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Cultura e sociabilidades em Macau nos finais de oitocentos : o Eco Macaense (1893-1899)

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CULTURA E SOCIABILIDADES

EM MACAU NOS FINAIS DE OITOCENTOS

O Eco Macaense (1893-1899)

Márcia Rosa dos Reis Ferreira

FLUP 2006

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CULTURA E SOCIABILIDADES

EM MACAU NOS FINAIS DE OITOCENTOS

O Eco Macaense (1893-1899)

Dissertação de Mestrado em História Contemporânea apresentada à FLUP sob a orientação da Professora Doutora Maria da Conceição Meireles Pereira

Márcia Rosa dos Reis Ferreira

FLUP 2006

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AGRADECIMENTOS

Neste percurso da minha vida existiram um conjunto de pessoas a quem desejo agradecer.

Em primeiro lugar, à Professora Doutora Maria da Conceição Meireles Pereira, pela sua permanente dedicação, disponibilidade e amizade dispensadas. Em muitos momentos, o seu ânimo foi contagiante e fundamental, impedindo-me de desistir deste projecto. Reconheço que as suas críticas objectivas e pertinentes contribuíram para a evolução desta investigação.

Aos meus pais, por tudo o que fizeram e deixaram de fazer. Foram, sem dúvida, o meu suporte e apoio.

Aos meus amigos e familiares pela disponibilidade demonstrada. Sem a sua ajuda e sugestões este caminho teria sido muito mais difícil.

Agradeço, ainda, às instituições públicas e seus funcionários que, de forma desinteressada, me facilitaram o acesso à documentação essencial. Destaco os funcionários da Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, na pessoa do Dr. João Leite.

A minha assinatura solitária, nesta investigação, reproduz a força e auxílio de todas estas pessoas.

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ÁRVORES Uma árvore, outra árvore... Separadas umas das outras, de pé, Solitárias e erectas; O vento e o ar Indicam-lhes a distância que medeia

Entre elas.

Mas debaixo do solo As suas raízes penetram pelas entranhas da terra dentro... Na profundidade insondável As suas raízes entrelaçam-se e unem-se entre si.

Ai Qing1

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ÍNDICE

0 INTRODUÇÃO ... 4

0.1 Objecto de estudo ... 4

0.2 Fontes e Bibliografia. O Estado da Arte... 7

0.3 Metodologias de investigação... 11

I HISTÓRIA E IMPRENSA ... 14

1 CONTEXTO HISTÓRICO ... 14

1.1 A génese de Macau... 14

1.2 Da prosperidade a meados do século XVII ... 16

1.3 Dimensão cosmopolita de Macau (de meados do século XVII à fundação de Hong Kong) ... 18

1.4 Domínio das potências estrangeiras no Oriente (de meados do século XIX aos inícios do seguinte) ... 22

2 IMPRENSA MACAENSE ... 27

2.1 O Eco Macaense ... 33

2.1.1 A publicação e seus objectivos ... 35

2.1.2 Principais temas e secções ... 40

2.1.3 O Eco Macaense sob o ponto de vista ideológico ... 44

II ECONOMIA, POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO ... 46

1 População e Economia ... 46

2 Política e Administração... 57

3 A questão de Timor... 64

III CULTURA E SOCIABILIDADES ... 70

1 ESPAÇOS DE LAZER E CULTURA... 70

1.1 Sociabilidade Portuguesa... 70 1.1.1 Palácio do Governo... 71 1.1.2 Clubes ... 74 1.1.3 Teatro D. Pedro V ... 78 1.1.4 Festas Particulares... 79 1.1.5 Festas Populares ... 80 1.1.6 Convívios no Exterior ... 81

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1.1.7 Os Ingleses em Macau... 83

1.2 Sociabilidade Chinesa ... 87

1.2.1 Clube Y-on ... 87

1.2.2 Festas Chinesas... 88

2 CULTO E RELIGIÃO – ESPAÇOS E PRÁTICAS... 89

2.1 Práticas religiosas portuguesas... 91

2.1.1 Os Edifícios ... 94

2.1.2 Formação de Leigos... 96

2.1.3 Caridade e Beneficência ... 98

2.2 Práticas religiosas chinesas ... 101

2.2.1 Budismo e seus espaços religiosos ... 103

2.2.2 Festas... 104

3 ENSINO E EDUCAÇÃO... 107

3.1 Ensino Laico / Ensino Religioso ... 107

3.1.1 Escolas Municipais... 108

3.1.2 Liceu de Macau – do entusiasmo ao desânimo... 109

3.1.3 Seminário de S. José ... 114

3.1.4 Colégio de Santa Rosa de Lima ... 116

3.2 Reivindicações locais ... 117

3.2.1 Ensino da língua portuguesa ... 117

3.2.2 Ensino adaptado a Macau ... 118

3.2.3 Ensino Prático e Profissional ... 119

3.2.4 Educação da Mulher ... 120

4 NORMA E MARGINALIDADE... 121

4.1 Prostituição ... 122

4.1.1 A mulher chinesa... 122

4.1.2 Mulheres Floridas e Barcos das Flores... 123

4.1.3 As pi-pá-chais... 128

4.1.4 Prostituição “exposta”... 129

4.1.5 Prostituição Regulamentada ... 131

4.2 Jogos de Fortuna ou Azar ... 133

4.2.1 Proibição versus Permissão... 133

4.2.2 Jogo – vício ou distracção?... 136

4.2.3 Jogo e Delinquência... 138

4.3 Insegurança e Criminalidade... 140

4.4 Pobreza e Mendicidade ... 148

4.5 O Ópio – hábitos e silêncios... 149

5 PORTUGUESES E CHINESES EM MACAU – O OLHAR DO OUTRO ... 151

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5.1.1 Costumes e Crenças... 154

5.1.2 Medicina ... 158

5.1.3 Higiene, Vestuário e Habitação... 162

5.2. Manifestações de aproximação... 165

CONCLUSÃO ... 167

ANEXOS ... 170

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0 INTRODUÇÃO

0.1 Objecto de estudo

O presente trabalho de dissertação de mestrado tem por objecto de estudo o jornal Eco Macaense produzido e publicado em Macau, de Julho de 1893 a Setembro de 1899, com uma interrupção entre 6 de Novembro de 1895 a 2 de Fevereiro de 1896.

No capítulo I começa-se por aferir o contexto e as condições históricas que produziram esse periódico porque só assim se compreendem as notícias apresentadas no jornal e que resultam de um processo de construção onde interagem, diversos factores de natureza pessoal, social, ideológica, cultural e do meio físico/tecnológico.

Se, à primeira vista, Macau se apresenta como um micro-espaço territorial, todavia, nesta cidade “plantada por portugueses” em espaço oriental, emergiu, ao longo dos séculos, um macro-espaço cultural. O carácter cosmopolita deste burgo, de relacionamentos a uma escala global com diversas nações do Oriente, da Europa e da América, transformou a pequena cidade de Macau num “laboratório da troca, do encontro, da mistura”2, de gentes, de línguas, de religiões, de costumes, de vestuários, de formas diferentes de viver e de se relacionar com o Outro.

Macau tornou-se o eixo deste intercâmbio e daí resultará a sua especificidade.

Não é possível isolar o passado de Macau e estudá-lo como se de uma ilha ocidental se tratasse. Macau é uma espécie de plataforma assente em areias volúveis e deslizantes, conexa dos acontecimentos ocorridos na China, mais propriamente na região vizinha de Cantão, na adjacente cidade de Hong Kong e no longínquo Portugal.

Neste sentido, sempre que se apresentar pertinente, incluir-se-ão referências da história de todos estes espaços para a percepção do (con)viver em Macau, sem, contudo, excluir as mutações no palco internacional que, a

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partir da segunda metade do século XIX, se vão reflectir neste território. É extremamente curioso apurar que, Portugal e a China, dois países inteiramente dissemelhantes, à primeira vista, possam ter tido uma trajectória histórica tão análoga em épocas comparativamente próximas. Nos inícios do século XV, Zheng He é o explorador dos mares e terras do Oriente, precisamente no período precedente ao do Infante D. Henrique. No século XVII, mais precisamente na década de 40, ambos os países sofrem transformações políticas: Portugal restaura a independência em 1640 e inicia uma nova dinastia, o mesmo acontecendo na China, em 1644, com o advento da dinastia Qing após a queda da dinastia Ming. A República chega a Portugal em 1910, e este regime instala-se na China um ano depois.

Desde a origem de Macau, as partes interessadas – portugueses e chineses – conseguiram uma política conciliatória3 estipulada em interesses satisfeitos por ambos.

A arte da persuasão, a astúcia e o contorno de posições mais adversas foram amplamente usados nas relações diplomáticas luso-chinesas e nos contactos locais regulares, particularmente com a contígua zona de Cantão. Neste sentido, não é de estranhar que a parceriae os entendimentos pontuais fossem usuais em Macau, desde que daí se extraíssem proventos mútuos.

De seguida, faz-se uma breve caracterização do surgimento da imprensa periódica, em Macau, e da década que viu emergir o Eco Macaense.

Zília Osório de Castro, referindo-se ao papel da imprensa como criadora de memória, escreve o seguinte:

“A imprensa, quer a noticiosa, quer a de opinião, porque situada e datada, retrata uma actualidade parada no tempo, complexa nas suas tensões, interrogações e lacunas, mas passível de ser compreendida, interpretada e completada. Ora, na medida em que veicula um ponto de situação marcado pela diversidade dos modos de pensar e, por

3 JESUS, 1990: 51. Esta opinião é amplamente aceite e difundida pelos investigadores portugueses. A saber: Tereza Sena refere-se ao “produto de um entendimento, ora tácito ora explícito, entre portugueses e chineses”; João de Deus Ramos diz que “foi no somatório das convergências de interesses de portugueses e chineses que Macau ganhou a sua personalidade”; Luís Filipe Barreto menciona que “as regras do equilíbrio no encontro entre a Europa e o Extremo Oriente vão impor a parceria, o interesse e o lucro mútuos”.

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vezes, por disparidades factuais, além de dar a conhecer o carácter multifacetado de uma realidade que está longe de ser unívoca e abúlica, abre as portas a uma permanente actualização, não só dos conhecimentos em si, mas da reflexão sobre eles”4.

Neste sentido, pretende-se compreender e interpretar a imprensa macaense, reflectir sobre ela e, quiçá, acrescentar conhecimentos.

Analisar a imprensa periódica apresenta-se como uma tarefa complexa. Não só por ser delicada e rica, social e culturalmente, mas também porque a visão da realidade do passado faz coexistir diversas dimensões de um mesmo acontecimento. A imprensa periódica surge como uma forma de “ver o mundo” no seio duma pluralidade de formas.

Daí que se privilegie as “leituras” feitas pelos redactores do Eco Macaense que patenteiam a realidade vivida e sentida por um grupo de elite que “controla” a cidade, constituído por governadores e suas famílias, bispos, militares, juízes, funcionários administrativos, professores e capitalistas.

São também abordados, ainda que, com as limitações inerentes da imprensa de finais do Oitocentos, os objectivos e interrupções da publicação, redactores, temas e subtemas ostentados na primeira página, secções principais e ideologia subjacente ao periódico. “Na verdade, a leitura que a Imprensa faz dos eventos vale mais que a sua notícia”5.

A essência deste estudo desenvolve-se, nos capítulos II e III, em torno das sociabilidades, das mentalidades, das práticas religiosas e culturais dos desvios à norma e dos preconceitos dos ocupantes em relação aos autóctones, isto é, dos portugueses em relação aos chineses. Contudo, as ocorrências de natureza política, económica e administrativa, porque marcantes na vivência da cidade macaense, assumirão, ainda que sucintamente, algum protagonismo na representação dos acontecimentos da época.

4http://www.janusonline.pt/portugal_mundo/port_1999_2000_1_22_c.html 5 REIS, 1999: 8.

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0.2 Fontes e Bibliografia. O Estado da Arte

Os periódicos são fontes obrigatórias para o historiador que pretenda (re)construir e (re)escrever a História de determinado tempo e espaço, na época contemporânea.

Os jornais apresentam-se como um dos artefactos indispensáveis para a reconstrução da memória de qualquer povo ao produzir representações da época e da sociedade em que se insere.

Acresce, ainda, o facto dos periódicos desempenharem o papel de porta-voz do grupo que o elabora, e forma e legitima a opinião pública.

O cenário de qualquer sociedade ficaria incompleto sem a análise do discurso de imprensa que abarca múltiplas matérias.

A investigação apresentada tem por objecto de estudo uma análise especifica de um título publicado em Macau – o Eco Macaense. Todavia, o “mundo” da imprensa macaísta, ainda que de forma superficial, vai ser abordado, no seu conjunto.

Quando comparado com outros periódicos macaenses, o subtítulo ostentado pelo Eco Macaense – Semanário Luso-Chinês – apresentava-se como um cunho exclusivo, no seio da imprensa de Macau. Este dado mostrou-se atraente e despertou a atenção para a possível fusão vivencial do quotidiano português e chinês de Macau.

A sua duração (seis anos de publicação) apresentava-se exequível, tendo em conta o tempo previsto para esta investigação. A interrupção da publicação (Novembro de 1895 a Fevereiro de 1896) não surgia como um obstáculo ao estudo, devido à sua relativa brevidade. Acresce ainda o facto da colecção existente na Biblioteca da FLUP se mostrar praticamente completa, à excepção do primeiro número deste semanário, e das páginas 2 e 3 dos jornais publicados a 10 de Maio de 1896 e a 24 de Julho de 1898.

As palavras do Padre Manuel Teixeira – investigador da história e autor de inúmeras obras sobre Macau – não passaram despercebidas, quando ao referir-se ao Eco Macaense escrevia que, apesar das polémicas estéreis em

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que os redactores deste semanário se envolveram, a leitura das suas páginas provava “quão útil é este jornal aos estudiosos da história de Macau”6.

Os redactores do Eco Macaense “captam o seu presente”, analisam-no e divulgam-no, ainda que com intencionalidades visíveis ou encobertas.

Deste modo, percepcionar as visões do Eco Macaense sobre a vivência dos portugueses num espaço mítico de coexistência entre o Ocidente e o Oriente torna-se motivador e aprazível.

Rui Loureiro, referindo-se ao século XIX, afirma que “apesar da extraordinária abundância de fontes disponíveis, é um dos períodos mais mal conhecidos da história macaense”7.

De facto, constata-se que há uma escassez de estudos sobre Macau, nomeadamente no que se reporta à segunda metade do século XIX. Exceptuam-se as investigações no âmbito das relações diplomáticas luso-chinesas, com especial incidência nos tratados ratificados ou não pelas duas nações (Macau entre dois tratados com a China – 1862-1887, de Lourenço M. da Conceição; Estudos de história do relacionamento luso-chinês – séculos XVI-XIX, organização de António Vasconcelos e Jorge M. Santos Alves; Portugal e a China – Conferências no II Curso Livre de História das relações entre Portugal e a China: séculos XVI-XIX, coordenação de Jorge M. S. Alves), do tráfico de ópio (Portugal, Macau e a internacionalização da questão do ópio: 1909-1925; Macau e a 1ª guerra do ópio; Sob o signo da transição – Macau no século XIX, todas de autoria de Alfredo G. Dias; A guerra do ópio, brochura incluída na série História da China Moderna) e do tráfico de cules (Emigração de cules – Dossier Macau, 1851-1894, de Beatriz B. da Silva; Macau, Eça, Corvo e o tráfico de cules, do autor João Guedes; de Andrade Corvo A emigração dos “cúlis” e O comércio de escravos em Macau, de Manuel Teixeira).

Existem algumas investigações sobre personalidades que se destacaram no território macaense (Miguel de Arriaga; Vicente Nicolau Mesquita; Galeria de Macaenses Ilustres do século XIX; Vultos marcantes em Macau, de Manuel Teixeira; O significado do governo de Ferreira do Amaral em

6 TEIXEIRA, 1965: 56. 7 LOUREIRO, 1999: 180.

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Macau, de Lia A. Ferreira do Amaral; D. Joaquim de Sousa Saraiva: a contribuição para a História de Macau, de Acácio F. de Sousa).

Sobre a presença de Portugal na Ásia é primordial a obra dirigida por A. H. de Oliveira Marques, História dos Portugueses no Extremo Oriente (2000). Representa um valiosíssimo contributo para a caracterização integral dos espaços de Macau e Timor, desde a sua fundação até ao século XIX. Esta obra inclui várias sínteses temáticas de autores nacionais e estrangeiros. Merecem destaque, para a presente dissertação, os volumes III e IV. A sua leitura revelou-se capilar no decorrer desta investigação.

Para a evolução das relações entre Portugal e a China, desde a chegada dos portugueses ao Oriente até às vésperas da entrega de Macau à República Popular da China, destaca-se o livro 500 Anos de Contactos Luso-Chineses de Fernando Correia de Oliveira (1998).

Um notável contributo para o estudo da história de Macau é a Cronologia da História de Macau (1995), da autoria de Beatriz B. da Silva (cobrindo os séculos XVI a XX). O III volume, dedicado ao século XIX, inclui numerosas referências à imprensa macaense.

Para um conhecimento mais geral da história de Macau é pertinente conhecer a vasta publicação de brochuras do investigador Manuel Teixeira, que aborda um leque variadíssimo de temas desde medicina, imprensa, religião, personalidades, ensino, exército, etc.; as obras de Luís Gonzaga Gomes, Benjamim Videira Pires e Charles R. Boxer, entre outros. Outra obra que fornece interessantes informações sobre a história de Macau é Historic Macao: Internacional Traits in China Old and New de Carlos A. Montalto Jesus. Em 1926, o autor acrescentou alguns capítulos que não foram bem recebidos pelas autoridades portuguesas e a obra foi retirada de circulação até ser reeditada em 1984 pela Oxford University Press.

De destacar, os estudos antropológicos existentes sobre Macau dos autores Ana Maria Amaro, Carlos Manuel Piteira e Almerindo Lessa.

No que concerne ao estudo da imprensa macaense produzida e difundida em Macau de inícios do século XIX à implantação da República, compreende-se que este é um terreno muito pouco explorado.

A mais recente investigação, em relação aos dados a que tive acesso, reporta-se a uma dissertação de mestrado da autoria de Carla Patrão (2004)

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com o título – A Imprensa Portuguesa em Macau – Um fenómeno de sobrevivência – na área da Comunicação e Jornalismo. Este estudo apresenta um esboço histórico da imprensa periódica macaense desde o seu aparecimento mas o enfoque incide sobre a imprensa do século XX.

A obra de José Augusto dos Santos Alves, A Opinião Pública em Macau - A Imprensa Macaense na Terceira e Quarta Décadas do Século XIX (2000), debruça-se sobre a relação que existe entre a imprensa macaense e a formação da opinião pública, no período de tempo balizado.

O autor analisa um conjunto de sete periódicos de forma sistemática, onde é demonstrado que cada um (na figura do seu redactor e articulistas) emerge de uma determinada ideologia, situa-se numa esfera de influências, convive com a censura prévia (umas vezes mais actuante que outras) e encontra formas de contornar essa censura. Sempre que possível, o autor recorre a comparações entre os vários periódicos e entre as décadas estudadas, referindo ainda a originalidade de cada publicação e de que modo a sua actuação veio contribuir para o desenvolvimento da opinião pública em Macau.

Duas obras mais antigas (1965), mas de grande valia para o estudo da imprensa produzida e difundida em Macau, são Primórdios da imprensa em Macau e A imprensa periódica portuguesa no Extremo-Oriente, de Jack M. Braga e Manuel Teixeira, respectivamente. A primeira obra aborda os primórdios da imprensa de Macau, originariamente introduzida no território pelos missionários como instrumento poderoso na divulgação da doutrina cristã pelos povos do oriente. O autor caracteriza mais aprofundadamente os jornais A Abelha da China e a Gazeta de Macau, dedicando mais espaço à imprensa inglesa no território. Faz ainda uma resenha das obras impressas e uma breve caracterização de tipografias.

A segunda obra está dividida em duas partes: a primeira refere-se ao jornalismo em Macau e a segunda ao jornalismo português no Extremo Oriente. O autor apresenta uma sinopse dos jornais existentes em Macau, incluindo diversas informações sobre o início e o fim das publicações, redactores e tipografias. Na segunda parte debruça-se sobre a imprensa de língua portuguesa espalhada pelo oriente, nomeadamente, Hong Kong, Cantão, Timor, Xangai, Japão, Malaca, entre outros.

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Aparecem ainda várias referências à imprensa de Macau incluídas na Revista de Cultura (Primórdios da imprensa periódica em Macau, artigo de Manuel Teixeira; A revolução, o juiz e um jornalista pioneiro – Notícia breve da “Abelha da China”, de João Guedes); na revista Macau (A imprensa de Macau – Arma fundamental na acção revolucionária chinesa, da autoria de João Guedes); na História dos Portugueses no Extremo Oriente (2000), na entrada referente à cultura, do investigador Pedro Mesquita; no livro de Geoffrey Gunn Ao encontro de Macau – uma cidade-estado portuguesa na periferia da China, 1557/1999 (1998), na Cronologia da História de Macau, de Beatriz Silva (1995) e na obra A influência da cultura portuguesa em Macau (1984), de Rafael Ávila de Azevedo.

Finalmente, porque Macau está ligado à China e a sua história se relaciona directamente com esta nação, alguma atenção tinha que ser dada a este território, principalmente através das obras: O Mundo Chinês (1975), de Jacques Gernet, estudo que vai desde a antiguidade até ao século XX (interessa, particularmente, a história a partir do estabelecimento dos portugueses em Macau) e O Mundo Chinês - Um longo diálogo entre culturas, de Ana Maria Amaro.

0.3 Metodologias de investigação

Como ponto de partida efectuou-se uma pesquisa hemerográfica, com o objectivo de escolher a fonte, neste caso, o Eco Macaense um jornal publicado em Macau, na última década de oitocentos. De seguida, procedeu-se à sua leitura, selecção das notícias que convêm a este estudo e sua interpretação. Numa avaliação mais superficial tal tarefa afigurava-se fácil, todavia houve necessidade de contornar alguns obstáculos.

O acesso à fonte escrita foi proporcionada pela Biblioteca da Faculdade de Letras do Porto que possui, em microfilme, o acervo do Eco Macaense e de outros periódicos publicados no território de Macau. A ausência do jornal em suporte papel obstou ao preenchimento de diversos campos da ficha hemerográfica que foram eliminados por ausência do manuseamento do periódico tal como ele foi impresso na época.

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A leitura fácil e rápida pretendida do Eco Macaense foi contrariada pela má qualidade gráfica de algumas páginas deste jornal. Por este motivo, alguns dos anexos inclusos nesta dissertação foram transcritos. Caso contrário, optou-se pela sua digitalização.

Depois de se ter efectuado a cópia do jornal para CD-ROM e, para uma melhor percepção e compreensibilidade deste jornal foi construída uma base de dados temáticos, (o programa informático usado foi o Microsoft Office Access, 2003) o mais adequada possível ao propósito desta dissertação, permitindo uma recolha de informação mais rápida e eficaz, além de possibilitar o cruzamento de dados.

Pela própria natureza do objecto de estudo que abarca um manancial de assuntos que caracterizam o tempo, o espaço, as pessoas e as suas acções, foi necessário fazer uma filtragem dos temas a tratar, optando por uns em detrimento de outros. A especificidade de Macau como “ilha portuguesa” no Extremo Oriente deixava antever relacionamentos entre as comunidades portuguesa e chinesa ao nível dos poderes políticos, locais e centrais, das estruturas sociais, das organizações económicas, da cultura e mentalidades.

Decidiu-se, assim, privilegiar os aspectos relacionados com a história cultural, social e mental, neste espaço multicultural, dando especial enfoque ao relacionamento entre portugueses e chineses. Exceptuam-se, neste ensaio, os restantes envolvimentos sociais, inerentes a uma cidade portuária e comercial.

Todavia, não se deve escamotear que através do Eco Macaense consegue-se apenas uma representação unilateral da realidade, pois as suas páginas eram escritas fundamentalmente em língua portuguesa e tinham como público-leitor os portugueses. Assim, a elite portuguesa escrevia de si e para si, representando o Outro da forma que melhor servia os seus interesses.

Todo o trabalho supra citado foi acompanhado pela leitura de bibliografia diversa e subsequente reflexão sobre a mesma.

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Figura 1 – Planta da Península de Macau (1889)

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I HISTÓRIA E IMPRENSA

1 CONTEXTO HISTÓRICO

Para a compreensão de Macau nos finais do século XIX apresenta-se uma breve resenha da sua história, desde o estabelecimento dos portugueses no Extremo Oriente até à implantação da República, o que implica uma triagem dos seus momentos de cisão.

Assim, a história de Macau pode dividir-se em 4 fases: 1ª- A génese de Macau;

2ª- Da prosperidade a meados do século XVII;

3ª- Dimensão cosmopolita de Macau (meados do século XVII a meados do século XIX);

4ª- Domínio das potências estrangeiras no Oriente (de meados do século XIX aos inícios do seguinte).

1.1 A génese de Macau

O nascimento de Macau está intimamente ligado à época das descobertas marítimas encetas por Portugal nos inícios do século XV.

O “sonho” do rei D. João II – a Índia e as ambicionadas especiarias – foi concretizado por D. Manuel I, em 1498. Aí foram erigidas feitorias de apoio às negociações, uma vez que o comércio era um dos principais motores que orientava as velas dos barcos lusitanos.

Mas mais terras e mares havia para desbravar para Oriente, por isso a epopeia continuou e novos contactos surgiram com outras nações: Malaca (1511), China (1513), Ceilão (1518) e Japão (1543), entre outros.

É neste contexto de expansão marítima e abertura ao mundo, que os portugueses se começam a relacionar com os chineses que habitavam o outro extremo do globo. Os primeiros intentos dos portugueses para se

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estabelecerem em terras do Império Celeste foram marcados por “sinais de hostilidade que duraram de 1522 a 1554”8.

Prevaleciam, desde 1522, no Império do Meio, leis impeditivas de contactos mercantis com povos estrangeiros que conduziram à segregação da China, no panorama internacional.

Duas nações descobriram no comércio com o exterior a resolução para os seus problemas internos: a China proibindo-o, Portugal incentivando-o.

Porém, essa legislação era pouco aceite pela população de Cantão que estava vocacionado para o comércio naval9. Assim, a anuência do mandarim local para os portugueses se estabelecerem na região, que mais tarde foi designada Macau, faz todo o sentido. Por um lado, os negociantes portugueses serviam os interesses dos comerciantes de Cantão como agentes de um negócio realizado por mar, para o qual estavam interditos; por outro lado, defendiam o litoral chinês frequentado por piratas10.

Partindo deste pressuposto, de acordo clandestino “e por essa razão tão pouco documentado”11, não é de estranhar a ausência de confirmação oficial sobre o estabelecimento dos portugueses na China.

Macau passa então a território compartilhado. Nas histórias portuguesas e chinesas, as versões apresentam-se contraditórias ou divergentes, conduzindo frequentemente a “orgulhos patrióticos”, consoante a nacionalidade do autor. Invasão ou cedência? Usurpação ou aluguer? Corrupção exercida pelos portugueses sobre os mandarins chineses ou do mandarinato sobre os portugueses? 12 Muitas interrogações e poucas certezas...

Mas, segundo Roderich Ptak, há uma certeza: “[I]n Ming and early Qing times, all other Europeans failed to obtain a permanent base in China

8 SANTOS, 1988-89 : 5.

9 Tereza Sena escreve a este respeito que a China “sem uma política uniforme quanto ao comércio externo, alternará, ao longo dos tempos, entre permissões e proibições do mesmo. A este facto não seriam certamente alheios os interesses das zonas costeiras meridionais – à frente dos quais alinhava a província de Guangdong – , a ele tradicionalmente ligadas, e que o perpetuam de forma ilegal, em conflito com as regiões setentrionais e interiores, numa China hegemonicamente agrícola” (SENA,1996: 33-34).

10 A infestação de piratas nas costas dos mares do sul da China e, naturalmente, em Macau é uma constante ao longo dos 4 séculos de permanência dos portugueses no Oriente.

11 SENA, 1996: 38.

12 HAIPENG, 1996: 7. O autor refere que os investigadores chineses, comummente não estão de acordo com a versão de os portugueses ficarem em Macau por terem expulso os piratas. É aceite pelos investigadores chineses a versão de que o estabelecimento dos portugueses em Macau foi o resultado dos abundantes subornos que estes fizeram aos mandarins locais. Quanto ao carácter do estabelecimento dos portugueses em Macau as opiniões tradicionalistas chinesas concordam com a invasão, ocupação e colonização.

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comparable to that of Macao. The fact that they did not «make it» while the Portuguese did, cannot be attributed to the «difficult» situation in China”13.

Nesta perspectiva, o isolamento da China e a sua impenetrabilidade é posta em causa pelos portugueses, aquando da fundação de Macau em 155714.

1.2 Da prosperidade a meados do século XVII

Eis que é indispensável prover este “pequeníssimo dragão”15 de infraestruturas político-administrativas, económicas, religiosas, culturais e outras que garantissem a permanência e possessão efectivas de Macau.

Nesta óptica, surgem as instituições que tomam as “rédeas” da vida neste espaço, em que os mercadores detêm o papel primordial, advindo-lhes o poder do comércio rendoso que operavam com Manila e com o Japão. Os negociantes portugueses permutavam os produtos chineses (sedas, porcelanas, e outros) pela prata japonesa, produto profusamente cobiçado na China. Este era um autêntico “negócio da China”, como diz a sabedoria popular, que os portugueses lideravam e que conduziu Macau ao “zénite da sua prosperidade”16.

Onde chegavam os marinheiros-descobridores, chegavam os membros do clero que se faziam ao mar com o intuito de atrair gentes para a fé católica.

É edificada a primeira igreja em Macau (1562), na ermida de S. António, e a Casa dos Jesuítas (1565), pertencente à recém-formada Companhia de Jesus. “Macau encheu-se de conventos e igrejas; fez-se uma pequena Roma nestas partes orientais”17. A cidade de Macau é elevada à categoria de diocese, pelo Papa Gregório XII, em 1576. Segundo António Carmo, Macau transforma-se numa “base logística”18 da missionação no Oriente. É através dos jesuítas que é fundada a primeira escola (1571) onde se aprende a ler e a escrever em português.

13 PTAK, 1997-1998: 19.

14 Ano “oficial” da emergência de Macau na história de Portugal.

15 Título de um livro de Boaventura Sousa Santos, publicado pelas Edições Afrontamento, em1998. 16 JESUS, 1990: 62.

17 TEIXEIRA, 1977: 71.

18 CARMO, 1997: 175. Na perspectiva deste autor, Macau era o ponto de chegada, formação e partida da missionação no Oriente.

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Relativamente à administração local, “a elite da cidade (...) resolveu criar um órgão de poder colegial, (...) assim nasceu o Senado da Câmara em 1583”19. Com o primeiro dos Filipes a governar Portugal e os espaços ultramarinos, é-lhe concedida a Carta do Senado (1586) por D. Francisco de Mascarenhas, vice-rei da Índia, com um tipo de organização em tudo análogo ao poder municipal da metrópole. Macau passa a cidade, com o nome de Cidade do Nome de Deus do Porto de Macau na China.

Portugal nomeia, em 1623, um capitão-geral ou governador20 (com a finalidade de munir Macau com um sistema defensivo) que passa a partilhar o seu poder com o Senado. As relações entre ambos nem sempre foram pacíficas porque o Senado tendia a defender os interesses locais, enquanto o governador obedecia aos propósitos do governo militar sediado em Portugal.

A partir do século XVII, em consequência de mutações na cena internacional, nomeadamente com a construção e afirmação dos impérios coloniais holandeses e ingleses, Macau vê o seu território cobiçado.

A partir de 1603, Macau é alvo de sucessivas e sempre repelidas investidas dos holandeses (1607,1622 e 1627). O móbil é substituir os portugueses no acesso aos produtos orientais em regime de exclusivo, resultante do embargo que Filipe II tinha feito ao comércio holandês destes produtos em Portugal.

Nos inícios do século XVII, Hugo Grócio (1609) advogava a política do mare liberum. Holandeses e ingleses empenhavam-se na edificação de inúmeras feitorias, desalojando os portugueses de muitos dos seus pontos estratégicos, e criaram Companhias vocacionadas para o comércio com as Índias Orientais. Devido a estes prenúncios começava a fortificação de Macau em 1615 que foi concluída em 1626.

Internamente, quer Portugal quer a China vão sofrer alterações a nível político, com reflexos em Macau.

19 ARESTA, 1997: 67. António Aresta refere que “houve sempre uma elite comercial que desempenhava a latere tarefas políticas e administrativas. O Senado era composto por seis membros eleitos de 3 em 3 anos: três vereadores, que rotativamente exerciam a presidência por um ano, dois juízes ordinários, que resolviam pequenos casos de litígios entre particulares, e um procurador, o elemento fundamental de ligação às autoridades chinesas. O resultado da eleição desses membros era submetido à confirmação do vice-rei de Goa. Por isso se diz que Macau foi a primeira república democrática do extremo-oriente”. 20 O 1º capitão-geral ou governador de Macau foi D. Francisco de Mascarenhas.

(23)

A independência de Portugal era restaurada (1640) e D. João IV acrescentava ao nome da cidade macaense o epíteto de “nenhuma mais leal” em virtude da bandeira portuguesa se ter mantido sempre hasteada durante o domínio filipino.

Quatro anos mais tarde, na China, a dinastia Qing ocupava o trono (1644-1911).

Mas era o terminus do comércio com o Japão que punha fim à vivência sumptuosa de Macau. Ana Maria Amaro refere que “aquele porto [Macau], tão famoso e opulento, ficara completamente arruinado”21. O Japão, por decreto imperial de 1639, impedia o relacionamento com os estrangeiros e, por volta de 1644, a China retomava o comércio directo com este país.

Fechava-se, assim, um ciclo próspero da cidade de Macau.

1.3 Dimensão cosmopolita de Macau (de meados do século XVII à fundação de Hong Kong)

Com a dinastia Qing a presença chinesa, quer populacional, quer administrativa, vai-se afirmando em Macau.

Desde finais do século XVIII que havia uma “nítida abertura da comunidade portuguesa à comunidade chinesa o que reflecte a permissão que foi dada aos chineses de pernoitarem na cidade”22, em 1793. Neste sentido, “os chineses do grupo minoritário passaram a grupo maioritário e os portugueses (...) passaram a ser o grupo mais desfavorecido”23.

Quanto à administração, eram impostas novas exigências por esta cidade ter apoiado a dinastia antecessora.

A alfândega chinesa (ho-pu) da Praia Grande era inaugurada em 1688. “A instalação da alfândega provocou um sucessivo alargamento da esfera de

21 AMARO, 1997: 44. Carlos Montalto Jesus segue esta perspectiva no seu Macau Histórico referindo que “a prosperidade de Macau recebeu um golpe de morte” com o isolamento do Japão em relação ao mundo (JESUS, 1990: 97).

22 AMARO, 1997: 71. A autora justifica esta abertura à comunidade chinesa, com o empobrecimento dos moradores e dificuldades na aquisição de escravos, criando a necessidade de recrutar criados, amas, hortelãos e cules chineses.

(24)

intervenção do poder chinês”24. Em 1732 foi criada uma segunda, a da Praia Pequena.

A partir de 1736, um mandarim (tso-tang) passou a residir em Macau com jurisdição criminal e policial sobre os chineses.

Em 1880, Eça de Queirós no folhetim do Diário de Portugal fazia este retrato satírico da figura do mandarim:

“- O meu prezado hóspede sabe o chinês? - perguntou-me de repente, fixando em mim a pupila sagaz.

- Sei duas palavras importantes, general: «mandarim» e «chá». Ele passou a sua mão de fortes cordoveias sobre a medonha cicatriz que lhe sulcava a calva:

- «Mandarim», meu Amigo, não é uma palavra chinesa, e ninguém a entende na China. É o nome que no século XVI os navegadores do seu país, do seu belo país...

- Quando nós tínhamos navegadores... murmurei, suspirando. Ele suspirou também, por polidez, e continuou:

- Que os seus navegadores deram aos funcionários chineses. Vem do seu verbo, do seu lindo verbo...

- Quando tínhamos verbos... - rosnei, no hábito instintivo de deprimir a Pátria. Ele esgazeou um momento o seu olho redondo de velho mocho - e prosseguiu paciente e grave:

- Do seu lindo verbo «mandar»... Resta-lhe portanto «chá». É um vocábulo que tem um vasto papel na vida chinesa, mas julgo-o insuficiente para servir a todas as relações sociais. O meu estimável hóspede pretende esposar uma senhora da família Ti Chin-Fu, continuar a grossa influência que exercia o Mandarim, substituir, doméstica e socialmente, esse chorado defunto... Para tudo isto dispõe da palavra «chá». É pouco”25.

24 SANTOS, 1998: 31. 25 QUEIRÓS, 2004: 68-69.

(25)

A presença da China em Macau torna-se mais visível e efectiva. Ao mesmo tempo, outras nações europeias (Inglaterra, Holanda, França, Espanha, Dinamarca e Suécia) e os Estados Unidos começaram a aproximar-se do Extremo Oriente, com o intuito de se imporem e envolverem nos negócios da China.

Contudo, as autoridades chinesas pretendiam concentrar as transacções comerciais em Macau mas, tanto o Senado como o Bispo de Macau rejeitaram essa presença, em 1719 e 1733, respectivamente. Então, o local eleito foi a cidade portuária de Cantão que se abriu ao comércio com os ocidentais (1757), embora com certas restrições: os estrangeiros eram admitidos nas suas feitorias construídas fora das muralhas da cidade e a sua estadia só era permitida durante a estação comercial (Outubro a Janeiro). Sem autorização para fixarem aí as suas residências e esposas, os estrangeiros vão afluir a Macau que se tornava na zona residencial e armazenista do trato efectuado com o porto vizinho.

Macau, de meados do século XVII até meados do século XIX, afirmava o seu cosmopolitismo, como “centro de atracção de gentes das mais variadas culturas, raças e línguas”26.

As “garras inglesas” sobre Macau vão sentir-se com mais intensidade nos inícios do século XIX, com as invasões napoleónicas em Portugal. Os ingleses planeavam anexar Macau usando o subterfúgio da defesa. Valeu a sagacidade dos governantes de Macau que, através de um acordo luso-chinês, declinaram todo o auxílio militar estrangeiro. A China seria a primeira defensora da cidade em caso de investida francesa ou outra.

Os ingleses não desistiram e intentaram coagir a China a abrir-lhes uma porta. A revolução industrial que estava em marcha na Inglaterra desde meados do século XVIII, impelia esta nação para a expansão e domínio de amplos mercados de consumo de produtos industriais.

Mas, vai ser o ópio o produto mais apreciado pelos chineses. O ópio gerava fortuna para quem o traficava e desgraça para quem o consumia.

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A China vai tentar impedir a entrada desta droga com variadíssimos decretos imperiais, mas Macau e Cantão vão servir de brecha, ainda que de forma extralegal, para a penetração do ópio no interior da China.

A transacção deste produto, com o seu período mais intenso entre 1770 a 1820, tornou Macau o grande centro comercial deste tráfico, controlado, em grande parte, pelos ingleses que se retiraram de Macau em 182027.

O ano de 1820 marcava o advento do Liberalismo em Portugal, seguido duma guerra civil. Os acontecimentos da metrópole traduziam-se em Macau por um período recheado de escaramuças políticas protagonizadas por absolutistas/conservadores e liberais/constitucionalistas (1822-1824).

Era neste ambiente conturbado que emergia, em Macau, o primeiro jornal intitulado A Abelha da China, fundado a 12 de Setembro de 1822, por Paulino da Silva Barbosa, tendo por redactor principal o dominicano António de S. Gonçalo de Amarante. Este jornal beneficiou das reformas legislativas adoptadas em Portugal que proclamavam a liberdade de imprensa.

“O Abelha revelar-se-ia uma verdadeira vespa para o Partido Conservador”28, chefiado pelo ouvidor Miguel de Arriaga Brum da Silveira. As páginas do jornal eram o principal veículo usado pelo Senado para difundir as informações oficiais e denunciar os abusos e corrupção do poder conservador. Miguel de Arriaga B. Silveira acabou por ser provisoriamente afastado, mas quando retoma o poder o fundador do primeiro jornal de Macau foi preso e deportado para Goa e António de S. Gonçalo foi obrigado a fugir.

Não obstante, o periódico continuava a ser editado, tendo como redactor António José da Rocha, até à sua extinção em 27 de Dezembro de 1823, após ter visto queimar alguns dos seus “virulentos” números, para dar lugar à Gazeta de Macau (1824-1826).

Como se depreende, a política da imprensa nem sempre coincide com a do poder político e as publicações que se assumem como oposição crítica acabam por ser substituídas pelas pró-governamentais, apoiantes de personalidades e dos ideais políticos instalados.

27 GUIMARÃES, 2000: 30. Segundo Ângela Guimarães os britânicos pedem a Macau a interdição da entrada de ópio de Malwa, vindo da região noroeste da Índia por via de Damão. As autoridades de Macau acedem ao pedido a troco de condições. Quando em 1818 os ingleses conseguem o controle dessa área de produção começam a retirar os seus barcos de Macau e estabelecem-se, definitivamente, junto de Lintim, Lantau ou Hong Kong.

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1.4 Domínio das potências estrangeiras no Oriente (de meados do século XIX aos inícios do seguinte)

Os ingleses persistiam em instalarem-se no Império do Meio, e a 1ª Guerra do Ópio29 (1839-1841) vai dar-lhes essa oportunidade. A Inglaterra saiu vitoriosa e a China derrotada. É reivindicada à China a sua abertura “forçada”30 ao exterior. Vai ser fundada a colónia britânica de Hong Kong (1841) o que vai aliciar muitos macaenses, chineses e estrangeiros na busca de riqueza.

Durante esta guerra, a postura de neutralidade sustentada por Portugal foi primordial para preservar a sua independência e manutenção no Oriente. Neste sentido, não havia fundamento para a China se mostrar perniciosa em relação a Macau que se demarcou desta contenda.

Não obstante esta posição, assistia-se à metamorfose de Macau.

Hong Kong “subalternizou este entreposto comercial [Macau] para mais tarde o absorver e satelizar economicamente”31. Macau perdia o exclusivismo de empório ocidental circunscrito no Oriente e, consequentemente, o papel de intermediário económico, social, cultural e tecnológico que preconizava. “Assim, de uma cidade marcadamente europeia, até meados do século XIX, vai-se [Macau] lentamente transformando numa cidade de chineses sob administração portuguesa”32.

Vão ser tomadas medidas para moldar Macau à nova etapa e afirmar a soberania portuguesa, realçando-se a separação de Macau do Governo Geral do Estado da Índia (1844), passando a constituir uma província juntamente com Timor e Solor33; a concessão do estatuto de porto franco ao porto de Macau; a escolha de um novo governador para Macau, João Maria Ferreira do

29 Em 1839 o imperador Tão Kuang nomeou Lin Zexu para o cargo de alto-comissário imperial com largos poderes para acabar de vez com o tráfico do ópio. Lin ordenou a entrega de ópio que se encontrava nas fábricas e armazéns tutelados pelos ingleses. Foram destruídas 20 mil caixas de ópio. Era o início dos confrontos directos entre a Inglaterra e a China.

30 A China vai assinar o Tratado de Nanquim, em Agosto de 1842. Vai ceder Hong Kong à coroa britânica, é obrigada ao pagamento de indemnizações e vai abrir 5 portos ao comércio internacional: Hong Kong, Cantão, Amoy, Fuchau, Ningpó e Xangai.

31 PINTO, 1987: 30. É comummente aceite pelos investigadores portugueses que Hong Kong contribuiu para a decadência de Macau. O Padre Manuel Teixeira cita a revista Le Missioni Cattoliche que escreve: “a prosperidade sempre crescente da colónia de Hong Kong foram a sua [Macau] ruína” (TEIXEIRA, 1977:58.)

32 PINTO, 1987: 30.

33 Timor e Macau viveram diversos períodos de união e separação. Em 1896 Timor passou a distrito autónomo sendo retirado da Província de Macau.

(28)

Amaral34 (1846-1849), para libertar a cidade da opressão dos mandarins de Cantão.

Este governador tomou diversas medidas: encerrou as ho-pus (alfândegas chinesas); colocou sob jurisdição fiscal e penal portuguesa a população chinesa; estabeleceu novas taxas; expulsou o mandarim de Macau; ocupou militarmente a ilha da Taipa e de Coloane; terminou com o pagamento do foro do chão; ordenou a aplicação de uma multa a todos os chineses que fossem encontrados a jogar; e deslocou as sepulturas chinesas para abrir uma estrada até às Portas do Cerco35. Este conjunto de medidas tornaram-se altamente impopulares no seio da comunidade chinesa. O governador Ferreira do Amaral acabou assassinado numa emboscada.

A China aproveitou a ocasião e, pela primeira vez, as tropas chinesas vão atacar Macau, a partir da Fortaleza do Passaleão (1849). O tenente Vicente Nicolau de Mesquita36, juntamente com um punhado de soldados, impõe a retirada dos chineses.

Para reparar o abatimento das receitas alfandegárias, em resultado da franquia do porto, o governo vai admitir a venda de géneros37 e abertura de casas de jogos chineses em regime de exclusivo. O governo ambicionava manter os seus rendimentos e os da população macaense. Contudo, as arrematações dos exclusivos, “ficavam sempre nas mãos dos chineses”38.

34 Nomeado governador de Macau em Dezembro de 1845. Chegou à cidade macaense a 21 de Abril de 1846. Tomou várias medidas que provocaram o descontentamento dos chineses, contudo, aquela que mais os exasperou foi a abertura de uma estrada, desde a Porta de S. António até às Portas do Arco, por implicar a remoção de várias sepulturas. O ódio dos chineses aumentava cada vez mais, por isso, resolveram acabar com o governador. A 25 de Agosto de 1849, o governador Ferreira do Amaral, como de costume saiu para dar um passeio de cavalo, até às Portas do Cerco. Ao regressar, seis chineses cercaram-no e, com golpes de espada, acabaram por matá-lo (TEIXEIRA, 1982: 109-110).

35 Foi construída em 1573 uma barreira, baptizada com este nome que tinha a função de, como o próprio nome indica, cercar os portugueses naquele espaço e isolá-los de contactos com os chineses, já que esta porta foi construída no istmo que liga a península ao resto do Império Chinês. Contudo, ela é fruto de desconfianças mútuas: medo do diferente e do estranho, se tivermos em conta as diferenças físicas, linguísticas, de modos e costumes, hábitos e vestuário, etc., que, numa primeira fase obrigam todos os chineses a abandonarem a zona ocupada pelos portugueses durante a noite. Esta fronteira material marca a força coerciva exercida pelos mandarins das zonas vizinhas em relação aos portugueses por impedirem o abastecimento de alimentos à cidade e, assim, alcançarem os seus intentos.

36 Os redactores do Eco Macaense propunham a construção de monumentos, tanto para este indivíduo, como para o governador Ferreira do Amaral. Homenagens que seriam integradas nas comemorações do 4º Centenário da descoberta do caminho marítimo para a Índia.

37 Alguns desses produtos são, por exemplo, a carne de vaca (1849), a carne de porco (1855) e o ópio cozido (1878).

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No final da primeira metade do século XIX, a Europa punha fim à escravatura “submetendo pela primeira vez em grande escala os interesses económicos aos humanitários”39.

Em consequência desta decisão, as Américas vão resgatar jovens chineses para colmatar o vazio deixado pelos escravos africanos. Assim, vai inaugurar-se na China a escravatura dos cules ou culis.

Percebe-se que esta era uma época de paradoxos, pois ao mesmo tempo, ainda que em espaços geográficos diferentes, terminava e começava a escravatura de homens.

Nesta conjuntura, Macau tornava-se porta(o) aberta(o) para a saída de chineses em direcção à América e os macaenses intermediários de um tráfico de grande monta, ainda que, dominado por capitais e agentes estrangeiros.

Surgia a figura do “angariador de emigrantes”40 que não olhava a meios para atingir os seus fins, sujeitando a condição humana à avidez económica.

Quer o governo chinês, quer o português condenavam esta emigração escrava.

Neste contexto, para evitar o aumento dos abusos cometidos pelos traficantes, o governo português promulgou diversas leis e regulamentos, estabeleceu uma vigilância mais apertada e criou a superintendência da emigração, sem, contudo, conseguir resultados positivos.

Andrade Corvo dizia então que “a administração buscava não perturbar um comércio que considerava como origem da prosperidade de Macau”41. A questão não era a lei, mas a sua regulamentação, aplicabilidade e sanções para quem não a cumprisse.

Desde os seus primórdios, o contorno da lei tornou-se uma característica da vivência em Macau.

De qualquer forma, a influência portuguesa foi declinando. Fizeram-se reajustamentos respeitantes ao Padroado Português no Oriente. Em conformidade com a nova conjuntura – estabelecimento dos britânicos em zonas da Índia e na China – a Concordata de 1857 vinha terminar com

39 GUEDES, 1988/89: 42. 40 GUEDES, 1988/89: 42. 41 CORVO, 1988/89: 52.

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situações ambíguas. A esfera de influência portuguesa era reduzida a Cantão, retirada, posteriormente, pela bula Universis Orbis de 1874.

Em 1865, era instituída a Procuratura dos Negócios Sínicos42 em Macau com o propósito de tratar de matérias relacionadas com a comunidade chinesa. Esta instituição era a “mais visível da administração mista”43.

Os confrontos provocados pela 2ª Guerra do Ópio (1856-58) conduziram a diversas revoltas, sendo a mais violenta a revolta dos Taiping44 (1850-1864). O que provocou uma maior afluência de chineses a Macau e, previsivelmente, maior dinamização de barcos e do comércio da cidade. Assim, o porto de Macau era dotado, em 1864, com o Farol da Guia e na década de 80 o engenheiro Adolfo Loureiro será encarregue de elaborar estudos para o seu melhoramento. O valor estimado (cerca de 2200 contos de réis) afigurava-se incomportável para as finanças tanto de Macau como de Portugal e o projecto era adiado.

A França disponibilizava empréstimos para promover melhorias na cidade de Macau, nomeadamente no porto. Em contrapartida, solicitava o monopólio do jogo, por um período de 48 anos, terrenos para construir hotéis, casinos e outros locais de entretenimento e, ainda, a troca de Macau e da Guiné por regiões do Congo francês.

Esta última condição punha em sobressalto a Inglaterra que tinha como vizinha concorrencial a França. A China era pressionada pelos ingleses para assinar um acordo com Portugal de forma a salvaguardar as conveniências britânicas. Nesta conjuntura surgia o “Tratado de Amizade e Comércio entre Portugal e a China” celebrado em 1887 e já anteriormente tentado em 186245.

42A 5 de Julho de 1865, o cargo de Procurador passou a ser de nomeação régia mediante proposta do governador. A este competia ser o interlocutor e representar os interesses portugueses nas relações diplomáticas com as autoridades chinesas.A abolição da Procuratura dos Negócios Sínicos deu-se a 20 de Fevereiro de 1894 pelo Regimento de Administração da Justiça nas Províncias Ultramarinas.

43 FIGUEIREDO, 2000: 68.

44 O líder do movimento, Hong Xiuquan, tinha por objectivo derrubar o poder manchu e estabelecer a nova ordem. “Os Taiping baniram o culto dos antepassados, destruíram os ídolos, observavam os dez mandamentos, proibiam o ópio, o jogo, a prostituição, as bebidas alcoólicas, a poligamia e defenderam a igualdade de todos os homens e mulheres, (...) preocupavam-se com os doentes, os diminuídos, as viúvas e os órfãos. Tentaram também abolir a propriedade privada e distribuir as terras por todos. (...) Os Taiping, cegos pelo seu fanatismo, efectuaram tremendos massacres de milhões de pessoas” (CARMO, 1997: 85). Os Taiping tomaram Naquim e aproximavam-se de Pequim quando foram derrotados com a ajuda das forças militares estrangeiras. Além desta revolta, a China teve de enfrentar outras três: a dos Nien (1851-68), as revoltas muçulmanas no sul (Yunnan) e a noroeste (Tungan), respectivamente de 1855 a 1873 e de 1862 a 1878.

45 No período intermédio entre a 1ª Guerra do Ópio e a 2ª, Portugal pressiona as autoridades chinesas no sentido do reconhecimento e esclarecimento da soberania portuguesa em Macau. O Tratado de 1862

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Portugal, ao assinar este Tratado, “mais do que objectivos comerciais, tinha objectivos políticos”46. Nesta perspectiva, figuravam os artigos II e III, em que a China confirmava a perpétua ocupação e governo de Macau por Portugal, enquanto este país se comprometia a nunca alienar Macau sem prévio acordo da China.

Portugal via garantida a sua soberania sobre Macau mas, na prática, persistia a sua partilha com a China, numa espécie de negociação ambivalente.

Ao longo da segunda metade do século XIX, a China vai ser avassalada por forças estrangeiras que, aproveitando-se do seu enfraquecimento interno, vão impor-lhe tratados desvantajosos47.

Entre 1894-1895 o Império Chinês envolvia-se numa guerra contra o Japão pela posse da Coreia. “Mais uma vez a China sai derrotada. É perdida não só a Coreia como a Formosa, as Ilhas dos Pescadores e a província onde se situa a cidade de Porto Artur. Na sequência desta derrota a Europa impôs novos tratados à China”48.

A salvaguarda dos interesses estrangeiros na China, em detrimento dos interesses nacionais, criava na população chinesa um ambiente propício à revolta contra os estrangeiros, o que veio a acontecer entre 1898-1901 na chamada revolta dos Boxers, pois os estrangeiros e chineses, convertidos ao catolicismo, eram vistos como ameaça à soberania da China e ao budismo. Desta revolta resultaram 32000 mortos.

Em Macau, à excepção de pequenas escaramuças junto à Porta do Cerco, esta revolta “passou ao lado”. Talvez porque a população de Macau não fosse considerada estrangeira e a sua presença não fosse considerada uma ameaça para a China.

Várias tentativas foram efectuadas, entre 1902 e 1909, para definir os limites de Macau e das suas dependências – ilhas da Taipa, Coloane, D. João e Montanha – e das águas territoriais. Decisões constantemente adiadas pelos responsáveis chineses.

concedia apenas soberania titular a Portugal. Quando o governador José Rodrigues C. do Amaral se desloca a Tianjin para a ratificação, o governo chinês recuou e pretendia modificar cláusulas previamente acordadas. O governador não aceitou tal postura e o tratado ficou adiado.

46 ARESTA, 1997: 105.

47 A Rússia integra o norte da Manchúria, na Sibéria, a França ocupa, na Indochina, os reinos de Assam, Tonquim e Cambodja, entre outros.

48 AMARO, 1997: 157-158. A Alemanha ocupa alguns portos, a Grã-Bretanha ocupa a Birmânia, e os Estados Unidos, as Filipinas e o Hawai.

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Em 1910 era proclamada a República em Portugal, ocorrência comunicada a Macau via telegrama. Diversos assuntos pendentes e melindrosos, essenciais à sobrevivência de Macau, vão ser transferidos para a alçada da administração republicana, como a delimitação das águas de Macau, as obras do porto e a construção da ligação ferroviária entre Macau e Cantão.

Passado um ano, era a China que adoptava a República como sistema político. Macau ia albergar no seu solo o médico Sun Yat Sen, o obreiro da revolução republicana chinesa, que usou as páginas do jornal Eco Macaense49 para divulgar as suas ideias.

2 IMPRENSA MACAENSE

A implantação do regime Liberal em Portugal criou condições para o nascimento da imprensa periódica no ultramar. O projecto de lei sobre liberdade de imprensa apresentado às cortes constituintes, em 1821, pelo Dr. Francisco Soares Franco era aprovado. Este princípio ficava consagrado na Constituição de 23 de Setembro de 1822. A censura aos textos sobre dogma e a moral mantém-se “nas mãos do bispado”50.

Daqui em diante, começavam a emergir jornais nas diversas colónias: na Índia, a Gazeta de Goa, em 22 de Dezembro de 1821; a Abelha da China, em Macau, a 12 de Setembro de 1822; em Angola, a Aurora, editada, em 1855; em Moçambique, o Progresso, em 1868; o Independente, em Cabo Verde, em 1877; em S. Tomé e Príncipe, o Equador, por volta de 1870; na Guiné, a Fraternidade, em 1883 e, em Timor, após separação do governo de Macau, o Boletim Oficial.

No âmbito do império português ultramarino, a imprensa periódica macaense esteve na vanguarda. Segundo Pedro Mesquita51 a vida dos jornais de Macau foi marcada por três factores: longa vigência da censura (com hiatos de dois períodos: Agosto de 1842 a 1844 e após a introdução da República); descontinuidade territorial, sobretudo a partir de 1860, fazendo de Hong Kong o espaço privilegiado dos periódicos macaenses; e, o terceiro factor, menos

49 Ver anexo 1.

50 Imprensa, Censura e liberdade, 1999: 54. 51 MESQUITA, 2000: 540.

(33)

específico, que insere Macau num círculo regional de imprensa europeia. Antes de Hong Kong, Macau abrigava os jornais ingleses que circulavam na região, mas após o surgimento desta colónia inglesa (década de 40 do século XIX) iniciou-se o movimento inverso, com a publicação de jornais macaenses em Hong Kong, Xangai e Cantão. Os jornais de língua portuguesa publicados em Macau estabeleciam relações estreitas com a imprensa inglesa de Hong Kong, com jornais espanhóis das Filipinas e, particularmente, com os jornais da metrópole.

A Abelha da China foi o primeiro jornal a publicar-se em Macau, a 12 de Setembro de 1822. Este semanário publicava-se às quintas-feiras e era uma espécie de porta-voz das ideias liberais. O periódico instituiu, “uma escola e uma tradição que nunca morreriam na imprensa de Macau: as «Cartas ao Director»”52.

Depois deste periódico outros emergiram, com uma existência mais ou menos prolongada53. O terminus de cada jornal resultava, por um lado, das dificuldades económicas para o seu sustento, por outro, das pressões políticas.

Porque raros foram os títulos que duraram mais de dez anos ou que transitaram de uma década à outra, optou-se por indicar os títulos por décadas (entenda-se periódicos fundados e não o número de jornais), já que tal não falseia o resultado final.

52 GUEDES, 1990: 57. 53 Ver anexo 2.

(34)

Quadro 1 – Número de periódicos publicados em Macau, por

décadas, até 1910

Décadas Nº de periódicos 1822-1829 2 1830-1839 10 1840-1849 5 1850-1859 1 1860-1869 3 1870-1879 4 1880-1889 4 1890-1899 5 1900-1910 2

Pela análise do quadro verifica-se a existência de períodos mais intensos (1831-1850; 1871-1899) e períodos mais fracos (1851-1870; 1900-1910). Houve uma ausência de publicação de jornais portugueses, ao longo de 18 anos (1846-62), instituindo-se o regime de jornal único, com a circulação do Boletim Oficial que assumia para si a função de publicador de tudo o que fosse considerado de interesse público. O Padre Manuel Teixeira avançava com algumas hipóteses que tentavam entender este período de letargia: decadência económica de Macau, após a fundação de Hong Kong, que impedia a sustentabilidade de jornais; rigidez do governador Ferreira do Amaral e rigores da censura54.

“Neste espaço de tempo começou a desenhar-se o que seria a tendência posterior da imprensa sobre Macau: a publicação fora do território, quer como forma de escapar à censura quer porque inserida no movimento de emigração dos Macaenses”55.

54 Publicação “em Portugal da lei de Costa Cabral, alcunhada «a lei das rolhas», restringindo a liberdade da imprensa. Só em 1866 é que foi promulgada a mais liberal de todas as leis portuguesas relativas à imprensa e, desde então nunca mais se deram em Macau grandes interrupções na imprensa periódica” (TEIXEIRA, 1965:37).

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Conjectura confirmada aquando do desaparecimento do Eco Macaense, logo seguido pelo Lusitano, que cessava a sua publicação a 24 de Dezembro de 1899, deixando Macau estéril na publicação de jornais de língua portuguesa, sendo encerrada uma época copiosa da imprensa macaense. Contudo, o público leitor da cidade socorria-se dos dois periódicos portugueses publicados em Honk Kong – O Porvir e o Extremo Oriente.

O quadro seguinte mostra as publicações periódicas portuguesas contemporâneas do Eco Macaense, no território macaense.

Quadro 2 – Periódicos publicados em Macau (de língua portuguesa)

contemporâneos do

Eco Macaense

1890 1891 1892 1893 1894 1895 1896 1897 1898 1899 1900 Echo Macaense Boletim Oficial O Independente Oriente Português O Lusitano A Voz do Crente

O Boletim Oficial iniciou a sua publicação a 5 de Setembro de 1838. A vida deste periódico nos seus primeiros anos de existência foi irregular. A partir de “1 de Janeiro de 1846 voltou a publicar-se, e agora em definitivo”56. Durante os anos de 1846 a 1862 foi o único periódico publicado em Macau, o mesmo acontecendo nos anos de 1867, 1871, 1881 e entre 1900 a 1903 altura em que se deu início à publicação do Boletim Eclesiástico.

Por uma Portaria (nº 25) de 6 de Fevereiro de 1879, o governador Carlos Eugénio Correia da Silva determinou que o Boletim fosse publicado em português e chinês, “determinação que ainda hoje [1965] se mantém, aparecendo só em chinês o que interessa à população chinesa”57.

56 MESQUITA, 2000: 559. 57 TEIXEIRA, 1965: 29.

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Ao longo da sua existência apresentou diversos títulos; a 2 de Janeiro de 1897, aparece como Boletim Oficial do Governo da Província de Macau, sendo-lhe retirado do cabeçalho a palavra Timor fruto da separação destas colónias.

O Eco Macaense socorria-se de transcrições retiradas do Boletim, principalmente, de artigos oficiais, como decretos e portarias dos mais variados assuntos.

O Independente foi fundado em Agosto de 1868 por José da Silva, com uma periodicidade quinzenal, passando a semanal a 7 de Maio de 1878. Este periódico foi suspenso por diversas vezes, o que aconteceu em Julho de 1890 e em Novembro (17) de 1894, sendo retomada a sua edição em Julho (18) de 1891 e em Setembro (12) de 1897, respectivamente.

O Independente e o Eco Macaense tiveram uma acção conjunta de apoio ao governador Horta e Costa, principalmente, no último período do seu mandato. Esta “união da imprensa” era comentada pelo Eco Macaense com estas palavras: “nada mais bello que o coro da imprensa quando ella canta unisona os versiculos do dever, e nada mais imponente que esse pregão do maravilhoso invento de Guttemberg quando fulmina a inépcia e os abusos dos nossos satrapas”58. Com a chegada do governador Eduardo Augusto Galhardo “os dois jornais dividiram aquele que foi o seu derradeiro sopro de vida no apoio ao magistrado, por O Independente, e na sua oposição, pelo Echo Macaense”59.

A 7 de Agosto de 1898 o Eco Macaense referia que a redacção de O Independente tinha resolvido abandonar o jornal, tendo por ambição fundar um novo periódico mas o seu editor – José da Silva – tinha pretensões de continuar com esta publicação. Porém, a partir desta data o Eco Macaense não fez mais nenhuma referência a esse hebdomadário. O Padre Manuel Teixeira indica 24 de Julho de 1898 como a data do final desta publicação60.

Assim, Artur Tamagnini Barbosa e João Pereira Vasco (ex-redactores do jornal O Independente que se digladiaram com o jornal de Francisco H. Fernandes) fundaram um novo periódico – O Lusitano. Em relação a este último o Eco Macaense felicitava o seu aparecimento escrevendo que “em

58 EM 26.09.1897, p. 2 59 MESQUITA, 2000: 579. 60 TEIXEIRA, 1965: 42.

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principio nunca será demais, qualquer jornal que appareça, quando saiba cumprir a sua elevada missão, promovendo o bem estar geral e sendo como que a atalaia das publicas liberdades”61. Como seria de prever O Lusitano surgia como adversário do Eco Macaense que a 4 de Setembro de 1898 fazia este comentário: “será um paladino officioso dos poderes publicos e para deitar poeira nos olhos, será, excepcionalmente, audaz nas aggressões ao leal senado e aos individuos particulares. (...) Não duvidamos desde já apostar uma orelha, se o Lusitano for capaz de reprovar qualquer arbitrariedade que, porventura, dimanar do governo provincial"62.

O Oriente Português apareceu a 26 de Abril de 1892 e “tinha como administrador A. V. da Silva e a sua redacção e administração estavam instaladas no n.º 1 da Rua dos Prazeres63. A 16 de Janeiro de 1894 era anunciado pelos articulistas do Eco Macaense o seu termo mas ignorados os motivos para tal decisão.

A Voz do Crente era um semanário católico impresso na tipografia do Seminário de S. José, sendo António Borges o seu editor. Principiou a sua publicação a 1 de Janeiro de 1887 e cessou-a a 29 de Dezembro de 1894. Foram seus redactores, além do fundador e editor, os Padres José Maria, Narciso e Ilídio e os leigos Horácio Poiares e António Joaquim Basto.

Segundo o Padre Manuel Teixeira “de 1889 em diante o jornal quase se limitava às notícias locais, enchendo as suas páginas com longos excertos de encíclicas papais, cartas pastorais e livros morais, perdendo assim todo o interesse”64.

Macau vai ser palco de uma guerra aberta entre o Eco Macaense e A Voz do Crente. A polémica instalada entre estes jornais vai ocupar largo espaço nas páginas do Eco Macaense. O “diálogo” aceso entre eles deixava transparecer apoios a personalidades posicionados em quadrantes políticos e religiosos opostos.

O Eco Macaense apadrinhava as acções do governador Horta e Costa, que estava ligado ao Partido Regenerador, e do Leal Senado, enquanto A Voz do Crente protegia Artur Tamagnini Barbosa, alvo de uma sindicância imposta

61 EM 21.08.1898, p. 2 62 EM 04.09.1898, p. 3 63 MESQUITA, 2000, 578. 64 TEIXEIRA, 1965: 51.

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por aquele governador à Santa Casa da Misericórdia, da qual Artur T. Barbosa era Provedor, o cónego Ilídio, tesoureiro e o cónego Narciso, mesário.

Acresce, ainda, o facto do jornal A Voz do Crente, segundo os redactores do Eco Macaense, ser identificado como “[a] Voz do ... exmo. Prelado”, numa clara alusão ao Bispo Joaquim António Medeiros que tinha saído em defesa dos membros da Santa Casa da Misericórdia. Além disso, o Bispo era afecto ao Partido Progressista.

Estas dissenções criaram um clima de ataques e ofensas pessoais que levaram à intervenção do governador Horta e Costa, suspendendo os periódicos por um período de 30 dias. Esta suspensão teve “por fim serenar os animos e pôr [c]obro ás polemicas havidas entre os dois jornaes e que iam creando desharmonia [e] desassocego entre os habitantes d'esta cidade"65.

Não obstante esta suspensão, os redactores do Eco Macaense preveniam os seus leitores das intenções de regresso, o que aconteceu não após os 30 dias previstos mas a 2 de Fevereiro de 1896. A Voz do Crente deve ter cessado a sua publicação pois terminaram as referências a este jornal (a leitura de bibliografia sobre o assunto não esclarece a data do terminus deste jornal).

De seguida, faz-se uma análise crítica do Eco Macaense que constitui o objecto de estudo desta dissertação.

2.1 O Eco Macaense

Para compreender o Eco Macaense é indispensável integrá-lo no espaço e na vivência/mentalidade da época. Neste sentido, apresenta-se uma síntese da última década de Macau oitocentista:

- O ano de 1890 era marcado pelo Ultimatum imposto a Portugal pela Inglaterra que originou o abandono do projecto do Mapa cor-de-rosa e, consequentemente, sentimentos antibritânicos sustentados por “ressentimentos históricos, pela perda da Índia, pelo Tratado de Methuen, (...) o enforcamento

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de Gomes Freire de Andrade e a independência do Brasil, e pela tese de que os ingleses só se moviam por dinheiro”66.

- Emigração de chineses, via Macau, em direcção ao México, Peru, Brasil, entre outros.

- Em 1893 foi criado pelo poder central de Portugal o Liceu de Macau e instituída a Biblioteca Nacional de Macau vinculada ao Liceu. Em 1895 funda-se a Escola Central Feminina.

- Macau teve assento na Exposição Colonial, realizada no Palácio de Cristal, na cidade do Porto (1894).

- Guerra sino-japonesa (1895).

- Desde 1896 Timor passou a distrito autónomo sendo retirado da Província de Macau.

- Peste bubónica em Macau, Hong Kong e Cantão (1895, 1897 e 1898). - Entre 1898 e 1899 ganhava força, entre a classe política da metrópole, a ideia de alienar as colónias, por não darem qualquer rendimento ao Estado, sobretudo a de Moçambique. Esta era também a opinião defendida pelo ministro da Marinha e Ultramar, José Bento Ferreira de Almeida, em 1895. Ingleses, bóeres e alemães “trataram de arranjar dinheiro para convencer Portugal a dar-lhes a posição de herdeiro mais favorecido no seu testamento colonial”67.

Quem considerava vender Moçambique podia muito bem cogitar em desfazer-se de Macau. O pensamento já não era totalmente novo, já anteriormente a ideia da venda de Macau aos franceses, precipitara a assinatura do Tratado de 1887, entre Portugal e a China.

- Guerra dos Boxers na China (1898 a 1901) – Guerra declarada contra os estrangeiros que eram considerados os culpados da situação desonrosa que a China vivia no palco internacional e do agravamento das condições de vida dos chineses.

- Implantação da República (em Portugal, em 1910, e na China, em 1911).

66 RAMOS, 1993: 38. 67 RAMOS, 1993: 146.

Imagem

Figura 1 – Planta da Península de Macau (1889)
Gráfico 1 – Temática abordada na 1ª página do Eco Macaense

Referências

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