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O processo tutelar educativo: aspetos divergentes e convergentes com o processo penal português

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Academic year: 2020

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(1)

Silvana Francisca Ferreira Andrade

outubro de 2017

O processo tutelar educativo: aspetos

divergentes e convergentes com o

processo penal português

Silvana F rancisca F err eir a Andr ade

O processo tutelar educativo: aspe

tos divergentes

e convergentes com o processo penal por

tuguês

UMinho|20

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Silvana Francisca Ferreira Andrade

O processo tutelar educativo: aspetos

divergentes e convergentes com o

processo penal português

Trabalho efetuado sob a orientação da

Professora Doutora Flávia Noversa Loureiro

Dissertação de Mestrado

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Nome: Silvana Francisca Ferreira Andrade

Endereço eletrónico: silvanafranciscaandrade@gmail.com

Número do Cartão de Cidadão: 14236558, emitido pela República Portuguesa, válido até 05/05/2019

Título da Dissertação: O processo tutelar educativo: aspetos divergentes e convergentes com o processo penal português

Orientadora: Professora Doutora Flávia Noversa Loureiro Ano de conclusão: 2017

Designação do Mestrado: Mestrado em Direito Judiciário

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA DISSERTAÇÃO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

UNIVERSIDADE DO MINHO: ____/____/______

ASSINATURA:

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“Ninguém mais pode duvidar que o legislador deve preocupar-se antes tudo com a educação dos jovens (...) e já que único é o fim, é necessariamente evidente que também a educação é única e igual para todos e que a responsabilidade de educar é pública e não particular como atualmente cada um faz cuidando privadamente dos próprios filhos e dando-lhes o ensinamento que lhe apraz.”

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O percurso de elaboração desta dissertação que agora se apresenta foi acompanhado e enriquecido por várias personalidades com quem tive o privilégio de conviver e trabalhar que sempre se dispuseram a ajudar-me, pelo que não posso deixar aqui de expressar a minha mais viva gratidão pessoal.

Um particular agradecimento devo-o, em primeiro lugar, à Senhora Professora Doutora Flávia Noversa Loureiro, minha orientadora de dissertação, que teve a bondade de aceitar a orientação científico-pedagógica deste trabalho. Portadora de uma inesgotável disponibilidade, inestimável objetividade e sinceridade no momento de criticar, agradeço pelo incentivo, apoio e total confiança em mim depositada ao longo deste tempo.

Aos meus pais e irmã deixo o meu carinhoso reconhecimento pela inesgotável perseverança modelos ímpares de esforço, coragem e dedicação, meus alicerces ao longo desta jornada, agradeço pelo permanente espírito de sacrífico que providenciaram ao longo da

minha vida, agradeço bem como a confiança depositada na conclusão deste trabalho.

Ao meu namorado, Joel, pelo apoio incondicional e sem reservas que me deu ao longo destes anos de estudo e que, não obstante os desmedidos sacrifícios pessoais a que foi sendo sujeito, me deu o ânimo necessário para suportar as horas mais difíceis.

A minha gratidão estende-se, outrossim, às minhas amigas que, de variadas formas me ajudaram, e cujo espírito de entreajuda se impõe aqui enaltecer, por constituírem fonte de inspiração, ânimo, coragem e resiliência, fazendo com que nunca faltasse a disposição necessária para a elaboração da dissertação. A cada uma de vós, Vilma Martelo, Telma Ribeiro, Aquilina Ribeiro, Melánie Gonçalves, Sílvia Trepado, Sara Gonçalves, Carina Oliveira, Sara Valente, Patrícia Borges, e Vânia Dias, fica o mais profundo agradecimento

Penhorado agradecimento é, ainda, devido à Senhora Professora Doutora Letícia Marques – de quem tive a honra de ser aluna –, pelo papel fundamental que desempenhou ao longo da minha formação pessoal e académica, bem como aos Doutores Edite Pinho, Sofia

Nunes, Paulo Albernaz, Paulo Monteiro e Ângela Vaz da Silva, por me estimularem na concretização deste projeto e pela total disponibilidade que em muito contribuiu para a concretização deste trabalho.

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NOTA PRÉVIA MODO DE CITAR

Pertencem à Lei Tutelar Educativa em vigor, aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14 de setembro de 1999, com as alterações que se lhe seguiram, introduzidas pela Lei n.º 4/2015, de 15

de janeiro, retificada posteriormente pela Declaração de Retificação n.º 9/2015, as disposições legais

citadas sem indicação da respetiva fonte.

No corpo do texto, as obras são citadas, pela primeira vez, com referência ao nome do autor, título, volume (se aplicável), edição, local da publicação, editora, data e número da(s) página(s). Nas referências subsequentes, a obra será identificada pelo nome do autor, título da obra abreviado, seguido da expressão “ob. cit.” e número de página(s) correspondente(s), omitindo-se os restantes elementos. Nas obras com três ou mais autores, é citado apenas o primeiro, seguido da

expressão “et. al.”. No que concerne aos artigos citados de revistas, estes são citados pela indicação

do nome do autor, título do artigo, designação da revista e respetivos ano, número e data de publicação e número de página(s). Nas citações seguintes, é apenas feita uma menção do título do artigo e da respetiva página da publicação. Quando se queira citar, de seguida, o mesmo autor e a mesma obra em notas de rodapé imediatamente seguidas, utilizar-se-á o termo “idem”, caso a página da obra citada seja a mesma, ou o termo “ibidem”, caso as páginas a citar sejam diferentes. Por sua vez, a jurisprudência portuguesa é citada com referência ao tribunal superior onde foi proferido o acórdão, data da decisão, número do processo e local da Internet onde se encontra disponível, obedecendo à grafia do novo acordo ortográfico, excecionando-se citações de obras e arestos em que tal acordo não foi seguido. O índice de jurisprudência citada e enunciada assenta num critério cronológico, procedendo-se à identificação de cada decisão com base nos critérios supra identificados.

A lista de referências bibliográficas inclui apenas os livros e artigos que foram efetivamente citados no texto, assentando a sua ordenação num critério alfabético.

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O Processo Tutelar Educativo:

Aspetos divergentes e convergentes com o processo penal português RESUMO

Com a presente dissertação de mestrado, procuraremos clarificar a diferença entre a intervenção tutelar educativa, por contraponto à intervenção penal, tendo por referência os critérios legalmente estabelecidos de estruturação processual, concretizados na ulterior tramitação dos respetivos processos tutelar educativo e penal.

Estando conscientes da atualidade e pertinência desta temática, não deixamos de ter por seguro que a Lei Tutelar Educativa se reveste de importantes e complexos contornos legais, pelo que será nosso objetivo considerar um dos maiores problemas que – desde sempre – tem sido assacado à intervenção tutelar educativa: referimo-nos, em concreto, à questão da analogia material que comumente é feita ao modelo jurídico-penal, assomando-se uma inevitável e muito significativa aproximação em termos de procedimento. É exatamente neste contexto que se realça o eixo prioritário deste trabalho, tendo sempre presente que os fins da primeira – educação do menor para o respeito pelas regras jurídicas mínimas de coexistência social, não se coadunam com os fins associados à intervenção penal – proteção dos bens jurídicos essenciais da comunidade através da cominação e execução de reações punitivas.

Concomitantemente, tomando por objeto algumas das alterações legislativas introduzidas no âmbito da primeira revisão da Lei Tutelar Educativa, após quinze anos de vigência, procurar-se-á lançar sobre as mesmas um primeiro olhar crítico, numa perspetiva que procura ser eminentemente prática – atenta a natureza judiciária em que assenta o mestrado onde nos inserimos – destacando-se, entre outras, a irrelevância da natureza do crime e consequente desnecessidade de apresentação de queixa, a relevância da desistência de queixa, passando posteriormente em revista a nova configuração da suspensão do processo, questões que permitirão, à partida, extrair informações importantes para que se possam direcionar esforços no sentido de combater a delinquência juvenil. PALAVRAS-CHAVE: intervenção tutelar educativa; intervenção penal; educação do menor para o direito; inquérito tutelar educativo; inquérito criminal;

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The Educational Tuition Process:

Divergent and convergent aspects with the Portuguese Criminal procedure ABSTRACT

With this dissertation, we will try to clarify the difference of the educational tutelary intervention, as opposed to the criminal intervention, with reference to the legally established criteria of procedural structuring, materialized in the subsequent processing of the respective tutelary educational and penal processes.

Being aware of the relevance and pertinence of this subject, we are sure that the Educational Tutelary Law is important and complex legal framework, so it will be our goal to consider one of the biggest problems that – since always – has been committed to tutelary intervention educational: we refer in particular to the question of the material analogy that is commonly made to the criminal-legal model, bearing in mind an inevitable and very significant approximation in terms of procedure. It is precisely in this context that the priority axis of this work is emphasized that it is no longer aimed at contributing to a better understanding of the procedural aspects that approach and at the same time distancing the educational intervention of the criminal intervention, always bearing in mind that the purposes of the First – education of the minor to respect the minimum legal rules of social coexistence – are not in line with the aims associated with criminal intervention – protection of the essential legal assets of the community through the commencement and execution of punitive reactions.

Concomitantly, taking into consideration some of the legislative changes introduced in the scope of the first revision of the Educational Tutelary Law, after fifteen years of validity, an attempt will be made to launch a critical first look at them, from a perspective that seeks to be eminently practical - judicial nature on which the master's degree is based, including the irrelevance of the nature of the crime and consequent unnecessary filing of the complaint, the relevance of the withdrawal of complaint, and then reviewing the new configuration of the suspension of the process , issues that will allow us to extract important information at the outset so that efforts can be directed towards combating juvenile delinquency.

KEY WORDS: educational tutelary intervention; criminal intervention; Education of the minor to the right; Educational tutorial survey; Criminal investigation;

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ÍNDICE

Agradecimentos ... iv

Modo de citar ... v

Resumo ... vi

Abstract ... vii

Siglas, Abreviaturas e Acrónimos ... x

Introdução ... 12

CAPÍTULO I – EVOLUÇÃO HISTÓRICO-LEGISLATIVA DA JUSTIÇA JUVENIL EM PORTUGAL: ... 22

BREVE ENQUADRAMENTO HISTÓRICO ... 22

1. Generalidades ... 22

2. Das Ordenações Manuelinas à publicação da Lei de Proteção da Infância ... 23

2.1. A Lei de Proteção à Infância ... 25

2.2.As Tutorias da infância ... 27

2.3. O direito processual aplicável ... 30

3. A Organização Tutelar de Menores: A “mistificação” legal de um sistema de proteção de menores? ... 31

3.1. O paradigma do modelo de proteção ... 31

3.2.As medidas de prevenção criminal ... 32

3.3.O tratamento unitário dos menores "em risco" e dos menores "delinquentes" : o recurso excessivo à medida de internamento ... 34

3.4. A ineficácia do modelo de proteção e principais críticas ... 36

4. A emergência da Lei Tutelar Educativa e a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo 40 4.1. O processo de reforma da Justiça Juvenil ... 42

a) A entrada em vigor da Lei Tutelar Educativa ... 42

4.2. Pontes de articulação ... 45

4.3. As regras de conexão de processos... 47

4.3 Constrangimentos ... 48

(10)

CAPÍTULO II - NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO TUTELAR EDUCATIVO: OBJETO, FINALIDADE E

SEUS PRESSUPOSTOS ... 55

1. Legitimidade da intervenção estadual ... 55

1.1. Na perspetiva do interesse do menor ... 56

1.2.O fundamento constitucional de proteção da criança ... 58

2. Âmbito de aplicação ... 61

3. Finalidades ... 65

3.1 A educação do menor para o direito: conceito relativamente indeterminado? ... 65

4. Pressupostos ... 66

4.1.A prova da prática de facto qualificado como crime ... 66

4.2. Necessidade de educação do menor para o direito ... 68

CAPÍTULO III - DO INÍCIO DO PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO: ... 74

O INQUÉRITO TUTELAR EDUCATIVO ... 74

1. Generalidades ... 74

2. Da aquisição de notícia do facto ... 75

2.1. Pelos órgãos de polícia criminal ... 77

2.2 A imprescindibilidade de informação inicial quanto à instauração anterior e pendência de outros processos ... 79

3. A irrelevância da natureza do crime e a desnecessidade de queixa ... 80

3.1. O problema da desistência de queixa ... 85

4. O regime jurídico da prova ... 86

4.1. Os meios de prova ... 87

4.2. Os meios de obtenção de prova ... 88

5. Manifestação do exercício do contraditório ... 92

6. A obrigatoriedade da autoridade judiciária presidir às diligencias de menores ... 94

7. Formas de encerramento do inquérito tutelar educativo ... 95

7.1. O arquivamento ... 95

7.2. A suspensão do processo ... 97

7.2.1. O papel reforçado mediação nas hipóteses de suspensão ... 99

(11)

CONCLUSÕES ... 108 BIBLIOGRAFIA... 112 JURISPRUDÊNCIA ... 134

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SIGLAS, ABREVIATURAS E ACRÓNIMOS

As abreviaturas infra relacionadas correspondem, sem acrescento ou reparo, às que têm vindo a ser utilizadas, de forma mais ou menos uniforme, na literatura jurídica, tendo-se optado pelo emprego de pequenos elementos distintivos nos casos em que a similitude das abreviaturas se afigurava suscetível de induzir o leitor em erro.

AA.VV. vários autores

BE Bloco de Esquerda

BFD Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

BMJ Boletim do Ministério da Justiça

CAEF Colégio(s) de Acolhimento, Educação e Formação

CAFCE Comissão de Acompanhamento e Fiscalização dos Centros Educativos

CC Código Civil

CDC Convenção sobre os Direitos da Criança CEDH Convenção Europeia dos Direitos do Homem CEJ Centro de Estudos Judiciários

Cf. conferir/confrontar

coord. coordenação

CP Código Penal

CPP Código de Processo Penal

CRLPTE Comissão de Reforma da Legislação sobre o Processo Tutelar Educativo

CRP Constituição da República Portuguesa

CRSEPM Comissão para a Reforma do Sistema de Execução de Penas e Medidas

CSM Conselho Superior da Magistratura

DGRSP Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais

DL Decreto-Lei

DR Diário da República

EMP Estatuto do Ministério Público

LPCJP Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo

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LTE Lei Tutelar Educativa

MP Ministério Público

OA Ordem dos Advogados

ob. cit. obra citada

OPJP Observatório Permanente de Justiça Portuguesa

OTM Organização Tutelar de Menores

PCP Partido Comunista Português

PGDC Procuradoria-Geral Distrital de Coimbra

PGDE Procuradoria Geral-Distrital de Évora

PGDL Procuradoria Geral-Distrital de Lisboa

PGDP Procuradoria Geral-Distrital do Porto

PGR Procuradoria Geral da República

Proc. Processo

PropLTE Proposta de Lei nº 266/VII – Aprova a Lei Tutelar Educativa

PropLPCJP Proposta de Lei nº 265/VII – Aprova a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo

PS Partido Socialista

PSD Partido Social Democrata

RGPTC Regime Geral do Processo Tutelar Cível

ss. seguintes

STJ Supremo Tribunal de Justiça

TC Tribunal Constitucional

TJUE Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

TRC Tribunal da Relação de Coimbra

TRE Tribunal da Relação de Évora

TRG Tribunal da Relação de Guimarães

TRP Tribunal da Relação do Porto

Vol. Volume

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INTRODUÇÃO

“A medida justa muda,

O que não muda é a permanente busca da justa medida”

(Leonard Boff, Saber Cuidar)

A presente dissertação foi elaborada no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito,

conducente à obtenção do grau de Mestre na especialização em Direito Judiciário (Direitos Processuais e Organização Judiciária) da Escola de Direito da Universidade do Minho e visa o desenvolvimento de uma investigação científica subordinada ao tema: “O processo tutelar educativo:

aspetos divergentes e convergentes com o Processo Penal Português”.

A monografia que agora se dá à tela é fruto do nosso interesse pessoal em realizar um

estudo sobre a Lei Tutelar Educativa1, motivação que não deixa de beber em muito do interesse que

ao longo do curso fomos ganhando pelo Direito das Crianças.

A temática que nos propomos abordar na presente dissertação, com o conteúdo que aqui lhe damos, encontra justificação do prisma científico, na medida em que envolve, por si só, vários temas caros ao Direito – em especial, ao Direito Constitucional, Direito Penal e Direito Processual Penal –, tornando-se ainda evidente o reconhecimento do contributo interdisciplinar de outras

ciênciasque se cruzam com a criança2, entras elas se destacando-se a psicologia, a psiquiatria, o

serviço social, a sociologia.

Para uma correta equacionação dos problemas que nos propomos abordar na presente dissertação, é essencial ganhar alguma perspetiva sobre o horizonte em que a LTE se inscreve, ainda

1 Pertencerão a esta lei todos os artigos que vierem a ser mencionados sem indicação de origem.

2 Disso mesmo nos dá conta GONÇALO NICOLAU CERQUEIRA SOPAS DE MELO BANDEIRA, “O direito de intervenção junto de menores infractores como: Direito

do Facto? Direito do Autor? Ou Direito do Autor e do Facto? Direito Penal ou Direito não Penal?”. In Revista Portuguesa de Ciência Criminal. Lisboa. ISSN 0871-8563. Ano 13, nº 4 (2003).pp.611-612, ao efetuar uma análise profundamente crítica ao teor do Acórdão da 1ª Instância do Tribunal de Menores de Coimbra, datado de 6 de fevereiro de 1989, referindo que esta decisão se centrou demasiado “no prisma da sociologia, criminologia, psicologia, ciências da educação e acção social”. Do mesmo passado, também NORBERTO MARTINS, “Jovens com comportamentos delinquentes: os

caminhos da lei”. In FONSECA, António Castro Fonseca [coord.] [et. al.] – Psicologia Forense. Almedina: Coimbra, 2006. p. 388, mas também por MARIA

CLARA SOTTOMAYOR, “O Direito das Crianças – um novo ramo do Direito”. In Temas de Direito das Crianças. Coimbra: Almedina, 2014. p. 8 e “A

Autonomia do Direito das Crianças”. In LEANDRO, Armando [et. al.] [coord.] – Estudos em Homenagem a Rui Epifânio. Coimbra: Almedina, 2010. pp.

79 e ss., quando refere que “ o cruzamento de diferentes ramos do direito entre si e do Direito com as ciências sociais produz um «efeito fertilizante» susceptivel de fazer progredir o Direito e de encontrar soluções mais adequadas aos interesses das crianças e a concretização dos seus direitos”.

(16)

hoje, entre nós. Numa primeira e sucinta observação, o que se deve salientar é o facto de estarmos perante um ramo jurídico diferente de todos os demais – circunstância que, contudo, não impediu

que este tivesse sido encarado como “um filho de um Deus menor”3 –, ideia impregnada, por

décadas, no ordenamento jurídico português, mas que veio progressivamente a ser ultrapassada face

ao crescente interesse que subsequentemente veio a ser dispensado ao tema4.

Neste sentido – e esta é já a segunda observação que queremos fazer – em virtude da inquietação social dissipada pelos diversos estados europeus, mas sobretudo devido à sensação de uma certa incapacidade em lidar com o fenómeno da delinquência juvenil quando a prevenção falha, fazendo com que crianças e jovens comunguem nas malhas do sistema, não devendo, por isso, estranhar-se que o problema da intervenção e consequente responsabilização de menores infractores se apresente como uma questão dogmática de importância extraordinariamente crescente no conjunto das preocupações de diversas instâncias internacionais. Verdadeiramente, não pode lograr-se uma cabal compreensão da disciplina interna – não devendo aspirar-lograr-se à sua interpretação e aplicação – sem se conhecer o conjunto de normas dos organismos supranacionais de que Portugal seja membro. Embora não lhe dedicando um capítulo autónomo, na presente dissertação,

3 Vide, quanto a esta problemática, as considerações expendidas por ANABELA MIRANDA RODRIGUES, “Lei Tutelar Educativa: uma reforma urgente”. In

Forum Iustitiae – Direito e Sociedade. Ano 1, nº 8 (2000). p. 21, que utiliza uma outra expressão em sentido semelhante ao referir-se ao Direito de Menores como um “direito menor”. Assim expressivamente, também ELIANA GERSÃO, “Ainda a Revisão da Organização Tutelar de Menores. Memória de um processo de reforma”. In DIAS, Jorge de Figueiredo [org.] – Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues. Vol. I. Coimbra: Coimbra Editora,

2001. pp. 458-459, ao evidenciar “uma certa estagnação do direito tutelar de menores”, que teve na sua origem “a desatenção a que as universidades e os centros de investigação ligados ao ensino superior votaram a matéria até aos anos 90, não a incluindo nos curricula universitários, nem mesmo como disciplina de opção, nem sobre ela desenvolvendo projectos de investigação” (sublinhado da Autora). Reforçando este entendimento, MARIA DA

CONCEIÇÃO FERREIRA DA CUNHA, “Respostas à delinquência juvenil. Do internamento para a liberdade: primeiros passos para inserção social dos jovens”.

In Revista Portuguesa de Ciência Criminal. Lisboa. ISSN 0871-8563. Ano 26, nos 1 a 4 (2016).pp.437-439, chama a nossa atenção para o facto desta

«desatenção» ter conduzido à “escassez de juristas especializados e sensibilizados para as complexas questões que neste âmbito se suscitam, dificultando o seu tratamento adequado”. De igual modo, também LABORINHO LÚCIO, “As Crianças e os Direitos – O Superior Interesse da Criança”. In

LEANDRO, Armando [et. al.] [coord.] – Estudos em Homenagem a Rui Epifânio. Coimbra: Almedina, 2010. pp. 193-194, que reclama por um “retorno

jurídico” desta área do direito, por forma a contornar a “inexplicável indiferença” a que o Direito das Crianças tem sido votado. Afirma, para tanto, que “é justamente no recuo da dimensão jurídica e na diminuta importância atribuída ao Direito, em matéria de crianças e jovens, que deve identificar-se a origem de muitas das graves lacunas que hoje facilmente se pressentem neste sector da Justiça”. De igual modo, também PAULO GUERRA, na fundamentação inscrita do Acórdão do TRC, de 12/10/2011, proc. nº 243/10.9T3ETR.C1, disponível em: https://goo.gl/8Z9wen, vem sustentar que: “lidarem com estas questões da menoridade com o olhar de alguma pressa e facilitismo, proporcionais a um Direito tido como de segunda categoria”.

4 Em Portugal, diversos estudos realizados a nível universitário vêm fazendo eco da preocupação com que o fenómeno da delinquência juvenil é hoje

encarado – cf., a título exemplificativo, o interessantíssimo trabalho desenvolvido por CARVALHO, Maria João Leote de – Do outro lado da cidade.

Crianças, socialização e delinquência em bairros de realojamento. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2010. Dissertação de Doutoramento. pp. 93-94. Conscientes sobre a ampla investigação que tem sido desenvolvida sobre o tema, com o contributo de outras ciências para além da jurídica, imperam razões relacionadas com a delimitação temática da presente dissertação que nos impõe, desde já, referir que não iremos efetuar uma abordagem relativa aos fenómenos de natureza violenta perpetrados entre jovens, atendendo ao facto de não ser o objeto da presente dissertação.

(17)

reconhecemos que a LTE faz uma leitura integrada de várias recomendações internacionais, pelo que não deixaremos de referir, na presente dissertação, a CDC, ao estabelecer uma outra forma de

encarar a criança, já não só como objeto de direitos, mas como sujeito desses mesmos direitos5.

Seguramente que ninguém ignora as dimensões que a delinquência juvenil tem vindo a assumir nos tempos mais recentes. Na verdade, abordar o problema dos menores que se colocam num estado de delinquência ou pré-delinquência no momento em que praticam determinados factos subsumíveis na categoria de crimes por menores com idades situadas entre os 12 e os 16 anos é encarar, de frente e em primeira linha, o sistema tutelar educativo, instituído por legislação que conta já com mais de quinze anos de vigência: a Lei Tutelar Educativa, doravante designada por LTE, aprovada pela Lei nº 166/99, de 1 de setembro, em vigor desde o dia 1 de janeiro de 2001.

Com o escopo de procurar uma solução normativa harmonizadora entre os ideais de responsabilização e educação, que permita conciliar as disposições vertidas na LTE, conjugadas com as linhas gerais orientadoras do trâmite processual penal, dir-se-á que as linhas que se seguem se destinam a provocar um sobressalto, fazendo ganhar consciência da vastidão do problema que enfrentamos.

Clarificadas que estão as opções teóricas e metodológicas, cumpre-nos evidenciar que o trajeto em vista desse mesmo fim envolverá uma necessária incursão pelo direito substantivo que permita estabelecer um substrato suficientemente seguro e clarificado do resultado processual que, de seguida, se apresentará.

5 Considerações extraídas por CLÁUDIA SOFIA ANTUNES MARTINS, “As mutações do estatuto jurídico da criança e do jovem. Compreender a

sua evolução ao longo da História”. In Scientia Ivridica – Tomo LXVI, nº 343 (2017). p. 111. No mesmo sentido, veja-se RUI EPIFÂNIO – “Autonomia

da Criança no tempo de Criança”. In LEANDRO, Armando [et. al.] [coord.] – Estudos em Homenagem a Rui Epifânio. Coimbra: Almedina, 2010. pp. 17

(18)

§

A versão originária da Lei Tutelar Educativa vigente no panorama judiciário português, constante da Lei n.º 166/99, de 14 de setembro, apresenta-se sob o signo de um ideal reformista

em matéria de menores6. Enquanto tema estudo e de investigação, esta lei comporta um novo

modelo de intervenção do Estado em relação a menores, cujo marco etário se situa entre os 12 e os 16 anos, que se colocam num estado de delinquência ou pré-delinquência no momento em que praticam determinados factos que a lei penal qualifica como crimes.

Definido o âmago do presente trabalho, impõe-se-nos discriminar os capítulos que

compõem a dissertação que levámos a cabo. No primeiro capítulo, justifica-se um trajeto crítico-reflexivo desbravado por entre as coordenadas orientadoras das opções legislativas preconizadas ao longo das últimas décadas nesta matéria. Nesse propósito, ergue-se como inevitável

fazer uma resenha histórica, sublinhando e percorrendo os pontos fortes explorados pelo modelo de proteção, desde o seu berço com a Lei de Proteção à Infância – diploma que colocou Portugal na vanguarda da proteção de crianças e jovens ao criar os primeiros Tribunais de menores –, passando posteriormente em revista o regime condensado na Organização Tutelar de Menores, cujo modelo de intervenção, para além de assentar na proteção absoluta da criança, perpetuando a ideia da existência de um ser permanentemente carecido de proteção e assistência, se tornou fortemente revelador das fraquezas de um sistema que não era capaz de distinguir situações que eram

6 No que respeita à terminologia adotada ao longo da presente dissertação e apenas por facilidade de exposição, é pertinente registar que iremos fazer

uso da locução “menor”, conquanto iremos abordar a temática relativa à intervenção tutelar educativa – não aprofundamos aqui a questão porque voltaremos a ela infra, pp. 43 e ss. Todavia, importa esclarecer que a nossa opção pela asserção “menor” ocorre sem emprestarmos qualquer tipo de conotação pejorativa ou ideia de inferioridade. Apesar do aparente consenso generalizado no entendimento de que a permanência deste termo no domínio de aplicação da LTE se justifica pelo facto de distinguir os menores inimputáveis (com idade inferior a 16 anos), dos menores imputáveis à luz do ordenamento jurídico-penal (com idade igual ou superior a 16 anos), de harmonia com o preceituado no artigo 19º do CP, que perfilha a regra de inimputabilidade absoluta para efeitos criminais, certo é que esta posição não é unanime na doutrina – voltaremos a este assunto infra, mais detidamente. Cf. pp. 43 e ss. Em sentido diferente, veja-se o que sucede, por exemplo, com o ordenamento jurídico brasileiro, onde o legislador se preocupou em abrandar os termos pejorativos usados para se referir aos menores, abolindo expressões como “menor” e “delinquente”, tendo sido com o Estatuto da Criança e do Adolescente – constante da Lei 8.069/90, alterada pela Lei 12.010/09 – que se tornou operativa a distinção entre criança e adolescente, nos termos do artigo 2º, estabelecendo a aplicação de medidas de proteção (art. 98.º a 111.º) aos actos infracionais cometidos por aqueles de medidas sócio-educativas aos actos infracionais praticado por estes (art. 112.º a 125.º). Cf., na literatura brasileira, o trabalho desenvolvido por LEONOR FURTADO e SABRINA SMITH CHAVES, A medidas socio-educativas e as medidas tutelares educativas: a legislação brasileira e

portuguesa. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2000. pp. 41 e ss., que tenta pôr em relevo a legislação aplicável às crianças e jovens no Brasil e em Portugal, no que tange especificamente às medidas sócio-educativas e às medidas tutelares educativas. Ver igualmente a este propósito, LOPES, Paulino Jacqueline; FERREIRA, Monforte Larissa – “Breve histórico dos direitos das crianças e dos adolescentes e as inovações do Estatuto da Criança

e do Adolescente – Lei 12.010/09”. In Revista do Curso de Direito da Universidade Metodista de São Paulo. São Paulo. ISSN 2175-5337. Vol. 7, nº 7 (2010). p. 74.

(19)

necessariamente diferentes e que, por isso, deveriam sustentar intervenções distintas sobre as crianças. Em decorrência da natural transição do modelo de proteção para o modelo de justiça, e compreendendo como ambos se foram entrelaçando ao longo da história, impõe-se-nos analisar a evolução que justificou o atual enquadramento jurídico da LTE, partindo da conceção que está por detrás da filosofia de intervenção desta lei. Sendo certo que ambas as leis vêm consagrar uma resposta legal diferenciada para realidades diferentes, mas, não raras as vezes, confluentes, cumpre-nos tecer, com particular detalhe os regimes de intervenção junto das crianças em perigo e aquela que se dirige aos menores autores de factos criminalmente relevantes, considerando os principais aspetos suscetíveis de aproximar ambos os regimes.

Trilhados os primeiros caminhos pelas opções legislativas preconizadas ao longo das últimas décadas nesta matéria, prosseguimos para o segundo capítulo da dissertação, onde as nossas preocupações se deslocarão para o problema da legitimidade da intervenção estadual.

Num primeiro momento, procurar-se-á equacionar este problema na perspetiva do interesse do menor, ao que se seguirá a enunciação, no plano jurídico-constitucional, os fundamentos subjacentes à necessidade de a criança ser tutelada pelo Estado, com o objetivo de delimitar o sentido e alcance das intervenções de proteção e tutelar educativa, através de uma cuidada análise

dos Projetos de Lei n.os 265/VII e 266/VII, que deram corpo à no LTE e LPCJP, respetivamente. Será,

pois, neste excurso teórico que nos lançaremos num deslindar pormenorizado das razões que nos fazem propender para a aplicação analógica dos preceitos constitucionais contidos nos artigos 69º e 70º da CRP, enquanto elementos delimitadores deste tipo de intervenções.

Concretamente em matéria da intervenção tutelar educativa, começamos por compreender, como que a cotejar as disposições ínsitas na CRP em matéria de direitos, liberdades e garantias, as limitações que este tipo de intervenção acarreta, designadamente ao nível dos direitos da criança,

tais como o direito à liberdade individual e autodeterminação pessoal, bem como dos seus progenitores, como o direito à educação e à manutenção dos filhos – questão que, segundo cremos,

ganha particular acuidade, sobretudo quando o nosso enfoque é o direito tutelar educativo. Seguidamente, cumpre-nos explicitar os pressupostos de aplicação das medidas tutelares educativas, ao que se seguirá a indagação acerca da finalidade associada a esta intervenção,

consolidando o que se deve entender por «educação do menor para o direito»7. Em vista de tal

7 Como observa FRANCISCO MENDONÇA NARCISO, “Educação do menor para o direito”. In Programa de Doutoramento: Direito, Justiça e Cidadania no

Séc. XXI. Coimbra: Faculdade de Direito, Faculdade de Economia, Centro de Estudos Sociais, 2009. pp. 8 e ss., que chama a atenção para aqueles que considera os dois grandes vetores deste conceito – enquanto finalidade perseguida pelo regime tutelar educativo e enquanto pressuposto de aplicação de medidas tutelares educativas que, como se verá, perpassam igualmente esta dissertação.

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desiderato, de forma a desmitificar este conceito – aparentemente despido de qualquer tipo de valoração normativa –, socorremo-nos dos preceitos com assento constitucional, bem como das normas jurídicas internacionais, enquanto elementos delimitadores deste conceito jurídico. Não será, pois, despiciendo assinalar que se trata de um conceito que, não obstante a sua essencialidade neste tipo de intervenção – reportando-se a ele o legislador, repetidas vezes e em distintos momentos

da lei – que não é explicitado por qualquer dessas normas8. Estranhamente, este pouco ou nada tem

sido trabalhado, não se lhe revelando conteúdo, apesar de ser muitíssimo invocado ao longo da fundamentação das decisões judiciais.

A aproximação ao processo penal encontra a sua primeira razão de ser na intrincada, e pontualmente inextrincável, relação entre o Direito Tutelar Educativo e o Direito Processual Penal,

que decorre da aparente simplicidade que resulta da remissão do artigo 128.º, n.º1 ao impor a aplicação do CPP – a título de direito subsidiário – em todas as matérias não expressamente

reguladas na LTE9.

Na verdade, o que o processo tutelar educativo importa do processo penal são as garantias constitucionais em matéria de direitos fundamentais e alguns institutos adaptados aos fins do processo tutelar educativo, não devendo ser esta perspetivada como uma espécie de «Código de

Processo Penal dos jovens»10. A LTE não é, deixe-se desde já muito claro, uma adaptação do CPP

aplicável a jovens que hajam praticado um facto qualificado pela lei como crime. Uma interpretação sistemática, ancorada na globalidade do sistema tutelar educativo, considerando a especificidade do seu âmbito, as suas finalidades, natureza e respetivos instrumentos de realização, não nos permite perspetivar a intervenção tutelar educativa como um «Código de Processo Penal dos jovens». Nem poderia ser de outro modo, desde logo e tendo em conta as finalidades associadas à intervenção tutelar – educação do cidadão menor para o respeito pelas regras jurídicas mínimas da coexistência social e, nessa medida e com esses limites, proteção dos bens jurídicos essenciais da comunidade – não se identificam com os fins da intervenção penal – protecção dos bens jurídicos essenciais da

8 Como salientam alguns autores, nomeadamente CARLOS CASIMIRO NUNES, “O jovem delinquente na lei tutelar educativa: a educação para o direito”.

In Polícia e Justiça. Lisboa. ISSN 0870-4791. nº 8, 3ª Série (2006). p. 353, para quem o conteúdo deste “conceito aberto” terá de ser interpretado pelo aplicador. Cf., igualmente a este propósito, RAQUEL TEIXEIRA TORRES, “Que educação para o direito? Da Lei Tutelar Educativa à intervenção educativa com delinquentes juvenis”. In Ousar Integrar – Revista de Reinserção Social e Prova. Lisboa. ISSN 1647-0109. nº 7 (2010). pp. 39 e ss.

9 O que, na verdade, se compreende, não apenas para encontrar a completa regulamentação de mecanismos que se encontram plasmados neste

diploma, como também para encontrar determinados aspetos que já não se encontram nela contemplados, mas aos quais e aplicam, a título subsidiário, o regime processual penal.

10 A propósito, cf., entre outros, AMORIM, Rui Jorge Guedes Faria de – “Intervenção tutelar educativa (antinomias do sistema e trilhos

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comunidade através da cominação e execução de reacções punitivas. No entanto, Entendemos que nunca é demais acentuar este ponto que, como em momento oportuno iremos oportunidade de referir, norteia o espírito de elaboração desta monografia.

Assim, por constituir um tema transversal a toda à comunidade e por assumir contornos particularmente relevantes nos vários domínios jurídico-processuais, impõe-se-nos, numa terceira parte desta tese, refletir e analisar a especificidade e autonomia deste regime face ao Direito Processual Penal, avaliando-se a conveniência deste processo servir de fonte ao processo tutelar

educativo11. No sentido da justeza deste entendimento, vemo-nos impelidos de refletir sobre a

disciplina legal relativa à estruturação do processo. Para o efeito, pretendemos, ab initio, indagar

sobre as especificidades da fase de inquérito. Numa primeira fase, quedar-nos-emos pela problemática inerente ao regime da denúncia, que atualmente permite a participação de um facto qualificado pela lei como crime praticado por jovem com idade entre os 12 e os 16 anos, independentemente da sua natureza (pública, semipública ou particular). Não obstante a nova redação do artigo 72.º, estando hoje minorados os problemas que deste preceito resultavam, aproveitamos a oportunidade para repescar o debate relativamente ao regime de denúncia.

Neste contexto, sendo um dos aspetos essenciais da LTE a relevância acrescida da

intervenção processual do MP12, parece-nos adequado, nesta parte, analisar os regimes jurídicos

relativos à prova, imediação, contraditório e à possibilidade de recurso aos serviços de mediação. Seguidamente, merecerá o nosso detido olhar as modalidades de encerramento do

11 O propósito de que as considerações subsequentes possam ser lidas sem equívocos obriga a um esclarecimento prévio acerca do respetivo

âmbito de incidência. Cumpre, assim, precisar que não nos dedicaremos, propriamente, à análise de toda a estrutura processual inerente ao processo tutelar educativo. Diversamente, a nossa ótica cinge-se, de forma tendencialmente exaustiva, à fase de inquérito, embora não se limitando a ela.

12 Amplamente sobre as várias funções e atribuições historicamente atribuídas ao MP no âmbito da representação dos incapazes, acompanhamos

VIDAL, Maria Joana Raposo Marques – “O Ministério Público e o processo tutelar educativo. De Curador a Acusador…?”. In VIDAL, Joana Marques

[coord.] – O Direito de Menores: Reforma ou Revolução? Lisboa: Edições Cosmos, 1998. pp. 181-186 e, de igual modo, MARÇALO, Paula – Estatuto do

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inquérito tutelar educativo, designadamente, os regimes do arquivamento liminar, suspensão do

processo, arquivamento e do requerimento para abertura da fase jurisdicional13.

13 No tocante às formas de encerramento do inquérito tutelar, taxativamente previstas nos artigos 78.º, 84.º, 87.º, 89.º e 90.º, para além de apreciarmos

a sua configuração positiva, torna-se necessário conhecer o modo como elas são aplicadas, na praxis judiciária, exatamente porque é nessa feição que o direito interfere na vida real. Assim sendo, por revestir manifesto interesse para a nossa investigação – face ao âmbito judiciário em que assenta o mestrado onde nos inserimos –, propomo-nos coligir os dados relativos à percentagem de inquéritos arquivados (liminarmente ou não), suspensos e nos quais foi requerida a abertura da fase jurisdicional, socorrendo-nos, para o efeito, da informação estatística disponibilizada pelas Procuradorias-Gerais Distritais de Lisboa, Porto, Coimbra e Évora, através dos seus relatórios anuais. De igual modo, neste ponto, também assumem particular destaque os trabalhos resultantes dos Encontros Anuais do MP da Área de Família e Menores das Procuradorias-Gerais Distritais de Lisboa e Porto, organizados nos anos de 2013, 2014 e 2015. Tratam-se de Encontros aos quais tributamos a maior importância, não só pela exemplar participação dos Magistrados do MP, mas também pela profundidade do debate e pela uniformização que potencia em temáticas tão prementes e com tanta repercussão no quotidiano das crianças que vinham sendo objeto de tratamento diferenciado pelos mais diversos Magistrados dos distritos judiciais supra identificados. Por outro lado, iremos trazer para o nosso espaço discursivo algumas orientações seguidas pela jurisprudência dos Tribunais superiores – mormente, revisitando os Acórdãos do TRP de 27/10/2004, proc. nº 0414556, de 19/12/2007, proc. nº 0716253 e do TRC de 07/03/2007, proc. nº 793/06.1TAACB.C1 – com a intenção clara de esclarecer este problema, dissipando, por esta forma, eventuais dúvidas que resultavam de alguma jurisprudência existente.

(23)

§

Será, deste modo, subjugado a este enquadramento temático que conduziremos a presente investigação, focando um assunto que, pela sua incipiência e especial complexidade,

poderá encontrar um terreno privilegiado de reflexão.

De igual modo, não descurando a vertente judiciária em que assenta o mestrado em que nos inserimos, privilegiaremos, ao longo da nossa exposição, a análise de jurisprudência dos

Tribunais superiores – sobretudo tendo em conta situações geradoras de maior dúvida interpretativa. Será, então, neste contexto, pretendemos incorporar, na presente investigação, uma componente enquadramento e discussão crítica da doutrina e jurisprudência relevantes, acompanhada de uma imprescindível fundamentação de índole teórica, apoiada por um exercício experimental impulsionador de uma abordagem inovadora do tema escolhido.

Por outro lado, importa referir que nos propomos, desde já e sempre que possível, adotar um espírito crítico na interpretação das disposições legais, que possibilite a realização de algo mais do que uma simples cronologia de normativos, doutrina e jurisprudência atinentes aos problemas considerados.

Aqui chegados, e sem perder o nosso leme, mantivemo-nos – assim o esperamos – firmes no propósito de apresentar um trabalho suficientemente inovador, cujo tema radica na pretensão de desenvolver um trabalho de âmbito aplicado, que integre as competências e os conhecimentos adquiridos ao longo do curso, tendo em vista a apresentação de soluções de cariz prático, orientadas para a resolução dos problemas concretos inerentes às temáticas abordadas, tendo, porém, sempre presentes preocupações de enquadramento teórico e justificação metodológica.

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[A Grã Duquesa]

– És novo. Não podes ser mau.

[Kaliayev]

– Não tive tempo de ser novo. (Albert Camus, “Os Justos”)

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CAPÍTULO I – EVOLUÇÃO HISTÓRICO-LEGISLATIVA DA JUSTIÇA JUVENIL EM PORTUGAL: BREVE ENQUADRAMENTO HISTÓRICO

1. Generalidades

A melhor forma de iniciar a exposição das questões que ora nos ocupam neste primeiro capítulo não pode deixar de ser a análise da temática relativa aos primórdios que antecederam a legislação portuguesa atinente ao Direito de Menores, sem, no entanto, se pretender reproduzir todos os aspetos que este ramo pressupõe, mas tão só efetuar um breve excurso histórico sobre a evolução do sistema de justiça de menores, assinalando os aspetos mais controvertidos de forma a perspetivar as principais linhas de rutura e de continuidade que se fizeram sentir no ordenamento jurídico português.

Neste contexto, sendo certo que a alteração das conceções sociais vigentes relativamente à posição processual assumida pelos menores fez impender sobre o Direito um dever de modificação de paradigmas e de adaptação às novas realidades, não pode o nosso ordenamento jurídico desconsiderar os problemas que daí resultem. Assim, conscientes de que a normatividade jurídico-processual não pode alhear-se à evolução social e à nova conceção da Criança, considerámos fundamental, neste particular, equacionar qual o tratamento conferido aos menores, em específico e numa primeira fase, no contexto jurídico-penal.

Assim, em face do que antecede, constituirá objeto de um primeiro tratamento os instrumentos normativos que Portugal conheceu numa época temporal e concretamente determinada que se cinge aos anos de 1513 a 1911 e de 1962 a 1999, até aos dias de hoje.

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2. Das Ordenações Manuelinas à publicação da Lei de Proteção da Infância

A primeira manifestação legal portuguesa relativa ao “direito penal dos menores”14 remonta

a 1513, época concernente às Ordenações Manuelinas15. Naquele período, consideravam-se os

menores até aos 14 anos de idade como irresponsáveis, cabendo ao tutor responder em juízo pela prática dos delitos cometidos. Esta presunção de irresponsabilidade podia, no entanto, ser suprimida quando se provasse que a malícia do menor supria a deficiência da sua idade. Por sua vez, tratando-se de menores com idade superior a 14 anos, era exigida a sua pretratando-sença em juízo com o tratando-seu tutor ou curado, sendo que, à semelhança do que vinha sucedendo com os adultos, o julgamento decorria nos tribunais comuns e sob as regras do direito processual criminal ordinário, daí que se pudesse falar numa verdadeira identidade de tratamento jurídico-penal dos menores os criminosos adultos, mantendo-se, aos olhos de Ernesto Candeias Martins, “a ideia de encarar a criança como um adulto quer no modo de pensar, de vestir, de alimentar, de viver, como no âmbito jurídico-social e educativo da época”16.

14 Segundo ERNESTO CANDEIAS MARTINS, A Problemática Sócio–Educativa da Protecção e da Reeducação dos Menores Delinquentes e Inadaptados entre

1871 a 1962. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 1995. Dissertação de Mestrado. p. 97, o recurso à expressão “direito penal dos menores”, neste período, compreendia-se, na medida em que aos menores era conferido um tratamento que se equiparava ao concedido às pessoas adultas “sempre que tivessem actuado com discernimento”. No mesmo sentido, veja-se GERSÃO, Eliana – “Menores agentes de infracções criminais – que intervenção? Apreciação crítica do sistema português”. In Separata do Número Especial do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia – 1984. Coimbra, 1988. p. 4 e SUDAN, Dimitri – “Da criança culpada ao sujeito de direitos: alterações dos modos de gestão da delinquência juvenil (1820-1989)”. In Infância e Juventude – Revista do Instituto de Reinserção Social. Lisboa. ISSN 0870-6565. nº 3 (1997). pp. 74-75. Na verdade, já em 1810 havia sido promulgado o Código Penal Francês que previa uma disposição específica, distinta dos adultos, que se apoiava na noção de discernimento, definida como “a inteligência legal que é suposto o indivíduo ter sobre a natureza criminal da acção que cometeu” – Para maiores desenvolvimentos sobre esta temática, cf., entre outros, BAILLEAU, Francis – “A re-introdução da noção de discernimento: uma ruptura no direito penal de menores?”. In Ousar Integrar – Revista de Reinserção Social e Prova. Lisboa. ISSN 1647-0109. nº 7 (2010). pp. 11 e ss.

15 Seguindo de perto MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA – História do Direito Português. 4ª Ed. Coimbra: Almedina, 2012. pp. 312-313, pese embora se

conheçam exemplares impressos dos Livros I e II, de 1512 e 1513, a edição definitiva do projeto legislativo destas Ordenações ocorreu em 1523. Esta previsão de normas tendo em vista a proteção de crianças e jovens era tida como “imperfeita e rudimentar” – Cf. SANTOS, Boaventura de Sousa – “Os

Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa: uma avaliação de dois anos de aplicação da Lei Tutelar Educativa”. Relatório do Observatório Permanente da Justiça. Coimbra: Centros de Estudos Sociais, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra Portuguesa, 2004. p. 127.

16 Cf. MARTINS, Ernesto Candeias–“Menores Delinquentes e Marginalizados (Evolução da Política Jurídico-penal e Sociopedagógica até à 1ª República”.

In Infância e Juventude. Revista do Instituto de Reinserção Social. Lisboa. ISSN 0870-6565. nº 4 (1998). p. 79; ASSIS, Rui – “A Reforma do Direito dos Menores: do modelo de protecção ao modelo educativo”. In SOTTOMAYOR, Maria Clara [coord.] – Cuidar da Justiça de Crianças e Jovens. A Função dos

Juízes Sociais. Actas do Encontro. Porto: Almedina, 2003. p. 136; ALMEIDA, Tânia Rodrigues de–Limites ao internamento de jovens em centro educativo. Lisboa: Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2017. Dissertação de Mestrado. p. 15.

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De acordo com o Livro III, Título LXXXVIII, tinha-se por assente que a única preocupação se cingia à realização da justiça, desconsiderando-se a proteção dos menores delinquentes, pelo que se encontrava naturalmente vedada a aplicação de qualquer medida de proteção ou educação. Na verdade, a ânsia excessiva de realizar a justiça penal era de tal forma exagerada, que era legalmente permitida a aplicação de penas corporais e infamantes, estando inclusivamente prevista a pena de morte, excetuando os casos em que o menor tivesse idade inferior a 17 anos. Deste modo, e reforçando a filosofia de intervenção própria das Ordenações Manuelinas, firmou-se o entendimento, de certa forma generalizado, de que “a proteção concedida à infância em termos jurídicos, legislativos e educativos era insuficiente, incompleta e defeituosa, não existindo a reeducação e a reinserção

social dos menores”17.

Mais tarde, uma procura incessante por respostas que justificassem os motivos pelos quais

as crianças adotavam comportamentos que consubstanciavam factos ilícitos18, conduziu-nos a uma

conceção do crime como dimensão da realidade da vida social e não apenas como um facto jurídico. O paradigma de resposta para esta nova configuração do crime que se foi impondo assentou numa polivalência de conjunturas políticas, ideológicas e sociais, que conduziu à afirmação de múltiplas correntes penais e criminológicas, cujo berço se circunscreveu aos princípios e às metodologias positivistas, que se propagaram nos finais do século XIX e primeiras décadas do século XX. Foi precisamente com base nesta doutrina positivista que se vem a preconizar a substituição do direito

penal pelas medidas de «tratamento» e de «cura» dos delinquentes19, assomando-se a primeira

referência legal ao princípio da prevenção e correção dos menores delinquentes. Tal vem a suceder com a publicação dos Códigos Penais de 1837, 1852 e 1886 que precipitaram o nascimento de uma justiça para menores diferenciada dos adultos. Todavia, o nosso quadro normativo – mormente com o CP de 1982 –, imbuído pelo espírito de tratamento e de correção, ainda continuava a mostrar-se favorável à possibilidade de prorrogar as penas aplicadas aos condenados quando estes fosmostrar-sem considerados “de difícil correção”.

17 Cf. MARTINS, Ernesto Candeias – “Menores Delinquentes e Marginalizados (Evolução da Política Jurídico…”. ob. cit. pp. 86 e ss. 18 Cf. aquilo que dissemos quanto ao nosso objeto e à sua razão de ser na introdução deste trabalho.

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2.1. A Lei de Proteção à Infância

É, contudo, no decurso da segunda metade do século XIX que se assiste à emergência de

um “movimento social a favor da protecção da Infância”20. Foi com o irromper deste movimento que

se concretizou a mais premente leitura da tutela da criança com a publicação da Lei de Proteção à

Infância, que vem afirmar – diríamos nós, com redobrada certeza – a necessidade de criar condições

de proteção da própria criança21.

De relevo incontestável no domínio político-social da República Portuguesa, esta lei entrou em vigor a 27 de maio de 1911 e veio instituir um modelo de intervenção de cunho protecionista. A sua construção foi concebida num ambiente em que se denotou um arquétipo de mudança relativamente ao «direito criminal de menores», na medida em que corta radicalmente com o regime dos Códigos Penais do século XIX, proibindo-se “em absoluto a aplicação de quaisquer penas

criminais, fosse qual fosse o seu grau de maturidade e a gravidade da infracção cometida”22.

De forma a assinalar as suas caraterísticas essenciais, importa começar por referir que ela veio consagrar um sistema de intervenção de cariz preventivo, pretendendo “mais do que reagir

contra actos delituoso já verificados, evitar que os menores enveredassem pela via da delinquência”23.

20 Como explicaELIANA GERSÃO, “Um século de Justiça de Menores em Portugal (no centenário da Lei de Protecção à Infância de 1911)”. In ANDRADE,

Manuel da Costa [et. al.] [org.] – Direito Penal – Fundamentos dogmáticos e político-criminais (Homenagem ao Professor Peter Hünerfeld). Coimbra: Coimbra Editora, 2013. pp. 1368-1369, ao referir-se à criação de “movimentos filantrópicos de protecção à infância”, visando proporcionar às crianças melhores condições de vida, saúde, proteção, instrução e formação. Firmou-se, assim, ao arrepio daquilo que havia sido defendido noutros tempos, “o enraizamento da consciencialização da necessidade de protecção jurídica de menores e uma crescente adesão da sociedade a essa filosofia de proteção.” – cf., por exemplo, o que a este propósito foi dito por MARIA LUÍSA RIBAS PINHEIRO TORRES,– Da articulação das medidas de promoção e

protecção de crianças e jovens em perigo com as medidas tutelares educativas. Braga: Universidade do Minho, 2013. Dissertação de Mestrado. p. 31 e porPAULO GUERRA eLEONOR FURTADO,O Novo Direito das Crianças e Jovens – Um Recomeço. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2001. p. 27, para quem.

21 Cf. ASSIS, Rui – “A Reforma do Direito dos Menores…” ob. cit. p. 137 e RODRIGUES, Anabela Miranda – “Repensar o Direito de Menores

em Portugal – Utopia ou Realidade?”. In Revista Portuguesa de Ciência Criminal. Lisboa. ISSN 0871-8563. nº 7 (1997). p. 360.

22 Cf. GERSÃO, Eliana–“Portugal entre as armadilhas da “protecção” e da “justiça” de menores”. In Tribuna da Justiça. nº 4-5 (1990). p. 90. 23 Para uma descrição dos mais importantes princípios enformadores da LPI, nomeadamente sobre o seu direito preventivo, veja-se as considerações

expendidas por ELIANA GERSÃO, “Um século de Justiça de Menores em Portugal…” ob. cit. p. 1369, que nos brinda com uma análise do sistema que assentava na ideia de que era necessário intervir logo aos primeiros “sintomas de delinquência” – logo que criança cometa um pequeno crime ou até mesmo antes disso, quando se encontre numa daquelas situações que se pensa que conduzem ao crime (ociosidade, vadiagem, mendicidade)”. Da mesma Autora, cf. “Menores agentes de infracções criminais – que intervenção…” ob. cit. p. 5; Tratamento Criminal de Jovens… ob. cit. p. 42; “Portugal entre as armadilhas…” ob. cit. p. 90. Em sentido análogo, acompanhamos ASSIS, Rui – “A Reforma do Direito dos Menores…” ob. cit. pp. 137-138;

MARTINS, Ernesto Candeias–A Problemática Sócio–Educativa da Protecção e da Reeducação dos Menores… ob. cit. pp. 103-105; SANTOS, Boaventura

de Sousa – “Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa: uma avaliação…” ob. cit. p. 128. Chamando também a atenção para este aspeto, JOSÉ BELEZA DOS SANTOS e PEDRO DE MOURA SÁ, Regime jurídico dos menores delinquentes em Portugal: Princípios dominantes. Coimbra:

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Como tal, um regime assim concebido veio impor ao tribunal que não tivesse de aguardar que a criança cometesse um crime para desencadear a respetiva intervenção judiciária. Reclamava-se, assim, uma atuação precoce do tribunal “logo que a criança, pelo seu comportamento, desse

mostras de se encontrar «prevertida» ou «corrompida»”24.

Por outro lado, as finalidades associadas a esta intervenção eram essencialmente assistenciais e curativas, permitindo-se a inserção do menor – seja ele delinquente, desamparado, indisciplinado ou em perigo moral – numa família idónea ou numa instituição de assistência. No entanto, relativamente aos menores delinquentes, desamparados e indisciplinados, para além da medida anterior, podia haver lugar ao pagamento de sanções pecuniárias, sobretudo dirigidas aos pais, colocação em liberdade vigiada e internamento em estabelecimentos do Estado (próprios para menores): de um lado, as «escolas de reforma» destinadas aos menores «desamparados», aos «delinquentes» de 9 a 13 anos, fosse qual fosse o crime praticado e aos «delinquentes» de 13 a 16 anos, agentes de crimes puníveis com pena correcional. Para os casos mais graves, existiam as «casas de correção», destinadas aos «delinquentes» de 13 a 16 anos agentes de crimes puníveis com pena maior. Note-se, no entanto, que nos casos em que fosse necessário recolher temporariamente o menor enquanto se aguardava pelas decisões judiciais, foram criados os «refúgios» junto dos tribunais de menores de maior dimensão (excluindo-se, porém, a prisão

preventiva dos menores com idade inferior a 16 anos25).

Uma terceira caraterística desta lei relaciona-se com o cunho individualizado das decisões adotadas, de tal forma que a escolha da medida devia ser orientada pela situação pessoal e pelas carências educativas do menor, pelo que se encarava a prática de ilícitos criminais como decorrente da exclusão social, da carência afetiva e da necessidade de proteção do menor. Note-se, aliás, que a individualidade da decisão judicial era de tal forma acentuada que “se afirma, logo no artigo 2º, que o tribunal julga «sempre no interesse do menor», especificando – repetidas vezes – que a decisão será tomada conforme a sua idade, instrução, profissão, saúde, abandono ou perversão – factores a

seja delinquente, bastando que haja um perigo sério de que se lance ou seja lançado no caminho do crime”, sendo por isso, que ANTÓNIO CARLOS

DUARTE-FONSECA, “Sobrevivência e erosão do paradigma da protecção em sistemas europeus de justiça juvenil”. In Ousar Integrar – Revista de

Reinserção Social e Prova. Lisboa. ISSN 1647-0109. nº 7 (2010). p. 63, indique a LPI como uma das primeiras leis especialmente destinadas à prevenção da prática de crimes por crianças e jovens.

24 Idem, p. 137.

25 Como explica ELIANA GERSÃO, “Carência sócio-familiar e delinquência juvenil: a sua imagem a partir da análise de alguns dados estatísticos referentes

à jurisdição tutelar”. In MEDEIROS, Carlos Laranjo [coord.] [et. al.] – Do Desvio à Instituição Total – Sub-Cultura – Estigma – Trajectos. Lisboa. Cadernos

do Centro de Estudos Judiciários, nº 2/89. p. 40, a proibição da pena de prisão aos menores de 16 anos que cometam crimes é apontada como um “dado cultural do país”, porquanto se tratou de uma norma introduzida pela LPI (de 27 de Maio de 1911), que “desde essa data até aos nossos dias nunca lhe foi introduzida qualquer restrição”.

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que, quando se trata de «delinquentes», se acrescenta «a natureza do crime e suas circunstâncias

agravantes e atenuantes – e, bem assim, «a situação social, moral e económica dos pais ou tutor»”26.

Por outro lado, de forma a efetivar o caráter individual das medidas, estava prevista a existência um inquérito relativo ao menor, bem como a possibilidade de sujeição a um exame antropológico.

2.2. As Tutorias da infância

Como se compreende, este diploma legal foi expressão de um novo momento em Portugal, vindo introduzir modificações significativas no sistema até então vigente no nosso ordenamento jurídico. Uma das principais novidades instituídas por esta lei consistiu na reformulação dos órgãos

judiciários a quem é confiada a aplicação de medidas aos menores27, com a criação das primeiras

jurisdições especializadas para os menores de 16 anos que, neste período, se designam por “Tutorias

da Infância”28 – tendência que se viu largamente difundida e acompanhada por outros países

europeus que vieram consagrar regras de direito especiais para menores29.

26 Vide, GERSÃO, Eliana – “Menores agentes de infracções criminais – que intervenção…” ob. cit. p. 7 e, da mesma Autora, “Portugal entre as armadilhas

da “protecção…” ob. cit. p. 90.

27 Sobre a importância desta iniciativa no ordenamento jurídico português, acompanhamos MATTA, Caeiro da – Direito Criminal Português. Vol. I.

Coimbra: F. França Amador, Editor, 1911. pp. 234 e ss.

28 Curioso notar que, já à altura, existia uma preocupação relativamente à designação “Tutoria da Infância” em vez de “Tribunal da Infância”, como

evidencia ANA RITA DA SILVA SAMELO ALFAIATE, O Problema da Responsabilidade Penal dos Inimputáveis por Menoridade. Coimbra: Faculdade de Direito

da Universidade de Coimbra, 2015. Dissertação de Doutoramento. p. 114, ao sustentar que “o termo Tribunal da Infância encerrava, aos olhos do legislador, a ideia do julgamento e do castigo que importava evitar no caso dos infantes”. Em sentido análogo, ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, Internamento de menores delinquentes: A lei portuguesa e os seus modelos – um século de tensão entre proteção e repressão, educação e punição. Coimbra: Coimbra Editora, 2005. p. 148, ao referir que “em Portugal, o recurso ao significante tribunal correria o risco de despertar na opinião pública uma ideia repressiva e estigmatizante, incompatível com o ideal humanitário e educativo que pretendia imprimir-se à intervenção desta jurisdição nova e especial” (sublinhado do Autor) – cf., igualmente, MARIA ROSA FERREIRA CLEMENTE DE MORAIS TOMÉ, “A Cidadania Infantil na Primeira República e a Tutoria da Infância. A Tutoria de Coimbra e do Refúgio Anexo”. In Revista de História da Sociedade e da Cultura. Coimbra. ISSN 1645-2259. Tomo II. nº 10 (2010). p. 491, afirmando que “A opção inicial pela designação Tutoria da Infância pretendia evitar o estigma gerado pelo tribunal, instituição de vocação punitiva, bem como funcionar com proximidade aos jovens, para prevenir e curar os problemas, mais do que condenar e sancionar”. Assim esclarece o próprio preâmbulo do diploma, ao referir que a expressão «Tribunal da Infância» não conseguia afastar a ideia de ser um local destinado a julgar, a castigar, pelo que, convinha evitar, tanto quanto possível, que a criança ficasse marcada pelo estigma de ter cumprido pena, sendo apenas com a publicação do Estatuto Judiciário constante do DL n.º 33 547, de 24 de fevereiro de 1944, mormente no seu artigo 70.º, que se altera esta designação, passando as “Tutorias da Infância” a designar-se por Tribunais de Menores – cf. GERSÃO, Eliana – Tratamento Criminal de Jovens… ob.

cit. p. 55. Em segundo lugar, tal opção justificava-se pelas atribuições que pertenciam às Tutorias, no sentido de prevenir, curar do que propriamente o de castigar, em estrita conformidade com o artigo 2º.

29 Como temos vindo a chamar à atenção, embora tenha sido Portugal “o primeiro país europeu a criar legalmente tribunais específicos para apreciar

as causas respeitantes a menores, à data da publicação da LPI, esses tribunais já funcionavam, numa base de facto em algumas cidades estrangeiras” – Cf. GERSÃO, Eliana –“Menores agentes de infracções criminais – que…” ob. cit. p. 4. Tecendo breves considerações sobre o aparecimento das

primeiras jurisdições especializadas para menores na França, Alemanha, Espanha e Suécia cf., entre outros, BAILLEAU, Francis – “A re-introdução da noção de discernimento…” ob. cit. p. 11 e RODRIGUES, Anabela Miranda – “Repensar o Direito de Menores…” ob. cit. pp. 359-360. Segundo JEAN

(31)

De acordo com o artigo 1.º da LPI, a finalidade subjacente à criação das tutorias consistiu, não só, na prevenção dos males sociais que podem conduzir à perversão e ao crime os menores de 16 anos ou comprometer a sua vida ou saúde, mas também remediar os efeitos desses males. No que concerne às suas atribuições, dispunha o artigo 2.º § único da LPI. De acordo com este preceito, competia-lhes a proteção dos menores em perigo moral, desamparados ou delinquentes, bem como os julgamentos de certos crimes cometidos por adultos contra crianças.

Por outro lado, a LPI tinha, ainda, a particularidade de se destinar indistintamente às crianças em perigo moral, desamparadas e delinquentes. Deste modo, o facto criminoso não

TREPANIER, “Mudanças de rumo para a Justiça de Menores: o caso de um estado americano”. In Infância e Juventude – Revista do Instituto de

Reinserção Social. Lisboa. ISSN 0870-6565. nº 89.1 (1989). p. 9, nos Estados Unidos da América, o movimento de defesa da infância nasceu em pleno século XIX, mobilizando vários grupos sociais e profissionais – cf., no mesmo sentido, ABREU, Carlos Pinto de; RAMOS, Vânia Costa; SÁ, Inês Carvalho – Protecção, Delinquência e Justiça de Menores: Um Manual Prático para Juristas... e não só. Lisboa: Edições Sílabo, 2010. p. 45 e GUERRA, Paulo; FURTADO,Leonor –O Novo Direito das Crianças e Jovens… ob. cit. p. 27. Assim, de acordo com ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, Internamento

de menores delinquentes: A lei portuguesa… ob. cit. pp. 136-137: “no Estado de Massachusetts, começam a ter lugar nos tribunais de Boston, a partir de 1869, audiências especiais para menores, sendo em 1870 publicada uma lei federal que vem determinar a separação dos menores com menos de 16 anos de idade dos adultos. Este movimento vem a alastrar-se para outros Estados, tendo contribuído para a criação dos primeiros tribunais de menores a atividade de várias associações particulares com o objetivo de proteger a infância”. Nesta sequência, o primeiro tribunal de menores – juvenile court – surge no Estado de Illinois, na cidade de Chicago, em 21 de abril de 1899, aquando da aprovação da «Act to Regulate the Treatment and Control of Dependent, Negleted and Delinquent Children» – Cf., no mesmo sentido, TOMÉ, Maria Rosa Ferreira Clemente de Morais – Justiça e

Cidadania Infantil em Portugal (1820-1978) e a Tutoria de Coimbra. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2012. Dissertação de Doutoramento. pp. 53-57 e PEDROSO, João – “A Reforma do “Direito de Menores”: A Construção de um “Direito Social”? (A intervenção do Estado e da Comunidade na Promoção dos Direitos das Crianças)”. In Oficina do CES. Coimbra. nº 121 (1998). p. 24. Um percurso análogo ao ocorrido no Estado de Illinois conduziu à criação de tribunais de menores noutros estados: em 1902, em Cleveland (Ohio), em 1903, na Pensilvânia e na Califórnia, em 1906, em Boston (quanto a este, o tribunal distinguia-se por ser coletivo, na medida em que era composto por um magistrado judicial e por dois juízes especiais). Tratou-se, pois, de um tribunal composto por um juiz especializado, um estabelecimento para internamento separado de menores negligenciados, entregues à vadiagem e mendicidade e delinquentes e por um corpo de agentes de probation – no mesmo sentido, veja-se SILVA, Júlio Barbosa e – Lei Tutelar Educativa Comentada no âmbito das principais orientações internacionais, da jurisprudência nacional e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Coimbra: Almedina, 2013. p. 26. Todavia, como observa JAAP DOEK, “O futuro do Tribunal de Menores”. In Infância e Juventude.

Revista do Instituto de Reinserção Social. Lisboa. ISSN 0870-6565. nº 89.3 (1989). pp. 11-12, vários foram os Autores que acentuaram a desadequação desta lei, tecendo duras críticas a diversas disposições nela contidas. Por seu turno, no que tange à Inglaterra, sob influência deste movimento, foi criado o primeiro tribunal para menores de idade inferior a 16 anos, em 1905 em Birmingham e Manchester. Tal circunstância ficou a dever-se ao «Juvenile Offenders Act», datada de 1847, que instituiu o julgamento de menores com idade inferior a 14 anos por tribunais de jurisdição sumária, sem júri, regime que foi posteriormente alargado aos menores com menos de 16 anos. À semelhança do que sucedeu com o pensamento jurídico norte-americano, foi recomendado aos Magistrados Judiciais ingleses – através da Circular do Ministro do Interior de 30/06/1905 –, a diferenciação do julgamento de menores, nomeadamente quanto ao momento do dia (de preferência pela manhã, antes dos adultos), bem como a necessidade de criar jurisdições especiais. Todavia, foi apenas com a entrada em vigor da «Children Act» – igualmente conhecida como Magna Carta da Infância – em 1908, cujo objetivo era codificar e rever a legislação relativa à proteção das crianças e adolescentes, aos estabelecimentos de educação e reforma, à delinquência juvenil e ao estatuto da infância e da adolescência, que foram organizadas secções jurisdicionais especiais para menores.

Referências

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