• Nenhum resultado encontrado

3 POLÍTICAS PÚBLICAS E SEU CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO:

5.5 ESCOLHA DA VIA ADEQUADA PARA A LITIGÂNCIA ESTRATÉGICA

Após o conhecimento da violação ao direito social, da adequada instrução do procedimento extrajudicial e do esgotamento das tentativas de solução extrajudicial do conflito, é necessário, na perspectiva da litigância estratégica, escolher a via adequada, isto é, o tipo de ação judicial que será proposta.

Conforme já alertado em capítulo anterior, a litigância estratégica não se opera de forma homogênea, pois cada caso concreto tem as suas peculiaridades, de modo que a medida empregada em um caso pode perfeitamente não se ajustar a outro. Dessa forma, a escolha da via adequada para a litigância estratégica está completamente atrelada ao contexto fático.

204 CASTRO, Guglielmo Marconi Soares de. Litigância de interesse público: adequação e efetividade da tutela jurisdicional no âmbito do controle judicial de políticas públicas. 2016. 225f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016, p. 181. 205

VANTURELLI, Edilson. Tipologia dos litígios transindividuais: um novo ponto de partida para a tutela coletiva. In: DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes (Coord.). Coleção repercussões do novo CPC: processo coletivo. Salvador: Juspodivm, v. 8, 2016, p. 87.

206

FUNDO BRASIL DE DIREITOS HUMANOS. FORD FOUNDATION. Litigância Estratégica em Direitos

Humanos: Experiências e Reflexões. 2016, p. 26. Disponível em: http://www.fundodireitoshumanos.org.br/wp-

Quando se fala em direitos sociais, é frequente a propositura de ações judiciais individuais que pleiteiam, por exemplo, a oferta de medicamentos, a matrícula em escola, a oferta de atendimento educacional especializado para a pessoa com deficiência etc. Nessas situações, contudo, não se exerce, propriamente, o controle da política pública, e sim a tutela de direito subjetivo reflexo os programas estatais.

O mesmo se diga em relação ao litisconsórcio multitudinário, o qual não se confunde com a tutela coletiva de direitos, na medida em que, para a definição de tutela coletiva, não é significativa apenas a estrutura subjetiva do processo, mas também a matéria litigiosa que é nele discutida.

O controle de políticas públicas, por envolver a tutela de direitos coletivos, requer a incidência do microssistema de Processo Coletivo e das ações judiciais adequadas à tutela desses direitos. Divide-se o Processo Coletivo em especial, o qual é composto por ações de controle abstrato de constitucionalidade (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Direta de Constitucionalidade e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), e em Processo Coletivo comum, o qual é composto por todas as ações que tutelam direitos coletivos não relacionados ao controle abstrato de constitucionalidade (Ação Popular, Ação Civil Pública, Ação de Improbidade Administrativa, Mandado de Segurança Coletivo e Mandado de Injunção Coletivo).

No Brasil, observa-se que a utilização do Processo Coletivo ainda é recente. Não obstante a existência da ação popular desde 1965, diante da aprovação da Lei nº 4.717, o surgimento do processo coletivo ocorreu apenas em 1981, com a aprovação da Lei nº 6.938 (Política Nacional do Meio Ambiente), consolidando-se em 1985, com a Lei nº 7.347 (Lei de Ação Civil Pública). Posteriormente, houve a potencialização do processo coletivo, com a Constituição Federal de 1988, a Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), a Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), a Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), a Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), a Lei nº 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial), a Lei nº 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência) e a Lei nº 13.257/2016 (Estatuto da Primeira Infância).

Como visto no item 5.2, em se tratando do controle da lei orçamentária, é possível o uso da ADI, por meio da qual se consegue apontar se foram respeitados os limites fixados para as despesas constitucionais obrigatórias, bem como se há previsão de despesa para a promoção gradual de políticas públicas ou a omissão inconstitucional dela, servindo, ainda, para determinar a adequação da programação orçamentária ao atendimento das prioridades constitucionais no âmbito dos direitos fundamentais sociais; e a ADPF, a ser

utilizada quando o gestor público executa atos administrativos materiais e concretos não adequados, desnecessários ou desproporcionais, violando preceito fundamental.207

Com efeito, a ação civil pública é a mais comum dentre as ações coletivas, na medida em que tem requisitos de cabimento mais amplos, direcionando-se à responsabilização por danos morais e/ou patrimoniais causados ao meio ambiente; ao consumidor; a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; à infração da ordem econômica; à ordem urbanística; à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos e ao patrimônio público e social (art. 1º da Lei nº 7.347/1985). Ademais, por intermédio da ação civil pública, é possível se pleitear os mais diversos tipos de tutela, notadamente a reparatória, a de remoção do ilícito e a inibitória, além de ser possível se veicular pedidos de tutela de urgência. Portanto, a ação civil pública se mostra como a principal via da litigância estratégica em direitos sociais.

Para Eduardo Fernando Appio, as ações civis públicas e de controle concentrado da constitucionalidade das leis assumem um caráter funcional, pois permitem a ampliação do espaço tradicionalmente destinado aos atores sociais não-institucionalizados, traduzindo-se em instrumentos eficazes para a amplificação de pretensões políticas de grupos que estão à margem do debate travado nas instâncias formais de democracia representativa.208

Não obstante, é possível que diversos fatores tornem a ação civil pública inapropriada ou menos eficaz. Isso deve ser aferido à luz do conhecimento da realidade fática, do direito social tutelado e dos objetivos que se pretendem alcançar com a litigância estratégica em direitos sociais. É possível, por exemplo, que exista uma grande resistência dos magistrados de primeiro grau em julgar favoravelmente a causa; que a estrutura do Judiciário local seja ruim e provoque um longo tempo de espera para o julgamento; que a ação civil pública não provoque a repercussão social esperada; que a violação ao direito seja ampla e traga o risco de responsabilização da República Federativa do Brasil perante órgãos internacionais de proteção aos direitos humanos; que existam óbices à fase de cumprimento de sentença, dentre outros fatores.

É justamente nesse contexto que, para o litigante estratégico, pode-se mostrar mais adequada, aos objetivos pretendidos, a propositura de ação perante o STF. Aparenta ser o

207 AMICO, Carla Campos. Direitos fundamentais sociais e orçamento público: das escolhas político- administrativas ao controle de constitucionalidade concentrado. 2016. 197f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016, p. 176 – 177. 208 APPIO, Eduardo Fernando. O controle judicial das políticas públicas no Brasil. 2004. 473 p. Tese (Doutorado em Direito) - Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2004, p. 419.

caso da ADPF 347 MC/DF, ainda em trâmite, mas na qual se reconheceu, em liminar, o Estado de Coisas Inconstitucional do Sistema Penitenciário.