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CAPÍTULO I – EVOLUÇÃO HISTÓRICO-LEGISLATIVA DA JUSTIÇA JUVENIL EM PORTUGAL:

4. Pressupostos

4.1. A prova da prática de facto qualificado como crime

Aqui chegados, partindo do princípio de que nem toda a rebeldia dá origem a um comportamento criminoso, vem o artigo 1º estabelecer que a LTE só tem aplicação quando estejamos perante factos qualificados pela lei como crime. Assim, o primeiro pressuposto desta intervenção reconduz-se à prova da prática, por menor com idade situada entre os 12 e os 16 anos,

120 Conceito que, entre nós, é destacado por ANABELA MIRANDA RODRIGUES, “Repensar o Direito de Menores em Portugal…” ob. cit. pp. 355-357, ao

entender que que este conceito “pode facilmente comportar submissão, mediante mecanismos de controle judicial”, apontando como exemplo mais flagrante o sistema de justiça penal.

121 De acordo com GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa...” ob. cit. pp. 565-566, “O direito e o dever dos pais de

educação e manutenção dos filhos são um verdadeiro direito-dever subjectivo” (itálico dos Autores).

de factos qualificados pela lei como crime. A lei é clara nisso: a intervenção tutelar educativa parte da prática de um crime, só que não é crime pela circunstância da pessoa ser inimputável e não imputável123.

Como vimos, a exigência de prova do facto para desencadear a intervenção judiciária sobre menores prevaricantes constituiu uma novidade em relação ao que vinha plasmado no direito anterior, na medida em que o facto praticado pelo menor não tinha qualquer repercussão na medida posteriormente aplicada, relevando apenas como índice ou sintoma de inadaptação124.

Partindo de tal pressuposto, é lógica a conclusão de que este “se deve ir buscar à lei penal, uma vez que é neste ramo do direito que se reprimem as ofensas intoleráveis aos bens jurídicos

essenciais”125. Por esse motivo é que Anabela Miranda Rodrigues, vem sustentar que “o pressuposto

da responsabilização da criança é o acto cometido, só e apenas na medida em que o facto revela

hostilidade da sua personalidade face aos valores protegidos pelo direito penal”126.

123 Cabe enfatizar, a este propósito, que do ponto de vista técnico-jurídico e conceptual, é incorreto afirmar que os menores praticam crimes, uma vez

que, de harmonia com o artigo 19º do CP, estes são inimputáveis em razão da idade. Entendemos que nunca é demais insistir neste ponto: o que eles praticam são factos qualificados pela lei como crime – que se fossem praticados por imputáveis (entenda-se, por maiores de 16 anos) constituíram crimes –, podendo ser sujeitos a uma qualquer medida tutelar educativa – cf. por todos, MOURA,José Adriano Souto de – “A tutela educativa: factores…”

ob. cit. p. 98. Caminha igualmente neste sentido, JÚLIO BARBOSA E SILVA, Lei Tutelar Educativa comentada… ob. cit. p. 25, ao sustentar que: “apenas

e só os actos praticados que consubstanciam factos qualificados como crime pela lei penal legitimam o recurso à justiça juvenil e não outro tipo de factos ou comportamentos que porventura possam ser praticados e assumidos por jovens”. Note-se, porém, que quando este Autor nos refere «outro tipo de factos ou comportamentos que possam ser praticados e assumidos por jovens», remete para a prática de comportamentos anti-sociais ou os chamados «delitos de estatuto», isto é, comportamentos não legalmente censuráveis no caso de adultos, tais como: a prostituição, consumo de drogas e álcool, vagabundagem, mendicidade, absentismo escolar, indisciplina e fugas de casa, sujeitando os jovens que adoptem tais comportamentos a medidas educativas. Apesar de Portugal não dispor de normas sobre estes comportamentos, de acordo com as Regras Mínimas das Nações Unidas relativas à Administração da Justiça de Menores – “Regras de Pequim” –,recomendadas pelo Sétimo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento de Delinquentes, adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1985, através da Resolução nº 40/33, estabeleceram, na regra nº 3, que as orientações dadas são também aplicáveis a este tipo de delitos e às medidas de proteção e assistência social. Quanto a estas, com interesse, BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, Os Caminhos Difíceis da “Nova”… ob. cit. p. 65, vem sustentar que: “No caso dos

menores, este alargamento encontra o seu fundamento na procura de um sistema mais justo, mais equitativo e mais humano para os jovens que, de algum modo, entrem em conflito com a lei”. De igual modo, conforme jurisprudência amplamente pacífica, o Acórdão do TRC, de 12/10/2011, proc. 243/10.9T3ETR.C1, disponível em http://zip.net/brtK7s, vem afirmar que: “só podemos aplicar a um menor inimputável uma qualquer medida tutelar educativa desde que se tenha provado – fora de qualquer dúvida razoável – que ele participou no concreto facto qualificado pela lei como crime”, vindo a acrescentar que “sem factos provados não há hipótese de se accionar os meios ressocializadores e reeducadores ínsitos na LTE” e, no mesmo sentido, o Acórdão do TRE, de 18/06/2013, proc. 30/12.0TQFAR.E1, disponível em http://zip.net/bstLtL, no sentido em que: “O primeiro dos pressupostos para a intervenção tutelar é, assim, a existência de uma ofensa a bens jurídicos fundamentais, traduzido na prática de facto considerado por lei como crime”.

124 Atente-se, neste particular, naquilo que já atrás dissemos a propósito da desvalorização do facto criminoso, quer na vigência da LPI, como também

na OTM, que analisámos em detalhe no I capítulo da presente dissertação – cf. pp. 36 e ss. e 44 e ss.

125 Cf. RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António Carlos Duarte – Comentário da Lei Tutelar… ob. cit. p. 57 (artigo 1.º, § 6). 126 Cf., por todos, RODRIGUES, Anabela Miranda – “O Superior Interesse da…” ob. cit. p. 38. Tal circunstância poder-nos-ia, porém, facilmente avançar

para um paradigma associado ao “direito penal dos pequeninos”, fazendo com que se visse na LTE uma lei penal. No entanto, uma resposta precipitada como aquela, esconde uma outra realidade, assinalada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, de 17/02/2009, proc. nº 2030/07, disponível