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3 POLÍTICAS PÚBLICAS E SEU CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO:

3.1 CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS E SUA EVOLUÇÃO NA

públicas, expondo-se os critérios de controle fixados por essa Corte e, também, pela doutrina.

3.1 CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS E SUA EVOLUÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ao adentrar especificamente na seara das policies, resta insuficiente o apego isolado aos mecanismos tradicionais de controle da Administração Pública, sendo necessária a fixação de parâmetros para o controle jurisdicional, antenados às peculiaridades da criação da agenda, formulação, implementação, acompanhamento e avaliação das políticas públicas.

institucional de o Poder Judiciário julgar demandas que envolvam o controle de políticas públicas, questionando-se a efetiva preparação dos juízes para o exercício dessa atividade. A esse respeito, no entanto, Arthur Sanchez Badim pondera que a crítica à capacidade institucional, lastreada apenas nas limitações do Poder Judiciário, não colabora substancialmente com as conclusões peremptórias acerca de qual instituição deve fazer escolhas sobre as variáveis fundamentais sobre políticas públicas. Isso porque, para ele, as imperfeições do processo adjudicatório podem ser menos limitadoras que as imperfeições das demais instituições candidatáveis a fazer as mesmas escolhas, em especial o processo político e o processo de trocas pelo mercado.68

Diante desse cenário, a pesquisa acerca da evolução da jurisprudência do STF toma como lastro o constitucionalismo contemporâneo no Brasil, cujo marco foi a promulgação da Constituição Federal de 1988. Antes disso, não se falava, propriamente, em controle jurisdicional de políticas públicas.

Como aduz Diego Brito Cardoso, antes da nova ordem constitucional não se podia dizer que o Brasil havia entrado, realmente, na fase do constitucionalismo contemporâneo, haja vista uma série de fatores, dos quais se destacam: o golpe militar de 1964, o qual impossibilitou que os primeiros influxos do constitucionalismo do segundo pós- guerra, até então desenvolvido na Europa e nos Estados Unidos, chegassem ao Brasil, e o período da Ditadura Militar, no qual houve a centralização dos poderes estatais no Executivo, com o grave comprometimento do princípio da separação dos poderes e seu consectário princípio dos freios e contrapesos, com o fechamento do Congresso Nacional e com o enfraquecimento do Poder Judiciário.69

Diego Brito também ressalta que, logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, com a incipiente incorporação dos principais postulados do constitucionalismo contemporâneo na prática jurídica nacional, notadamente nas décadas de 1980 e 1990, os tribunais pátrios foram contidos em relação à aplicação direta das normas constitucionais para a concretização de direitos e a concepção de políticas públicas.70

Em relação a esse período, vigorou, na doutrina, a classificação, de José Afonso da Silva, das eficácias plena, contida e limitada das normas constitucionais, a qual

68 BADIN, Arthur Sanchez. Controle judicial das políticas públicas: contribuição ao estudo do tema da judicialização da política pela abordagem da análise institucional comparada de Neil K. Komesar. 2011. 164 p. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, p. 141.

69CARDOSO, Diego Brito. Controle judicial de políticas públicas: fundamentos, limites e consequências. 2016. 249 p. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, São Paulo, p. 97.

serviu de fundamento para se justificar que alguns direitos só fossem resguardados, pela via judicial, após a atuação dos demais poderes.71 Outro fator que pesou, nesse momento inicial,

foi o fato de os magistrados terem se formado sob a égide da ordem constitucional anterior, na qual o Poder Executivo era o único protagonista no cenário político.72 Por isso, não eram raros

os julgados que sustentavam a impossibilidade de se extraírem direitos subjetivos de normas constitucionais.

Não obstante essa conjuntura, com o decorrer do tempo, persistiu a incapacidade dos Poderes Executivo e Legislativo de, efetivamente, atenderem aos anseios populacionais, mediante a concretização dos direitos fundamentais, em especial os de cunho prestacional. Essa lacuna oportunizou a atuação do Poder Judiciário a favor da proteção das normas constitucionais.

Fixadas essas premissas, informa-se que, na análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal73, a metodologia empregada foi a pesquisa de jurisprudência no

portal eletrônico da Corte, inserindo, no campo “pesquisa livre”, a expressão “controle de políticas públicas”. Ao todo, foram obtidos 54 (cinquenta e quatro) documentos, sendo 53 (cinquenta e três) acórdãos e 1 (uma) repercussão geral, tendo como termo final o mês de agosto de 2017. Desse total, foram selecionados, para esta exposição, casos relevantes que envolvem a concretização de direitos sociais mediante o dispêndio de recursos públicos. Foram excluídas as decisões relacionadas a direitos trabalhistas, previdenciários, eleitorais e políticas afirmativas (cotas raciais e sociais em universidades públicas).74

As decisões selecionadas, as quais serão devidamente referenciadas, serão expostas, sempre que possível, em ordem cronológica e agrupadas em temas, de modo a evidenciar o amadurecimento da jurisprudência da Corte.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 45, do Distrito Federal, foi julgada, pelo STF, no dia 29 de abril de 2004, sob a relatoria do Ministro Celso de Mello. Tratava-se de ação constitucional movida em razão do veto presidencial

71CARDOSO, Diego Brito. Controle judicial de políticas públicas: fundamentos, limites e consequências. 2016. 249 p. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, São Paulo, p. 97.

72 Ibidem, p. 97.

73 Decidiu-se restringir a pesquisa ao âmbito do STF devido ao fato de o controle judicial de políticas públicas envolver a discussão de matérias constitucionais, notadamente a efetividade dos direitos sociais e os limites do princípio da Separação dos Poderes. Além disso, por se tratar do principal órgão do Poder Judiciário brasileiro, as decisões do STF possuem importante impacto nos demais tribunais do país.

74 Decidiu-se excluir as decisões relacionadas a direitos trabalhistas, previdenciários, eleitorais e políticas afirmativas, pois a pesquisa teve como alvos as situações relacionados, diretamente, ao desenvolvimento, pelo Poder Público, de obrigações de fazer, mediante o planejamento e execução de políticas públicas que envolvam o gasto de recursos públicos.

incidente sobre o art. 55, §2º (posteriormente renumerado para art. 59), da Lei nº 10.707/2003 (Lei de Diretrizes Orçamentárias), apontado como o motivo do desrespeito a preceito fundamental decorrente da Emenda Constitucional nº 29/2000, promulgada no afã de garantir recursos mínimos para as ações e serviços públicos de saúde.

Urge frisar, assim, que a ação versava sobre emblemático caso de controle jurisdicional de políticas públicas, o qual envolvia a tutela do orçamento da União, evidenciando-se a dimensão política conferida à jurisdição constitucional do STF. Observe-se a ementa:

Arguição de descumprimento de preceito fundamental. A questão da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do poder judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de abusividade governamental. Dimensão política da jurisdição constitucional atribuída ao Supremo Tribunal Federal. Inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais. Caráter relativo da liberdade de conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da 'reserva do possível'. Necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do 'mínimo existencial'. Viabilidade instrumental da Argüição de Descumprimento no processo de concretização das liberdades positivas (direitos constitucionais de segunda geração).75

Apesar de a ação ter sido julgada improcedente por perda superveniente do objeto, afigura-se de salutar importância se debruçar sobre as suas nuances. Isso porque, do voto do Ministro Relator – Celso de Mello – depreendem-se alguns importantes e precursores critérios para o controle jurisdicional de políticas públicas, enfrentados como obter dictum.

Inicialmente, o Ministro Celso de Mello afirmou que, apesar de a formulação e implementação das policies não se incluir, ordinariamente, na seara das atribuições institucionais do Poder Judiciário, isso poderá ser feito de forma excepcional, se e quando os órgãos estatais competentes, diante do descumprimento (por ato comissivo ou omissivo) dos encargos políticos-jurídicos, vierem a comprometer a eficácia e integridade de direitos individuais ou coletivos constitucionalmente resguardados.

Posteriormente, assentou-se que esse controle ocorre ainda que tais direitos sejam derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático, pois elas não podem se converter em promessa constitucional inconsequente, uma vez que o Poder Público, numa atitude de infidelidade governamental ao que determina a própria Constituição da República, não pode fraudar as justas expectativas nele depositadas pela sociedade.

Finalmente, afirmou-se que a incapacidade financeira do Estado, caso comprovada objetivamente, afasta a possibilidade de se exigir razoavelmente a imediata

efetivação do comando positivado na Lei Fundamental. Não obstante essa colocação, o Ministro é enfático ao prelecionar que o mínimo existencial, do qual é corolário o estabelecimento de prioridades orçamentárias, pode conviver produtivamente com a reserva do possível, impondo-se, para tanto, a verificação da razoabilidade da pretensão individual ou social deduzida em face do Poder Público.

Esses critérios são apontados, por Ada Pellegrini Grinover, como imperativos ético-jurídicos postos à intervenção do Judiciário, traduzindo-se, a sua estrita observância, como o ponto de coibição do excesso jurisdicional.76 Legitima-se, sob essas premissas, a

dimensão política da atuação de juízes e tribunais.

No que diz respeito à tutela do direito à saúde e à busca da racionalização das decisões judiciais, verifica-se que, no âmbito do STF, o julgamento do RE-AgR: 271286 RS77,

pela Segunda Turma, ainda no ano de 2000, foi um verdadeiro marco, impulsionando a multiplicação de casos semelhantes nas instâncias ordinárias. Naquela ocasião, os Ministros entenderam que paciente portador do vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) tinha o direito de obter, por intermédio do Sistema Único de Saúde (SUS), os medicamentos necessários ao seu tratamento.

Nota-se que o fundamento central da decisão é a força normativa da Constituição (no caso, dos direitos à vida e à saúde). Assim, sustentou-se que a interpretação da norma programática – art. 196 da CF78 – não poderia transformá-la em promessa

constitucional inconsequente.

Dando seguimento, vislumbra-se que a intensa judicialização da saúde despertou, paulatinamente, a preocupação com os impactos macropolíticos das decisões judiciais, tornando-se imperativa a fixação de parâmetros para a atuação de juízes e tribunais, sobretudo a partir do ano de 2009.

Destaque-se, no entanto, que, na maioria das situações encontradas, não se versa, propriamente, sobre controle de políticas públicas, e sim sobre a proteção ao direito à saúde, considerado direito subjetivo reflexo aos programas estatais, como bem adverte Marcus Aurélio de Freitas Barros.79

76 GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle de Políticas Públicas pelo Poder Judiciário. Revista Brasileira de

Estudos Constitucionais – RBEC, Belo Horizonte, ano 2, n. 8, out./dez. 2008.

77

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE-AgR: 271286 RS. Segunda Turma. Rel. Min. Celso de Mello. J. 11/09/2000. DJ 24/11/2000.

78 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

79 BARROS, Marcus Aurélio de Freitas. Controle jurisdicional de políticas públicas: parâmetros objetivos e tutela coletiva. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2008, p. 106.

É pertinente a crítica de Ana Claudia Vergamini Luna, a qual sustenta que a atuação do Poder Judiciário que concede o direito em demanda individual ou a um grupo reduzido de pessoas, sem preocupação com a extensão do objeto em litígio para outras pessoas nas mesmas condições, atende ao direito de ação resguardado constitucionalmente, mas não realiza, propriamente, controle jurisdicional de políticas públicas.80

Na STA 175 AgR81, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes, o Pleno do

STF entendeu que a judicialização do direito à saúde não ofende o princípio da Separação dos Poderes. Ademais, determinou-se que as decisões judiciais a respeito do assunto devem observar os parâmetros fixados pelo STF após a realização de audiências públicas. Reconheceu-se, ainda, a responsabilidade solidária dos entes federativos na concretização do direito à saúde.

Esclareça-se que o Supremo Tribunal Federal realizou, nos dias 27, 28 e 29 de abril, e 4, 6 e 7 de maio de 2009, audiências públicas sobre a judicialização do direito à saúde, convocadas pelo então Presidente da Corte, o Ministro Gilmar Mendes. O objetivo era a ampliação do debate, a racionalização do assunto e a legitimação democrática das decisões.

Um dos primeiros entendimentos que sobressaiu foi o de que o problema talvez não seja o da judicialização ou, simplesmente, da intervenção do Poder Judiciário no problema das políticas públicas, haja vista que o que ocorre, em grande parcela dos casos, é apenas a determinação judicial do efetivo adimplemento das policies já existentes, dado importante para a construção de um critério ou parâmetro para a decisão.

Desta feita, tornou-se imperativo se observar a existência, ou não, da política pública. Na ausência desta, surgem novas indagações: a não prestação do direito social, concretizado na oferta de um medicamento, exame, cirurgia ou insumo, parte de uma omissão legislativa ou administrativa, de uma decisão administrativa de não o fornecer ou de uma vedação legal à sua dispensação? Perquire-se, destarte, se houve motivo para o não fornecimento de determinada ação de saúde pelo SUS, cenário no qual se depreendem mais duas situações: o SUS oferece tratamento alternativo, mas não adequado ao paciente, ou o SUS não tem determinado tratamento alternativo para a patologia?

Diante desse quadro, concluiu o Ministro, em síntese, que deve ser privilegiado o tratamento padrão do SUS, em detrimento da opção diversa escolhida pelo paciente, sempre

80 LUNA, Claudia Vergamini. Direitos sociais: controle jurisdicional de políticas públicas, limites e possibilidades. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 127.

81 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. STA 175 AgR. Min. Rel. Gilmar Mendes. Tribunal Pleno. Julg. 17/03/2010. DJ 29/04/2010.

que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política pública existente. Na hipótese, contudo, de se demonstrar a imprescindibilidade do tratamento não fornecido regularmente, por razões específicas do organismo que tornem a política pública inapropriada para aquele caso, deve ser custeado o fármaco, exame ou cirurgia não contemplado nas listas oficiais. Assim, fixa-se a tese de que o direito subjetivo do cidadão é à política pública, e não a uma prestação individual realizada a qualquer custo.

Frise-se, ademais, que o STF não se restringiu a apreciar a concretização, de modo individual, do direito à saúde. No julgamento do ARE 727864 AgR, no ano de 2014, a Segunda Turma se deparou com o tema dos serviços hospitalares prestados por instituições privadas em benefício de pacientes do SUS atendidos pelo SAMU em casos de urgência e de inexistência de leitos na rede pública, ao passo que, no julgamento do ARE 745745 AgR, apreciou-se o pedido de manutenção de rede de assistência à saúde de criança e adolescente.

De ambos os julgados, observa-se o aprofundamento teórico das conclusões dos ministros, extraindo-se alguns parâmetros de controle da política pública de saúde. A saber: (I) os casos apreciados pelo STF retrataram típica hipótese de omissão inconstitucional imputável ao Estado, isto é, de desrespeito à Constituição provocado por inércia estatal; (II) ao se analisar a teoria da reserva do possível sob a ótica da teoria dos custos dos direitos, concluiu-se pela inaplicabilidade da reserva do possível, sempre que a invocação dessa cláusula puder comprometer o núcleo básico que qualifica o mínimo existencial; (III) sob a ótica da Teoria das Restrições das Restrições, ou Limitação das Limitações, assim como diante da questão das Escolhas Trágicas, deve-se observar o caráter cogente e vinculante das normas constitucionais, inclusive daquelas de caráter programático, que veiculam diretrizes de políticas públicas; e (IV) a atividade judicial, no controle de políticas públicas, justifica-se pela observância de certos parâmetros constitucionais: proibição do retrocesso social, proteção ao mínimo existencial, vedação da proteção insuficiente e proibição de excesso.

Adentrando no direito fundamental à educação, constata-se que, já no ano de 2005, a Segunda Turma do STF, no julgamento do RE 410715 AgR82, sob a relatoria do

Ministro Celso de Mello, prolatou importante decisão que assegurou o acesso de criança a tal direito, mediante matrícula em creche e em pré-escola. Mais uma vez, é importante frisar que o caso não é propriamente de controle de política pública, e sim de concretização de direito subjetivo reflexo aos programas estatais.

Compulsando a ementa e o inteiro teor do julgado, observa-se que os

82 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 410715 AgR. Min. Rel. Celso de Mello. Segunda Turma. Julg. 22/11/2005. DJ 03/02/2006.

fundamentos jurídicos principais, no que diz respeito à legitimação do controle jurisdicional de políticas públicas, são muito semelhantes aos fixados no julgamento da ADPF 45.

No ano de 2011, o tema da matrícula de crianças em creches e pré-escolas voltou a ser apreciado pela Segunda Turma do STF, no julgamento do ARE 639337 AgR83,

também sob a relatoria do Ministro Celso de Mello. Apesar de alguns dos principais fundamentos da ADPF 45 terem sido reproduzidos, observa-se uma maior carga argumentativa na decisão, trazendo-se à tona importantes parâmetros para legitimar a atuação de juízes e Tribunais no campo do controle das políticas públicas.

Naquela ocasião, foi ressaltado que a Educação Infantil, por se qualificar como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, tampouco a razões de puro pragmatismo governamental. Isso porque as normas constitucionais representam fatores de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes públicos, cujas opções não podem ser exercidas de modo a comprometer, com fulcro em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia de direito básico de índole social.

Sustentou-se, ademais, que a destinação de recursos públicos, sempre dramaticamente escassos, faz instaurar situações de conflitos, sejam eles em relação à execução de políticas públicas definidas na Constituição, sejam em relação à própria implementação de direitos sociais. Nesse contexto de antagonismos, cabe ao Estado o encargo de superá-los, através de opções por determinados valores, em detrimento de outros igualmente relevantes (verdadeiras “escolhas trágicas”), em decisões governamentais cujo parâmetro, amparado na dignidade da pessoa humana, deverá ser a intangibilidade do mínimo existencial, conferindo-se, com isso, real efetividade às normas programáticas positivadas na Constituição.

No mesmo julgado, estabelece-se, como já sinalizado na ADPF 45, que a cláusula da reserva do possível encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial. É interessante frisar que o conteúdo do mínimo existencial foi melhor detalhado, quando a Corte destacou que ele compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, de modo a assegurar, simultaneamente, o acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos. Dentre esses direitos sociais básicos, foram listados: o direito à educação; o direito à

83 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 639337 AgR.Rel. Min. Celso de Mello. Segunda Turma. Julg. 23/08/2011. DJ 14/09/2011.

proteção integral à criança e ao adolescente; o direito à saúde; o direito à assistência social; o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança.

Foi defendido, no mesmo julgado, que, após reconhecer os direitos prestacionais, o Estado assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, obriga-se a preservá-los, abstendo-se de frustrar, total ou parcialmente, os direitos sociais já concretizados. Veda-se, assim, o retrocesso social.

Por fim, reconheceu-se a possibilidade de fixação de astreintes contra o Poder Público, como forma de compelir o ente público demandado a cumprir a sua obrigação.

Outro tema apreciado pelo STF foi a situação do sistema prisional brasileiro. No ano de 2015, o Pleno julgou o RE 59258184, sob a relatoria do Ministro Ricardo

Lewandowski. Na ocasião, apreciava-se recurso do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul contra acórdão do Tribunal de Justiça daquele Estado, que considerou os direitos constitucionais dos presos meras normas programáticas. O objeto do litígio eram as obras na Casa de Albergado de Uruguaiana/RS.

Debruçando-se sobre o voto do Ministro Relator, vislumbra-se que, logo após o apanhado fático sobre a situação caótica dos presídios brasileiros, alguns fundamentos