• Nenhum resultado encontrado

Mana vol.10 número2

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Mana vol.10 número2"

Copied!
36
0
0

Texto

(1)

À s v e z e s m e p assa p e la cab e ça com o se ria b om te r u m a ‘se cre tária p articu lar’ p ara classificar ou m e sm o p ara m e aju d ar com a m in h a g ran d e q u an tid ad e d e n otas, p ap é is, liv ros (q u e e scre v i), p arafe rn ália d e e scritos, até m e d ar con ta q u e d ar ord e n s a u m se r h u m an o é p ior q u e ou tras ob rig açõe s. Com o n ão v e jo fim n a m in h a p e sq u isa e e scrita, se i q u e só com a m in h a m orte e s-se s in côm od os te rão fim .

(Ru th La n d e s 1986 [1970])1

Um a ca rta d e Pe g g y G old e e n via d a a Ru th La n d e s e m 1967 su g e re o in í-cio d e u m cu id a d oso ord e n a m e n to, re visã o e re le itu ra d e d e te rm in a d os e ve n tos q u e m a rca ra m u m a tra je tória p rofission a l e p e ssoa l2. C on tu d o,

se ria p re cip ita d o d e b ita r e xclu siva m e n te a e sse e ve n to a s te n ta tiva s d e La n d e s d e re volve r le m b ra n ça s. O u tros a con te cim e n tos coa d ju va ra m p a ra q u e d ife re n te s e xe rcícios d e m e m ória fosse m in icia d os. N o a n o a n te -rior, La n d e s re torn a ra a o Bra sil, g ra ça s a o a p oio d a e m p re sa ca n a d e n se Bra zilia n Tra ction , Lig h t a n d C o. Ltd a e d a M cM a ste r Un ive rsity, com u m p roje to sob re d e se n volvim e n to e u rb a n iza çã o. C om o e la p róp ria sa lie n ta ra e m ca rta a os fin a n cia d ore s, “ n a m e ia id a d e , e stou d e volta ra p id a m e n -te p a ra ve r o q u e a con -te ce u e m 27 a n os”3. La n d e s re e n con tra ra Éd ison

C a rn e iro. C om e le p e ra m b u la ra p e lo ce n tro d e u m Rio d e J a n e iro m od e r-n iza d o e com p a rtilh a ra le m b ra r-n ça s d e Sa lva d or r-n a d é ca d a d e 30. N o a r-n o se g u in te , a e d içã o b ra sile ira d e se u Th e city of w om e n (1947) ve io a lu m e g ra ça s a os re toq u e s e à re visã o cu id a d osa d o a m ig o4. M a s La n d e s viu -se

à s volta s com ou tra s le m b ra n ça s fu stig a d a s b e m a n te s d o se u re torn o a o Bra sil e d e ta lh a d a s e m d ife re n te s ve rsõe s d e u m m a n u scrito d e u m livro ja m a is con clu íd o, q u e ch a m ou “ a u tob iog ra fia lig e ira m e n te ficcion a l” — su a s d e sve n tu ra s com o p rofe ssora n a Fisk Un ive rsity, u m b lack colle g e

TEMPO IMPERFEITO:

UMA ETN OGRAFIA

DO ARQUIVO*

(2)

loca liza d o e m N a sh ville , Te n n e sse e , n o su l d os Esta d os Un id os, n o fin a l d os a n os 305.

Prim e ira filh a d e u m ca sa l d e im ig ra n te s ju d e u s, Ru th Sch lossb e rg La n d e s n a sce u e m N ova Iorq u e e m 8 d e ou tu b ro d e 1908. Su a m ã e , An n a G rossm a n Sch lossb e rg , n a sce ra n a Ucrâ n ia e m 1881, m a s fora e d u ca -d a p e la tia m a te rn a e m Be rlim a té 1900, q u a n -d o a fa m ília im ig rou p a ra os Esta d os Un id os. Foi e m N ova Iorq u e q u e An n a con h e ce u J ose p h Sch lossb e rg , p a i d e Ru th . Filh o m a is ve lh o d e u m a n u m e rosa fa m ília d a Bie lo-Rú ssia , J ose p h m u d ou -se p a ra N ova Iorq u e e m 1888, fu g in d o d o a va n ço d os p og rom s e d o a n tise m itism o n a Eu rop a . Em su a a d ole scê n -cia , J ose p h vin cu lou -se a g ru p os sin d ica is d e orie n ta çã o so-cia lista e e s-cre ve u e m p u b lica çõe s sin d ica is e d ita d a s e m íd ich e . Em 1914, p a ssou a m ilita r com o te sou re iro d a re cé m -cria d a Am a lg a m a te d C loth in g Work e rs of Am e rica (AC W), e d ita n d o se u se m a n á rio — o A d v an ce . Alé m d o sin -d ica lism o socia lista , Sch lossb e rg p a rticip ou e m fre n te s e ca m p a n h a s -d e solid a rie d a d e a im ig ra n te s ju d e u s oriu n d os d a Eu rop a , b e m com o n a e x-p a n sã o d o m ovim e n to sion ista n os Esta d os Un id os e e m ca m x-p a n h a s d e m ob iliza çã o p a ra a cria çã o d o Esta d o d e Isra e l.

A fig u ra p a te rn a , re corre n te m e n te cita d a e m vá rios e scritos d a a u tora , foi re sp on sá ve l p e lo a m b ie n te fa m ilia r se cu la r e m q u e se d e u a socia -liza çã o d e Ru th La n d e s, e m u m a cid a d e e m a ce le ra d o cre scim e n to e p a l-co d e tra n sform a çõe s cu ltu ra is, é tn ica s e socia is (Pa rk e Pa rk 1988; C ole 2003). A p a rticip a çã o d e m u lh e re s d e cla sse m é d ia e , e m p a rticu la r, oriu n -d a s -d e fa m ília s -d e im ig ra n te s ju -d e u s, n a s e scola s, u n ive rsi-d a -d e s, círcu los in te le ctu a is e a rtísticos e n o m e rca d o d e tra b a lh o n a N ova Iorq u e d os a n os 20 é in te n sa . Ru th La n d e s in te g rou u m a g e ra çã o q u e d e sa fiou os e sp a ços lim ita d os d a m od e rn id a d e d e u m a socie d a d e ca sp ita lista e m e xsp a n -sã o, rom p e n d o a s b a rre ira s d a p rote çã o fa m ilia r, d a tu te la e d a su b ord i-n a çã o (Di Le oi-n a rd o 1998).

(3)

n h os d a s ilh a s b ritâ n ica s, q u e con e cta va m o ju d a ísm o à lu ta a n tise g re -g a çã o n o p a ís — in sti-g ou La n d e s a d a r con tin u id a d e a se u tre in a m e n to a ca d ê m ico. Foi u m a m ig o p e ssoa l d e se u p a i e a lu n o d e Boa s, Ale xa n d e r G old e n w e ise r, q u e m a le vou à a n trop olog ia e à C olu m b ia (La n d e s 1986 [1970]; Pa rk e Pa rk 1988; C ole 2003).

Ap ós u m in te n so tra b a lh o d e ca m p o e n tre os O jib w a d o C a n a d á , re a liza d o e n tre 1932 e 1934, sob a su p e rvisã o e cu id a d o p e ssoa l d e Ru th Be -n e d ict, La -n d e s cn clu iu , e m 1935, se u d ou tora d o e m a -n trop olog ia e m C olu m b ia (La n d e s 1969). A p a rtir d a s e xp e riê n cia s d e ca m p o e n tre os O jib -w a — d a cole ta e p rod u çã o d e h istória s d e vid a —, a a u tora a m p lia se u s e stu d os sob re g ru p os in d íg e n a s n orte -a m e rica n os: os Siou x e m M in n e so-ta , 1933, e os Pra irie Poso-ta w a tom i e m Ka n sa s, 1935 (C ole 1995a ; 2002; 2003). Em 1937, a con vite d e Rob e rt E. Pa rk , La n d e s ru m ou a N a sh ville , p a ra a ssu m ir u m p osto d e in stru tora n a Fisk Un ive rsity. A in icia tiva con -tou com o in ce n tivo d e Be n e d ict e Boa s, q u e via m a e xp e riê n cia com o u m “ la b ora tório” n e ce ssá rio p a ra fu tu ra s p e sq u isa s n o Bra sil. La n d e s re sid iu e m N a sh ville p or a p roxim a d a m e n te se te m e se s, d a n d o a u la s e re visa n d o os m a n u scritos d e se u s livros. Foi n e sse a m b ie n te q u e con h e ce u a lg u m a lite ra tu ra sob re o Bra sil e te ve con ta to com ou tros e stu d iosos d a socie d a -d e b ra sile ira : a lé m -d e Pa rk ? q u e p a ssa ra p e lo Rio -d e J a n e iro e Sa lva -d or a o fin a l d e u m a via g e m p e la Ín d ia , C h in a e África d o Su l ?, Don a ld Pie r-son e Rü d ig e r Bild e n . La n d e s ch e g ou a o Bra sil e m ja n e iro d e 1938, d e i-xa n d o o p a ís e m ju lh o d e 1939. Em u m cu rto e tu m u ltu a d o p e ríod o d e p e s-q u isa d e ca m p o e m a lg u n s d os m a is im p orta n te s te rre iros a fro-b a ia n os — a lé m d e p a ssa g e n s p e los te rre iros d e u m b a n d a ca rioca s —, La n d e s re co-lh e u m a te ria l p a ra a q u e le q u e se ria o se u e stu d o m a is e m b le m á tico, re d i-g id o q u a se d e z a n os d e p ois d e d e ixa r o Bra sil (La n d e s 1967 [1947]).

(4)

ríod os lim ita d os, a té q u e , e m 1965, ob te ve o se u p rim e iro p osto n o De p a rta m e n to d e An trop olog ia d a M cM a ste r Un ive rsity, e m H a m ilton , O n -tá rio (C a n a d á ). Foi in sta la d a n a q u e le p a ís q u e com e çou a b u rila r su a s le m b ra n ça s.

Ativa r a m e m ória p or m e io d e le m b ra n ça s re g istra d a s e m p a p e l n ã o p a re ce te r sid o ta re fa fá cil p a ra La n d e s n o se u q u a se e xílio ca n a d e n se . En tre 1967 e 1991, a n o d e su a m orte , e ste ve d e vota d a a o e xe rcício q u a se d iá rio d e re colh e r m a rca s, fra g m e n tos e sin a is q u e a te sta sse m se u p e r-te n cim e n to a o p a ssa d o e se u s vín cu los e e n volvim e n to e m ocion a l com e ste . Pe lo m e n os é o q u e su g e re m os in d ícios d e d ife re n te s e xe rcícios d e m e m ória d e ixa d os n a s ca rta s, ca rtõe s, b ilh e te s, a n ota çõe s d isp e rsa s, fo-tos a m a re la d a s, p roje fo-tos in a ca b a d os, m a n u scrifo-tos re e scrifo-tos, d iá rios d e ca m p o, d ocu m e n tos fa m ilia re s e re la tórios p rod u zid os p or e la a o lon g o d e m a is d e 60 a n os. Um d os re su lta d os d e sse a te n to cu id a d o d e d ocu -m e n tar o p a ssa d o foi a org a n iza çã o d e se u s p a p é is p e ssoa is e p rofissio-n a is p a ra q u e fosse m d oa d os a o N a tiorofissio-n a l Arofissio-n th rop olog ica l Arch ive s (N AA), órg ã o q u e in te g ra a Sm ith son ia n In stitu tion , a p ós a su a m orte . Essa n ã o foi u m a p rá tica com u m e n tre os a n trop ólog os d e su a g e ra çã o, cu jos p a p é is p e ssoa is e p rofission a is fora m in a d ve rtid a m e n te d e ixa d os a os cu id a d os d e te rce iros ou , n a s p a la vra s d e Rich a rd Price e Sa lly Price (2003:2), tra n sform a d os p or e sse s e m “ re líq u ia s” . Em u m ou tro e xtre m o, ta m b é m in com u m , a rd e ra m n o fog o d e u m volu n tá rio e sq u e cim e n to. Essa foi a a titu d e q u e te ria tom a d o E. E. Eva n sPritch a rd a o Essa b e r d o d e se -jo d e q u e se u s d ocu m e n tos fosse m p re se rva d os. C on ta a h istória q u e e le os te ria coloca d o e m u m sa co e q u e im a d o n o ja rd im (Bu rton ap u d G roo-ta e rs 2001/ 2002).

(5)

-n u scritos p a ra se re m lid os. Re solvi i-n d a g a r d e q u e form a — u m a ve z e m re le vo se u s u sos e p olítica s in stitu cion a is d e p re se rva çã o — p od e ria m se p re sta r a u m a re fle xã o m a is a m p la sob re a n a tu re za d o tra b a lh o e tn og rá fi-co. Pa sse i e n tã o a ob se rva r os a rq u ivos e a s cole çõe s q u e n e le s se a b rig a m com o re su lta d o d e p roce d im e n tos su ce ssivos d e con stitu ir e ord e n a r co-n h e cim e co-n tos, re a liza d os co-n ã o só p e la s m ã os d os a rq u ivista s, m a s p or se u s virtu a is u su á rios. Esse q u e stion a m e n to m e p e rm itiu in ve stig a r, p or e xe m -p lo, com o d e te rm in a d a s fon te s — o q u e M ich e l-Rol-p h Trou illot ch a m a d e in stân cias d e in clu são (1995:48) — sã o con stitu íd a s, se d im e n ta d a s e u tili-za d a s. A ob se rva çã o, d e scriçã o e in te rp re ta çã o d e ssa s in stân cias — voze s, ve rd a d e s, lóg ica s d e cla ssifica çã o, u sos, form a s d e ve icu la çã o d e con te ú d o e va lor d os a rte fa tos q u e os a rq u ivos e a s cole çõe s a b rig a m — p u d e ra m e n tã o se r con ce b id a s com o u m a e tn og ra fia : u m a m od a lid a d e d e in ve stig a -çã o a n trop ológ ica q u e tom a d e te rm in a d os con ju n tos d ocu m e n ta is, m a is e sp e cifica m e n te a s cole çõe s e os a rq u ivos p e ssoa is cu jos titu la re s fora m ou sã o p ra tica n te s d a d iscip lin a , com o cam p o d e in te re sse p a ra u m a com -p re e n sã o crítica a ce rca d a s form a s d e -p rod u zir h istória s d a d isci-p lin a .

Em ve z d e os a rq u ivos se re m con ce b id os com o p rod u to fin a l d e u m a sé rie d e in te rve n çõe s d e ca rá te r té cn ico — a tivid a d e s su p osta m e n te n a-tu rais d e cla ssifica çã o, ord e n a çã o e in stia-tu içã o d e m a rca d ore s te m á ticos e cron ológ icos, p or ve ze s d e se m p e n h a d a s p e los a rq u ivista s —, e le s se rã o o ob je to d a re fle xã o q u e e ste te xto p rop õe . A ob se rva çã o d o p roce sso d e cola b ora çã o d a p róp ria La n d e s n a p re p a ra çã o d e se u s p a p é is a n te s q u e d e sse m orig e m a u m a cole çã o — a Ru th Lan d e s Pap e rs (RLP) —, ofe re ce -n os u m a p e rsp e ctiva d e ob se rva çã o p rivile g ia d a d e u m p roce sso si-n g u la r d e con stitu içã o d e u m a rq u ivo. An te s, é p re ciso foca liza r, a in d a q u e b re -ve m e n te , a re la çã o e n tre e tn og ra fia e p e sq u isa e m a rq u ivo.

Et nograf ia e arquivo

(6)

ju n tos d ocu m e n ta is d ive rsos, p a rticu la rm e n te n otá ve l n a p e rsiste n te a te n -çã o d e se u s e sp e cialistas e m torn a r p e re n e tu d o a q u ilo q u e p u d e sse te s-te m u n h a r e re g istra r o con ta to, a s form a s d e d om in a çã o, a violê n cia e o p od e r d a su p e riorid a d e ra cia l e cu ltu ra l d a s m e tróp ole s sob re se u s sú d tos colon ia is. Alé m d a s té cn ica s d e ord e n a m e n to e con trole d e tu d o a q u i-lo q u e , d e ou tra form a , e sta ria virtu a lm e n te su je ito a o d e sa p a re cim e n to e à d isp e rsã o, arte fatos orie n ta d os p e la m e sm a lóg ica cla ssifica tória sã o cria d os: in ve n tá rios, ca tá log os, cron olog ia s, cla ssifica d ore s e crité rios d e va lor p a ssa m a com p or u m rico u n ive rso d e sa b e re s, in stru m e n tos e te c-n olog ia s a rq u ivística s. O a rq u ivo é a “ ic-n stitu içã o q u e ca c-n oc-n iza , crista liza e cla ssifica o con h e cim e n to d e q u e o Esta d o n e ce ssita , torn a n d o-o a ce ssí-ve l à s g e ra çõe s fu tu ra s sob a form a cu ltu ra l d e u m re p ositório d o p a ssa d o n e u tro” (Dirk s 2001:107).

N os ú ltim os a n os, a lé m d e h istoria d ore s e a rq u ivista s, a n trop ólog os tê m se volta d o p a ra os a rq u ivos com o ob je to d e in te re sse , vistos com o p rod u tore s d e con h e cim e n tos. N ã o p re se rva m se g re d os, ve stíg ios, e ve n tos e p a ssa d os, m a s a b rig a m m a rca s e in scriçõe s a p a rtir d a s q u a is d e -ve m se r e le s p róp rios in te rp re ta d os. Sin a liza m , p orta n to, te m p ora lid a d e s m ú ltip la s in scrita s e m e ve n tos e e stru tu ra s socia is tra n sform a d os e m n a r-ra tiva s su b su m id a s à cron olog ia d a h istória p or m e io d e a rtifícios cla ssifi-ca tórios. Ta is te n ta tiva s d e in scre ve r e ve n to e e stru tu ra n a top og ra fia d os a rq u ivos im p lica m p roce d im e n tos con sta n te s d e tra n sform a çã o. O s a r-q u ivos torn a ra m -se e n tã o te rritórios on d e a h istória n ã o é b u sca d a , m a s con te sta d a , u m a ve z q u e con stitu e m loci n os q u a is ou tra s h istoricid a d e s sã o su p rim id a s (C om a roff e C om a roff 1992; H a m ilton e t alii 2002; Price 1983; Ste e d m a n 2002; Stole r 2002). Assim , o ca rá te r a rtificia l, p olifôn ico e con tin g e n te d a s in form a çõe s con tid a s n os a rq u ivos — b e m com o a s m o-d a lio-d a o-d e s o-d e u so e le itu ra s q u e e n se ja m — tê m sio-d o re p e n sa o-d os (Da vis 1987; Fa rg e 1989; G in zb u rg 1991). Dife re n te s a n á lise s e p e rsp e ctiva s e m torn o d o u so e n a tu re za d os a ce rvos a rq u ivísticos con ve rg e m e m u m a m e sm a p re ocu p a çã o: é p re ciso con ce b e r os con h e cim e n tos q u e com p õe m os a rq u ivos com o u m siste m a d e e n u n cia d os, ve rd a d e s p a rcia is, in te rp re -ta çõe s h istórica e cu ltu ra lm e n te con stitu íd a s — su je i-ta s à le itu ra e n ova s in te rp re ta çõe s (Fou ca u lt 1986:149).

(7)

-d a s -d e in te rp re ta çã o in tra n sp on íve is e con ta m in a -d a s. De scre ve r e in te r-p re ta r a r-p a rtir d e in form a çõe s con tid a s e m d ocu m e n tos ca ra cte riza ria u m a a tivid a d e p e rifé rica, com p le m e n ta r e d istin ta d a p e sq u isa d e ca m p o e su a s m od a lid a d e s n a rra tiva s. Assim , a p re se n ça d o a rq u ivo n a p rá tica a n trop ológ ica ou e stá a fa sta d a te m p ora lm e n te d a q u ilo q u e os a n trop ólo-g os d e fa to fa ze m — ca ra cte riza n d o a p rá tica d os ch a m a d os an trop óloólo-g os d e g ab in e te — ou con stitu i m a rca d ore s fron te iriços d a a n trop olog ia com ou tra s d iscip lin a s — u m a ve z vin cu la d os à p rá tica d os h istoria d ore s, m u -se ólog os e a rq u ivista s (C lifford 1994; Stock in g J r. 1986)6.

M a ry De s C h e n e s (1997) q u e stion ou a n a tu ra liza çã o d a s fon te s a r-q u ivística s e o lu g a r d e stin a d o à s in ve stig a çõe s e m a rr-q u ivos d e n tro d a d iscip lin a . O b se rvou , p or e xe m p lo, a le g itim id a d e con fe rid a a os te xtos e tn og rá ficos, p or d e scre ve re m e d ocu m e n tare m re la çõe s in te rp e ssoa is su p osta m e n te d ire ta s, e a p ou ca re le vâ n cia d os d ocu m e n tos oriu n d os d os a rq u ivos, vistos com o e sp é cie s d e re la tos frios, m a cu la d os p or ca m a d a s im p re cisa s d e in te rp re ta çã o. A e xclu sã o d os a rq u ivos com o u m p ossíve l cam p o d a a tivid a d e e tn og rá fica p re ssu p õe a ce n tra lid a d e d e m od a lid a -d e s e sp e cífica s -d e p e sq u isa . “ Docu m e n tos e n con tra -d os ‘n o ca m p o’” , a rg u m e n ta De s C h e n e s, “ sã o tra ta d os com o se n d o a lrg o d e ca te rg oria d istin ta d a q u e le s d e p osita d os e m ou tros lu g a re s” (1997:77). O ca rá te r a p a re n -te m e n -te a rtificia l e p o-te n cia lm e n -te d e stru id or d a s su p osta s voze s e con sciê n cia s n a tiva s con fe riria a os a rq u ivos u m a p osiçã o d e sp rivile g ia d a e n -tre os lu g a re s n os q u a is o con h e cim e n to a n trop ológ ico é p ossíve l.

(8)

“ En tre os lu g a re s q u e os a n trop ólog os tê m id o q u a n d o vã o p a ra o ca m p o, e stá o a rq u ivo” . A p rovoca çã o d e M a ry De s C h e n e s (1997:76) ca p -ta b e m tra n sform a çõe s q u e vê m a lte ra n d o a fa ce d a a n trop olog ia d e sd e p e lo m e n os os a n os 80. A v irad a h istórica d a d iscip lin a n os Esta d os Un i-d os e a re la tiviza çã o i-d a n oçã o i-d e cam p o p ossib ilita ra m va ria i-d a s e xp e ri-m e n ta çõe s ri-m e tod ológ ica s n os ri-m od os d e se con ce b e r e u tiliza r os a rq u ivos. O q u e d ize r e n tã o q u a n d o os a n trop ólog os se volta m a os a rq u ivos com o u m cam p o d e on d e p re te n d e m ob se rva r e re fle tir a ce rca d a s p rá tica s d e se u s p a re s e d a s p e rsp e ctiva s q u e a s in form a m (ou in form a va m )? Arq u i

vos e tn og ráficos, tra d icion a lm e n te re con h e cid os com o re p ositórios d e in -form a çõe s sob re os ‘ou tros’, p a ssa m a se r re con h e cid os com o lu g a re s on d e o p roce sso d e con stru çã o d e su a ob je tiva çã o p od e se r com p re e n d id o.

(9)

M e sm o a s a n á lise s p re ocu p a d a s e m e vid e n cia r os m e ca n ism os q u e g a ra n tira m o d e se n volvim e n to d e p e sq u isa s, d e re la çõe s in te rin stitu cio-n a is, d e d e b a te s icio-n te le ctu a is, d e p olítica s d e ficio-n a cio-n cia m e cio-n to e , ficio-n a lm e cio-n te , d a s con d içõe s q u e p e rm itira m a fin a liza çã o d a s e tn og ra fia s, n a tu ra liza ra m a s fon te s a p a rtir d a s q u a is ta is q u e stõe s p od e m se r e voca d a s. Ve rd a d e s m a is ou m e n os p a rcia is fora m e n con tra d a s n o te rre n o a cid e n ta d o d os te x-tos e m u ito p ou co se in tu iu a ce rca d os re g im e s d e p od e r q u e a s torn a ra m re le va n te s com o ob je to d e g u a rd a e p re se rva çã o e m a rq u ivos: p e rg u n ta s ta is com o q u an d o e p or m e io d e q u e op e ra çõe s ta is m a rca s d o p a ssa d o d e ixa ra m d e se r atos p e ssoais e se torn a ra m fatos sociais (C om a roff e C om a -roff 1992:34). Pa rca s a lu sõe s p or ve ze s a p a re ce m e m n ota s e xp lica tiva s d e livros e a rtig os p u b lica d os, ju n ta m e n te com d ad os e orig e m d os d ocu m e n tos cita d os. As fon te s a rq u ivística s sã o con ce b id a s com o con stru çõe s p ron -ta s p a ra se re m u tiliza d a s e in te rp re -ta d a s p or le itore s e sp e cia liza d os. Su a org a n iza çã o, d ife re n cia çã o e h ie ra rq u ia in te rn a n ã o sã o m a té ria d e ob se r-va çã o. Q u a n d o m u ito, sã o d e scrita s d e m od o a in form a r o le itor sob re su a a m p litu d e e , m u ito p ou co, sob re su a n a tu re za , u sos e fin a lid a d e s.

É in te re ssa n te n ota r q u e , se p a rte su b sta n cia l d os e sforços e m sa lva -g u a rd a r e p rote -g e r os a rq u ivos d os a n trop ólo-g os, b e m com o a va sta p ro-d u çã o b ib liog rá fica sob re h istória s ro-d a ro-d iscip lin a , tive ra m orig e m n os Es-ta d os Un id os7, sã o os a n trop ólog os fra n ce se s — p or ra zõe s d ive rsa s, p

ri-va d os d e ta is p olítica s e in ce n tivos — q u e tê m p rom ovid o u m a in te n sa re fle xã o sob re o e sta tu to e p iste m ológ ico d e ta is p roje tos h istóricos/ b iog rá ficos e a s fon te s q u e os torn a m p ossíve is (Du b y 1999; J a m in e Zon a -b e n d 2001/ 2002; J olly 2001/ 2002; M ou ton 2001/ 2002; Pa re zo e Silve rm a n 1995). Essa p e rsp e ctiva d ive rsa n os ofe re ce u m d u p lo olh a r p a ra os m o-d os p e los q u a is a re fle xã o sob re o lu g a r o-d a s h istória s o-d a o-d iscip lin a e se u s p ra tica n te s te m sid o e xp e rim e n ta d a . Ao com p re e n d e r se u s lu g a re s e stra -té g icos, su a s re la çõe s d e p osiçã o e h ie ra rq u ia , b e m com o se u s u sos e m te xtos b iog rá ficos e a u tob iog rá ficos, é p ossíve l con ce b e r os arq u iv os co-m o caco-m p o d a p rá tica e tn og rá fica (C ook e Sch w a rtz 2002; De s C h e n e s 1997; Ka p la n 2002; Stole r 2002). Tra n sform a m -se a ssim e m lu g are s d e ob se rva çã o p rivile g ia d a d e com o a a n trop olog ia se tra n sform a e m lin -g u a -g e m e e stilo d e p rod u çã o d e d e te rm in a d a s ‘h istória s sin -g u la re s’.

Et nográf ico e pessoal

(10)

r-q u ivos cie n tíficos, a r-q u e le s r-q u e re ú n e m d ocu m e n tos e scritos, visu a is e icon og rá ficos re colh id os, p rod u zid os e / ou cole cion a d os p or a n trop ólog os d u ra n te a su a tra je tória p rofission a l e p e ssoa l ca ra cte riza m -se p e la su a e stru tu ra fra g m e n tá ria , d ive rsifica d a e , p a ra d oxa lm e n te , e xtre m a m e n te su b je tiva . O s a rq u ivos e tn og rá ficos e se u d u p lo, os arq u iv os p e ssoais, sã o con stru çõe s cu ltu ra is cu ja com p re e n sã o é fu n d a m e n ta l p a ra e n te n d e r-m os cor-m o ce rta s n a rra tiva s p rofission a is fora r-m p rod u zid a s e cor-m o su a in v e n ção re su lta d e u m in te n so d iá log o e n volve n d o im a g in a çã o e a u tori-d a tori-d e in te le ctu a l.

Pa p é is tra n sform a d os e m d ocu m e n tos m a n tid os e m a rq u ivos in stitu -cion a is re ve la va m m u ito m a is d o q u e vicissitu d e s b iog rá fica s; re ve la va m vín cu los p rofission a is, in te le ctu a is e re la çõe s d e p od e r d e n a tu re za d ive r-sa . Pa ra d ife re n te s a u tore s, su a e sp e cificid a d e e sta ria ju sta m e n te n a q u ilo q u e torn a a a n trop oilog ia e m b le m á tica n o se u con sta n te d e se jo d e su b -je tiva çã o: os a rq u ivos e tn og rá ficos su p osta m e n te con se rva m d e se jos, p roje tos p or ve ze s m a lsu ce d id os, d e id e n tifica r, cla ssifica r, d e scre ve r o ‘ou tro’. J e a n J a m in e Fra n çoise Zon a b e n d (2001/ 2002) re fe re m -se a u m a d u p licid a d e con stitu tiva q u e forn e ce sin g u la rid a d e a os d ocu m e n tos con se rva d os/ p rod u zid os p e los a n trop ólog os. O s a u tore s ch a m a m a te n çã o p a -ra o fa to d e q u e

[e ]n tre a s ou tra s ciê n cia s h u m a n a s a a n trop olog ia e stá fin a lm e n te a u toriza -d a a con stitu ir su a p róp ria “ a rq u ivística ” a o coloca r e m ce n a e n a e scritu ra a te n sã o e p iste m ológ ica q u e e xiste e n tre os p roce ssos d e ob je tiva çã o (m on o-g ra fia s, a rtio-g os, tra ta d os e m a n u a is) e su b je tiva çã o (d iá rios d e ca m p o e p e sq u isa , m e m ória s e a u tob iog ra fia s) n ota d a m e n te re p re se n ta d os p e la s cole -çõe s e ob ra s torn a d a s e m b le m á tica s, [q u e ] p a re ce m a d icion a r à a u torid a d e cie n tífica d e u m e tn ólog o a a u ra d e u m e scritor e q u e , b e m e n te n d id o, coloca m a q u e stã o d e si e d o ou tro, d o p róxim o e d o d ista n te , d o ín tim o e d o p ú -b lico. (J a m in e Zon a -b e n d 2001/ 2002)

(11)

og rá ficos p e ra n te ou tros con ju n tos d ocu m e n ta is. N ã o h á u m a cla ra d istin -çã o e n tre o q u e os a rq u ivista s d e fin e m com o se n d o ‘p e ssoa l’ e ‘p ro-fission a l’. Dom ín ios p e ssoais p or ve ze s in form a m a q u e le s tra ta d os com o p rofission ais e vice ve rsa . Ao m e sm o te m p o, ta is d om ín ios tra ta m d e re la çõe s socia is. C om o a rg u m e n ta H ild a Ku p e r, “ ‘h istória s p e ssoa is’ p a re -ce m te r u m a p e lo u n ive rsa l, m a s os m od os n os q u a is sã o e xp re ssa s sã o cu ltu ra lm e n te circu n scritos. Au tob iog ra fia s, b iog ra fia s, e stu d os d e ca so e h istória s d e vid a sã o e sse n cia lm e n te g ê n e ros ou e stilos ocid e n ta is, e a com p le xa in te ra çã o e n tre u m e tn óg ra fo e u m p e rson a g e m (ou p e rson a -g e n s) ce n tra l é d e re le vâ n cia p a ra tod os a q u e le s in te re ssa d os n os m é to-d os to-d e p e sq u isa socia l” (1984:212).

Por ve ze s, a com u n ica çã o e n tre d ocu m e n tos q u e tra ta m d a vid a , tra -je tória e p rofissã o n ã o re su lta d e u m a p rá tica m e câ n ica re a liza d a a p ós a m orte d o/ a titu la r, m a s d o se u d e se jo, se n tim e n to e m e m ória (Artiè re s 1998; Via n n a e t alii 1986). Utiliza r a e xp re ssã o arq u iv o e tn og ráfico p a ra q u a lifica r d ife re n cia d a m e n te cole çõe s d o g ê n e ro im p lica a m p lia r n ossa com p re e n sã o a ce rca d a n a tu re za d os d ocu m e n tos a li in clu íd os, a m a n e i-ra p e la q u a l p a ssa i-ra m a com p or a cole çã o e os lu g a re s on d e foi-ra m p ro-d u ziro-d os. O q u e sã o ro-d e fa to m a te ria is a ro-d je tiva ro-d os com o e tn og rá ficos? O s crité rios u tiliza d os n os p rim órd ios d o p roce sso d e in stitu cion a liza çã o d a d iscip lin a — q u a n d o os a n trop ólog os p rovia m m u se u s, u n ive rsid a d e s e ce n tros d e p e sq u isa s com fra g m e n tos d e cu ltu ra s d ista n te s — p a re ce m su b sistir n a p re m issa d e q u e , e n tre se u s p a p é is p e ssoa is e p rofission a is, p re se rva m p e d a ços, fon te s, in form a çõe s e re líq u ia s oriu n d a s d e ‘ou tra s’ socie d a d e s. Ain d a q u e e sse s frag m e n tos se ja m p rod u tos d o olh a r, d a re -la çã o e d o e n con tro e tn og rá ficos, n e le s p a re ce re sid ir u m va lor sin g u -la r. Diá rios e n ota s d e ca m p o, e m m e io a ou tros m a te ria is, ocu p a ria m e n tã o u m a p osiçã o d e d e sta q u e . In fe rê n cia s sob re a n a tu re za d a s re la çõe s e n -tre p e sq u isa d or e p e sq u isa d os, b e m com o o lu g a r d e su a p rod u çã o, p re si-d iria m à lóg ica cla ssifica tória . Essa si-d istin çã o é p rob le m á tica p orq u e n e m se m p re d iários e n otas d e cam p o sã o p rod u zid os n o cam p o, a ssim com o b ilh e te s, fotos, ca rtõe s, ca rta s e re corte s d e jorn a l p or ve ze s sã o p rove -n ie -n te s d a p re se -n ça e i-n te ra çã o e -n tre ob se rva d ore s e ob se rva d os (C lif-ford 1990; G u p ta e Fe rg u son 1997; Sa n je k 1990a ).

(12)

sti-lo. De ste m od o ta m b é m p od e m se r con sid e ra d a s d ocu m e n tos p e ssoais. M a s h á a lg o q u e re siste a ta l a p re e n sã o. Um a ve z q u e a n trop ólog os e m g e ra l e m p re g a m u m a lin g u a g e m e sp e cífica p a ra fa la r sob re o “ ou tro” , n ota s e d iá rios d e ca m p o — e , e m p a rticu la r, a q u e le s e m old u ra d os e p rote g id os p e la s e stru tu ra s in stitu cion a is q u e m a n tê m os a rq u ivos e cole çõe s p e rte n ce n te s a a n trop ólog os — sã o tra n sform a d os p or u sos e ve n -tu a is, p ós-tu m os e in u sita d os. É q u a n d o ob je tos, d ocu m e n tos e re tórica s sob re o “ ou tro” p re se rva d os e m a rq u ivos p e rte n ce n te s a os e tn óg ra fos p a ssa m a se r ob je to d a con stru çã o d e u m a ‘e tn o-h istória ’ con stru íd a p or h istoria d ore s, a n trop ólog os, d e sce n d e n te s d os g ru p os/ su je itos p e sq u isa -d os ou in stitu içõe s/ m ovim e n tos q u e os ‘re p re se n ta m ’. Dia n te -d e ssa s q u e stõe s, p a re ce -m e d ifícil re força r a s fron te ira s in stitu íd a s a p a rtir d e m a rca d ore s a le a tórios a ce rca d o q u e d e fin e o ca rá te r m a is ou m e n os p e ssoa l — ou e tn og rá fico — d e p a rte re le va n te d os p a p é is q u e p ovoa m cole -çõe s cu jos titu la re s sã o a n trop ólog os.

A ord e n a çã o, se le çã o, id e n tifica çã o e cla ssifica çã o d os p a p é is d e Ru th La n d e s ob e d e ce m a u m a lóg ica d e tra ta m e n to se m e lh a n te à q u e la a d ota d a n a org a n iza çã o d e ou tros a rq u ivos p e rte n ce n te s a titu la re s tra n s-form a d os e m p e rson alid ad e s p ú b licas. Em g e ra l, o m a te ria l q u e com p õe se u s ace rv os — d ocu m e n tos p or e le s p rod u zid os e / ou m a n u se a d os q u e e sta va m sob a su a g u a rd a q u a n d o ocorre u o p roce sso d e d oa çã o — é se -le cion a d o a p a rtir d a n a tu re za d o d ocu m e n to. Q u a l se ja , sã o d istin g u id os ca so con form e m corre sp on d ê n cia (e n via d a e re ce b id a ), p rod u ção in te le c-tu al e m an u scritos (d o tic-tu la r ou d e te rce iro, m a n u scrita ou p u b lica d a ), fotog rafias e u m a m isce lâ n e a d e d ocu m e n tos q u e p or ve ze s sã o in com -p le tos, fra g m e n ta d os ou n ã o, id e n tifica d os (fre q ü e n te m e n te ) com o d iv e rsos. Re sp e ita d a a su a n atu re z a, os d ocu m e n tos sã o su b d ivid id os e a rm a -ze n a d os e m ca ixa s ou p a sta s q u e ob e d e ce m a u m a se g u n d a lóg ica cla ssi-fica tória — sã o a g ru p a d os p or ord e m cron ológ ica e / ou a lfa b é tica . A e s-p e cia liza çã o n o tra ta m e n to d e a lg u n s a ce rvos d o g ê n e ro — com o, e m s-p a r-ticu la r, a q u e le s p e rte n ce n te s a os a n trop ólog os — te m p e rm itid o q u e d o-cu m e n tos d e u m a m e sm a n a tu re za , com o é o ca so d a s ca rta s, se ja m p or ve ze s a g ru p a d os p or lóg ica s (cron ológ ica ou a lfa b é tica ) d istin ta s. Isto é , o cote ja m e n to, a p e sq u isa e a id e n tifica çã o d e au tóg rafos tê m fe ito com q u e a lg u n s m issivista s se ja m se le cion a d os e p oste riorm e n te id e n tifica d os e m u m ín d e x on om á stico d isp on íve l e m in ve n tá rios, e n q u a n to ou tros sã o m a n tid os e m u m con ju n to m a is a b ra n g e n te d e p a sta s cu ja e n tra d a é cro-n ológ ica e / ou p or ord e m a lfa b é tica .

(13)

lo-b a m n ã o só a q u e le s re u n id os p or oca siã o d a p e sq u isa fe ita p or G e org e Pa rk e Alice Pa rk (1988) n a p re p a ra çã o d e u m ve rb e te b iog rá fico sob re La n d e s, m a s ta m b é m “ re corte s d e jorn a is” , “ ca rta s” (e n via d a s e re ce b i-d a s), “ e scritos e a u la s” (m isce lâ n e a i-d e m a n u scritos n ã o p u b lica i-d os, ve r-sõe s d e te xtos p u b lica d os) e “ re se n h a s” (sob re te xtos/ livros d e La n d e s). Em se g u n d o lu g a r, os ch a m a d os “ ca d e rn os” : m a te ria l d e ca m p o — e m g ra n d e p a rte d iá rios — su b d ivid id o p or te m a s ou re g iã o g e og rá fica . O s ch a m a d os “ m a te ria is d id á ticos” con stitu e m te xtos e p rog ra m a s d e cu rso. C on ju n tos m e n os e sp e cifica m e n te in titu la d os “ Proje tos d e p e sq u isa ” , “ C on tra tos, re se n h a s e a n ú n cios d e e d itora s” , “ Pa p é is fin a n ce iros” e “ M isce lâ n e a ” (con ju n to d e fra g m e n tos e n ota s sob re a ssu n tos va ria d os). Fin a lm e n te , o “ M a te ria l fotog rá fico” (fotog ra m a s, slid e s e n e g a tivos, e ca rtõe s p osta is).

Se ria d ifícil con sid e ra rm os q u e , d ia n te d a s fron te ira s tê n u e s q u e p e rm e ia rm n ossa d e fin içã o d e carm p o, a ssirm corm o o sã o a q u e la s q u e d istin -g u e m a n a tu re za d a s n a rra tiva s q u e d e le se ori-g in a m , tod o e q u a lq u e r a rq u ivo ou cole çã o cu jo titu la r foi ou é u m a n trop ólog o se ja , p or d e fin i-çã o, e tn og ráfico. Essa q u a lifica i-çã o re su lta d e le itu ra s va ria d a s. Em a lg u n s ca sos sã o a s in stitu içõe s m a n te n e d ora s d e ta is a rq u ivos q u e p rod u ze m , in te rn am e n te , ou se ja , n a a tivid a d e rotin e ira d e se le çã o e in d e xa -çã o d os d ocu m e n tos, e , e x te rn am e n te , n a s p olítica s e re tórica s d e le g itim a çã o e d ivu lg a çã o d e ta is a ce rvos, ta l d istin çã o e q u a lifica çã o. Eitim ou -tros ca sos, ta l d istin çã o é p rod u zid a p e los p róp rios a n trop ólog os n o p ro-ce sso d e se le çã o, org a n iza çã o e d oa çã o d e se u s p a p é is. A C ole çã o d e Ru th La n d e s (RLP) n ã o só re p rod u z a im b rica çã o d e d om ín ios p rofissio-n a is e p e ssoa is, com o rofissio-n os a p re se rofissio-n ta u m a p a rticu la r corofissio-n fig u ra çã o d o q u e J a m in e Zon a b e n d ch a m a ra m ‘a rq u ivística ’. La n d e s se le cion ou e id e n tifi-cou se u s e scritos p e ssoa is e p rofission a is a p ós te r d e cid id o d oá -los a o N AA8. Esse p roce sso p e rm itiu q u e d e te rm in a d os d ocu m e n tos fosse m ob

-je to d e u m e xe rcício con tín u o d e re ssig n ifica çã o, o q u a l p re te n d o a n a li-sa r a se g u ir.

Tempo de lembrar

(14)

n a p rim e ira m e ta d e d os a n os 40 — fora m ob je tos d e a te n çã o e sp e cia l n o te xto q u e La n d e s e n tre g a ria a G old e . N a s in ú m e ra s n ota s, com e n tá rios e ca rta s q u e p rod u ziu ou re e scre v e u d u ra n te os ú ltim os trin ta a n os d e su a vid a , su a s vivê n cia s e m N a sh ville (19371938) e n o Bra sil (19381939) re -ce b e ra m u m a a p a ixon a d a a te n çã o e in cita ra m -n a a u m con tín u o e xe rcí-cio m n e m ôn ico. O rie n ta ra m se u olh a r e com p re e n sã o sob re o p assad o q u e d e se ja va le m b ra r e , d e ce rta m a n e ira , re e n con tra r. Ao ob se rva rm os o p roce sso d e re org a n iza çã o d a s m a rca s q u e torn a m ta is e v e n tos re le -va n te s, p od e m os com p re e n d e r com o o te m p o p rofission al e o te m p o p e s-soal se e n tre la ça m d e form a a con d icion a r n ossa le itu ra e a p re e n sã o d e se u a rq u ivo e m e m ória p e ssoa l.

Em virtu d e d e su a sin g u la r e xp e riê n cia n a Am é rica d o Su l e p or in -d ica çã o -d e Sol Ta x e M a rg a re t M e a -d , La n -d e s foi con vi-d a -d a a cola b ora r e m u m e sforço d e re fle xã o in te le ctu a l m a rca d o p or u m e n foq u e fe m in ista — a cole tâ n e a W om e n in th e fie ld : an th rop olog ical e x p e rie n ce s, org a n i-za d a p or Pe g g y G old e (G old e 1986b [1970]; La n d e s 1986 [1970]). A ca r-ta -con vite p a re ce in d ica r q u e u m d os crité rios p rin cip a is d e se le çã o foi a p lu ra lid a d e re g ion a l/ g e og rá fica e , e m m e n or g ra u , a re le vâ n cia d a s p e s-q u isa s e d a s p e ss-q u isa d ora s e n volvid a s. G old e a firm a va e m se u p a rá g ra fo in icia l q u e “ se rá a e xp e riê n cia d e re tra ta r a e xp e riê n cia d e tra b a lh o d e ca m p o d o p on to d e vista d a s m u lh e re s q u e o re a liza ra m e m d ife re n te s re g iõe s d o m u n d o”9. C u riosa m e n te , n os ob je tivos d o p roje to d e scritos n o

a n e xo q u e a com p a n h a a ca rta d e G old e , ta l crité rio a p a re ce e m u m se -g u n d o p la n o. Im p orta va -lh e re u n ir re la tos d e e xp e riê n cia s d e ca m p o vi-vid a s p or a n trop ólog a s e su a s im p lica çõe s n o d e se n volvim e n to d e su a s ca rre ira s p rofission a is n a rra d os n a p rim e ira p e ssoa.

[…] o id e a l é q u e ca d a n a rra tiva oscile e n tre d ife re n te s n íve is, m istu ra n d o trê s tip os d e m a te ria is e p on tos d e re fe rê n cia se p a ra d os, m a s re la cion a d os: 1) p e ssoa l e su b je tivo; 2) e tn og rá fico e ; 3) te órico e m e tod ológ ico.

(15)

Você ficou sozin h a ? Em a lg u m m om e n to te ve m e d o? O q u e fa zia p a ra se d ive rtir? C om o con se g u iu lu g a r p a ra m ora r?” 10.

As lin h a s q u e orie n ta m a p rod u çã o d e re la tos m e m oria lista s n a cole -tâ n e a d e ve ria m torn a r sa lie n te s os a sp e ctos q u e su p osta m e n te d istin g u i-ria m a p rá tica d a p e sq u isa d e ca m p o e n tre a s m u lh e re s. Su b je tivid a d e e in tim id a d e n ã o só m a rca ria m con ta tos in te rp e ssoa is m a s con fe riria m u m e stilo sin g u la r a o te xto e tn og rá fico (G old e 1986b [1970]). Ta is in g re d ie n te s n ã o fig u ra ria m com o u m e stilo p e ssoa l, m a s com o m arcad or q u e d e ve ria sin a liza r o g ê n e ro n a a tivid a d e e tn og rá fica . Assim , n ã o só a s re la -çõe s e sta b e le cid a s n o cam p o q u a n to a p róp ria con stru çã o d a m e m ória d e ve ria m su b lin h a r p roje tos, se n tim e n tos e a n g ú stia s n a rra d os e re m e -m ora d os a p a rtir d e u -m a visã o su b je tiva , i-m p ri-m in d o con torn os d e u -m a “ e scrita sob re si” (Fou ca u lt 1992; De rrid a 2001). A p rop osta d e G old e ce r-ta m e n te im p in g iu a o re la to d e La n d e s u m d e lica d o vié s. Tod a via se ria p re cip ita d o im a g in a r q u e o e n con tro e n tre o d e se jo d e le m b rar e a p ossi-b ilid a d e d e se r le m ossi-b rad a p u d e sse se r tra n sform a d o e m u m re la to e m ol-d u ra ol-d o p or u m a ú n ica a b orol-d a g e m fe m in ista . Se g u in ol-d o os p a ssos ol-d e M a r-g a re t M e a d , ou tra s a n trop ólor-g a s d e su a r-g e ra çã o in ve stira m e m te xtos fic-cion a is e re la tos a u tob iog rá ficos n o m e sm o p e ríod o (M e a d 1972; Pow d e r-m a k e r 1966). M e sr-m o n a cole tâ n e a , La n d e s n ã o foi a ú n ica a re in te rp re ta r a p rop osta d e G old e . N o se u e xe rcício re fle xivo, M a rg a re t M e a d re vol-ve u ca rta s e n via d a s e re ce b id a s e n q u a n to e ste vol-ve n a N ova G u in é : ca rta s com e n ta d a s, re a rra n ja d a s e in te rp re ta d a s a p a rtir d a s q u e stõe s form u la d a s p or G old e (M e a d 1986 [1970]). An trop olog ia e a u tob iog ra fia já h a -via m re a firm a d o su a s a fin id a d e s d e g ê n e ro e e stilo lite rá rio n os ce n á rios in te le ctu a l e p op u la r n orte a m e rica n o. Porta n to, é p re ciso e n te n d e r o con te xto d e d e b a te s e q u e stõe s q u e in form a m u m a e xp re ssã o p ú b lica d a a n -trop olog ia n os a n os 70 e , d e n tro d e le , o lu g a r re se rva d o a o g ê n e ro n os e scritos a u tob iog rá ficos q u e tra ta m d a e xp e riê n cia d a s m u lh e re s com o fie ld w ork e rs (Di Le on a rd o 2000; H a n d le r 1990).

(16)

i-çõe s o e n sin o d a a n trop olog ia ofe re cia ob stá cu los à p rá tica d a p e sq u isa d e ca m p o q u a n d o re a liza d a p or m u lh e re s.

Fiz u m a sé rie d e corre çõe s p orq u e você p a re ce u con tra d ize r-se , p rim e iro d i-ze n d o q u e a s té cn ica s d e p e sq u isa d e ca m p o n ã o p od e m se r e n sin a d a s e , d e p ois, q u e se u s cole g a s d e C olu m b ia fora m e n sin a d os p or Kroe b e r e tc. C a -so is-so e ste ja m u ito con fu -so, d e ixe -m e e scre ve r p a ra você com o a p a ssa g e m com a s e m e n d a s su g e rid a s fica ria : “ O tra b a lh o d e ca m p o fu n cion a com o u m con h e cim e n to id iossin crá tico q u e n os p e rm ite d ife re n cia r ta n to a s im p re sõe s se n síve is d a vid a q u a n to a s su a s a b stra çõe s n a p e rson a lid a d e d o p e s-q u isa d or. A cu ltu ra s-q u e o e tn óg ra fo d e scre ve é a d a p róp ria e xp e riê n cia fil-tra d a p or se u olh a r. C on h e cid os e scritore s d isse ra m q u e se u ofício n ã o p od e se r e n sin a d o m a s a p e rfe içoa d o. O s fu n d a d ore s d a d o ca m p o d a a n trop olog ia d iscip lin a n ã o a p re n d e ra m té cn ica s e sp e cífica s. N e m m e sm o n osso g ru p o d e e stu d a n te s d e C olu m b ia , q u e e stu d ou te oria + m ate rial d e cam p o com Kroe -b e r, Boa s, Klin e -b e rg , M e a d e Be n e d ict. Ao con trá rio, fom os e n cora ja d os tre i-n ad os p a ra ii-n te rp re ta r, e xp e rim e i-n ta r, u sa r tod a s a s os re cu rsos fe rra m e i-n ta s à n ossa d isp osiçã o e n os a rrisca r” .11

Pa ra a lé m d e in ú m e ra s su g e stõe s e re com e n d a çõe s p a ra q u e La n -d e s fosse m a is e xp lícita n a a lu sã o a e ve n tos, p e rson a g e n s ou m e sm o co-m e n tá rios a e ste s, G old e co-m ostra -se p re ocu p a d a coco-m o forco-m a to e o e stilo d o te xto. Fica cla ro q u e m e sm o d ia n te d a re la tiva lib e rd a d e d a s a u tora s, o tra b a lh o d a m e m ória d e ve ria se r re d ire cion a d o e a d e q u a d o à p rop osta d a cole tâ n e a . Te m a s d e lica d os p a ra u m p ú b lico d e ‘jove n s le itore s’ sã o e vita d os. Ao com e n ta r u m d e te rm in a d o p a rá g ra fo, G old e a d ve rte p a ra os e xce ssos: “ e ste p a rá g ra fo e stá m u ito b om . C on tu d o, tira ria a fra se sob re m orte , p orq u e já a m e n cion ou e você va i fa la r d isso n ova m e n te […] e p a -ra u m g ru p o d e jove n s le itore s isso p od e se r u m p ou co d e m a is”12.

(17)

n a Ba h ia e n o Rio d e J a n e iro —, a s in te rp re ta çõe s sob re “ m a tria rca d o” e “ h om osse xu a lid a d e ” n os cu ltos a frob a ia n os con tid a s n o re la tório p re p a ra d o p a ra a C a rn e g ie C orp ora tion , n a visã o d e a m b os, e ra m in a p rop ria -d a s, o q u e -d e scre -d e n cia va su a p e sq u isa e su a se rie -d a -d e p rofission a l. C om o Ra om os e H e rsk ovits a tu a ra om coom o con su ltore s d a C a rn e g ie , a cola -b ora çã o d e La n d e s a o re la tório M yrd a l foi d e sa u toriza d a e d isp e n sa d a (La n d e s 1986 [1970]; C ole 2003). G old e p e rce b e a ce n tra lid a d e d e sse ca-so n a p rim e ira ve rsã o e p rop õe : “ se você re la ta sse a lg u m a s coisa s q u e Ra m os d isse , e n tã o p od e ria ir d ire to p a ra a ú ltim a fra se d a p á g in a . Você te n ta o le itor m a s n ã o d á a in form a çã o q u e e le p re cisa p a ra e n te n d e r o q u e a con te ce u , e tod o e sse e p isód io é tã o cru cia l, e a o m e sm o te m p o te r-rive lm e n te fa scin a n te , q u e e u a ch o q u e você d e ve d e d ica r-lh e te m p o, d e ixa n d o-o cla ro”13.

C om o o m a n u scrito d e sse te xto n ã o se e n con tra e n tre os p a p é is d e La n d e s, é im p ossíve l d im e n sion a r a e xte n sã o d a s a lu sõe s a o caso n a p ri-m e ira ve rsã o. Ain d a a ssiri-m , é n otá ve l cori-m o se torn a e p ice n tro d o re la to d e La n d e s, g a n h a n d o u m a d im e n sã o p ú b lica d ire ta m e n te vin cu la d a à su a tra je tória p rofission a l. Ap ós a p u b lica çã o d e A w om an an th rop olog ist in Braz il (La n d e s 1986 [1970]) e Um a false ta d e A rth u r Ram os, d e Éd ison C a rn e iro (1964), n o q u a l e ste critica a s re a çõe s d e Arth u r Ra m os a o m a -n u scrito C a r-n e g ie , p a rcia lm e -n te re p rod u zid a s e m A acu ltu ração -n e g ra n o Brasil (Ra m os 1942), o livro A cid ad e d as m u lh e re s con te ria u m te xto su b lim in a r ? La n d e s n a con d içã o d e vítim a e m u m a m b ie n te in te le ctu a l se xista e com p e titivo. Esse caso a in d a se ria re fe rid o e m ou tros te xtos so-b re La n d e s, ou com e n ta d o com o e xe m p lo d a e xp losiva com so-b in a çã o d e se xo, e rotism o e p od e r in te le ctu a l n a e xp e riê n cia e tn og rá fica (Pa rk e Pa rk 1988; N e w ton 1993; H e a le y 1996; 2000; C orrê a 2000; 2003; C ole 1994; 1995a ). C e rca d e d e ze sse is a n os d e p ois, se ria re con ta d o d e form a a su b -su m ir ta n to a ob ra q u a n to a vid a p rofission a l d e La n d e s e m u m ve rb e te sob re e la p u b lica d o e m u m d icion á rio b iog rá fico (Pa rk e Pa rk 1988). Ain -d a q u e -d e m on stra n -d o p re ocu p a çã o q u a n to a p ossíve is im p lica çõe s le g a is n a su a p u b lica çã o, La n d e s a u xilia os a u tore s, p rove n d oos com in form a -çõe s a d icion a is:

(18)

As ca rta s e n tre G old e e La n d e s p e rm ite m -n os in fe rir a ce rca d os ca m i-n h os d e ii-n te rp re ta çã o a o loi-n g o d os q u a is p a ssa d o e e xp e riê i-n cia p rofissio-n a l/ p e ssoa l d e ve ria m se r re m e m ora d os. La rofissio-n d e s d e ra a p rim e ira p a la vra sob re os te m a s q u e torn a ria m su a b iog ra fia re le va n te , torn a n d o-se le itora e in té rp re te d e se u s e scritos tra n sform a d os e m d ocu m e n tos. O p róp rio d iá -log o tra va d o com G old e se ria cu id a d osa m e n te re m e m ora d o, torn a n d o-se ob je to d e u m a re le itu ra fe ita p e la p róp ria La n d e s ce rca d e vin te a n os a p ós o con vite d e 1967. É p rová ve l q u e La n d e s te n h a p rod u zid o com e n tá rios se m e lh a n te s e m su a s ca rta s a té p ou cos a n os a n te s d o se u fa le cim e n to, q u a n d o a s e scre via com u m a ca lig ra fia d e d ifícil com p re e n sã o. Pe la re cor-rê n cia d os te m a s e p e rson a g e n s q u e fora m ob je to d e ta is com e n tá rios, é p ossíve l q u e e ste s te n h a m sid o p rod u zid os d u ra n te o p roce sso d e p re p a ra çã o d e se u s d ocu m e n tos p a ra o N AA, ju sta m e n te n o p e ríod o e m q u e La n -d e s m e rg u lh a ra e m u m a via g e m se m volta a o se u p róp rio p a ssa -d o.

N o a n e xo con te n d o a p rop osta d a cole tâ n e a , La n d e s fe z in ú m e ra s a n ota çõe s n a s q u a is re g istra ob se rva çõe s a os com e n tá rios d e G old e e su a re a çã o a e le s. Su b lin h a p a la vra s, a cre sce n ta in te rje içõe s e in te rrog a çõe s, in se re p e q u e n os b a lõe s n os q u a is sob re p õe te xtos q u e fu n cion a m com o u m a se g u n d a le g e n d a à su a voz e à d a m issivista . N a re fe rê n cia fe ita p or G old e à p e sq u isa d e ca m p o com o u m a a tivid a d e solitá ria , La n d e s com e n -ta : “ a solid ã o a b a te u tod os os p e sq u isa d ore s e m ca m p o” . Dia n te d a a lte r-n a tiva op osta — a p ossib ilid a d e d e te r sid o for-n te d e a lg u m p ra ze r e d i-ve rtim e n to — d e m a n e ira la côn ica La n d e s re sp on d e “ n e n h u m ”15. O u tros

in d ícios m e fa ze m su g e rir q u e La n d e s p rod u ziu ta is le g e n d as com o se fosse u m a le itora d e se u s p róp rios p a p é is e m u m m om e n to b e m p oste rior a o d a p rod u çã o d o d ocu m e n to. O m a n u scrito d e W om e n in th e fie ld — p ossive lm e n te e m su a ve rsã o fin a l — foi e n via d o a Éd ison C a rn e iro e m 1968. N a ú ltim a ca rta d o a n trop ólog o e xiste n te n a RLP, Éd ison n ã o só co-m e n ta coco-m o a p rova o te xto ch e io d e a lu sõe s à su a re la çã o coco-m La n d e s e com Arth u r Ra m os: “ Ach e io b om , sob re tu d o q u a n to à s re a çõe s d e a d a p -ta çã o, e m q u e , p a re ce , você d e ve ria te r in sistid o m a is. Ta lve z p e la in tim i-d a i-d e re ce n te com os se u s tra b a lh os, p oré m , a ch e i q u e você se re p e tira u m p ou co. O tra b a lh o, con tu d o, é vá lid o e d e fin e b e m a situ a çã o d a m u lh e r q u e ve m , p e la p rim e ira ve z, p a ra o q u e u m d os n ossos e scritore s ch a -m ou d e “ e sta b osta (sh it) -m e n ta l su l-a -m e rica n a ”16. N o a lto d a ca rta , La n

-d e s com e n tou : “ É-d ison m orre u [e m ] 1969 -d e e n fa rte — in con scie n te [p or] d u a s se m a n a s (?— in form a çã o d e An ita N e u m a n ). Aos 60 a n os”17. La n

(19)

Essa re le itu ra d e se u s p róp rios e scritos com o se fosse m le g e n d a s d e im a g e n s, d ocu m e n tos ou p rova s m a te ria is q u e e xp u n h a m re la çõe s in te -le ctu a is e e n volvim e n tos com co-le g a s e in form a n te s, p or ve ze s, d e ixou d e se r ‘tra d u çã o’ (d e se n tim e n tos, iron ia s e su tile za s su b lim in a rm e n te a lu d id a s n a s ca rta s), tra n sform a n d ose e m ‘n a rra çã o’. Em u m a ca rta e n via d a a u m a n trop ólog o b ra sile iro n a q u a l La n d e s re sp on d ia a in d a g a çõe s sob re in form a n te s e p e rson a g e n s im p orta n te s d e A cid ad e d as m u -lh e re s, e la a cre sce n ta ria in form a çõe s com o a d a ta e m q u e a ca rta foi e s-crita e o a ssu n to: “ R[u th ] L[a n d e s] e scre ve u e m 3 d e ju lh o d e 1988 p e r-g u n ta n d o sob re o m e n in o d e M a rtin ia n o e M e n in in h a ”19. In d ícios com o

e sse s n ã o com p õe m n e ce ssa ria m e n te u m e stilo id iossin crá tico d e org a n i-za r p a p é is p e ssoa is. An ota çõe s se m e lh a n te s, m a s n a d a com p a rá ve is e m te rm os d e re corrê n cia , fora m e n con tra d a s e m ou tra s cole çõe s. O q u e ch a -m a a a te n çã o n e ssa p re ocu p a çã o e -m tra d u zir e p rod u zir u -m a n a rra tiva p a ra le la , a d icion a l a fu tu ra s le itu ra s d e se u s p a p é is, é o fa to d e con ce n -tra r-se sob re te m a s e a ssu n tos e sp e cíficos.

Em busca do t empo perdido

Pa ra q u e m Ru th La n d e s e scre ve u n ota s e com e n tá rios sob re p ostos a os se u s a n tig os e scritos? Pa re ce -m e cla ra su a p re ocu p a çã o e m se le cion a r ce rtos d e ta lh e s, p e rson a g e n s e e ve n tos — e os d ocu m e n tos q u e os a te sta va m — ca p a ze s d e d ire cion a r p ossíve is le itu ra s d e su a p róp ria b iog ra -fia . Em u m a ca rta e n via d a e m 1941 n a q u a l fa zia a lu sõe s a o se u re la cio-n a m e cio-n to com u m p rofe ssor d e física d u ra cio-n te o p e ríod o e m q u e d e u a u la s n a Fisk Un ive rsity e n tre 1937 e 1938 — o q u e n a é p oca fora a lvo d e m a le d icê n cia s e n tre a lg u n s p rofe ssore s d a fa cu ld a d e e , p oste riorm e n te , ob je to d e a te n çã o n os te xtos a u tob iog rá ficos d e La n d e s —, a p a re ce u m a sé rie d e ob se rva çõe s e su g e stõe s q u e e xp re ssa m u m a p re ocu p a çã o d e lib e ra d a e m se le cion a r o con te ú d o e os m a te ria is q u e lh e p a re cia m m a is in -te re ssa n -te s/ op ortu n os d e se re m m a n tid os n o a rq u ivo. “ Ra sg u e i tod a s a s ca rta s q u e se se g u ira m a e sta , com o fiz com tod a s a q u e la s ou tra s n o Bra -sil” , a firm a . “ Por q u ê ? Porq u e a ch a va q u e n ã o h a via lu g a r p a ra e la s. Era m e n te d ia n te s, a p a ixon a d a s e ch e ia s d e p rom e ssa s d e fu tu ro, ch e ia s d e d e -ta lh e s […]”20. O d e ta lh a m e n to d os com e n tá rios p ostfacto q u e e m old u

(20)

ca rta s e n via d a s a a lg u n s m issivista s e re ce b id a s d e ste s, é p ossíve l in fe rir q u e , p or ca u sa d o con trole e visã o d e con ju n to q u e o p róp rio a u tor d os com e n tá rios p a re cia te r d a p róp ria cole çã o, tra tou -se d e u m a in te rve n çã o ta rd ia . O s com e n tá rios ca re cia m d e u m olh a r p rosp e ctivo d o tip o d e re la -çã o e sta b e le cid a e n tre os m issivista s e os e ve n tos sob re os q u a is ta is ca r-ta s tra r-ta va m . O d iá log o m a n tid o com Éd ison C a rn e iro e n tre 1939 e 1968 con siste e m u m e xe m p lo in te re ssa n te p a ra e n te n d e rm os a s vicissitu d e s e o p roce sso d e p rod u çã o d e u m m e ta te xto q u e orie n ta o p e rcu rso p e lo a r-q u ivo e a p rod u çã o d e fu tu ra s b iog ra fia s.

Se le tivid a d e e re le vâ n cia g u ia ra m o d e se jo d e d ocu m e n ta r u m a re la -çã o e xa u stiva m e n te re fe rid a e m te xtos a u tob iog rá ficos. Vista s d o a rq u ivo d e La n d e s, a s ca rta s e n via d a s p or C a rn e iro a p e n a s su g e re m u m d iá log o. La n d e s n ã o con se rvou cóp ia d e n e n h u m a d e su a s ca rta s. Esse fa to, e m p rin cíp io, é con d ize n te com o q u e ocorre com su a corre sp on d ê n cia m a is a n tig a . Prá tica com u m e n tre ou tros in te le ctu a is d e su a g e ra çã o q u e tive ra m vín cu lo in stitu cion a l e stá ve l e ra a con se rva çã o d a s cóp ia s e / ou ra scu n h os d e ca rta s e m p a sta s e a rq u ivos p rofission a is. A cole çã o d e “ ca rta s e n -via d a s” n a RLP é in sig n ifica n te se con fron ta d a com a s ca rta s re ce b id a s a o lon g o d e m a is d e se sse n ta a n os d e vid a p rofission a l. La n d e s n ã o g u a rd ou tod a s a s ca rta s q u e e n viou e re ce b e u , n e m a n te viu a p ossib ilid a d e d e p e r-p e tu a r-se e m u m a rq u ivo m a n tid o r-p or re sr-p e ita d a in stitu içã o d e se u r-p a ís, a té q u e o con vite d o N AA fosse form a liza d o21. As ca rta s d e C a rn e iro, con

(21)

O s p rim e iros com e n tá rios d e La n d e s su rg e m n o q u e p a re ce te r sid o o p rim e iro con ta to com o a n trop ólog o d e p ois q u e e la d e ixou o p a ís e m 1939: u m a ca rta d e C a rn e iro e n via d a e m 8 d e ju n h o d a q u e le a n o. Tra ta se d e u m a re fe rê n cia q u e a p a re ce e m ou tros d ocu m e n tos — a s d ificu ld a -d e s -d e La n -d e s com o p ortu g u ê s. C a rn e iro tra ta -d ire ta m e n te -d o a ssu n to: “ re ce b i su a ca rta d e Port of Sp a in . Q u e rid a , você te m q u e a p re n d e r p ortu g u ê s n ova m e n te […] com ig o, é cla ro. De q u a lq u e r je ito. G osto d o tra -b a lh o q u e você te ve e m m e e scre ve r e m p ortu g u ê s, p rin cip a lm e n te p e la fa lta d e a ce n tos e m su a m á q u in a d e e scre ve r” . Em ou tra s ca rta s, Éd ison ta m b é m re con h e ce ria su a s d ificu ld a d e s com o in g lê s22. La n d e s p a re cia

con scie n te d a s lim ita çõe s q u e a in a b ilid a d e com a lín g u a lh e tra zia . Se u s com e n tá rios la côn icos, n e sse ca so, tê m u m e fe ito d e m on stra tivo. N o a lto d a ca rta , sim p le sm e n te a n otou à m ã o e a lá p is: “ m e u te rríve l p ortu -g u ê s”23. O se n tid o d e ssa sim p le s a n ota çã o se e sva i ca so n ã o se ja com p a

-ra d o a com e n tá rios su b se q ü e n te s, p re se n te s e m a lg u m a s ca rta s e e m se u s te xtos a u tob iog rá ficos, sob re a su a d ificu ld a d e com o p ortu g u ê s. Em se te m b ro d o m e sm o a n o, Éd ison fa ria re com e n d a çõe s a ce rca d os re su lta -d os -d a s p e sq u isa s -d e La n -d e s n a Ba h ia : “ te n h a cu i-d a -d o a o e scre ve r o livro. C om o cie n tista você é h on e sta , m a s com o lite ra ta … D. H e loísa le m b ra q u e , p re te n d e n d o volta r a o Bra sil, você n ã o d e ve d ize r coisa s d e sa -g ra d á ve is. Por e xe m p lo, q u e você e n con trou cob ra s e on ça s n a s ru a s d o Rio d e J a n e iro […]” . La n d e s re sp on d e u a u m fu tu ro le itor d e ssa ca rta e tre ch o: “ e le a d orou m e u livro”24.

Re fe rê n cia s p e ssoa is e m e sm o a re la çã o q u e m a n te ve com C a rn e iro — cita d a e m p a rte re le va n te d a s ca rta s e n tre 1939 e 1940 — n ã o sã o com e n -ta d a s p or La n d e s. O m e sm o ocorre com os com e n tá rios q u e C a rn e iro fe z a in te le ctu a is e p e rson a g e n s con h e cid os p or a m b os. Se u e stilo d e com e n tá -rios su g e re u m d e se jo d e a u xilia r fu tu ra s le itu ra s, p rove r os d ocu m e n tos d e u m a e sp é cie d e tra d u çã o: e scla re cim e n tos a d icion a is sob re q u e stõe s e p e rson a g e n s q u e fu tu ros p e sq u isa d ore s d e se u a rq u ivo p od e ria m d e scon h e ce r. Ta lve z p or im a g in a r q u e ce rta s h istória s e stive sse m m u tila d a s p or ca u -sa d e la cu n a d e fon te s, ou m e sm o q u e fa lta sse a o fu tu ro le itor/ u su á rio d e se u s p a p é is in d ica çõe s q u e lh e p e rm itisse m in ve stig a r ou tra s p ossib ilid a -d e s -d e com p re e n sã o -d e su a tra je tória p rofission a l e b iog ra fia .

(22)

form a d e fin itiva d e su a cole çã o. A se g u ir, d u a s ou tra s e xp re ssõe s d e ssa in -te n sa re la çã o e n tre a a tivid a d e d a m e m ória volta d a p a ra a con fe cçã o d e e scritos d e ca rá te r a u tob iog rá fico e a p rod u çã o d e u m a rq u ivo p e ssoa l se rã o e xp lora d a s. Em p rim e iro lu g a r, a s p rá tica s d e ord e n a çã o e com p o-siçã o d e d ocu m e n tos, in clu in d o a b u sca p or d e te rm in a d a s e v id ê n cias q u e torn a ria m o a rq u ivo com p le to. Em se g u n d o, o cote ja m e n to, o con trole e a h ie ra rq u iza çã o d e e ve n tos e h istória s visa n d o u m a fu tu ra b iog ra fia p ro-d u ziro-d a a p a rtir ro-d o se u p róp rio a rq u ivo.

M eu t empo é ont em

A s m u lh e re s n ão p od e m se r o ú n ico foco d e m in h as m e m órias sob re Fisk . M in h a v e rsão orig in al e scrita h á 20 an os ou m ais con ce n tra-se n u m d e p arta-m e n to arta-m ascu lin o — ali n ão h av ia n e n h u arta-m a arta-m u lh e r.25

Pa rte d os p e rcu rsos m e m oria lista s d e La n d e s p od e se r re con stitu íd a se se g u irm os re trosp e ctiva m e n te a s ú ltim a s ca rta s d e ixa d a s e m se u a ce rvo a té ce rca d e u m a n o a n te s d e se u fa le cim e n to. A p a rtir d e la s e d e in form a çõe s d isp on íve is n o in ve n tá rio p rod u zid o p e lo p róp rio N AA, p od e se p e rce b e r q u e su a “ in fin id a d e d e p a p é is e ‘ob je tos’” foi p re p a ra d a p a -ra se r d oa d a à Sm ith son ia n . N e sse p e ríod o La n d e s ta m b é m a u xiliou G e org e Pa rk e Alice Pa rk (con vid a d os p or La n d e s p a ra a tu a re m com o se u s lite rary e x e cu tors), n a con fe cçã o d e u m ve rb e te b iog rá fico (1988)26.

Pa ra p rod u zir se u te xto, G e org e Pa rk con tou com a a ju d a d e La n d e s, e lu -cid a n d o p a rte s d e scon h e -cid a s ou con fu sa s d e su a p róp ria b iog ra fia . A p e q u e n a corre sp on d ê n cia e n tre e le s con té m a lg u m a s in form a çõe s q u e n os a ju d a m a e n te n d e r d e q u e form a re la çõe s e n tre b iog ra fia / a u tob io-g ra fia e o a rq u ivo fora m con stru íd a s.

(23)

-d e s ju stifica va a solicita çã o -d e a ju -d a p a ra -d a tilog ra fa r a q u e la q u e se ria a ve rsã o fin a l e m u m te xto se m d a ta e in a ca b a d o:

Visu a lm e n te in ca p a cita d a p a ra e scre ve r e d a tilog ra fa r, d e cla ra d a “ le g a l-m e n te ce g a ” […], p e ço a u xílio p a ra tra n scre ve r o l-m a n u scrito n o q u a l ve n h o tra b a lh a n d o h á a lg u n s a n os […] te n d o fe ito vá ria s ve rsõe s, tod a s n e ce ssita n -d o -d e e la b ora çã o e re visã o, se i q u e a m a is re ce n te ve rsã o q u e p la n e jo se rá e xte n sa , in clu in d o a s n ota s e a b ib liog ra fia ; o q u e p od e re su lta r e m m u ita s ce n te n a s d e p á g in a s d ig ita d a s.

M in h a n a rra tiva m ostra rá (d a s p á g in a s d o m e u d iá rio) p e rson a lid a d e s a m -p la m e n te re con h e cid a s -p or su a s re a liza çõe s […]. C om o fiz -p e sq u isa e n tre os n e g ros n o Bra sil (1938-1939) e n a G rã -Bre ta n h a (1950-1951), e tra b a lh e i n o Pre sid e n t’s C om m itte e on Fa ir Em p loym e n t Pra ctice [C om itê Pre sid e n cia l p a ra a Eq ü id a d e n o Em p re g o] (194145), e ssa s e xp e riê n cia s ta m b é m e n tra -rã o e m p e rsp e ctiva . M e u s re su lta d os a p a re ce m n os m e u s a rtig os, e m u m livro sob re o Bra sil e , e m p a rte , e m u m ou tro lilivro, u m re la tório q u e e u p re p a -re i p a ra a C a rn e g ie C orp ora tion , n a cid a d e d e N ova Iorq u e , p rod u zid o p or G u n a r M yrd a l, A m e rican Dile m a.

Foi o p rof. Pa rk , com o e u , u m n orte -a m e rica n o b ra n co d o n orte , q u e m p e r-su a d iu se u p rote g id o C . S. J oh n son e o Rose n w a ld Fu n d [Fu n d o Rose n w a ld ] (d e C h ica g o) a m e a ce ita re m p or u m b re ve p e ríod o e m Fisk p or d ois m otivos: p a ra q u e e u visse a re a l se g re g a çã o d e cor, ju sta m e n te d e p ois q u e a C orte d o Esta d o d o Te n n e sse p roib iu o e n sin o d a te oria e volu cion ista d e Da rw in […] e p a ra q u e e u , u m a fora ste ira d e n íve l su p e rior q u e ja m a is h a via e sta d o n o Su l, e xp e rim e n ta sse a s in te ra çõe s com os N e g ros (te rm o u tiliza d o). O livro q u e e scre vo a tu a lm e n te é u m a d ívid a q u e te n h o p a ra com a q u e le in te le ctu a l cin -q ü e n ta a n os m a is ve lh o d o -q u e e u , -q u e form ou u m a g e ra çã o d e in te le ctu a is n e g ros e n u n ca se lim itou a re striçõe s con ve n cion a is d e “ ra ça e g ê n e ro” .27

(24)

s-soa is. A le itu ra d e sta s ca rta s p õe e m e vid ê n cia u m a ob stin a d a b u sca p or com p re e n d e r su a p a ssa g e m p or Fisk . Pe rson a g e n s e u m a con sta n te re in -te rp re ta çã o sob re o p a ssa d o sã o tra n sform a d os e m u m ‘e stilo d e m e m ória ’ sin g u la r (Boon 1986:240). Por q u e su a p a ssa g e m p or Fisk tin h a p rovoca d o ta n to re sse n tim e n to e m m e io a u m corp o d oce n te m ob iliza d o e m torn o d e p olítica s e p e sq u isa s q u e visa va m a su p e ra çã o d o Jim Crow (a s p olítica s se g re g a cion ista s a d ota d a s p or vá rios e sta d os su lin os n os a n os q u e se se -g u ira m à e m a n cip a çã o)? Por q u e a s jove n s n e -g ra s e ra m e n via d a s a os col-le g e s com m a ior fre q ü ê n cia d o q u e os ra p a ze s? Por q u e com e n tá rios a ce r-ca d e u n iõe s e re la çõe s se xu a is in te r-ra cia is e ra m ta b u d e n tro e fora d o cam p u s? La n d e s tra ve stiria in d a g a çõe s se m e lh a n te s e m u m p roje to in ve s-tig a tivo, p rod u zin d o u m a sin g u la r sin e rg ia e n tre a su a e xp e riê n cia e o q u e su p u n h a m a rca r a con d içã o d e jove n s a lu n a s n e g ra s d e Fisk . Um a q u e stã o re corre n te , p re se n te e m te xtos a u tob iog rá ficos e n a s ca rta s, e ra e n te n d e r p or q u e su a p re se n ça n o cam p u s fora a lvo d e ta n to d e scon forto e e m b a ra -ço. Em u m a cóp ia d a se g u n d a ca rta e n via d a a J oe Rich a rd son , La n d e s e x-p lica a s ra zõe s q u e a le va ra m a in ve stir n o se u re la to a u tob iog rá fico:

(25)

C om Rich a rd son , La n d e s trocou im p re ssõe s p e ssoa is e in form a çõe s sob re a h istória d a in stitu içã o e o p e rfil socioe con ôm ico d e se u s a lu n os e p rofe ssore s. Ele h a via p u b lica d o d ois livros sob re e d u ca çã o u n ive rsitá ria e se g re g a çã o n o p ós-G u e rra C ivil (1980; 1986). Ta is ca rta s sã o rica s e m in form a çõe s sob re a g e n e ra liza d a e vita çã o p or p a rte d os d irig e n te s d e Fisk e m e stim u la r e n con tros in te rra cia is n o cam p u s e a rre d ore s. A te n ta -tiva d e m a n te re m a u n ive rsid a d e e se u s a lu n os p rote g id os d a a çã o d e g ru p os e xtre m ista s e , p a ra le la m e n te , d e p rote g e re m se d e a ta q u e s e a cu -sa çõe s à s “ m u lh e re s d e cor” sã o a s e xp lica çõe s m a is fre q ü e n te s. M a s La n d e s re je ita a s e xp lica çõe s q u a n to à p re te n d id a e sp e cificid a d e d e ta l com p orta m e n to, q u e lh e p a re ce m se m e lh a n te s à s id é ia s q u e circu la va m n os a m b ie n te s fre q ü e n ta d os p e la e lite b ra n ca d e N a sh ville . O q u e n ã o p a re cia cla ro n a s e xp lica çõe s forn e cid a s p or La n d e s n e ssa s ca rta s e ra m a s re la çõe s e n tre a su a visã o su b je tiva e a e xp e riê n cia com o m u lh e r, n or-th e rn e r, b ra n ca e ju d ia e a visã o d a s jove n s a lu n a s n e g ra s e m Fisk d os a n os 30. N e m se m p re su a s in te rp re ta çõe s p a ra a p re d om in â n cia d e m u -lh e re s e ra m com p a rti-lh a d a s. H op e J r., q u e se g ra d u ou e m Fisk n os a n os 30, a cre d ita va q u e a s fa m ília s e n via va m su a s filh a s à u n ive rsid a d e p a ra p rote g ê -la s d a s cozin h a s e d a p rostitu içã o. Ba se a d a e m d a d os e sta tísticos e te xtos ficcion a is, La n d e s d e p a ra va -se com ou tra s in d ica çõe s: solid ã o e isola m e n to d a q u e la s q u e b u sca va m e n con tra r h om e n s n e g ros com n íve is e d u ca cion a is com p a tíve is29. Em u m a d a s ve rsõe s d o “ M a n u scrito Fisk ” , a

com b in a çã o d e in form a çõe s oriu n d a s d e su a s le itu ra s sob re o Su l e o d iá -log o tra va d o n a s ca rta s sã o su b su m id os e m u m a n a rra tiva a u toce n tra d a .

Du ra n te m e u s p rim e iros d ia s n o cam p u s p e rce b i o n ú m e ro m a ior d e m u lh e -re s e n t-re os e stu d a n te s. N os a n os se g u in te s a s e sta tística s sob -re Fisk m otra ra m q u e , a n u a lm e n te , h a via trê s ve ze s m a is g a rota s d o q u e h om e n s. M e s-m o d ia n te d a s a lta s s-m e n sa lid a d e s e d o Black Be lt fig u ra r e n tre a s re g iõe s e con om ica m e n te m a is p ob re s d o p a ís. A Un ive rsid a d e d e Atla n ta , ta m b é m p riva d a , e com m e n sa lid a d e s,, tin h a u m q u a d ro se m e lh a n te e m b ora m e n os a ce n tu a d o. O m e sm o ocorria e m H ow a rd , q u e e ra p ú b lica e d e p e n d ia d e su b ve n çã o d o g ove rn o.

(26)

sob re a s “ n ova s” e lite s d e cor d e scre ve u o d om ín io d a s e sp osa s in d e p e n d e n te d os sa lá rios e q u a lifica çã o p rofission a l d os m a rid os, in clu in d o o tra b a -lh o n ã o q u a lifica d o.) Um h istoria d or n e g ro su g e riu q u e a lg u m a s m ã e s (a o q u e tu d o in d ica , ch e fe s d e fa m ília ) in ce n tiva va m su a s filh a s a se g u ire m ca r-re ira s d o m a g isté rio p a ra p rote g ê -la s d os h om e n s b ra n cos, u m a tra d içã o com p a rá ve l à d a s fa m ília s ca tólica s a o e n via re m os ra p a ze s p a ra se re m e d u -ca d os p e los p a d re s” .30

Se p or u m la d o La n d e s p a re ce te r sid o u m a d a s p rim e ira s u su á ria s d e su a s ca rta s e p a p é is, p or ou tro a u tiliza çã o d e sse s d ocu m e n tos forn e ce u a os se u s e scritos a u tob iog rá ficos — e m p a rticu la r o se u “ Fisk M a n u scrip t” — u m e stilo n a rra tivo q u e lh e g a ra n tiria cre d ib ilid a d e , a o m e n os a os olh os d e p ossíve is e d itore s. Prin cip a lm e n te e m m e a d os d os a n os 80, a s ve rsõe s in icia is d e sse s te xtos sã o re tra b a lh a d a s a p a rtir d o u so siste m á tico d e d a -d os ce n sitá rios, e -d u ca cion a is, m e m ória s -d e su lista s fe m in ista s, e stu -d os sob re os p e ríod os d o p ósG u e rra C ivil, d o p óse m a n cip a çã o e d e se g re g a çã o, b e m com o se u s im p a ctos n os a n os 50 com a d e fla g ra çã o d o m ovim e n -to p e los d ire i-tos civis. La n d e s in icia ria e n tã o u m a re le itu ra d e se u s e scri-tos n a q u a l a s jove n s e stu d a n te s d os cam p i u n ive rsitá rios n e g ros g a n h a va m p roe m in ê n cia . Essa tra n sform a çã o, e m b ora p ossa te r sid o oca sion a d a p e la con tín u a re cu sa d os e d itore s e m p u b lica r a s ve rsõe s m a is forte m e n te ce n tra d a s e m su a p róp ria e xp e riê n cia , re d ire cion a su a s p re ocu p a çõe s e a n -g ú stia s p a ra u m ou tro te rre n o. La n d e s tin h a con sciê n cia d e q u e m a is d o q u e su a s e xp e riê n cia s, e ra m o a m b ie n te e o cotid ia n o d o Jim Crow q u e fa -zia m d o se u te xto u m a n a rra tiva a tra e n te . La n d e s ch a m a a a te n çã o p a ra a riq u e za h istórica d os fa tos e ce n á rios n os q u a is vive u e d os q u a is foi te ste -m u n h a, -m a s con h e ce a s li-m ita çõe s d e u -m tra ta -m e n to p e rson aliz ad o.

Se n d o e u u m a p e rson a g e m b ra n ca vin d a d o n orte (e n tã o com 27 a n os m a s já te n d o tid o a lg u n s e n volvim e n tos com n e g ros n e sse cu rioso ca m p o d e con -ce n tra çã o a m e rica n o), a h istória é con ta d a d e u m p on to d e vista e xte rn o. A cla sse m é d ia n e g ra (socioe con om ica m e n te e cu ltu ra lm e n te , e m te rm os e d u -ca cion a is e d e re n d a , “ cla sse a lta ” ) é m u ito d iscre ta sob re si m e sm a […] e m e a rrisca r m e a p roxim a n d o d a im p re n sa n e g ra d a u n ive rsid a d e e d a re vis-ta Eb on y e svis-ta va fora d e q u e stã o.31

Referências

Documentos relacionados

Nesse sentido, entendo adequado o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de indenização pelos danos morais experimentados. Do desfazimento do contrato de “seguro de

• Na instalação do produto não forem observadas as especificações e recomen- dações do Manual do Consumidor quanto às condições para instalação do produto, tais

Contudo por razões que são desconhecidas o processo da morte celular induzido pela ablação androgénia não consegue eliminar todas as células malignas, e a progressão para

Palabras clave: fotografia - fontes documentais - história da educação. Nos arquivos públicos brasileiros, não é raro deparar-se com fotografias registrando o cotidiano escolar

Relatos de que as fêmeas da broca-do-café são atraídas por armadilhas iscadas com extratos de frutos de café e cafeína, além do M e E, que atuam como cairomônios na

Foram analisados os dados dos surtos de enfermidades transmitidas por alimentos, notificados no período de julho de 1993 a junho de 1997, na região Noroeste do Estado de São Paulo..

1. A utilização das instalações com actividades das quais possa advir lucro financeiro para o utilizador deverá ser expressamente mencionada no requerimento referido no

Conclusions: High ICP episodes and ventriculitis were common in patients following hemicraniectomy for malignant middle cerebral artery strokes.. Therefore, the implications of ICP