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2.1 O Eco Macaense

2.1.3 O Eco Macaense sob o ponto de vista ideológico

Os redactores do Eco Macaense identificavam a sua orientação política, quando ao referirem-se à morte de Carlos Lobo de Ávila, pertencente ao Partido Regenerador, escreviam: "Está de luto o partido regenerador e com elle a politica portugueza; e nós que nos orgulhamos de pertencer aquelle partido, choramos a perda do illustre extincto"90.

A respeito das conotações político-ideológicas do jornal, João Guedes afirmava o seguinte:

“O «Echo» (...) reflectia orientações políticas de grupo que iam desde certa facção macaense não afecta aos círculos tradicionais da Igreja Católica e a ela ligados, até alguns sectores da administração pública da Colónia com destaque para o próprio governador Horta e Costa que tinha no jornal um estrénuo defensor91.

Assim, percebe-se o apoio político e pessoal do Eco Macaense ao governador Horta e Costa afecto, também ele, ao Partido Regenerador. Em contrapartida, o Bispo António Joaquim Medeiros estava ligado ao Partido Progressista. A digladiação destes dois partidos pela posse do poder cria cisões na sociedade macaense.

A clara identificação do jornal com um partido e seus ideais explica-se pela pequenez do território de Macau, onde todos se conheciam. As conotações políticas do Eco Macaense podiam também deduzir-se pelas relações pessoais do seu proprietário, entre elas, destaca-se a figura de António Joaquim Basto. Este indivíduo ocupou o cargo de Presidente do Leal Senado. A publicar as actas das sessões desta instituição local, o periódico estava a dar-lhe voz e a publicitar os seus actos em prol do desenvolvimento local.

O Eco Macaense condenava o intervencionismo estatal na economia, segundo os seus redactores o Estado devia permanecer impassivel perante a crise. “ Só em Portugal, devido á nossa extrema decadencia, é que se invoca a

90 EM 18.09.1895, p. 2 91 GUEDES, 1991, 71-72.

intervenção do governo para tudo. (...) Quanto a nós, a missão do Estado está bem definida perante a razão e os bons principios. Quer em circumstancias normaes, quer anormaes, elle deve limitar-se a manter a ordem, a segurança, o respeito de propriedade e a liberdade das transacções"92.

O Lusitano acusava o Eco Macaense de ter ideias republicanas.

No capítulo seguinte apresenta-se uma breve panorâmica de Macau, nos seus aspectos demográfico, político-administrativo e económico, pela voz do Eco Macaense, referentes ao período em estudo.

II ECONOMIA, POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO

No pulsar social e cultural de Macau, dos finais do século XIX, intervinha uma série de factores que actuavam, directa ou indirectamente, na vida privada ou colectiva dos actores sociais que compunham este espaço, induzindo os indivíduos a determinadas opções, decisões e atitudes.

Neste sentido, afigura-se pertinente conhecer a evolução da população portuguesa e chinesa, em Macau; a conjuntura político-administrativa da cidade e as conexões do Eco Macaense com o poder político central e local (Governo e Senado), com as medidas de fomento económico adoptadas e a posição crítica do jornal (de apoio ou de oposição).

1 População e Economia

Afirmava-se, no periódico, que a área de Macau era de 3,6 km2, com uma população de cerca de 80 mil pessoas, composta, principalmente, por chineses. O recenseamento da população de Macau, Taipa e Coloane, de 13 de Fevereiro de 1896, veio confirmar esta supremacia.

Segundo os redactores do Eco Macaense, este recenseamento funcionava como uma espécie de barómetro porque através dele podia apreciar-se o estado de prosperidade ou decadência da colónia de Macau. Durante algumas semanas, a equipa redactorial deste semanário optou por publicar tabelas e transcrever excertos do relatório produzido pela comissão encarregue deste recenseamento. Além disto, eram elaborados artigos de opinião, apresentando comentários, críticas e sugestões de resolução dos problemas que afectavam a cidade.

Apresenta-se de seguida, um quadro da população absoluta de Macau, elaborado a partir dos dados do recenseamento geral.

Quadro 3 – População absoluta de Macau, Taipa e Coloane

93

(1896)

Secções

Portugueses Chinese

s

Ingleses Alemães Mouros Espan

h

ó

is

Holandeses Franceses Itál

ia

Japoneses Americanos Siameses Suec

o s D inamarqueses To tal Freguesia da Sé 1.950 8.445 24 2 18 2 1 2 3 1 1 10.449 “ de S. Lourenço 1.041 9.153 44 3 8 11 1 8 10.269 “ de Santo António 393 5.000 4 3 1 5 1 1 5.408 “ de S. Lazaro 194 1.991 2.185 Bairro do Bazar 2 14.506 4 14.512 Bairro do Mang-há Compreendendo Lung-tin-chin Lung-van-chin Tap-sine 1 1 4 2.616 Chiac-lu-táo Macau-seac Ilha verde Bairro do Patane

Compreendendo Sa-kong Santi e San-kio 108 --- 2.502 5.658 5.658

População terrestre de Macau 3.688 47.255 73 5 26 14 1 2 7 14 6 1 1 4 51.097

Porto de Macau 118 14.511 6 1 14.636 Conce lho de M aca u Total da população 3806 61.766 79 5 26 14 1 2 7 14 7 1 1 4 65.733 Vila da Taipa 70 4.537 4.607 “ de Coloane 20 3.392 3.412

Portos da Taipa e Coloane 2 4.873 4.875

Conce

lho de T

aipa

e Coloane

Total da população de Macau, Taipa e Coloane

3.898 74.568 79 5 26 14 1 2 7 14 7 1 1 4 78.627

Fonte: Eco Macaense 07.03.1897, p. 2

Pela análise do Quadro 3, chega-se à conclusão que a população absoluta de Macau, Taipa e Coloane era composta por 78.627 indivíduos. Destes 74.568 eram chineses, o que representava 95% da população, distribuídos, fundamentalmente, pelo Bairro do Bazar e pelas freguesias de S. Lourenço e da Sé, 3.898 eram portugueses, residentes nas freguesias da Sé, S. Lourenço e de Santo António e 161 eram estrangeiros, dos quais 79 eram de origem inglesa e, maioritariamente, distribuídos por estas três últimas freguesias.

93 Taipa e Coloane – ilhas ocupadas, militarmente, pelos portugueses em 1851 e 1864, respectivamente. Neste estudo, apenas foi considerada a península de Macau, dada a pouca relevância destas ilhas.

Constata-se que a sociedade de Macau e ilhas caracterizava-se por ser multicultural, devido à diversidade de indivíduos que aqui residiam, oriundos das várias partes do mundo, verificando-se um intercâmbio cultural entre o Ocidente e o Oriente.

Com o intuito de conhecer as flutuações da população chinesa de Macau e Taipa, apresenta-se um quadro comparativo respeitante aos anos de 1867 a 1896.

Quadro 4 – População chinesa dos concelhos de Macau e da Taipa

a) O censo da população terrestre deste ano refere-se ao dia 14 de Junho. O da população marítima refere-se a 25 de Janeiro de 1868.

b) O recenseamento da população terrestre e marítima reporta-se ao dia 31 de Dezembro dos respectivos anos.

c) Nos anos de 1867 e 1871 não foi recenseada a população terrestre e marítima do concelho e porto da Taipa.

Fonte: Eco Macaense, 07.03.1897, p. 2

Entre 1867 e 1871, a população chinesa terrestre de Macau não sofreu grande alteração, sendo respectivamente, de 56.252, e de 56.207, mas em 1878, desceu para 46.619, mostrando uma diminuição de 17% (9.588) indivíduos. Esta diferença “proveiu naturalmente do facto de ter sido prohibida, durante o intervallo de 1871 a 1878, a emigração chineza para Havana e Peru pelo porto de Macau, a qual trazia outr’ora a esta cidade um grande numero de forasteiros, engajadores e outros”94. Além deste, os redactores apontam outros motivos, para explicar este retrocesso, tais como: o aumento dos impostos

94 EM 07.03.1897, p. 1

Anos

Designação 1867a) 1871b) 1878b) 1896

População terrestre de Macau 56.252 56.207 46.619 47.255 População Terrestre da Taipa c) c) 6.074 7.929 População marítima de Macau 15.590 10.060 8.831 14.511

População marítima da Taipa c) c) 2.008 4.873

sobre bens de primeira necessidade, como o petróleo, o sal, o peixe, o porco, entre outros e, consequentemente, o agravamento dos preços dos exclusivos e encarecimento da vida, em geral.

Desta forma, os chineses abandonavam a cidade em busca de zonas onde os comestíveis e outros produtos fossem de menor custo.

O jornal era da opinião que Macau estava a perder o único elemento que ainda era competitivo em relação a Hong Kong, a “barateza da vida e do aluguel de casas, pois que a razão principal por que muitas industrias chinezas teem permanecido em Macau, é porque aqui os prédios custam menos, e até ha bem pouco tempo, a mão de obra era mais barata, por custar menos o sustento dos operários”95.

A população marítima, também revelou oscilações. Em 1867, o seu total cifrava-se em 15.590 indivíduos; em 1871, desceu para 10.060, havendo uma diferença de 17% (5.530 indivíduos). Esta diminuição justifica-se pela pouca afluência de juncos no porto de Macau, “que tem a sua explicação na circumstancia de que o commercio entre Macau e os portos chinezes, entre 1867 a 1871, estava quasi completamente livre da fiscalização das alfandegas chinezas, e por isso os juncos affluiam a Macau carregados de mercadorias sem pagar os direitos aduaneiros á China”96. Em 1878, esta população desceu para 8.831, ascendendo em 1896 para 14.511. Esta subida deveu-se ao facto do recenseamento ter sido feito no “dia 1º da 1ª lua, quando o porto de Macau costuma estar apinhado de juncos da pesca, que vem aqui celebrar as festas do anno novo”97.

Em relação à população chinesa da Taipa, para os anos em que houve recenseamento (1878 a 1896), quer a terrestre como a marítima registaram um aumento considerável, de 1.855 e 2.865, respectivamente.

Quando se compara a população chinesa de Macau, Taipa e Coloane de 74.568 indivíduos, em 1896 contra os 63.532 indivíduos, em 1878 verifica-se que houve um aumento de 15%, “o que denota um progresso, mas muito vagaroso e insignificante para um periodo de 18 annos, comparado com o que tem havido em Hongkong. (...) Vemos que em 19 annos, a saber, desde 1872 a

95 EM 05.04.1896, p. 1 96 EM 07.03.1897, p. 1 97 EM 07.03.1897, p. 2

1891, o augmento da população chineza de Hongkong foi de 82%, pois que de 115,564 individuos que era de 1872, subiu a 210,995 em 1891”98.

Os redactores do Eco Macaense estavam convictos que esta diferença era justificada pela protecção e fomento que os ingleses dispensavam à indústria em geral, procurando embaratecer os produtos de primeira necessidade, para que os salários dos operários pudessem ser baixos.

Para o apuramento da evolução da população portuguesa em Macau elaborou-se o seguinte quadro:

Quadro 5 – A população portuguesa, chinesa e estrangeira de Macau nos

anos de 1878 e 1896

ANOS 1878 1896 Portugueses (Macau, Taipa e Coloane) 4.476 3.898

Fonte: Eco Macaense 21.02.1897, p. 1

Verifica-se que entre estas duas datas, a população portuguesa diminuiu em 13%.

Os portugueses e seus descendentes estavam a abandonar Macau, tendo apontado o Eco Macaense os seguintes motivos para tal atitude:

“Todos elles vivem do commercio ou de profissões e officios que se ligam com o commercio. (...) Foi depois de 1842, quando a China, em virtude do tratado de Nanking abriu ao commercio estrangeiro os portos chinezes de Cantão, Amoy, Fucháo, Ningpô e Shangae, que os portuguezes de Macau irradiaram para esses portos e ahi se estabeleceram, constituindo familias”99.

98 EM 22.11.1896, p. 2 99 EM 21.03.1897, p. 2

Os negócios ou profissões ligadas ao comércio eram a fonte de sustento das famílias portuguesas de Macau. A fundação de Hong Kong e a centralização do comércio, do Extremo Oriente, nessa zona, atraía a população de Macau em busca de melhores condições de vida. Contudo, a diáspora dos habitantes de Macau não se confinava, unicamente, a Hong Kong. Os outros portos adjacentes funcionavam, também, como pólos de atracção de população.

Apresenta-se de seguida, um quadro com a dispersão dos portugueses pelo Extremo Oriente, elaborado a partir dos dados do recenseamento:

Quadro 6 – População portuguesa nos portos do Extremo Oriente, em

1896

Local Hong Kong

Cantão Fucháo Xangai Singapura Soerabia Yokoama Nagazaki Bangkok

Porto 1.309 68 13 738 71 3 88 10 71

Fonte: Eco Macaense 21.03.1897, p. 2

Constata-se que Hong Kong era a zona que exercia maior atracção sobre a população portuguesa de Macau, logo seguida de Xangai que albergava uma comunidade lusitana razoável. Yokoama, Singapura, Bangkok e Cantão apresentavam-se como locais menos preferidos pelos portugueses. Quanto a Fuchaó, Nagazaki e Soerabia a sua presença era residual.

O quadro seguinte mostra a distribuição da população portuguesa e estrangeira pelas freguesias de Macau, entre 1871 a 1896:

Quadro 7 – Quadro comparativo da população não chinesa

distribuída pelas freguesias de Macau (1871, 1878 e 1896)

Freguesias e Bairros Anos

1871 1878 1896 Sé 3102 2270 2004 S. Lourenço 1872 1343 1116 Santo António 489 439 408 S. Lazaro .. 353 194 Mong-há .. .. 114 Bazar .. .. 6

Taipa, Coloane e seus portos .. 45 92

Porto de Macau .. 54 125

5463 4504 4059

Fonte: Eco Macaense 07.03.1897, p. 2

Comparando estes dados com os do quadro 3 assiste-se, a partir de 1896, a uma dispersão da população não chinesa pela freguesia de Mong-há, Bazar, Taipa, Coloane e seus portos. Esta mobilidade, segundo os redactores, era explicada pelo facto dos prédios das freguesias da Sé, S. Lourenço, Santo António e S. Lázaro, pela natureza da sua construção e localização, apresentarem um preço mais elevado, compelindo os antigos habitantes, nos quais se incluíam os portugueses, a escolherem zonas mais baratas. Esta escolha forçada ficou a dever-se ao “presente estado financeiro dos filhos da terra, como também a este estado se pode attribuir a seccessiva diminuição d’esta parte da communidade portugueza, e, como consequencia, a sua emigração”100. Os redactores adiantaram duas soluções para minorar este estado de coisas:

"[A]portuguezar o grande numero de individuos de origem chineza que nasceram em Macau, aqui vivem, e querem gozar das vantagens de cidadãos portuguezes (...).

Promover, por meio de cooperativas, que o commercio de fornecimento de generos de consumo para a população portugueza de Macau, seja feito por individuos portuguezes, de modo que possa esse commercio alimentar mais algumas familias portuguezas n'esta cidade"101.

A equipa redactorial do Eco Macaense propunha que as actividades comerciais passassem a estar concentrados nas mãos dos portugueses, além de tornar portugueses os chineses que tivessem nascido em Macau e aí residissem. A forma de “aportuguesar os chineses” não era especificada, todavia, subentende-se a defesa da ideia colonizadora e o desejo de levar a língua, os costumes, os hábitos e religião aos povos autóctones.

Os redactores denunciavam, ainda, a urgência na resolução de alguns problemas que afectavam o pleno desenvolvimento do comércio. Tornava-se imperioso o melhoramento do porto interior de Macau e a modernização das embarcações.

“O governo (...) deve concentrar todos os esforços em promover o commercio e a afffluencia de vapores, navios e embarcações; e deve fazer que haja sempre communicação entre Macau e os portos chinezes do interior para a troca recíproca de mercadorias”102.

Os redactores clamavam, pelo menos, pela execução da obra principal delineada pelo engenheiro Adolfo Loureiro, no sentido de combater o assoreamento do porto de Macau. Estas obras passavam, em primeiro lugar, pela construção de um molhe na ilha da Taipa para se conseguir regular as correntes, já que a simples dragagem era uma solução a curto prazo.

A outra questão referia-se aos meios de transporte utilizados nas trocas comerciais com os portos do Extremo Oriente. Sobre este assunto o periódico declarava “que o commercio de Macau, com os seus juncos vagarosos, não poderá sustentar a lucta com os portos de Cantão, de Sam-shui e mesmo de

101 EM 01.01.1899, p. 1 102 EM 02.05.1897, p. 1

Kong-mun, que podiam enviar as suas mercadorias em lanchas a vapor, ou em juncos rebocados por lanchas a vapor, para todos os portos do interior”103. Na opinião dos articulistas, esta desigualdade podia arruinar todo o comércio que se fazia em Macau, numa correlação de causa e efeito.

Macau caracterizava-se por uma extrema movimentação de forasteiros, fundamentalmente de chineses que todos os dias aportavam e/ou saíam da cidade.

O quadro seguinte mostra as movimentações de chineses em Macau:

Quadro 8 – Saída e Entrada de passageiros chineses em Macau em

1895

Transporte Nº de indivíduos

Em juncos 84.899

Saídas Em vapores e lanchas 117.213

Em juncos 86.618

Entradas Em vapores e lanchas 116.465

Total 405.195

Fonte: Eco Macaense 28.02.1897, p. 1

A agitação, a azáfama e barulho seriam uma constante nos cais e nas ruas do burgo macaense. Ainda que este quadro se refira ao número de passageiros e não de barcos comerciais, tornava-se evidente que os juncos estavam a ser preteridos quando comparados com os barcos a vapor.

Outro factor apontado pelo Eco Macaense e que estava a "matar" Macau, um entreposto que se sustentava do trato mercantil, era a existência de monopólios de géneros comerciais (salitre, enxofre, peixe, sal, petróleo, pólvora, entre outros), cujo interesse primeiro, na sua opinião, era aumentar os rendimentos do fisco. A equipa redactorial firmava que compreendia os monopólios da lotaria, do jogo e do ópio, na medida em que poderiam impedir o

alastrar desses vícios, quanto aos restantes não lhes reconheciam qualquer contributo para a prosperidade da cidade.

Os redactores deste semanário insurgiam-se contra aqueles que reclamavam da presença dos chineses em Macau, principalmente nas alturas festivas, já que o excesso de barulho levava à necessidade de interrupção dos trabalhos públicos, aconselhando essas pessoas a ponderarem as suas queixas porque “os chinas pertencem á classe laboriosa, industrial, trabalhadora, commercial e productiva d'esta cidade, e que desde as primeiras authoridades até ao infimo empregado publico dependem d'eles para viverem, por tanto, não ha remedio senão atural-os"104. Os redactores deixavam antever uma profunda dependência económica de Macau em relação à comunidade chinesa.

Segundo os articulistas, Macau não podia “progredir na razão inversa da prosperidade dos chinas; e por conseguinte cumpre-nos captar-lhes a boa vontade, proporcionando-lhes meios faceis, embora excepcionaes, para o exercicio e realisação dos seus direitos"105.

O pragmatismo económico baseado na tolerância e cedência é condição sine qua non da continuidade dos chineses em Macau e, consequentemente, da sua existência como colónia.

Com o intuito de minorar as dificuldades económicas, o Eco Macaense apelava à união, à independência, à criatividade e à luta dos macaenses por um futuro melhor, nesta conformidade, o jornal afirmava o seguinte:

“O systema prohibitivo está hoje condemnado por completo. Segundo a theoria moderna, deve o Estado permanecer impassivel perante a crise de qualquer natureza. Mais d'uma vez temos aventado esta ideia n'este jornal. Só em Portugal, devido á nossa extrema decadencia, é que se invoca a intervenção do governo para tudo (...) quanto a nós, a missão do Estado está bem definida perante a razão e os bons principios. Quer em circumstancias normaes, quer

104 EM 21.08.1898, p. 3 105 EM 16.05.1897, p. 2

anormaes, elle deve limitar-se a manter a ordem, a segurança, o respeito de propriedade e a liberdade das transacções"106.

O Eco Macaense condenava o proteccionismo económico do Estado e defendia o liberalismo económico. Propunha a associação dos portugueses através da criação de cooperativas económicas. Desta forma, os lucros concentravam-se nas suas mãos, os quais estavam “revertendo quasi na integra em favor dos chinas e de meia duzia de mouros”107. As cooperativas deviam fornecer aos associados e outros “vinho, azeite, queijo, manteiga e outros géneros alimentícios, bem como objectos de vestuário”108. Os sabores e a moda portuguesa/europeia eram o alvo das escolhas.

Verifica-se que estas preferências eram uma forma de minorar o sentimento de saudade e de afastamento em relação àquilo que lhes era querido e familiar. Posteriormente, deviam formar lojas organizadas em cooperativa, para os seguintes ramos do comércio: uma “de alfaiates, outra para uma loja de modistas, outra para se montar uma officina de sapateiros, outra para uma vaccaria, outra para uma padaria, ou pastellaria, etc., etc.”109.

Outra sugestão era a formação de Associações de Socorros Mútuos. Em virtude do grande aumento de assalariados, o Eco Macaense sugere a criação de uma Associação de Empregados com o propósito de lutar pelos seus direitos e independência, com um forte “capital a fim de se auxiliarem mutuamente em occasiões de precisão”110. A união tornaria os trabalhadores mais fortes.

O Eco Macaense dava conta da mobilização da sociedade “dos notáveis” da cidade na promoção de eventos com fins de angariação de fundos cujo produto seria distribuído pelos pobres e por instituições de caridade. Assim, eram organizadas récitas e saraus, ao longo do ano porém, o Natal e a celebração do aniversário dos reis portugueses, eram épocas habituais de recolha de donativos, por subscrição pública, para posterior distribuição. A lista dos nomes e quantia oferecida era divulgada neste semanário. Sobre o 106 EM 12.06.1898, p. 1 107 EM 16.01.1895, p. 1 108 EM 26.12.1894, p. 4 109 EM 16.01.1895, p. 1 110 EM 06.03.1895, p. 1

assunto foi publicado um artigo intitulado “Jantar aos Pobres” que ocorreu no Hotel Nacional, destinado a alimentar 24 indivíduos e do qual o periódico apresenta a seguinte descrição:

“Depois de receber os pobres (...) mandou-lhes servir opíparos manjares, variados vinhos, champanha, etc.

Finda a refeição, o sr. Olympio [inspector interino da repartição da Fazenda] tirou o lenço a cada pobre, perfumou-o com um dos melhores perfumes, offereceu a cada um d’elles umas flores, tiradas das corbeilles que ornavam a mesa, conjuntamente com a esmola de $1, e despediu-os em seguida.

Os pobres retiraram-se quasi loucos de contentamento (...) todos bemdizendo a alma caridosa que lhes havia proporcionado a tarde tão agradavel”111.

Desta forma, a publicidade, a actos beneficentes, protagonizados pela elite de Macau, pretendia evidenciar, nesse grupo, a comiseração e a caridade, virtudes aplaudidas pelo geral da população. A prática cristã e da filantropia eram uma constante da época.

Esta propaganda, inclusa nas páginas do jornal, não era ingénua, pois provocava na opinião pública a confiança de que, em eventuais épocas de desespero, os “notáveis” de Macau iriam socorrer os mais desfavorecidos. A caridade particular era socialmente elogiada pelo Eco Macaense.

2 Política e Administração

A quem cabia, in loco, “o leme” deste torrão português no Extremo Oriente era ao Governador da Província, nomeado pelo governo da metrópole.