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3.1 Ensino Laico / Ensino Religioso

3.1.2 Liceu de Macau – do entusiasmo ao desânimo

Motivo de grande congratulação para o Eco Macaense foi a criação do Liceu de Macau223, espaço de ensino, há muito tempo desejado. Como desabafo, o periódico afirmava que a instrução em Macau nem sempre tinha merecido a devida atenção do governo central.

O Eco Macaense publicou uma série de notícias informativas sobre este Liceu, denotando-se as expectativas e entusiasmo que esta novidade tinha provocado na sociedade macaense.

Anunciava-se a utilidade da frequência do Liceu de Macau: sapiência científica e cultural, procurada por poucos; preparação para ingressar nos cursos superiores de Portugal, desejo de alguns, principalmente dos filhos dos funcionários públicos destacados em Macau; e conseguir habilitação para empregos públicos, aspiração da maioria. Em relação a este último aspecto, os redactores pediam ao governo central a promulgação de uma lei que ordenasse que as vagas desses empregos fossem preenchidas, “de preferência, pelos filhos da terra, quando estes estejam habilitados para esses empregos. (...) É já tempo de banir os velhos preconceitos. Os homens são perfectiveis, e podem tornar-se iguaes pelo saber e pela virtude”224.

Apreende-se, por estas palavras, que os “filhos da terra” eram preteridos em relação aos da metrópole na ocupação dos principais cargos, o que impelia os macaenses à diáspora. A divisão da sociedade, entre “reinóis”

222 Ver anexo 27.

223 Criado por Carta Régia de 27 de Julho de 1893. Pedro Teixeira Mesquita, citando o Pe. Manuel Teixeira, escreve:“Em Maio desse ano as primeiras diligências para a criação do liceu já haviam sido tomadas: o bispo de Macau, D. António Joaquim de Medeiros, requerera ao governo metropolitano o seu estabelecimento; o deputado por Macau, José Maria Horta e Costa, advogara a sua causa no Parlamento” (MESQUITA, 2000: 529).

e macaenses afigurava-se como um preconceito a eliminar. O Eco Macaense formava na opinião pública a ideia de promoção social e, consequente, igualdade atingida pela instrução.

O Eco Macaense publicava a 22 de Agosto de 1894 excertos do regulamento do Liceu de Macau225, incluindo informações sobre: disciplinas dos três cursos (geral, de letras e de ciências); duração das aulas; documentação indispensável à 1ª matrícula; matérias a incluir no exame da instrução primária a realizar-se no liceu; composição dos elementos do júri; calendário das duas épocas de exame; montante das propinas, prazos de inscrição nos exames e das matrículas.

Os primeiros professores nomeados para este estabelecimento de ensino foram: Horácio da Silva Poiares (bacharel); Mateus António de Lima (engenheiro civil); Camilo de Almeida Pessanha (bacharel); Baltasar Estrócio Faleiro (cónego); João Albino ribeiro Cabral (tesoureiro-geral da província); Venceslau de Morais (capitão de fragata, imediato da capitania do porto de Macau); Augusto César de Abreu Nunes (major de engenharia e director das Obras Públicas da cidade) e José Gomes da Silva (chefe do Serviço de Saúde de Macau e Reitor do Liceu).

O Eco Macaense foi dando conta da chegada a Macau de alguns destes professores, vindos do Reino.

Mas um episódio anterior ao começo das aulas deu origem ao desânimo e reparos constantes, incidente que, sucintamente, se passa a descrever. Alguns dos alunos que realizaram os exames de admissão ao liceu ficaram reprovados, principalmente na primeira parte do exame de português. Este resultado provocou um "certo rebuliço e borborinho entre os jovens, que ficaram descontentes com este veredictum do jury, que elles classificaram de injusto"226. Um dos redactores do Eco Macaense foi assistir aos exames de Língua Portuguesa e Inglês, e concluiu que a avaliação se baseava na capacidade de decorar a teoria em detrimento da explicação de textos e composição; sendo estes últimos, os critérios mais válidos para cotejar o grau de conhecimento dos alunos. Porém, o golpe fatal foi dado quando o filho de António Joaquim Basto viu o seu exame de Língua Portuguesa adiado para a

225 Ver anexo 28. 226 EM 10.10.1894, p. 1

2ª fase. Este aluno tinha sido aprovado com distinção e, premiado nesta mesma disciplina, no Seminário de S. José, no 1º e 2º anos. Este acontecimento ditou a sentença do Liceu – inutilidade.

Desde logo, os professores tornaram-se alvo de apreciações. Segundo os redactores deste jornal o que entristecia era a orientação errónea que o corpo docente do Liceu de Macau impunha nesse estabelecimento. “O medo e o terror, como agentes educativos, podem influir grandemente na formação do caracter da mocidade, concorrendo para formar homens hypocritas e dissimulados, promptos a obrar, não pelo impulso intimo de convicção e de sentimento, mas pelo simples interesse e conveniencia da occasião”227. O Eco Macaense recorria a um trecho do jornal Povo Esposendense onde exultava o valor da família e mais veementemente o da mãe na educação do seu filho, na primeira criação. Depois, a substituir a família surgia a escola e no lugar da mãe o mestre. Sendo tão nobre a missão do professor como a da mãe, "d'este como d'aquella depende o futuro da sociedade. Allumiar o espirito das creanças, formar-lhes a indole, corrigir-lhes os vicios, reformar-lhes os costumes, affeiçoar-lhes o coração, sopear-lhes a natureza rebelde e ruim de caprichos, tudo isso incumbe ao mestre"228.

Uma notícia publicada no jornal O Independente (o Eco Macaense chamava Sr. Vasco ao autor da notícia, numa alusão clara ao professor do Liceu, João Pereira Vasco) interrogava o Eco Macaense sobre qual a transformação rápida que se tinha operado no espírito daqueles que mais se tinham empenhado para obter do governo a criação do liceu, a que o redactor deste periódico deu a seguinte resposta:

"Por se reconhecer logo a sua quasi absoluta inutilidade, por se vêr o leal senado illudido com a exigencia de propinas, com o que se torna a instrucção não gratuita, ficando a maioria dos jovens sem poder matricular-se no lyceu por falta de meios, nem na escola central, onde se eliminaram as cadeiras d'ensino secundario, e pela má distribuição do horario das disciplinas, o qual parece ser feito segundo a conveniencia dos professores e não dos alumnos e... Por

227 EM 24.10.1894, p. 1 228 EM 03.04.1895, p. 2

muitas outras razões, sendo a principal o não se coadunar a educação do lyceu com o futuro que fatalmente aguarda quasi todos os filhos da terra. Além do que, como temos dito mais d'uma vez, o seminario de S. José suppre perfeitamente o lyceu e é até mui superior no que respeita a latim, humanidades, inglez, china, etc. Repetiremos, portanto, até ao fastio, que o lyceu é um luxo e não tem razão de ser, o que não queremos dizer que os seus dignos professores devam ficar na rua"229.

Um dos problemas, muito denunciado, era a falta de adaptação do Liceu às circunstâncias locais. Este tema tornou-se recorrente nas páginas do jornal. Além destes, os redactores denunciavam o fraco número de alunos que frequentavam o Liceu:

- 29 alunos admitidos a exame no ano lectivo de 1894-95 (alguns foram reprovados, não sendo especificado o seu número);

- 13 alunos admitidos para o ano lectivo de 1895-96 (inscreveram-se 17 alunos no exame de admissão, apenas compareceram 15 e 2 foram adiados);

- 15 alunos matriculados para o ano lectivo seguinte;

- 17 alunos aprovados nos exames finais de 1897 (futuros alunos do ano lectivo de 1897-98).

A abolição do pagamento de propinas era uma ideia amplamente difundida mas não aceite pelo governo metropolitano. É apresentada uma tabela com a relação nominal dos alunos e profissão dos pais:

Quadro 12 – Relação nominal dos alunos do Liceu Nacional de Macau,

sua filiação e profissão dos pais (1897)

Fonte: Eco Macaense 20.06.1897, p. 3

Pela profissão dos pais percebe-se que os alunos pertenciam ao estrato superior da sociedade, com fortuna acumulada. A ideia de que este Liceu se destinaria a toda a população era ilusória, o ensino secundário aí leccionado apenas estava aberto ao sector populacional mais endinheirado. “Tratava-se, pois, de um ensino seleccionado, caracteristicamente «burguês»”230.

O facto de não se ter instituído a gratuitidade na matrícula e nos exames estava a provocar o subaproveitamento do Liceu e a prejudicar os munícipes pobres.

Este assunto foi debatido, em reunião, no Leal Senado e, todos os vereadores aí presentes, concordaram que:

230 TORGAL, 1993: 627.

Nome dos alunos Pais dos alunos Profissão dos pais

Arnaldo da Silva Basto António Joaquim Basto Advogado

Artur Júlio da Rosa Fernando António Major do quadro oriental das forças ultramarinas

Cristina Ângela Maher Jerónimo Maher Empregado de comércio Carlos Augusto Ribeiro Cabral

Fernando Augusto Ribeiro Cabral

João Albino Ribeiro Cabral Tesoureiro Geral da Fazenda provincial

Francisco Anacleto da Silva Pancrácio da Silva Empregado da Câmara Municipal Francisco Xavier Pereira Vicente Saturnino Pereira

(falecido)

Advogado

Henrique Nolasco da Silva Pedro Nolasco da Silva 1º Intérprete sinólogo aposentado Joaquim Augusto Pacheco Albino António Pacheco Advogado

Joaquim Fausto das Chagas Joaquim das Chagas Proprietário

José da Anunciação Dias Azevedo Caetano Dias Azevedo Tenente-coronel reformado José Maria Guilherme Pereira Vicente saturnino Pereira

(falecido)

Advogado

Jovita Júlio Dias Azevedo Caetano Dias Azevedo Tenente-coronel reformado Luís Ayres da Silva Miguel Ayres da Silva (falecido) Proprietário

Luís Gonzaga Nolasco da Silva Pedro Nolasco da Silva 1º Intérprete sinólogo aposentado Luís João da Silva Cláudio da Silva Capitão do quadro oriental das forças

“[E]mbora os exames d’essas disciplinas não tenham validade para dar ingresso nas escolas superiores do reino; mas estudavam, mas aprendiam; hoje são validos os exames do lyceu, mas não podem ser aproveitados senão por 16 alumnos, emquanto que os outros 160 jovens da mesma edade, filhos de municipes, são privados de uma instrucção mais desenvolvida, alem da instrucção primaria elementar, porque...são pobres”231.

O pagamento de propinas inviabilizava a frequência escolar de grande parte dos alunos, por falta de posses.

A solução defendida pelo Eco Macaense seria a fusão do Seminário e do Liceu, advindo daí os seguintes benefícios: poupança de dinheiro na contratação de professores, por parte do Leal Senado, e aumento do número de alunos inscritos, devido à ausência do pagamento das propinas.

A Biblioteca Nacional de Macau surgia anexa ao Liceu de Macau, entrando em funcionamento aquando da inauguração deste, a 28 de Setembro de 1894 (a inauguração do Liceu de Nacional de Macau foi despida de todos os festejos devidoà morte do príncipe D. Luís).