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CAPÍTULO I – EVOLUÇÃO HISTÓRICO-LEGISLATIVA DA JUSTIÇA JUVENIL EM PORTUGAL:

4. A emergência da Lei Tutelar Educativa e a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo

4.3 Constrangimentos

Não obstante a letra da lei, certo é que a concretização destes normativos não deixou de se ver confrontada com alguns constrangimentos, nomeadamente com o facto de “o mandatário que representa o menor no processo tutelar cível e/ou no processo de promoção e protecção judicial não serem a mesma pessoa e entre ambos inexistir, na maioria das vezes, a articulação e cooperação desejada”85.

mesmo que esteja arquivado). A nosso ver, a interpretação do art.º 81.º da LPCJP, na atual redação, no sentido de permitir a apensação de processos de promoção e proteção a processos tutelares cíveis já findos leva a consequências desrazoáveis, que certamente o legislador não pretendeu, como desde logo o potencial afastamento do processo relativamente ao local da residência atual da criança ou jovem, sendo o tribunal deste lugar o que se encontra em situação privilegiada, pela proximidade, para conhecer do caso. Afigura-se-nos, assim, que tal artigo terá de ser objeto de uma interpretação restritiva, por forma a impedir tais consequências nefastas, fazendo apenas apensar processos ainda pendentes, pois que apenas nessas situações se mostra salvaguardada a atualidade do conhecimento do caso que possibilita a intervenção mínima do tribunal (que, cremos, será a ratio desta norma).

83 Cf., por todos, VIDAL, Maria Joana Raposo Marques – “Processos tutelares: que articulação?”. In OLIVEIRA, Guilherme de [coord.] – Direito Tutelar de

Menores – o sistema em mudança. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. pp. 164-165 e MARIA DA CONCEIÇÃO FERREIRA DA CUNHA,“Respostas à delinquência juvenil…” ob. cit. p.452, que vem considerar a falta de articulação entre intervenção protetiva e tutelar educativa um dos maiores problemas que afeta o atual sistema português.

84 No mesmo sentido, veja-se ANABELA MIRANDA RODRIGUES e ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, Comentário da Lei Tutelar… ob. cit. p. 139 (artigo 43º, §

4), ao se referirem à visão “unitária” do menor “que leva à articulação entre as intervenções tutelar educativa e de protecção – implicando também uma articulação entre as medidas a aplicar-lhe”. Com efeito, “deve procurar-se a harmonização de todas as finalidades visadas com a sua aplicação, de acordo com uma ideia de concordância prática das que estão em conflito”.

85 Nesta sede, impõe-se uma singela referência relativamente à intervenção de Advogado nas causas relativas a menores, direito que, apesar de se

apresentar hoje como um dado adquirido no ordenamento jurídico português, foi estranha e pacificamente aceite pela generalidade dos advogados na vigência da OTM de 1978, ao não permitir aos menores a possibilidade de ser assistidos por advogados nos processos tutelares – cf.,por todos,

GERSÃO, Eliana – “Ainda a Revisão da Organização Tutelar de Menores. Memória…” ob. cit. p. 457. Recuando ao modelo agarantístico consagrado

neste diploma, nos termos do seu artigo 41º, a intervenção de Advogado era muitíssimo limitada,cabendo-lhe, nas palavras de ALFREDO CASTANHEIRA

NEVES, “A intervenção do advogado no âmbito do direito dos menores”. In OLIVEIRA, Guilherme de [coord.] – Volume Comemorativo dos 10 anos do

curso de pós-graduação "Protecção de Menores – Prof. Doutor F. M. Pereira Coelho”. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. p. 328, “um papel residual de dimensão mínima”, conquanto apenas era permitido constituir mandatário na fase de recurso. De acordo com ANABELA MIRANDA RODRIGUES e ANTÓNIO

CARLOS DUARTE-FONSECA, Comentário da Lei Tutelar… ob. cit. p. 143 (artigo 46º, § 2), “As razões em geral invocadas para afastar a intervenção de

mandatário judicial prendiam-se com “o fim” tido em vista com o processo de protecção “(a aplicação de medidas de protecção, assistência e educação)”, “o modo como se desenvolve (simplicidade motivada pela urgência, em regra, das medidas), a inexistência de “partes” (como sujeitos de interesses contrastantes) e o facto de o menor não estar desprotegido na defesa dos seus interesses (ao curador cabe zelar pelos mesmos)” – cf. entre outros, MARIA LUÍSA RIBAS PINHEIRO TORRES, Da articulação das medidas de promoção e protecção de crianças e jovens… ob. cit. p. 32 e PEDROSO, João

Tal circunstância alia-se ao facto de se apontar, ainda hoje, para a passividade na atuação dos defensores dos jovens nos processos tutelares educativos, resultando numa falta de consenso

quanto ao grau de intervenção e participação do advogado neste tipo de processos86.

No entanto, pese embora, no plano de direito positivo, o legislador tenha sido bem claro na autonomização entre as intervenções tutelar educativa e de proteção, a verdade é que se detetaram, na sua aplicação concreta, determinados desvios à orientação definida pela lei, falando-se, inclusivamente, na «subversão do sistema positivado», pelo facto de ambas as intervenções não responderem com a firmeza e autoridade necessárias e adequadas a situações de jovens agressivos, indisciplinados, tornando-se, em consequência, recorrente aplicar a medida tutelar educativa de internamento em centro educativo para intervir em situações que não terão tido resposta do sistema de promoção e proteção.

António Fernandes – Acesso ao Direito e à Justiça: um direito fundamental em (des)construção. O caso do acesso ao direito e à justiça da família e das crianças. Coimbra: Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, 2011. Dissertação de Doutoramento. pp. 12-32. No entanto, tais razões não lograram impor-se ao TC, que declarou a inconstitucionalidade desta norma, através do Acórdão nº 870/96, de 04/07/1996, proc. nº 327/96, disponível em: https://goo.gl/RjepTk, com base na violação dos artigos 20º, nº 2 e 18º, nos 2 e 3, todos da CRP. Os argumentos aduzidos pelo TC

consideraram que “a restrição ao patrocínio judiciário se revelava à luz do artigo 18º, nos 2 e 3 da lei fundamental, desproporcionada e desadequada,

pois (…) atinge-se o núcleo essencial do referido direito (direito à nomeação no processo de um “intermediário técnico”, “entendido como representação em juízo das partes ou sujeitos processuais por profissionais do foro, no que se reporta à condução técnico-jurídica do processo” (por referência ao Acórdão do TC nº 488/95, de 27/09/1995, proc. nº 145/94, disponível em: https://goo.gl/LujBj6, que já havia declarado igualmente inconstitucional este preceito legal, sustentando que: “o juiz pode, no decurso do processo, adoptar medidas que restringem fortemente a liberdade dos menores e os poderes que cabem a seus pais. Assim, há-de entender-se que os interesses do menor e os correspondentes direitos dos pais podem não ficar suficientemente protegidos com a intervenção do ministério público e até com a intervenção do próprio juiz, a quem é conferido o poder de julgar como o árbitro, não se podendo considerar salvaguardado esse núcleo essencial”). É com a publicação da LTE que ocorre a consagração expressa da participação ativa e permanente do defensor do jovem ao longo de todo o processo, tendo-se reconhecido que “a ausência de defensor constitui uma

lacuna inexplicavelmente persistente na Organização Tutelar de Menores, apenas compreensível à luz de uma antropologia da família e do Estado injusta e ultrapassada” – Cf. ponto 18 da Exposição de Motivos da PropLTE. Em conformidade, a LTE passou a prever expressamente, não só a

possibilidade de “o menor, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a guarda de facto”, em qualquer fase do processo, constituírem ou requererem a nomeação de advogado, como também a obrigatoriedade da sua nomeação pela autoridade judiciária, quando tal não tenha ocorrido antes, no despacho em que determinae a audição ou detenção do jovem (cf. artigo 46º, nos 1 e 2), dando-se, assim, “expressão jurídica ao ponto de

vista do menor e não defender o menor contra a intervenção estadual” – Cf. LÚCIO, Álvaro Laborinho – “O Advogado e a Lei Tutelar Educativa". In Revista do Ministério Público. Lisboa. ISSN 0870-6107. nº 104 (2005). p. 64.

86 Apesar de se considerar a possibilidade legalmente prevista de intervenção de defensor do jovem no processo tutelar uma inovação positiva,

constituindo uma mais valia face ao sistema anterior, certo é que o grau de intervenção e participação do mesmo não gera consensos. Para um cabal esclarecimento do que se acaba de referir, urge trazer para o nosso espaço discursivo a visão partilhada de alguns operadores judiciários sobre o tema em análise, através do estudo elaborado pelo OPJP – cf. BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, Os Caminhos Difíceis da “Nova”… ob. cit. pp. 348-363, os quais

destacam, entre outros aspetos, a passividade na atuação dos defensores dos jovens nos processos tutelares educativos. Realçando a falta de formação de advogados, veja-se a posição de JOANA MARQUES VIDAL, “Crianças, Jovens e…” ob. cit. p. 122, ao afirmar que “esta matéria não é objecto de

investimento profissional por parte da grande maioria da nossa advocacia”. Na esteira de RUI ALVES PEREIRA, “O papel do Advogado no Direito da Família e das Crianças”. In Julgar. Lisboa. ISSN 1646-6853. nº 21 (2016). p. 2, ao recordar que a Assembleia Geral da Ordem dos Advogados, decidiu

reconhecer a especialização em Direito da Família e das Crianças e o título de advogado especialista, nos termos constantes do Regulamento nº 9/2016 (Série II), de 6 de Janeiro de 2016, sustentando que:“O advogado deverá sustentar e preconizar uma verdadeira cultura da criança enquanto sujeito de direitos”.