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2.1 Práticas religiosas portuguesas

2.1.3 Caridade e Beneficência

A actividade da Igreja Católica em Macau não se esgotava na sua esfera religiosa, a acção social estava a seu (en)cargo, especialmente, no que se refere à assistência e protecção aos mais desprotegidos.

Em 1569, através do dinâmico bispo jesuíta D. Melchior Carneiro foi criado o Hospital da Irmandade da Misericórdia (mais tarde Hospital de S. Rafael), destinado aos pobres e o de S. Lázaro destinado aos leprosos.

A Santa Casa da Misericórdia criada em 1596, (instituição quase coeva da fundação de Macau) apresentava uma actividade profícua na assistência e protecção aos mais desfavorecidos. Ao longo de vários anos de existência tomou a seu ónus “os expostos, numa casa mais tarde transformada em «Asilo da Santa Infância» (irmãs canossianas), as órfãs, o Asilo das Inválidas, Hospital de S. Rafael, albergue dos Indigentes, Cozinha Económica”197 e outros.

O Eco Macaense fazia alusão à fundação da “Cozinha Económica”, sobre a qual afirmava: "[O]xalá que essa instituição possa popularisar-se, pois o fim dos seus promotores é melhorar a alimentação das familias menos favorecidas da fortuna, tornando-a mais nutritiva e sã, para evitar enfermidades"198. Nesta tarefa a Santa Casa da Misericórdia era auxiliada por algumas pessoas que ofereciam determinada quantia por mês. O jornal informava os leitores do preço das refeições, havendo as de 1ª e 2ª classe, o local da distribuição, o horário das refeições199, e a ementa da primeira semana. No seu início chegaram a ser distribuídas 100 refeições de 1ª e 30 de 2ª classe. Todavia, este empreendimento não teve um final feliz porque funcionava junto do Hospital de S. Rafael, e a morte de uma mulher com a peste bubónica, nesse hospital, afastou as pessoas. Além disso, e na opinião do hebdomadário, era necessário formar “uma commissão de senhoras que dirija a formação do menu diário, afim de o adaptar ao gosto e ás necessidades das famílias macaenses”200. Estas palavras davam a entender

197 CARMO, 1997: 611. 198 EM 08.03.1896, p. 3 199 Ver anexo 26. 200 EM 07.06.1896, p. 3

que o menu estava desadequado em relação às preferências da população macaense.

No Eco Macaense foram transcritos dois artigos publicados no Correio da Manhã (Lisboa), onde se faziam sensatas ponderações, na opinião dos redactores, acerca dos órfãos. Os articulistas do semanário macaense estavam convictos de que o facto de uma órfã ser encerrada num asilo ou casa de beneficência não lhe trazia qualquer felicidade. Passados uns anos abandonava a instituição que a tinha acolhido para se transformar numa desgraçada incapaz de se governar e de ganhar a vida, sem nenhuma habilitação (não servia nem para criada de servir nem para companheira de um homem pobre). Os redactores chamavam a atenção do governo que devia preocupar-se e velar pela educação dos órfãos sendo "um assumpto de tanta importancia social, em toda e qualquer sociedade e communidade"201. Neste sentido, era reclamado, ao governo, a sua função de estado-providência.

Na opinião dos redactores, mais urgente do que dar esmola pecuniária era dar "esmola moral, sob a forma de uma orientação sensata da vida"202. Neste sentido, todos os esforços deviam ter por objectivo combater a miséria e pobreza existentes em Macau. Propunham a Santa Casa da Misericórdia como o organismo mais habilitado para prestar esse apoio, que devia passar por fornecer aos rapazes, calçados, roupa e livros e persuadi-los a estudar para ganhar a vida de forma honesta. Para as meninas tornava-se premente reuni- las num atelier de costura, ensinar-lhes aritmética prática, a língua portuguesa e inglesa, alguns princípios de higiene e economia doméstica, bem como a arte de cozinhar. Desta forma seriam salvas muitas "meninas d'uma vida de vergonha e de miseria a que aliás seriam condemnadas, por não estarem habilitadas a ganhar a sua vida honestamente em Macau ou fora de Macau"203.

Outra situação denunciada no Eco Macaense é a seguinte:

“A filhinha do desgraçado barbeiro Assis foi já recolhida na casa de beneficência de Santo António, por conta da Santa Casa, e o filho d’esse mesmo individuo foi tambem recolhido no asylo de invalidos

201 EM 31.01.1897, p. 1 202 EM 03.09.1899, p. 2 203 EM 03.09.1899, p. 2

no hospital de S. Rafael, em uma secção, onde já [lá] estão mais 3 menores abandonados, que a Santa Casa sustenta”204.

Esta notícia indiciava a prática do abandono de crianças associada à miséria extrema. Segundo João Carlos Oliveira, as crianças “eram essencialmente chinesas, abandonadas pelos seus pais à nascença, ou entregues pelos mesmos directamente” às instituições de recolha. Todavia, o Eco Macaense é omisso quanto à nacionalidade das crianças abandonadas.

A falta de recursos económicos era uma constante desta instituição de caridade que só veria inverter esta situação a partir de 1897, com as extracções regulares da lotaria.

O Eco Macaense testemunhava a utilidade da lotaria para o financiamento de determinados projectos. No dia 6 de Novembro de 1898 era publicado no hebdomadário a continuação do relatório de contas apresentado pelo Provedor da Santa Casa da Misericórdia, Pedro Nolasco da Silva (artigo iniciado no jornal anterior) referente ao ano de 1897. Aí era justificado o adiamento da construção de um Asilo de Órfãos, independente do Hospital de S. Rafael, pelo facto de ainda não existir uma soma de dinheiro suficiente, contudo, havia esperança que isso pudesse vir a acontecer em virtude dos rendimentos da lotaria, que prometiam ser avultados.

Outra instituição que se instalou na cidade macaense, entre finais de 1873 e inícios de 1874,e que promovia acções de caridade, foi a das Filhas da Congregação de Caridade Canossianas (ordem religiosa feminina de origem italiana). Em 1878 abriram a Casa de Beneficência e, em 1885, o Asilo da Santa Infância que albergava meninas órfãs.

Os redactores elogiavam a obra de caridade levada a cabo por esta instituição, não só ao nível da educação religiosa, como também da educação em geral, "recebendo diariamente os engeitados, baptizando-os, creando-os ou enterrando-os, recebendo e educando os orphãosinhos, as cégas, invalidas e viuvas pobres"205.

O Eco Macaense certificava o empenho dos leigos para a sobrevivência desta organização através da promoção de Bazares de Prendas, Récitas de

204 EM 19.07.1896, p. 3 205 EM 23.04.1899, p. 1

Caridade e, também, de acções individuais, como a de Gomes da Silva, que escreveu e editou um manual destinado aos alunos do Seminário sobre higiene e medicina prática cujo produto da sua venda seria entregue à obra das Irmãs Canossianas.