatação de que a deficiência na execução de diversas políticas públicas pode decorrer de falhas estruturais, a litigância estratégica surge como instrumento vocacionado à formação de decisões judiciais exequíveis.

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ABSTRACT

The recognition in Brazil of the legitimacy of the Judiciary to intervene in the control of public policies raises the concern with the effectiveness of the decision-making acts. The study highlights that, from the years 2000 to the present, there was a wide jurisprudential evolution in the field of judicial control of public policies. It states, however, that the great challenge is no longer to obtain a judicial decision, but to ensure the enforcement of the decision-making act. The objective of the research is to approach strategic litigation in social rights as an instrument aimed at forming feasible judicial decisions in the control of public policies. It adopts the deductive method, the qualitative approach and the applied and exploratory research, using a case study and bibliographic research, including the exploration of doctrine, legislation and judicial decisions. It maintains that the strategic litigant must guide its action from the knowledge of the violation of the social right, through qualified listening of the victims; the identification of the goals and priorities of the public manager and the program analysis defined by the public policy council. It emphasizes the importance of seeking consensual solutions in the course of investigating extrajudicial procedures, choosing the appropriate route for strategic litigation, and knowing the judgment that will appreciate the cause. It explains that in the process of knowledge, the strategic litigant should have a prospective focus on probative production, in addition to seeking the democratization of debate and dialogical and cooperative solutions. It shows the importance of considering the micropolitical and macropolitical impacts of the judicial decision, also analyzing the costs and bonuses of the delay of the decision and the concern with the inclusion of the demand on the agenda. It analyzes the paradigmatic case of strategic litigation in social rights: the management of the socio-educational system of the State of Rio Grande do Norte in front of the judicial intervention in the Fundação Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, seeking to relate the stages of the case with the moments of strategic litigation. It shows that, in the context of the Executive and Legislative Branch's disrespect for the effectiveness of social rights, alongside the finding that deficiencies in the implementation of various public policies may stem from structural failures, strategic litigation emerges as an instrument for feasible judicial decisions.

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LISTA DE ABREVIATURAS

ACP – Ação Civil Pública

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental AI – Agravo de Instrumento

CAU - Conselho de Arquitetura e Urbanismo

CAOPIJF - Centro de Apoio às Promotorias de Defesa da Infância, Juventude e Família CDC – Código de Defesa do Consumidor

CEDUC – Centros Educacionais CF – Constituição Federal

CIAD – Centros Integrados de Atendimento

CMDCA – Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente CNJ – Conselho Nacional de Justiça

CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CPC – Código de Processo Civil

CPP – Código de Processo Penal

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

FUNDAC – Fundação Estadual da Criança e do Adolescente FUNPEN – Fundo Penitenciário Nacional

LDO _ Lei de Diretrizes Orçamentárias LOA – Lei Orçamentária Anual

OEA – Organização dos Estados Americanos OMS – Organização Mundial da Saúde ONU - Organização das Nações Unidas PPA – Plano Plurianual

RE – Recurso Extraordinário

RE-AGR - Agravo em Recurso Extraordinário RESP – Recurso Especial

SEAS – Sistema Socioeducativo Estadual

SEDH – Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

STA – Suspensão de Tutela Antecipada STF – Supremo Tribunal Federal

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STJ – Superior Tribunal de Justiça SUS – Sistema Único de Saúde

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 112

2 DIREITOS SOCIAIS: PREVISÃO NORMATIVA, O PROBLEMA DA EFETIVIDADE E AS POLÍTICAS PÚBLICAS ... 16

2.1DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS ... 16

2.2 O PROBLEMA DA EFETIVIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS ... 22

2.3 POLÍTICAS PÚBLICAS: INTERDISCIPLINARIDADE, CONCEITO E ETAPAS ... 29

3 POLÍTICAS PÚBLICAS E SEU CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO: PARÂMETROS JURISPRUDENCIAIS E DOUTRINÁRIOS ... 36

3.1 CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS E SUA EVOLUÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ... 36

3.2 PARÂMETROS DE CONTROLE DE POLÍTICAS PÚBLICAS FIXADOS PELO STF 50 3.3 CRITÉRIOS DOUTRINÁRIOS DE CONTROLE DE POLÍTICAS PÚBLICAS ... 52

4 LITIGÂNCIA ESTRATÉGICA EM DIREITOS SOCIAIS ... 57

4.1 O CAMPO JURÍDICO DE DISPUTA EM TORNO DOS CONFLITOS ESTRUTURAIS: REFERÊNCIA AO PENSAMENTO DE BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS... 57

4.2 A MUDANÇA DE ENFOQUE: A DIFICULDADE NA EXECUÇÃO DE DECISÕES JUDICIAIS PROLATADAS NO CONTROLE DE POLÍTICAS PÚBLICAS ... 62

4.3 LITIGÂNCIA ESTRATÉGICA EM DIREITOS HUMANOS ... 68

5 LITIGÂNCIA ESTRATÉGICA E A FASE PRÉ-PROCESSUAL ... 74

5.1 CONHECIMENTO DA VIOLAÇÃO AO DIREITO SOCIAL, MEDIANTE A ESCUTA QUALIFICADA DAS VÍTIMAS ... 74

5.2 IDENTIFICAÇÃO DAS METAS E PRIORIDADES DO GESTOR PÚBLICO ... 78

5.3 ANÁLISE DO PROGRAMA DEFINIDO POR CONSELHO DE POLÍTICA PÚBLICA ... 85

5.4 INSTRUÇÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS E A BUSCA DA SOLUÇÃO CONSENSUAL ... 97

5.5 ESCOLHA DA VIA ADEQUADA PARA A LITIGÂNCIA ESTRATÉGICA ... 99

5.6 CONHECIMENTO DO JUÍZO QUE APRECIARÁ A CAUSA ... 102

6 LITIGÂNCIA ESTRATÉGICA E O TRÂMITE DO PROCESSO JUDICIAL: DA FASE DE INSTRUÇÃO ATÉ O JULGAMENTO ... 103

6.1 PRODUÇÃO DE PROVAS E O ENFOQUE PROSPECTIVO ... 103

6.2 DEMOCRATIZAÇÃO DO DEBATE E A BUSCA DE SOLUÇÕES DIALÓGICAS E COOPERATIVAS ... 107

6.3 PONDERAÇÃO DE IMPACTOS MICROPOLÍTICOS E MACROPOLÍTICOS DA DECISÃO JUDICIAL ... 112

6.4 CUSTOS E BÔNUS DA DEMORA DA DECISÃO ... 118

6.5 INCLUSÃO DA DEMANDA EM PAUTA DE JULGAMENTO ... 122

7 LITIGÂNCIA ESTRATÉGICA E O SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE ... 125

(12)

7.1 O SISTEMA NACIONAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO ... 125

7.2 O CAOS DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE: IDENTIFICAÇÃO DE FALHA ESTRUTURAL ... 127

7.3 PRIMEIRA ETAPA: ATUAÇÕES FRAGMENTADAS EM CADA UMA DAS COMARCAS AONDE SE SITUAVAM AS UNIDADES SOCIOEDUCATIVAS ... 131

7.3.1 A Comarca de Natal: o CEDUC Nazaré e o CIAD Natal ... 131

7.3.2 Comarca de Parnamirim/RN: o CEDUC Pitimbu ... 133

7.3.3 Comarca de Caicó: o Ceduc Seridoense ... 135

7.3.4 Comarca de Mossoró: o CIAD Mossoró, o CEDUC Mossoró e o CEDUC Santa Delmira ... 136

7.4 LITIGÂNCIA ESTRATÉGICA A PARTIR DA INTERVENÇÃO JUDICIAL NA FUNDAC ... 137

7.4.1 Litigância estratégica e o momento anterior à propositura da ação judicial ... 137

7.4.2 Litigância estratégica e o trâmite da ação judicial de controle da política pública ... 140

8 CONCLUSÃO ... 144

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1 INTRODUÇÃO

No período de redemocratização brasileira, cujos marcos foram o fim da Ditadura Militar e a promulgação da Constituição Federal de 1988, houve diversas mudanças no campo da atuação dos juízes e tribunais. Destaca-se, nesse contexto, a postura mais ativista, ancorada na força normativa da Constituição, que culminou com a aceitação e com a fixação de critérios para o controle jurisdicional de políticas públicas. No âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), essa tendência é mais significativa a partir dos anos 2000.

Paralelamente, repercutiram, na esfera acadêmica, diversos trabalhos voltados ao estudo do controle judicial de políticas públicas, os quais buscaram enfrentar, precipuamente, a legitimidade do Poder Judiciário para intervir na esfera dos Poderes Executivo e Legislativo. Assim, diversos assuntos se tornaram pauta do dia: força normativa da Constituição; expansão da jurisdição constitucional; efetividade dos direitos sociais; dificuldade contramajoritária dos juízes e tribunais; princípio da Separação dos Poderes; ativismo judicial; mínimo existencial e reserva do possível.

No entanto, dos anos 2000 até a atualidade, constata-se, à luz da jurisprudência do STF, a consolidação de critérios aptos a legitimar o controle jurisdicional de políticas públicas. Se, antes, o problema era viabilizar a atuação dos magistrados, atualmente, percebe-se o deslocamento do enfoque para a efetividade dos atos decisórios, sobretudo quando percebe-se está diante de problemas estruturais.

Por isso, a mudança de paradigma operada pelo controle jurisdicional de políticas públicas traz como consequência a ampliação do compromisso e da responsabilidade do Poder Judiciário em ofertar soluções efetivas para a execução e cumprimento das obrigações por ele reconhecidas.

Ocorre que, quando se pensa na efetividade apenas após a prolação dos atos decisórios e, sobretudo, após o trânsito em julgado, corre-se o risco de não se obter êxito na execução, haja vista a complexidade das demandas, as quais envolvem, comumente, óbices orçamentários, dificuldades procedimentais e o risco, sob o enfoque macropolítico, de a decisão judicial impactar negativamente o próprio planejamento do Poder Executivo.

Nesse cenário, o presente trabalho, em recorte temático, versará sobre a litigância estratégica em direitos sociais, nas fases pré-processual e no processo de conhecimento, apresentando aspectos que devem ser observados para a formação de decisões judiciais exequíveis no controle de políticas públicas.

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empírica do estudo da litigância estratégica em direitos sociais como instrumento para a formação de decisões judiciais exequíveis no controle de políticas públicas, sobretudo quando se está diante de falhas estruturais.

Observa-se que o estudo da litigância estratégica em direitos humanos ainda se opera de forma incipiente na doutrina brasileira, atrelando-se, em geral, a palestras, seminários e seleções de práticas exitosas por parte de instituições representativas da sociedade civil, como o Fundo Brasil de Direitos Humanos, e instituições essenciais à função jurisdicional do Estado, como as Defensorias Públicas. Por isso, a sistematização de informações trazida neste trabalho pretende contribuir para a melhor compreensão do tema e para o estímulo da sua prática.

A presente pesquisa adotará o método dedutivo. Quanto à abordagem, será qualitativa. Quanto à natureza, será pesquisa aplicada, pois objetiva gerar conhecimentos para a aplicação prática, dirigidos ao problema da execução de decisões judiciais prolatadas no controle de políticas públicas. No que tange aos objetivos, trata-se de pesquisa exploratória, na medida em que realiza revisão bibliográfica e análise de exemplos que estimulam a compreensão. Já em relação aos procedimentos, o trabalho envolve pesquisa bibliográfica de doutrinadores nacionais e internacionais; documental, no que diz respeito à análise dos inquéritos civis, recomendações e compromissos de ajustamento de conduta; jurisprudencial, sobretudo das decisões do STF, e estudo de caso.

A primeira parte do trabalho (Capítulo 2) terá por desígnio contextualizar o problema. Para tanto, versará sobre o conceito de direitos fundamentais sociais, sobre o conceito e características das políticas públicas e sobre o problema da efetividade dos direitos de segunda dimensão.

O Capítulo 3, por sua vez, abordará o controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário, a partir da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A metodologia empregada será a pesquisa de jurisprudência no portal eletrônico do STF, tendo, como termo final, o mês de agosto de 2017. Das decisões encontradas, foram selecionados, para a exposição, casos que envolvem a concretização de direitos sociais mediante o dispêndio de recursos públicos. Foram excluídas as decisões relacionadas a direitos trabalhistas, previdenciários, eleitorais e políticas afirmativas (cotas raciais e sociais em universidades públicas).

Nessa perspectiva, serão abordados: a arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 45; a tutela do direito à saúde e a racionalização das decisões judiciais; o acesso à educação e a determinação de matrícula em creche e pré-escola; o sistema prisional e o reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional; a ampliação e estruturação da

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Defensoria Pública; o controle de políticas públicas sob o prisma do princípio da precaução e, finalmente, o controle de lei orçamentária, à luz do caso concreto de controle do orçamento da Justiça do Trabalho.

Após essa digressão, serão sintetizados os parâmetros de controle de políticas públicas fixados pelo STF. De modo complementar, serão apresentados os critérios de controle de políticas públicas apontados por expoentes doutrinários.

Ao adentrar no Capítulo 4, será trazido o problema da dificuldade na execução de decisões judiciais prolatadas no controle de políticas públicas, evidenciando que, para que a fase de execução seja exitosa, será necessário retroceder e se pensar, estrategicamente, os momentos anteriores, vale dizer, a fase pré-processual e a fase do processo de conhecimento. Adentrar-se-á, assim, na litigância estratégica em direitos humanos, mecanismo de utilização do Direito por entidades representativas da sociedade civil e instituições essenciais à função jurisdicional do Estado, como instrumento de transformações sociais, a partir da provocação do Poder Judiciário, de preferência, mas não exclusivamente, com vistas à prolação de decisões judiciais favoráveis.

Nessa perspectiva, será abordada, propriamente, a litigância estratégica e suas múltiplas faces (dentre elas a litigância estratégica em direitos sociais), bem como os seus diversos momentos: o da identificação do contexto fático (fase pré-processual); o do trâmite do processo judicial (da fase de instrução até o julgamento) e o do cumprimento da decisão judicial. Esse último momento não será foco direto deste trabalho.

Será tecida, contudo, uma importante advertência: cada caso concreto tem as suas peculiaridades e revela um histórico de lutas, retrocessos e conquistas, de modo que não existe uma fórmula única ou uma espécie de receita que se aplique, indistintamente, a todos os casos de litigância estratégica. Critérios e parâmetros de atuação que funcionam para um caso podem não produzir resultados positivos em outro. Entretanto, o conhecimento das suas principais nuances, à luz dos momentos da litigância estratégica, mostra-se fundamental para a formação de decisões judiciais exequíveis no controle de políticas públicas.

Em continuidade, no Capítulo 5, será estudada a litigância estratégica e o momento anterior à propositura da ação judicial, realçando-se a importância do conhecimento do contexto fático. Para tanto, serão abordadas as preocupações acerca do conhecimento da violação ao direito social, a partir da escuta qualificada das vítimas; da identificação das metas e prioridades do gestor público; da análise dos programas definidos por conselhos de políticas públicas; da instrução adequada dos procedimentos extrajudiciais de investigação da violação de direitos, a exemplo dos Inquéritos Civis (na realidade dos Ministérios Públicos

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dos Estados e da União) e dos Procedimentos Preparatórios de Demandas Coletivas (no caso das Defensorias Públicas dos Estados e da União), ou, ainda, das provas que serão levadas ao processo judicial (em se tratando de organizações representativas da sociedade civil); da identificação da via adequada para a litigância estratégica e da necessidade de se conhecer o provável juízo que apreciará a causa.

No Capítulo 6, será traçado o estudo da litigância estratégica no curso da ação judicial, da fase de instrução processual até o julgamento. Nesse viés, serão abordadas as preocupações com a ampliação do conhecimento dos fatos, mediante a produção de provas; a democratização do debate e busca de soluções dialógicas e cooperativas do problema; a ponderação dos impactos micropolíticos e macropolíticos de uma futura decisão judicial; os questionamentos em torno dos custos e bônus da demora de uma decisão, assim como a busca de inclusão da demanda em pauta de julgamento.

Ao final, será apresentado caso paradigmático de litigância estratégica: a gestão do sistema socioeducativo do Estado do Rio Grande do Norte, mais especificamente das unidades socioeducativas de internação e de semiliberdade voltadas a adolescentes em conflito com a lei. Para tanto, será analisada a atuação do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, principalmente da 21ª Promotoria de Justiça da Comarca de Natal, mostrando-se, inicialmente, o cenário dessa política pública, a ingerência política na Fundação Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, as tentativas extrajudiciais de solução do problema e, finalmente, as principais nuances das ações judiciais pautadas na litigância estratégica em direitos sociais.

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2 DIREITOS SOCIAIS: PREVISÃO NORMATIVA, O PROBLEMA DA EFETIVIDADE E AS POLÍTICAS PÚBLICAS

No presente Capítulo, por se tratar da primeira parte do trabalho, haverá breve apanhado da doutrina que trata dos direitos sociais e da discussão em torno da efetividade desses direitos, abrindo-se espaço, também, para a abordagem das políticas públicas.

O objetivo não é aprofundar ideias incontroversas ou amplamente aceitas, e sim contextualizar o problema, para que, nos capítulos seguintes, torne-se possível o estudo da litigância estratégica em direitos sociais, expondo-se medidas para a construção de decisões judiciais exequíveis no controle de políticas públicas.1

Por isso, em atenção à crítica trazida por Thiago dos Santos Acca2, alguns fatos

e afirmações serão tomados como pontos de partida: o Brasil é um país socialmente desigual; os direitos sociais são bens relevantes para os indivíduos; os direitos sociais são respostas para essa desigualdade; a previsão de leis e normas constitucionais não basta para oferecer soluções para a desigualdade social; para se debater direitos sociais, é necessário identificar problemas fáticos e traçar proposições.

É dessa perspectiva que se partirá para a elucidação da litigância estratégica nas fases pré-processual e do processo de conhecimento, entendendo-se que, atualmente, um dos grandes problemas que atinge o Judiciário e que dialoga diretamente com a falta de efetividade dos direitos sociais é a dificuldade na execução de sentenças e acórdãos prolatados no controle de políticas públicas.

2.1DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

Segundo Jellinek, os direitos fundamentais podem ser classificados a partir de status. Os direitos de status negativus ou de resistência resguardam o indivíduo contra a intervenção estatal, trazendo limitações à atuação do Estado. Os direitos de status ativo são os direitos políticos, os quais se voltam à garantia da participação dos indivíduos nos processos decisórios do Estado. Já os direitos de status positivus, também identificados como prestacionais, compreendem os direitos sociais, cujo traço característico é a garantia de

1

Para as finalidades deste trabalho, ao se falar em Sistema de Justiça, far-se-á alusão, especialmente, à atuação do Poder Judiciário no controle de políticas públicas e na concretização dos direitos sociais, bem como à atuação de instituições legitimadas à defesa dos direitos sociais, em especial a Defensoria Pública e o Ministério Público. 2ACCA, Thiago dos Santos. Uma análise da doutrina brasileira dos direitos sociais: saúde, educação e moradia entre os anos de 1964 e 2006. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. p. 153 - 154.

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pressupostos materiais necessários ao exercício das liberdades.3

À luz dessa classificação, passa-se a centrar a abordagem, propriamente, nos direitos fundamentais sociais – também identificados como direitos econômicos e culturais -, os quais serão abordados à luz da Constituição Federal de 1988, com foco exclusivamente na realidade brasileira.

Topograficamente, a Constituição da República de 1988 inovou ao enquadrar, no Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), o Capítulo II, referente aos direitos sociais (art. 6º ao art. 11). A Assembleia Nacional Constituinte fez uso de técnica singular, a qual permite concluir, em sintonia com Flávia Piovesan, que não há direitos fundamentais sem que os direitos sociais sejam respeitados4. Abraçou-se, pois, o princípio da

indivisibilidade e da interdependência dos direitos fundamentais, conjugando-se o valor liberdade com o valor igualdade.5

De forma exemplificativa, o art. 6º da Constituição determina que são direitos sociais: a educação; a saúde; a alimentação; o trabalho; a moradia; o transporte; o lazer; a segurança; a previdência social; a proteção à maternidade e à infância; a assistência aos desamparados (redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015). O art. 7º, por sua vez, trata dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais. O art. 8º, sobre o direito à livre associação profissional e sindical. O art. 9º, sobre o direito de greve, ao passo que os arts. 10 e 11 também se centram nos direitos dos trabalhadores.

A mesma Constituição também se dedica a pormenorizar alguns desses direitos, dedicando-se ao tema da Política Urbana (Título VII, Capítulo II); da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária (Título VII, Capítulo III); e da Ordem Social (Título VIII), nela compreendidas a Seguridade Social (Previdência Social, Saúde e Assistência Social); a Educação; a Cultura; o Desporto; a Ciência, Tecnologia e Inovação; a Comunicação Social; o Meio Ambiente e os direitos da família, da criança, do adolescente, do jovem, do idoso e dos índios.

Na doutrina, o conceito de direitos sociais de José Afonso da Silva é muito utilizado e reproduzido. Para ele, os direitos sociais são prestações positivas decorrentes das normas constitucionais, ofertadas pelo Estado, seja de forma direta ou mesmo indireta, com vistas a possibilitar melhores condições de vida aos mais vulneráveis, promovendo-se, com

3 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 50-54.

4 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 90.

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isso, a igualização de situações sociais desiguais.6 Acrescenta, ainda, que os direitos sociais

valem como pressuposto do gozo dos direitos individuais, pois criam condições materiais mais favoráveis à concretização da igualdade real, proporcionando-se, assim, situação mais compatível com o efetivo exercício da liberdade.7

Os principais elementos desse conceito são: (I) a identificação dos direitos sociais como prestações positivas do Estado, ou seja, situações que demandam uma atuação do Poder Público; (II) a possibilidade de essas prestações positivas serem realizadas direta ou indiretamente pelo Estado; (III) a previsão dos direitos sociais em normas constitucionais; (IV) os direitos sociais como pressupostos do gozo dos diretos individuais.

Quando se fala em prestação direta ou indireta, é interessante se reportar ao art. 175 da Constituição Federal, o qual aduz que a prestação dos serviços públicos se caracteriza como uma obrigação do Estado, incumbindo ao Poder Público exercê-la, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão. Nessa última hipótese, o dispositivo constitucional em referência torna obrigatória a licitação para que haja a efetiva pactuação do contrato administrativo, sendo a Administração Pública responsável por transferir, ao particular, a execução do serviço, mas não a titularidade. Registre-se, ainda, a possibilidade de o serviço público (titularidade e execução) ser transferido, mediante outorga, a outros entes da Administração Pública, o que se instrumentaliza por lei.

Nessa tônica, observam-se três situações peculiares: a primeira é a da prestação direta do serviço pelo Poder Público (entidades da Administração Direta e Indireta), a qual se caracteriza como serviço público; a segunda é a da prestação por pessoas jurídicas de direito privado, mediante concessão ou permissão (também caracterizada como serviço público); e a terceira é a prestação de serviços pelo Terceiro Setor (atividade estatal de fomento, a qual caracteriza o serviço como sendo de interesse social/público).

Sobre a previsão dos direitos sociais em normas constitucionais, afora a digressão trazida no início deste tópico, não se pode olvidar a concepção de bloco de constitucionalidade, a qual se atrela à abertura trazida pelos parágrafos 2º e 3º do art. 5º da Constituição Federal. Tais dispositivos determinam, respectivamente, que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, e que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que

6

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 39ª ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 285 – 286.

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forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.8

Nesse prisma, observa-se a existência de direitos sociais expressos na Constituição, ao lado de direitos sociais que decorrem do regime jurídico, dos princípios e dos tratados internacionais de direitos humanos de que o Brasil é parte. Inclusive, como bem alertam Gilson Fernando da Silva e Alisson Magela Moreira Damasceno, tais tratados internacionais, quando aprovados por maioria simples do Congresso Nacional, sob o rito do art. 49, I, da CF, integram o bloco de constitucionalidade material, com a consequente ampliação do rol de direitos e garantias fundamentais; por sua vez, quando aprovados sob o rito do §3º do art. 5º da CF, além de materialmente constitucionais, passam, também, a serem formalmente constitucionais.9

Outra definição relevante – a qual agrega novos elementos ao conceito de José Afonso da Silva – é a de José Costa, para quem os direitos sociais significam a pretensão jurídica subjetiva, seja ela individual ou coletiva, a uma intervenção ativa do Estado, no desígnio de se obter uma prestação ou uma regulamentação protetora.10 O termo

regulamentação protetora, por ele empregado, remete à ideia de políticas públicas. Outro destaque do seu conceito é a percepção de que os direitos sociais podem ser vistos como pretensões jurídicas tanto individuais, como coletivas.

Não obstante os dois conceitos anteriores tenham enfatizado o perfil prestacional dos direitos sociais, Ingo Sarlet agrega nova característica a esse grupo de direitos: a possibilidade de os direitos sociais assegurarem e protegerem um espaço de liberdade do indivíduo em relação ao Estado (característica própria dos direitos de status negativo).

Segundo Sarlet, o qualificativo de social não está exclusivamente vinculado à atuação positiva do Estado na promoção e na garantia de proteção e segurança social, o que acabaria remetendo ao problema do conteúdo dos direitos sociais e a sua própria

8 Para aprofundar o estudo sobre o tema bloco de constitucionalidade, indica-se: VARGAS, Angelo Miguel de Souza. O bloco de constitucionalidade: reconhecimento e consequências no sistema constitucional brasileiro. São Paulo, PUC, 2007. 204p. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007.

9 DAMASCENO, Alisson Magela Moreira; SILVA, Gilson Fernando da. O impacto da Declaração Universal

dos Direitos Humanos de 1948 na ordem jurídica nacional e os tratados internacionais de direitos humanos à luz da Constituição brasileira. In: Congresso Nacional do CONPEDI, 25, 2016, Curitiba. Anais.

Curitiba: CONPEDI, 2016, p. 73-74. Disponível em: < https://www.conpedi.org.br/publicacoes/02q8agmu/04122af6/Ev3857O9pT84lHf5.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2017.

10

COSTA, José Rubens. O mandado de injunção como norma garantidora dos direitos sociais. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Mandados de Segurança e de injunção: estudos de direito processual-constitucional em memória de Ronaldo Cunha Campos. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 433.

(21)

fundamentalidade.11 Isso porque, segundo sua concepção, também são sociais direitos que asseguram e protegem um espaço de liberdade ou mesmo dizem respeito à proteção de determinados bens jurídicos para segmentos da sociedade mais vulneráveis em face do poder estatal, como demonstram justamente os direitos dos trabalhadores.12

Mesmo com essa ponderação, em trabalho atual, Ingo Sarlet e Giovani Agostini Saavedra esclarecem que, em regra, os direitos sociais têm por objeto prestações do Estado diretamente vinculadas à destinação, distribuição, redistribuição e criação de bens materiais, fato que ressalta a sua dimensão economicamente relevante13. Nessa dimensão econômica, asseveram que a problemática dos direitos fundamentais sociais reside na efetiva disponibilidade do seu objeto, vale dizer, se o destinatário da norma se encontra em condições de dispor da prestação reclamada, verificando-se, na limitação dos recursos, o perímetro fático à efetivação desses direitos.14

Aliás, os mesmos doutrinadores distinguem a disponibilidade efetiva de recursos da possibilidade jurídica de sua disposição: a primeira se refere à existência material de recursos financeiros, ao passo que a segunda diz respeito ao poder de o Estado dispor desses recursos. Nessa conjuntura, a expressão “reserva do possível” deve ser compreendida em sentido amplo, abrangendo tanto a possibilidade, quanto o poder de disposição de recursos por parte do destinatário da norma.15

Não obstante as críticas que recaem sobre a aplicação do conceito alemão de reserva do possível ao Brasil, do caso numerus clausus, apreciado, de forma paradigmática, pela Corte Constitucional Federal Alemã, extrai-se a noção de que a prestação reclamada do Poder Público deve corresponder ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade. Assim, mesmo que o Estado tenha materialmente os recursos e tenha o poder de sua disposição, não se pode falar em obrigação de prestar algo que extrapole os limites do razoável.16 Essa premissa, inclusive, encontra assento na jurisprudência do STF, como será detalhado no próximo capítulo.

Melhor pormenorizando o aspecto prestacional dos direitos sociais e os limites

11

SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Sociais como Direitos Fundamentais: contributo para um balanço aos vinte anos da Constituição Federal de 1988, Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica. 20 Anos de Constitucionalismo Democrático – E Agora? Porto Alegre – Belo Horizonte, 2008, p. 194- 197.

12

Ibidem, p. 194- 197. 13

SARLET, Ingo Wolfgang. SAAVEDRA, Giovani Agostini. Judicialização, reservado possível e compliance na área da saúde. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abril. 2017.

14

Ibidem, p. 260. 15 Ibidem, p. 261. 16 Ibidem, p. 261.

(22)

impostos pela reserva do possível, Sarlet aduz que essa última apresenta uma tríplice dimensão. Num primeiro plano, a reserva do possível abarca a real disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais. Em segundo enfoque, compreende a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, isto é, a distribuição de receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, equacionando-as com o sistema constitucional federativo. A terceira dimensão, por fim, é o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no quesito exigibilidade, e também a questão da razoabilidade.17

Naide Maria Pinheiro, por sua vez, conceitua direitos sociais como os direitos do indivíduo de obter do Estado um agir voltado ao atendimento de suas necessidades básicas, acrescentando, ainda, que essas necessidades só serão supridas se houver capacidade financeira, por parte do Estado, para tornar factíveis as prestações positivas dele reclamadas.18

Já Carla Amico, ao abordar a temática dos direitos sociais, apregoa que várias são as suas possibilidades de positivação jurídico-constitucional: (I) como normas programáticas, ao imporem princípios, compromissos e programas de ação, de modo a orientar e vincular os órgãos estatais na atuação legislativa, executiva, jurisdicional e administrativa; (II) como normas de organização atributivas de competência, ao estruturarem organicamente as instituições para o desenvolvimento de políticas sociais ativas; (III) como garantia institucional, ao exigirem a edição de medidas concretas e determinadas que possam viabilizar a materialização dos direitos econômicos, sociais e culturais; e (IV) como direito subjetivo público, ao possibilitarem que se exija, do Estado, o dever de criar condições materiais para o efetivo exercício do direito pelo indivíduo, e não apenas a produção de políticas públicas.19

Frente ao exposto, passa-se a tecer o conceito de direitos sociais que será utilizado no presente trabalho: direitos sociais são direitos subjetivos impostos por normas constitucionais, seja de forma expressa ou por intermédio do bloco de constitucionalidade material e/ou formal, que implicam, em regra, o dever do Estado de ofertar prestações positivas, seja de forma direta, indireta, ou mediante regulamentação protetora, com vistas à destinação, distribuição, redistribuição e criação de bens materiais aptos a promover a

17 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 12. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.

18

PINHEIRO, Naide Maria. Autonomia da vontade da pessoa idosa: uma abordagem sob a perspectiva da observância do mínimo essencial. 2016. 188f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016, p. 142 - 144.

19

AMICO, Carla Campos. Direitos fundamentais sociais e orçamento público: das escolhas político-administrativas ao controle de constitucionalidade concentrado. 2016. 197f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016, p. 24.

(23)

igualização de situações sociais desiguais, possibilitando, por conseguinte, que os indivíduos usufruam da liberdade.

2.2 O PROBLEMA DA EFETIVIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS

A falta de efetividade dos direitos sociais é realidade estampada no cotidiano da grande parcela da população brasileira, de modo que o Poder Judiciário passa a assumir o papel de corresponsável pela realização de políticas públicas.20 Por isso, no presente tópico se

buscará expor referenciais teóricos acerca do assunto, criando-se terreno fértil para se tratar a problemática, mais adiante, de uma perspectiva mais prática, à luz da litigância estratégica em direitos sociais.

No contexto normativo da Constituição Federal de 1988, verifica-se que, além do amplo catálogo de direitos fundamentais sociais previstos expressa e implicitamente, o § 1º do art. 5º da Constituição determina que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

Tal dispositivo fomentou (e ainda acirra) discussões teóricas, as quais, paulatinamente, foram ganhando repercussão nas sessões de julgamento e, consequentemente, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF). Dentre os principais assuntos em debate, destacam-se: Pós-Positivismo; Neoconstitucionalismo; força normativa da Constituição Federal; mínimo existencial; teoria da reserva do possível; dificuldade contramajoritária de juízes e tribunais; ativismo judicial. Esses assuntos, contudo, não serão foco direto deste trabalho.

Carla Amico, ao tratar do citado § 1º do art. 5º da Constituição Federal de 1988, aponta diversos óbices à sua implementação. No campo metódico e metodológico, adverte que os preceitos consagradores dos direitos sociais são veiculados em imposições constitucionais vagas e indeterminadas, as quais, muitas vezes, dependem da atuação do legislador ou dos demais órgãos concretizadores. Questiona, para exemplificar, qual o conteúdo da saúde? Qual o conteúdo da educação? De modo complementar, ressalta que, justamente diante do conteúdo aberto, é no âmbito das políticas públicas que mais se encontram distorções e arbitrariedades na discricionariedade administrativa, a legitimar o

20 ARAÚJO, Marina Fagundes de; FREITAS, Fernando Rodrigues de. É possível a judicialização de políticas

públicas?. In: Congresso Nacional do CONPEDI, 26, 2017, Brasília. Anais. Brasília: COMPEDI, 2017, p. 27.

Disponível em: <https://www.conpedi.org.br/publicacoes/roj0xn13/z73o8t52/AeHu68hP0tp9YK1r.pdf>. Acesso em: 18 out. 2017.

(24)

controle judicial.21

Já no plano jurídico-dogmático, Carla Amico colaciona o óbice, ao qual dirige críticas, de que as normas atinentes aos direitos fundamentais sociais são programáticas, de alto grau de abstração e de abrangência apta a permitir que a decisão administrativa fique ao alvedrio da conveniência e oportunidade dos Poderes Executivo e Legislativo.22

Já no plano político-constitucional, refere-se ao argumento de que o Poder Executivo se vale da sua dependência aos recursos financeiros, já severamente comprometidos com a manutenção de serviços públicos e com o pagamento de dívidas públicas, como forma de retardar a concretização dos direitos fundamentais sociais.23 No

entanto, reflete que o Estado não pode depender da existência de caixas cheios, sob pena de sua eficácia ser reduzida a zero, ou, diante de situações de escassez de recursos, conferir privilégio à concretização de direitos que não estão atrelados ao mínimo existencial. Justamente por isso que as estratégias de políticas relativas aos gastos públicos exigem racionalização técnica e planejamento eficiente, voltado ao atendimento das prioridades constitucionais, de forma a atender ao maior número de necessitados.24

Tangenciando o tema da efetividade dos direitos sociais, Clèmerson Merlin Clève crava a sua abordagem na dogmática constitucional emancipatória, contrapondo-a à dogmática da razão do Estado, as quais se alinham à transição do Constitucionalismo Liberal para o Neoconstitucionalismo.25 Para o autor, enquanto a dogmática da razão do Estado se

respalda na centralidade do Estado e no consequente estudo da normatividade do espaço político, a dogmática constitucional emancipatória toma como premissa uma hermenêutica constitucional focada na ideia de dignidade da pessoa humana, como ora se defende amplamente nos mais diversos segmentos jurídicos.26

Propõe-se, assim, que a interpretação das normas constitucionais seja

21 AMICO, Carla Campos. Direitos fundamentais sociais e orçamento público: das escolhas político-administrativas ao controle de constitucionalidade concentrado. 2016. 197f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016, p. 30 – 31. 22

Ibidem, p. 31. 23Ibidem, p. 34. 24 Ibidem, p. 37.

25 É imprescindível esclarecer que importantes vozes doutrinárias questionam a existência do neoconstitucionalismo, ou propõem a ideia de repensá-lo, sustentando que uma supervalorização da Constituição pode promover, silenciosamente, a sua desvalorização. A esse respeito, indica-se a leitura das seguintes obras: ÁVILA, Humberto. “Neoconstitucionalismo”: entre a “Ciência do Direito” e o “Direito da Ciência”. In: Revista

Eletrônica do Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 17,

jan./fev./mar., 2009. STRECK, Lenio Luiz. Contra o Neoconstitucionalismo. Constituição, Economia e

Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Curitiba, nº. 4, jan./jun., 2011,

p. 9 – 27. DIMOULIS, Dimitri. Neoconstitucionalismo e moralismo jurídico. In: SARMENTO, Daniel (Org.).

Filosofia e Teoria Constitucional Contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 213-225.

26CLÈVE, Clèmerson Merlin. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. Boletim Científico, Brasília, ano II, n. 08, jul. - set. 2003, p. 151.

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prospectiva, atentando-se à vedação do retrocesso social. Fomenta-se a ideia de que os princípios constitucionais, ao lado dos objetivos e direitos fundamentais, devem ser dados inscritos na realidade existencial.27

Paulo Bonavides, atento a essa conjuntura, preceitua que o dedutivismo típico do positivismo formalista original impedia o reconhecimento da normatividade da Constituição, o que redundava na restrição do conteúdo principiológico à categoria de programaticidade, destituída, portanto, de juridicidade.28

Apesar de remanescer, na Constituição, a existência de normas de caráter programático, reconhece-se a possibilidade de se pleitear judicialmente a prestação direta – mesmo com a falta de regulamentação infraconstitucional e/ou com a ausência ou insuficiência da política pública correlata - de direito assegurado constitucionalmente. Isso decorre da visão topográfica dos direitos sociais na Constituição de 1988.

Luís Roberto Barroso fala, assim, em doutrina brasileira da efetividade, como sendo o movimento jurídico-acadêmico que não apenas elaborou as categorias dogmáticas da normatividade constitucional, mas também colaborou para a superação de crônicas disfunções da formação nacional, insculpidas na insinceridade normativa. Sua essência é, assim, tornar as normas constitucionais aplicáveis direta e imediatamente, na extensão máxima da sua densidade normativa, já que dotadas de imperatividade.29

Não se pode olvidar, nesse contexto, que o próprio art. 5º, §1º, da CF, ao assegurar que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, não aloca em regimes distintos os direitos de defesa e os direitos prestacionais, não obstante esses últimos estejam atrelados, em regra, a uma manifestação legislativa e material do Estado.

Nesse contexto, Sérgio Resende de Barros sustenta que, mesmo antes dessa manifestação legislativa e material, os princípios programáticos, como toda norma programática, já têm eficácia para revogar atos anteriores e fundar a inconstitucionalidade de atos posteriores que com ele colidirem, além de assegurarem direito de ação e justificarem decisões judiciais contra tais atos colidentes.30

27CLÈVE, Clèmerson Merlin. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. Boletim Científico, Brasília, ano II, n. 08, jul. - set. 2003, p. 151 – 152.

28 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 31ª ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 535. 29

BARROSO, Luis Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento de medicamentos e parâmetros para atuação judicial. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Org.). Direitos Sociais: Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em Espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 15.

30 BARROS, Sérgio Resende de. Políticas Públicas e o Poder Judiciário. Revista Brasileira de Políticas

(26)

Com efeito, a tese da indivisibilidade dos direitos fundamentais – sejam eles de defesa ou prestacionais - peca ao não reconhecer que os referidos direitos decorrem de estruturas de execução/implementação distintas. Afinal, o cumprimento dos direitos de segunda dimensão implica, em regra, uma caminhada progressiva sempre dependente do ambiente social, do grau de riqueza da sociedade, bem como da eficiência e elasticidade dos instrumentos de expropriação e alocação de recursos.31

Torna-se relevante, pois, elencar as preocupações arguidas por Ricardo Lobo Torres, defensor da ideia de que normas constitucionais sobre direitos econômicos, culturais e sociais são meramente programáticas, condição na qual se tornam dependentes da concessão do legislador, ainda que esta seja orçamentária.32

Para ele, a tese da indivisibilidade dos direitos sociais chega a alguns impasses: não soluciona o problema da eficácia dos direitos sociais sem a intermediação do legislador; banaliza a temática dos direitos de liberdade sem fortalecer o dos direitos da justiça; ampara-se na ideia de “justiça social”, a qual pleiteia a distribuição da riqueza social entre clasampara-ses, mas não leva à adjudicação de parcelas dessa riqueza a indivíduos concretos; tenta substituir as políticas públicas pela subsunção no processo judicial;33 prejudica a dimensão

reivindicatória da cidadania e busca, finalmente, a própria quadratura do círculo. 34

Fixados esses impasses, impende salientar que grande parcela deles se pacifica quando se tem em mira que as políticas públicas podem conviver, em casos específicos, com direitos subjetivos públicos, considerados reflexos às policies.35

Acerca da temática, Marcus Aurélio de Freitas Barros preleciona que, antes de implementados, os programas estatais não geram, em princípio, direitos subjetivos imediatos, em especial porque o acompanhamento de políticas públicas demanda, precipuamente, ação coletiva, e não individual. Sustenta que nem a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais refuta tal ideia, já que o art. 5º, §1º, da CF, traduz-se em um mandado de otimização pelo qual se instrumentaliza o dever de observância da máxima efetividade

31

CLÈVE, Clèmerson Merlin. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. Boletim Científico, Brasília, ano II, n. 08, jul. - set. 2003, p. 154.

32

TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial, os direitos sociais e os desafios de natureza orçamentária. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Orgs). Direitos fundamentais, orçamento e reserva do

possível. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 67.

33 Ibidem, p. 67. 34

A expressão Quadratura do Círculo, sustentada pelo autor, é de autoria de Michel Villey, significando o sonho de reconciliar os direitos do homem de 1789 com os direitos sociais e econômicos.

(27)

possível dos direitos fundamentais.36

Não obstante isso imponha o desenvolvimento de políticas públicas, prestigiando-se o entendimento de que a pretensão do cidadão é, em regra, a estas, e não à adjudicação individual de bens públicos, enaltece-se o imperativo de se reconhecer que direitos sociais também podem se efetivar através da previsão de verdadeiros direitos subjetivos que, por dizerem respeito à mesma temática, são considerados reflexos aos programas estatais.37

Clèmerson Merlin Clève utiliza conceitos correlatos ao de direitos reflexos aos programas estatais, arguindo que, no rol do art. 6º da CF, encontram-se direitos prestacionais originários e direitos prestacionais derivados. Segundo ele, os direitos prestacionais originários são aqueles que implicam a criação de situações subjetivas de vantagem, razão pela qual podem ser imediatamente reclamados, inclusive pela via judicial, mesmo diante da falta de norma regulamentadora. Já os direitos prestacionais derivados são os que demandam a prévia regulamentação, vale dizer, a existência de uma política, de um serviço ou de uma rubrica orçamentária.38

Ainda nessa perspectiva, Kazuo Watanabe distingue as categorias de direitos fundamentais de acordo com a possibilidade de serem, ou não, imediatamente judicializáveis. Suas conclusões são as de que os direitos fundamentais que constituem o mínimo existencial e os que possuem “densidade suficiente” podem ser imediatamente judicializáveis, pois, em relação a eles, não pode ser oposta a cláusula da reserva do possível; noutro giro, os direitos fundamentais de cunho programático não autorizariam o controle jurisdicional sem a prévia definição de políticas públicas pelos demais poderes.39

Nessa tônica, ao se falar em situações jurídicas subjetivas de vantagem, em direitos reflexos às policies ou mesmo em direitos prestacionais originários, observa-se que estes coincidem com o mínimo existencial, o qual implica, de forma imediata, o respeito a uma dimensão prestacional mínima dos direitos sociais. Ao mínimo existencial, não se pode opor a cláusula da reserva do possível, de modo que a efetividade dos direitos sociais se atrela ao resguardo da fração nuclear da dignidade da pessoa humana.

É necessário esclarecer que não existe um consenso, doutrinário ou

36 BARROS, Marcus Aurélio de Freitas. Controle jurisdicional de políticas públicas: parâmetros objetivos e tutela coletiva. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2008, p. 84 – 87.

37

Ibidem, p. 86.

38CLÈVE, Clèmerson Merlin. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. Boletim Científico, Brasília, ano II, n. 08, jul. - set. 2003, p. 156-157.

39

WATANABE, Kazuo. Controle jurisdicional de políticas públicas – “mínimo existencial” e demais direitos fundamentais imediatamente judicializáveis. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Org.). O

(28)

jurisprudencial, quanto ao conteúdo do mínimo existencial. Essa obscuridade é reflexo da própria falta de menção explícita, na Constituição Federal de 1988, do direito ao mínimo existencial e, consequentemente, do seu conteúdo. Como forma de justificar a existência desse direito, colhe-se, da doutrina de Ingo Wolfgang Sarlet, a explicação de que o mínimo existencial decorre da interpretação constitucional, mais especificamente da finalidade, da Ordem Econômica, de garantir a todos uma existência digna (art. 170 da CF); da inviolabilidade do direito à vida (art. 5º da CF) e da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, da CF).40

Karine da Silva Cordeiro, por sua vez, alerta que, não obstante haja relativo consenso quanto à obrigação do Estado de assegurar o mínimo existencial, o mesmo não se pode dizer em relação ao conteúdo qualitativo e quantitativo desse mínimo.41 Afinal, como ela

mesma ressalta, o conjunto de prestações imprescindíveis para assegurá-lo depende de circunstâncias locais, temporais, econômicas e individuais.42

Há na doutrina, no entanto, aqueles que se propõem a indicar o conteúdo do mínimo existencial. É o caso de Ana Paula de Barcellos, a qual aponta a educação fundamental, a saúde básica, a assistência aos desamparados e o acesso à justiça como os elementos que integram a fração nuclear da dignidade humana.43 Para a mencionada

doutrinadora, em um primeiro momento se deve resguardar o acesso à educação fundamental e à saúde básica, direitos que possibilitam, ao indivíduo, a construção da dignidade de forma autônoma. A assistência aos desamparados, na acepção da doutrinadora, compreende o acesso ao alimento, ao vestuário e ao abrigo. Por fim, o acesso à justiça – elemento instrumental do mínimo existencial – garante simetria aos elementos materiais.44

Problematizando o conteúdo do mínimo existencial, Naide Maria Pinheiro ressalta que o núcleo essencial de um direito fundamental e o mínimo existencial não se confundem. Afinal, enquanto o núcleo essencial constitui a parte sem a qual o direito se desnatura, o mínimo existencial, frente ao seu caráter variável, não pode ficar circunscrito somente ao conteúdo do núcleo essencial. Alerta, assim, que, a depender da situação, será suficiente, para se garantir o mínimo existencial, que se assegure o núcleo essencial dos

40 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais em espécie. In: SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel (Org.). Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 588.

41

CORDEIRO, Karine da Silva. Direitos fundamentais sociais: dignidade da pessoa humana e mínimo existencial, o papel do Poder Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 110.

42 Ibidem, p. 116 – 117. 43

BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios fundamentais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 288-289.

(29)

direitos sociais, ao passo que, em outras situações, será imperioso que se garanta partes mais periféricas do mesmo direito.45

Dado o caráter de norma constitucional implícita, o mínimo existencial é conceito central à efetividade dos direitos sociais e ao consequente êxito das demandas judiciais que sindicalizam esse direito. Na jurisprudência pátria, inclusive, é amplo o reconhecimento da possibilidade de se judicializarem questões atinentes ao mínimo existencial, conforme se depreende da multiplicação de demandas de saúde, as quais asseguram, com respaldo na solidariedade entre os entes federativos, a concessão de medicamentos, exames, insumos e cirurgias não oferecidas regularmente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), além daquelas atinentes à educação, que redundam em sentenças mandamentais, consistentes na obrigação de matricular determinado indivíduo no Ensino Regular. O tema será melhor estudado no capítulo seguinte, quando se analisará a evolução da jurisprudência do STF no controle de políticas públicas.

Naide Maria Pinheiro, ainda dispondo sobre a problemática, constata que a expressão “mínimo existencial” é sempre utilizada no contexto de satisfação de direitos prestacionais e como contraponto à alegação de incapacidade financeira do Estado (reserva do possível).46 Em sua análise jurisprudencial, assevera que o argumento de que um direito está

resguardado pelo manto do mínimo existencial só ocorre quando a causa versa sobre demandas com repercussão patrimonial, seja quando se cobram do Estado prestações positivas, seja quando o Estado é instado a não subtrair algo que o individuo possui.47

Carla Amico, complementando a temática, ressalta que não se pode reduzir o mínimo existencial ao mínimo fisiológico, isto é, àquilo que garante a sobrevivência do indivíduo (a exemplo da alimentação, vestimenta, abrigo e saúde), devendo-se ampliar o significado para o mínimo sociocultural, passando-se a proteger, também, a educação, o trabalho, a segurança, a moradia e a assistência aos desamparados.48

Muitas são, contudo, as críticas à judicialização de direitos sociais. Pertinente é, pois, a colocação de Mariana Fagundes de Araújo e Fernando Rodrigues de Freitas, os quais sustentam que, no controle de políticas públicas, o Judiciário não lida, essencialmente, com as causas das demandas, mas, sim, com as consequências da falta da decisão judicial,

45 PINHEIRO, Naide Maria. Autonomia da vontade da pessoa idosa: uma abordagem sob a perspectiva da observância do mínimo essencial. 2016. 188f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016, p. 147 – 148.

46 Ibidem, p. 152. 47 Ibidem, p. 156. 48

AMICO, Carla Campos. Direitos fundamentais sociais e orçamento público: das escolhas político-administrativas ao controle de constitucionalidade concentrado. 2016. 197f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016, p. 14.

(30)

sendo reclamado para apresentar soluções legais e juridicamente aceitáveis a problemas já instaurados.49

Com efeito, não se pode desvincular o estudo dos direitos sociais da análise das políticas públicas desenvolvidas nos mais diversos âmbitos federativos, haja vista a dimensão economicamente relevante dos direitos prestacionais e o seu vínculo direto com a concretização do mínimo existencial em um cenário de escassez de recursos.

2.3 POLÍTICAS PÚBLICAS: INTERDISCIPLINARIDADE, CONCEITO E ETAPAS

Como ponto de partida, deve-se perceber que o estudo das políticas públicas não pode ser compreendido apenas sob a ótica do Direito, pois pressupõe a transversalidade do tema por diversas áreas do conhecimento, em especial a Sociologia, a Ciência Política e a Economia.

Para Celina Souza, a política pública em geral e a política social em particular são campos multidisciplinares. Por essa razão, uma teoria geral da política pública demanda a sintetização de teorias construídas no campo da Sociologia, da Ciência Política e da Economia. Assim, aduz que esse é o motivo pelo qual pesquisadores de tantas disciplinas, a exemplo da Economia, Ciência Política, Sociologia, Antropologia, Geografia, Planejamento, Gestão e Ciências Sociais Aplicadas, partilham o interesse comum na área e têm contribuído para avanços teóricos e empíricos.50

Esse caráter transversal evidencia, ademais, a complexidade do assunto. Isso porque o estudo das políticas públicas pressupõe, também, a compreensão do caráter dinâmico que delas é próprio, perpassando desde a fixação da agenda até a identificação de alternativas, seleção das opções, implementação e avaliação.

É justamente essa complexidade que permite perceber a não homogeneidade do retrato social, econômico e cultural dos milhares de municípios que integram o território nacional. O que é de fácil implementação nas grandes cidades dificilmente o é nas pequenas localidades, cuja reduzida arrecadação tributária, ao lado do baixo quantitativo populacional, impossibilitam – ou mesmo não justificam – a implementação exclusiva de determinadas políticas públicas, trazendo à tona soluções como a pactuação de convênios, contratos

49

ARAÚJO, Marina Fagundes de; FREITAS, Fernando Rodrigues de. É possível a judicialização de políticas

públicas?. In: Congresso Nacional do CONPEDI, 26, 2017, Brasília. Anais. Brasília: COMPEDI, 2017, p. 31.

Disponível em: <https://www.conpedi.org.br/publicacoes/roj0xn13/z73o8t52/AeHu68hP0tp9YK1r.pdf>. Acesso em: 18 out. 2017.

50 SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão de literatura. Sociologias, Porto Alegre, v. 8, n. 16, jul./dez. 2006, p. 25.

(31)

administrativos e a regionalização.

É somente olhando, questionando, conhecendo e compreendendo a realidade sobre a qual as ações governamentais e não governamentais irão imperar que se pode conceber, com um mínimo de garantia, que as medidas adotadas serão justas e coerentes frente à proteção devida indistintamente a todos os indivíduos.

Apesar de sua cristalina importância, o tema políticas públicas nem sempre foi objeto de investigação científica. No entanto, Celina Souza aduz que vários fatores contribuíram para a maior visibilidade dessa área, a saber: (I) a adoção de políticas restritivas de gastos, as quais passaram a dominar a agenda da maioria dos países, notadamente aqueles que ainda estão em desenvolvimento; (II) as novas visões sobre o papel dos governos que substituíram as políticas keynesianas do período pós-guerra por medidas restritivas de gastos, em especial na década de 1980, de modo que o ajuste fiscal implicou a adoção de orçamentos equilibrados entre receita e despesa e restrições à intervenção do Estado na economia e nas políticas sociais; (III) o fato de, nos países em desenvolvimento e de democracia recente (a exemplo dos da América Latina), existir a dificuldade de se formarem coalizões políticas capazes de equacionar minimamente o desenho de políticas públicas, de impulsionar o desenvolvimento econômico e de promover a inclusão social.51

Conceituar políticas públicas, destacando os seus principais elementos, é etapa essencial para que se avance, mais à frente, no tema da litigância estratégica em direitos sociais.

Para Celina Souza, política pública é o campo do conhecimento que visa, ao mesmo tempo, a colocar o governo em ação e/ou a analisar essa ação, podendo, ainda, propor mudanças no rumo dessas ações. Acrescenta que a formulação de políticas públicas nada mais é do que o estágio no qual governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real. Após formuladas, as políticas públicas deságuam em planos, programas, projetos, bases de dados ou sistema de informação e pesquisa. Quando postas em prática, isto é, quando implementadas, as políticas públicas passam a ser submetidas a sistemas de acompanhamento e avaliação.52

Leonel Pires Ohlweiler as conceitua como o conjunto de ações desenvolvidas pelo Poder Público para materializar as indicações do bem comum, justiça social e igualdade

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SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão de literatura. Sociologias, Porto Alegre, v. 8, n. 16, jul./dez. 2006, p. 20-21.

Referências

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