• Nenhum resultado encontrado

A irrelevância da natureza do crime e a desnecessidade de queixa

CAPÍTULO III DO INÍCIO DO PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO:

3. A irrelevância da natureza do crime e a desnecessidade de queixa

Questão particularmente relevante nesta sede é a relativa ao regime da denúncia, que encontra previsão legal no artigo 72º. Na redação anterior da lei, a disciplina relativa ao início do processo tutelar educativo impunha uma distinção entre o regime dos crimes públicos, semipúblicos e particulares. De acordo com Júlio Barbosa e Silva, a redação do nº1, ao permitir a denúncia por qualquer pessoa de facto considerado como crime, praticado por menor com idade entre os 12 e os 16 anos, deixa a descoberto alguma confusão “quanto ao caráter indistinto da utilização dos

conceitos de denúncia e queixa”154. Na verdade, segundo este Autor, “poder-se-ia considerar que se

prescindia de queixa, nos crimes semipúblicos e particulares, no sentido rigoroso, caso houvesse denúncia por parte do ofendido, sendo essa denúncia bastante para dar início ao procedimento tutelar”. No entanto, entendeu-se que “não parece ser esse o sentido do conceito de «denúncia» utilizado neste artigo, utilizado de forma aparentemente igual no nº1 e nº2”. Como tal, o conceito de “denúncia no nº1 refere-se ao conceito de dar conhecimento de crimes públicos e o conceito de

denúncia no nº2 se quer referir, rigorosamente, a queixa por parte do ofendido”155.

Assim, no domínio desta versão, estando perante factos que integrem a previsão de um tipo incriminador de natureza semipública ou particular, a ação do MP no sentido de avançar para a tutela carecia de queixa por parte do ofendido. Tratava-se, em boa verdade, de um regime jurídico

154 cfr. SILVA, Júlio Barbosa e–Lei Tutelar Educativa comentada... ob. cit. pp. 256-257. Num exercício impulsionador dos conceitos de direito processual

penal, importa relembrar que os conceitos de denúncia e de queixa não se confundem. Enquanto que a primeira é tradicionalmente apontada como uma mera declaração de conhecimento de um facto com relevância criminal, a segunda define-se como “a comunicação do facto à entidade que detém o poder-dever de accionar o respetivo procedimento ou, dito de ouro modo, é a declaração da vontade de que se pretende que seja levantado processo para esclarecimento e prova de determinada conduta tida como criminalmente ilícita, com vista à punição do seu autor ou autores” – cf. DIAS, Figueiredo–Direito Penal Português – Parte Geral II – As Consequências Jurídicas do Crime. 2ª Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2009. p. 665;

ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de – Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do

Homem. 3ª Ed. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2009. pp. 145-146; SILVA, Germano Marques da – Direito Processual Português III. Do procedimento (Marcha do Processo). 2ª Ed. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2014. p. 55; RIBEIRO, Vinício – Código de Processo Penal – Notas e

Comentários. 2ª Edição. Lisboa: Coimbra Editora, 2013. p. 270; SANTOS, M. Simas; HENRIQUES, M. Leal – Código de Processo Penal Anotado. I Vol.

Lisboa: Rei dos Livros, 1999. p. 270; GASPAR,António da Silva Henriques[et. al.] – Código de Processo Penal… ob. cit. pp. 156-157. De igual modo,

conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, vide os Acórdãos do STJ nº 1/97, de 19/12/1996, proc. nº 48 713, disponível em: https://goo.gl/9x5fWe, do TRC, de 15/03/2006, proc. nº 4349/05, disponível em: https://goo.gl/yhPYz2 e de 04/11/2015, proc. nº 245/14.6TACBR.C1, disponível em: https://goo.gl/5Eg5Pz, do TRP, de 27/10/2010, proc. nº 1794/09.3TBVNG-B.P1, disponível em: https://goo.gl/M1qVGK e do Acórdão do TRE, de 20/11/2012, proc. nº 1831/10.9TAPTM.E1, disponível em: https://goo.gl/kj6rxg,

natureza pública existe uma ação oficiosa156.

A Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 266/VII justificou esta exigência dizendo que “as condições de procedibilidade estão sempre ligadas ou à reduzida gravidade do facto ou à

necessidade de tutela de certos direitos da vítima como seja, por exemplo, a intimidade. Qualquer destas razões permanece válida quando o agente do facto é menor de 16 anos. Quanto à gravidade,

porque se tornam menos imperativas as razões que determinam a necessidade de educação do menor para o direito e, havendo-as, será razoável atribuir-se a um membro da comunidade (o ofendido) o primeiro juízo sobre elas; quanto à tutela da vítima, porque a menoridade não diminui

(pelo contrário, pode agravar) o interesse na disponibilidade do direito à acção”157.

Deste modo, no regime anterior, atenta a natureza semipública dos crimes denunciados, a falta de tal condição de procedibilidade – a apresentação de queixa – determinava a ilegitimidade do MP, para, por si, fazer prosseguir os autos de processo tutelar, fazendo com que o inquérito tutelar educativo fosse arquivado, por inadmissibilidade legal do respetivo procedimento, ao abrigo do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº2 do CP e 72º, nº 2, «a contrario», sem prejuízo do disposto no artigo 115º do CP.

Ao nos reportarmos aos crimes de natureza semipública ou particular, falamos de crimes cujo procedimento não é oficioso por duas ordens de razões: em primeiro lugar, porque o legislador entendeu que estavam em causa bens jurídicos, ou formas de violação de bens jurídicos, que, pela sua gravidade ou circunstância, não impunham que a sociedade os perseguisse, independentemente da vontade do ofendido, ou seja, relativamente aos quais “não é comunitariamente exigível a

existência de um processo penal, se o ofendido assim o entender”158.

156 Estando o anterior regime assim concebido, aos olhos de RUI AMORIM, “Intervenção tutelar educativa (antinomias do sistema e trilhos futuros)”. In

Lex Familiae – Revista Portuguesa de Direito da Família. Coimbra. ISSN 1645-9660. nº 19, Ano 10 (2013). pp. 52-53, o sistema tolerava que um jovem praticasse dezenas de furtos simples ou outros ilícitos de natureza semipública ou particular sem que houvesse qualquer possibilidade de intervenção em sede tutelar educativa. Num tom assumidamente crítico, coloca em evidência a excessiva “colagem” do processo tutelar educativo ao processo penal, através do recurso a factos participados que configuram, na sua materialidade, a prática de furtos simples, tantas vezes ocorridos em grandes superfícies comerciais, afirmando, para tanto, que: “A situação agrava-se ainda mais se o jovem se aperceber do espartilho legal (…) Na verdade, o legislador obriga a que o arquivamento dos Inquéritos Tutelares Educativos seja sempre comunicado aos menores denunciados, mesmo os arquivamentos liminares (artigos 78º, nº3 e 87, nº3 da LTE). Ora, ao tomar conhecimento de que os representantes das sociedades de transportes ou das grandes superfícies comerciais por norma não exercem o direito de denúncia (talvez pelos gastos monetários que as deslocações a Tribunal ou aos Órgãos de Polícia Criminal implicam, sem contrapartida direta visível), os jovens sentem-se legitimados a continuar a prevaricar. É quase irrecusável o “convite” ao recrudescimento da delinquência. (…) Não se percebe, aliás, que o fator determinante para a intervenção seja diferenciado pela natureza pública ou não pública de um crime”.

157 Cf. Ponto 12, p. 8.

não há uma predominância do interesse comunitário, em que se permite que este tome opção sobre as vantagens e as desvantagens que para si tem de haver ou não um procedimento criminal. Essas vantagens ou desvantagens passam por vários factores e considerações, sendo uma delas a revelação pública da existência do crime. Ademais, as razões de ser da diferença entre um crime público e semipúblico não é “apagado” pela circunstância dos factos típicos serem praticados por menor de 16 anos ou por estarmos perante um inquérito tutelar educativo. Como vimos, na versão originária da LTE, o legislador entendeu que, tratando-se de crimes semipúblicos ou particulares, a queixa do ofendido era necessária para iniciar o procedimento. As razões que justificaram este entendimento foram as mesmas razões pelas quais isso acontece no processo penal, acrescida de mais uma: a comunidade deveria ser o primeiro filtro quanto à necessidade de intervenção junto dos jovens infratores e, portanto, se os ofendidos (enquanto expressão do sentido comunitário) entendiam que essa intervenção estadual era desnecessária, porventura, porque tinham compreendido que o facto era circunstancial, que estava explicado ou que já tinha, ele próprio, resolvido o problema com o menor, entendia-se que nesse caso não fazia sentido o Estado intervir, porque a própria comunidade tinha resolvido o conflito existente.

Só que este argumento, por um lado, é frágil porque se há necessidade de intervenção de um jovem que pratica um facto qualificado pela lei penal como crime de natureza semi-pública ou particular, e se se entende que esse comportamento é grave e exige uma intervenção de correção da sua perceção da importância dos valores sociais, então nós podemos ter uma intervenção de promoção, proteção e afirmação dos direitos da criança.

No entanto, certo é que “Para uns, esta limitação à intervenção tutelar educativa era considerada um obstáculo aos objetivos subjacentes ao sistema de justiça juvenil uma vez que a falta de queixa não significava que não houvesse necessidade de educação do jovem para o direito na medida em que não poderia afirmar-se que as necessidades de educação para o direito se

Penal… ob. cit. p. 167: “A exigência de queixa, e a antecedente ausência de legitimidade do Ministério Público para promover o processo, fundamenta- se em que a movimentação do aparelho judiciário – nomeadamente através da publicidade que, legalmente e de facto, o caracteriza – longe de trazer aos ofendidos a reparação que normalmente deveria, possa acarretar para eles danos mentais, emocionais e sociais de maior monta do que a não instauração do procedimento criminal. É, por conseguinte, uma exigência de política criminal que está em causa. Através do instituto da queixa consegue-se, pois, conciliar o interesse privado dos ofendidos (ou como tais considerados) com o interesse público da perseguição dos criminosos. Trata-se do ponto de encontro das linhas de convergência dos dois mencionados interesses (sublinhado do Autor) e ainda SANTOS, Gil Moreira dos – Princípios e Prática Processual Penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2014. p. 106: “Isto não impede que, por razões atinentes a ideias de consenso e pacificação assente na reconciliação ou, em alguns casos, a princípios de realização ou salvaguarda da intimidade dos cidadãos ou de descriminalização, a promoção do Ministério Público esteja condicionada por actos de vontade do titular do interesse jurídico-penal protegido ou por quem para tal tenha legitimidade representativa ou substantiva”.

particular, ao ponto de permitir que o juízo de intervenção ou de não intervenção repouse sobre a

disponibilidade e eficácia do ofendido”159.

Tendo sido, igualmente, uma das questões debatidas no Encontro de Magistrados da

Jurisdição Família e Menores da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa160, organizados nos anos de

2007 e 2008, radicou em saber qual o procedimento a adotar se, no expediente que é transmitido ao MP com a notícia do facto que a lei equipara a crime de natureza semipública ou particular, não

constar inequivocamente que o titular do exercício do direito de queixa161 foi advertido de que devia

apresentá-la, como pressuposto do conhecimento em juízo dos factos noticiados? Tendo em consideração a versão anterior da LTE, dever-se-ia de imediato, proceder ao arquivamento, ou antes, proceder-se à notificação do ofendido para, querendo, manifestar a sua vontade?

De acordo com as conclusões sumariadas neste Encontro, terá de se optar claramente por esta última via, conclusão a que se chega por força da constatação de que entendimento diverso não só não acautela de forma adequada o fim norteador da intervenção neste âmbito – a educação do menor para o direito – como não dá seguimento processual ao que, desde o primeiro momento, constitui, na realidade, em percentagem considerável de casos, a vontade do ofendido. Por um lado, porque a denúncia não está sujeita a formalismo especial, de acordo com o nº 3 do artigo 72º, e por outro, porque se impõe não deixar desacauteladas situações noticiadas – ainda que por vezes numa forma imperfeitamente expressa – excessivas exigências formais apenas permitem arquivar papéis e não resolver questões. Formalmente discutida esta questão, entende-se que adquirida pelo MP, nos termos do artigo 74º da LTE, a notícia de facto que a lei equipara a crime de natureza semi-pública ou particular sem que, no expediente que lhe tenha sido transmitido, conste expressa e inequívoca vontade de denúncia por parte do ofendido, deve ser determinada a notificação para esse efeito, não devendo proceder-se, desde logo, ao arquivamento do processo com fundamento na ausência daquela.

159 Acompanhamos aqui AMORIM, Rui–“Fundamentos e alcance da recente revisão da Lei Tutelar Educativa”. In Os comportamentos desviantes da

criança/jovem e as instâncias informais e formais de controlo. [Em linha]. (2003) FIALHO, António José–“A Primeira Revisão da Lei Tutelar…” ob. cit.

pp. 243-244 e

160AA.VV. – Encontro de Magistrados da Jurisdição Família e Menores da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa. [Em linha]. Lisboa:

161 Partindo das palavras de JÚLIO BARBOSA E SILVA, Lei Tutelar Educativa comentada... ob. cit. p. 257, no domínio da LTE vale o disposto no artigo 113º,

nº1 do CP, que considera como ofendido o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, valendo, igualmente, as disposições deste preceito quanto à legitimidade para apresentação de queixa em caso de morte do ofendido, à queixa apresentada por representante legal do ofendido menor de 16 anos de idade e ao início do procedimento pelo MP, quando o interesse do ofendido o justificar. Do mesmo modo, veja- se a fundamentação inscrita no Acórdão do TRL, de 23/04/2013, proc. nº 1034/10.2TAALM-5, disponível em www.dgsi.pt.

possibilidade de qualquer pessoa apresentar queixa de um jovem mesmo quando o crime não é público, bem como a obrigatoriedade de instaurar inquérito independentemente de queixa. O artigo 72º passou a estabelecer que havendo notícia, por qualquer forma, da prática da um facto qualificado pela lei como crime, praticado por menor com idade entre os 12 e os 16 anos, é suscetível de

provocar a abertura de um inquérito tutelar educativo162. Ou seja, uma vez adquirida a notícia do

facto, ainda que integrativo de ilícito de natureza semipública ou particular, o Ministério Público tem obrigatoriamente que iniciar inquérito. Todavia, est nova redação do preceito legal não significa que em todo o regime inscrito na LTE se tivesse “apagado” a diferença entre crimes públicos, semipúblicos e particulares, dado que existem outros aspetos em que essa distinção continua a ser operativa.

Existe, porém, uma válvula de escape para atenuar esta “intervenção tutelar

globalizante”163, feita pelo nosso legislador ao tornar possível que, independentemente da natureza

dos factos e do crime a que corresponderiam os factos, se dar início a um processo tutelar educativo, ao estabelecer que o MP pode determinar o encerramento do inquérito, arquivando-o, nos casos em que, estando em causa factos qualificados pela lei como crimes semipúblicos ou particulares, se o ofendido vier manifestar oposição ao seu prosseguimento, com fundamento especial relevante.

Uma das questões que se tem vindo a discutir radica em saber se o MP se pode bastar com a simples declaração pelo ofendido de que não pretende processo tutelar contra o jovem ou de que “pretende desistir da queixa apresentada” ou se, pelo contrário, A lei não nos diz o que é um fundamento especialmente relevante, “não havendo, agora, qualquer espaço legal ou criativo para

admitir uma desistência de queixa e consequente homologação”164. De facto, estamos perante um

conceito indeterminado, cuja apreciação deve ser feita casuisticamente, atendendo à repercussão das razões invocadas pelo ofendido na sua própria esfera pessoal – tendo sempre de se admitir que o que é especialmente relevante para uma pessoa, pode não o ser para outra, em função da sua condição.

162 Sobre esta matéria, veja-se o Projeto de Lei nº 534/XII/3ª, apresentado pelo PSD, de acordo com o qual a dispensa de denúncia por parte do

ofendido tem a virtualidade de permitir que o jovem tome contacto com as consequências do acto praticado num momento temporal mais próximo da prática do facto, circunstância que poderá ter um impacto significativo na modificação do seu comportamento. Circunstância para a qual já nos tinha chamado à atenção RUI AMORIM, “Intervenção tutelar educativa (antinomias do sistema e trilhos futuros)”. In Lex Familiae – Revista Portuguesa

de Direito da Família. nº 19, Ano 10 (2013). p. 51,

163 As palavras não são nossas. Rui Amorim…

164 cfr. SILVA, Júlio Barbosa e–“E se todo o mundo é composto de mudança…”: um primeiro comentário sobre as novidades trazidas pelas alterações

3.1. O problema da desistência de queixa

Por outro lado, um outro problema que entronca neste último, tornando-se uma das questões mais debatidas na doutrina e prática judiciária, relacionava-se com a relevência da

desistência de queixa no inquérito tutelar educativo165, naqueles casos em que ao facto praticado

corresponde natureza semipública ou particular166. Apesar de se prever expressamente a necessidade

de impulso processual do ofendido naqueles casos, a lei era absolutamente omissa quanto à relevância a dar a uma eventual desistência, do ofendido, da denúncia apresentada.

De acordo com as razões enumeradas na Exposição de Motivos que antecedeu a aprovação da LTE, “a relevância atribuída à iniciativa do ofendido, nos casos em que segundo as regras comuns, o procedimento depende de queixa ou de acusação particular, pode parecer contraditória com as finalidades do processo. Mas não é, no plano da harmonização de interesses. Na verdade, as condições de procedibilidade estão ligadas ou à reduzida gravidade ou a necessidades de tutela de certos direitos da vítima, entre os quais o da intimidade. Qualquer das razões permanece válida quando o agente do facto é menor de 16 anos. Quanto à gravidade, porque se tornam menos imperativas as razões que determinam a necessidade de educação do menor para o direito e, havendo-as, será razoável atribuir-se a um membro da comunidade (o ofendido) o primeiro juízo sobre elas; quanto à tutela da vítima, porque a menoridade não diminui (pelo contrário, pode

agravar) o interesse na disponibilidade do direito à ação”167.

Na doutrina, vislumbraram-se duas posições antagónicas: de um lado, o entendimento de Rui do Carmo, o qual pugnava pela aplicação, pura e simples, das regras penais e processuais penais, admitindo, por conseguinte, a desistência do procedimento nos crimes semipúblicos e particulares168.

Partindo de um enfoque completamente diverso – e, em certa medida, oposto, Anabela Miranda Rodrigues e António Carlos Duarte-Fonseca, advogam no sentido da não aplicabilidade das

regras penais e processuais penais relativas à desistência de queixa, alicerçando a sua posição na

165 Como fizemos já referência, esta questão deixou de ter relevância prática já que agora, havendo notícia por qualquer forma da prática de um facto

qualificado pela lei penal como crime, independentemente da sua natureza, praticado por menor entre os 12 e os 16 anos, se inicia um processo tutelar educativo.

166 E que detalhámos na primeira parte do capítulo III desta dissertação. Cf. supra pp. 49 e ss. 167 Cf. PropLTE.

casos de factos qualificados como crime cujo procedimento depende de queixa ou de acusação particular – a promoção depende de denúncia do ofendido, mas já a prossecução do processo escapa a qualquer vontade do ofendido, que não lhe pode pôr fim nem determinar a sua continuação”169.

De um outro ângulo, afigura-se-nos significativo o entendimento de Júlio Barbosa e Silva, ao sustentar que “admitir que um particular pudesse colocar um travão ou impedir que se prosseguisse uma tarefa essencial do Estado (de protecção, pela educação e reinserção do jovem e,

secundariamente, de defesa da sociedade) é pugnar pelo desinteresse e demissão da sociedade pelos seus jovens e pela desconsideração de uma tarefa essencial do Estado em várias frentes,

alheando-se das consequências futuras daqueles actos no jovem e na sociedade por questões

puramente formais”170.