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O sampauleiro: romance de João Gumes.

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Academic year: 2021

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(1)Universidade Federal da Bahia Instituto de Letras Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística Rua Barão de Geremoabo, nº147 - CEP: 40170-290 - Campus Universitário Ondina Salvador-BA Tel.: (71) 263 - 6256 – Site: http://www.ppgll.ufba.br - E-mail: pgletba@ufba.br. O SAMPAULEIRO: ROMANCE DE JOÃO GUMES. por. MARIA DA CONCEIÇÃO SOUZA REIS Orientador: Profª. Drª. Célia Marques Telles. SALVADOR 2004.

(2) 2. Universidade Federal da Bahia Instituto de Letras Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística Rua Barão de Geremoabo, nº147 - CEP: 40170-290 - Campus Universitário Ondina Salvador-BA Tel.: (71) 263 - 6256 – Site: http://www.ppgll.ufba.br - E-mail: pgletba@ufba.br. O SAMPAULEIRO: ROMANCE DE JOÃO GUMES. por MARIA DA CONCEIÇÃO SOUZA REIS Orientador: Profª. Drª. Célia Marques Telles. Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em Letras e Lingüística do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Letras. Área de concentração: Teorias e Crítica da Literária e da Cultura.. SALVADOR.

(3) 3. 2004 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGÜÍSTICA. MARIA DA CONCEIÇAO SOUZA REIS. O SAMPAULEIRO: ROMANCE DE JOÃO GUMES Tese para obtenção do grau de Doutor em Letras. Salvador, 30 de março de 2004 Banca Examinadora ________________________________ Maria da Glória Bordini Doutora em Letras Universidade Pontifícia Católica do Rio Grande do Sul ________________________________ Sônia Maria Von Dijck Lima Doutora em Letras Universidade Federal da Paraíba ________________________________ João Santana Neto Doutor em Letras Universidade Católica de Salvador ________________________________ Albertina Ribeiro da Gama Doutora em Letras Universidade Federal da Bahia ________________________________ Célia Marques Teles.

(4) 4. Doutora em Letras Universidade Federal da Bahia.

(5) 5. A Miguel, responsável pela re-significância da vida.. AGRADECIMENTOS. A Deus, todo poderoso, pela minha existência.. À minha orientadora, Profa Dra Célia Marques Telles pela amizade, solicitude, competente orientação e pelo despertar em mim o interesse pelos estudos filológicos.. À Profa Dra Rita de Cássia Ribeiro Queiroz, pela amizade, companheirismo e pela tradução do resumo para a língua francesa.. À Profa Dra Albertina Ribeiro da Gama, pela amizade e primeiras orientações deste trabalho.. Ao Mestre Dr. Nilton Vasco da Gama, o nosso eterno mestre.. Aos meus alunos da UNEB–Caetité por me fazerem conhecer João Gumes.. À minha família pela compreensão, apoio e incentivo sempre e na execução deste trabalho.. A José, por tudo: o companheirismo, as reflexões, a firmeza nas horas mais difíceis, a compreensão nas constantes ausências....

(6) 6. Às amigas Rosa Borges Santos Carvalho e Ana Júlia Tavares, pela amizade e incentivos. À Profa Maria Belma, pela gentileza e confiança ao emprestar o primeiro volume do romance O Sampauleiro.. Aos colegas e amigos do Arquivo Municipal de Caetité pela constante troca de experiências..

(7) 7. RESUMO. Trata-se da apresentação e edição do romance O Sampauleiro do caetiteense João Antônio dos Santos Gumes. Apresentam-se o escritor e sua representatividade literária, situando-o no regionalismo nacional e no panorama dos romancistas da literatura baiana. Mostra-se a obra de João Gumes, revelando o seu estado de conservação, a riqueza de materiais e as possibilidades de análise que poderão ser desenvolvidas na perspectiva dos estudos filológicos. Determina-se o comportamento do pesquisador e editor e expõe-se a estrutura da edição crítica, bem como os critérios que foram adotados na edição da obra de João Gumes e o texto criticamente estabelecido do segundo volume do romance O Sampauleiro.. Palavras-chave: edição, literatura baiana, regionalismo, romance folhetim, resgate cultural..

(8) 8. RÉSUMÉ. Ce travail a pour le bet l’édition du roman “O Sampauleiro” du caetiteense João Antônio dos Santos Gumes. On présente l’écrivain et sa représentativité littéraire dans le régionalisme national et dans le panorama des romanciers de la littérature baianaise. L’oeuvre de João Gumes est montrée a travers de son état de conservation, de la richesse des matériels et des possibilités d’analyse qui pourrant être develloppées dans la perspective des études philologiques. On determine le conduite de l’investigateur et de l’éditeur, on expose la structure de l’édition critique au delà des critères adoptés dans l’édition de l’oeuvre de João Gomes et le texte critiquement établi du deuxième volume du roman “O Sampauleiro”.. MOTS–CLEF: édition, littérature baianaise, régionalisme, roman-feuilleton, rachat culturel..

(9) 9. SUMÁRIO. LISTA DE FIGURAS LISTA DE SIGLAS LISTA DE SINAIS UTILIZADOS RESUMO RÉSUMÉ. CONSIDERAÇÕES INICIAIS. 12. 1 JOÃO GUMES: VIDA E OBRA. 16. 1.1 O HOMEM E O ESCRITOR. 16. 1.2 UM REGIONALISTA NO PANORAMA NACIONAL. 23. 1.3 UM ROMANCISTA NO MEIO BAIANO. 26. 2 O RESGATE DA OBRA. 32. 2.1 A OBRA. 46. 2.2 SOBRE O CONTEÚDO DE ALGUNS TEXTOS. 53. 2.2.1 O Sampauleiro. 53. 2.2.2 Os Analphabetos. 53. 2.2.3 Pelo Sertão. 54. 2.2.4 Vida Campestre. 54. 2.2.5 Abolição. 55. 2.2.6 Seraphina. 56. 2.2.7 Mourama. 56. 2.2.8 Sorte Grande e A Vida Doméstica. 57.

(10) 10. 2.2.9 Outros trabalhos. 57. 2.2.9.1 A tradução. 57. 2.2.9.2 A partitura de música. 58. 3 A CONSTRUÇÃO DO TEXTO DE JOÃO GUMES. 59. 3.1 INTRODUÇÃO. 59. 3.2 PARA UMA EDIÇÃO CRITICA DE O SAMPAULEIRO. 63. 3.2.1 O Sampauleiro: do manuscrito ao texto definitivo. 69. 3.2.1.1 Descrição. 69. 3.2.1.2 Enredo. 71. 3.3 EDIÇÃO DOS TEXTOS: NOTAS FILOLÓGICAS. 76. 3.3.1 Estrutura da Edição. 76. 3.3.2 Metodologia. 76. 3.3.2.1 O texto de base. 80. 3.3.2.2 A ordenação dos textos. 80. 3.3.2.3 Os aparatos: variantes autorais e textuais. 81. 3.3.2. 4 As normas adotadas no estabelecimento dos textos. 81. 3.3.2.5 As siglas remissivas para as versões. 83. 3.3.2.6 Classificação estemática. 84. 3.3.3 O Sampauleiro: o texto crítico e o aparato de variantes autorais e da. 86. tradição impressa 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 599. 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 501. 5.1 OBRAS DO AUTOR. 501. 5.1.1 LIVROS. 501. 5.1.2 MANUSCRITOS. 501. 5.1.3 CRÔNICAS. 501. 5.2 SOBRE O AUTOR E SUA OBRA. 506. 5.3 SOBRE LITERATURA BAIANA. 507. 5.4 TEORIA E CRÍTICA LITERÁRIAS. 508.

(11) 11. 5.5 CRÍTICA TEXTUAL. 511. 5.5.1 ELEMENTOS DE CRÍTICA TEXTUAL. 511. 5.5.2 EDIÇÕES CRÍTICAS. 516. 5.5.3 ELEMENTOS DE CRÍTICA GENÉTICA. 519. 5.6 VOCABULÁRIO. 520. ANEXO. LISTA DE FIGURAS. Fig. 1: Foto de João Antônio dos Santos Gumes.. 15. Fig. 2: Foto do manuscrito do livro traduzido por João Gumes.. 38. Fig. 3: Penúltimo fólio do manuscrito do drama Abolição.. 39. Fig. 4: Recto do último fólio do manuscrito do drama Abolição.. 40. Fig. 5: Verso do último fólio do manuscrito do drama Abolição.. 40. Fig. 6: Folha de rosto do primeiro volume do romance O Sampauleiro.. 41. Fig. 7: Contracapa do romance O Sampauleiro.. 42. Fig. 8: Fólio do manuscrito do segundo volume do romance O Sampauleiro.. 43. Fig. 9: Foto das partituras da música “À memória do Dr. Joaquim Manuel Rodrigues Lima”.. 44. Fig. 10: Foto do manuscrito do romance Seraphina e do drama Abolição.. 44. Fig. 11: Foto da coleção do jornal A Penna correspondente ao ano de 1898.. 45. Fig. 12: Classificação estemática do segundo volume do romance O Sampauleiro.. 85. Fig. 13: Classificação estemática da edição crítica do romance O Sampauleiro.. 85.

(12) 12. LISTA DE SIGLAS. SP. O Sampauleiro, manuscrito.. SP1. O Sampauleiro, publicação textual de 1929.. SPF. O Sampauleiro, publicado no Jornal A Penna..

(13) 13. LISTA DE SINAIS UTILIZADOS. < >. segmento autógrafo riscado. (?). leitura duvidosa. †. palavra ilegível. []. acréscimo. < >/ /. substituição por sobreposição, na relação <substituído> /substituto/. < >[↑]. substituição por riscado e acréscimo na entrelinha superior. < >[↓]. substituição por riscado e acréscimo na entrelinha inferior. <>[]. substituição à frente. <†>[ ]. substituição de um segmento apagado, riscado ou ilegível. /. mudança de linha. //. mudança de fólio. ( ) itálico. intervenções do editor (acréscimo e informações em itálico).

(14) 14. CONSIDERAÇÕES INICIAIS. A necessidade de resgatar o patrimônio cultural de um povo não é uma preocupação da modernidade. Sua origem remonta aos gregos, aproximadamente entre os anos de 322 a 146 a.C., quando deram início à atividade de resgatar, de preservar e de divulgar o saber produzido pelos eruditos daquela época. Pode-se dizer que a Edição Crítica de Textos é uma das atividades mais antigas da filologia. Apropriando-se das palavras de Erich Auerbach1, é a atividade mais nobre, a mais clássica e a mais autêntica da filologia, que se ocupa da reconstrução do texto, com a finalidade de restabelecê-lo de acordo com a última vontade do autor. Segundo Heinrich Lausberg,2 a filologia tem de cumprir com os textos: “a tarefa tripla da crítica textual, interpretação de textos e a integração superior dos textos tanto na história literária como na fenomenologia literária.”. 1. Cf. Erich AUERBACH. Intodução aos estudos literários. Trad. de José Paulo Paes. 2 ed. São Paulo: Cultrix, 1972. p.11. 2 Cf. Heinrich LAUSBERG. Lingüística românica. Trad. de Marion Ehrhardt e Maria Luísa Schemann. 2 ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1981. p. 22..

(15) 15. Reunir e editar a obra de um escritor que tem uma produção literária significativa como João Gumes, mas que, infelizmente, se encontrava sob uma camada espessa de poeira e não recebera o valor que lhe era devido, é buscar integrá-la na história e na fenomenologia literária, cumprindo com um dos deveres que a filologia tem com para o patrimônio espiritual produzido por uma comunidade. Firmou-se, então, como propósito desta pesquisa, a reunião de todos os testemunhos e materiais paratextuais do segundo volume do romance O Sampauleiro, para fixar-lhes os textos críticos. O resgate da produção literária e jornalística de João Gumes fazia-se necessário em Caetité. O trabalho desenvolvido resgata a memória cultural local e garante a sua permanência. Conforme se expõe mais adiante, tomando-se a produção literária e jornalística de João Gumes como objeto de estudo e desenvolvendo abordagens à luz da Filologia, poderse-iam apresentar três produtos distintos, a saber: preparação de edições críticas ou críticogenéticas, estudo do vocabulário e esboço da história de vida do escritor a fim de caracterizar histórico-socialmente o período em que ele viveu, registrando-se a sua atuação como jornalista, fazendo-se o inventário de sua produção intelectual, inserindo-o no meio literário baiano de seu tempo, e, principalmente, avaliando os seus escritos mais relevantes. Tornar transparente a produção de Gumes, desvelar as primeiras incursões literárias dos escritores baianos e detectar a importância documental desta produção, enfim, contribuir para que as lacunas da historiografia literária baiana possam ser preenchidas, constituem os fins últimos deste trabalho. A escolha do segundo volume do romance O Sampauleiro para constituição do corpus de estudo que culminou na elaboração da presente tese de doutorado justifica-se por quatro motivos: primeiro, porque o segundo volume do romance O Sampauleiro apresenta.

(16) 16. três testemunhos: manuscrito autógrafo, edição em folhetim e testemunho em livro, situação textual ideal para a Ecdótica; segundo, porque é a principal obra responsável pela representatividade literária de João Gumes no panorama da literatura baiana e brasileira; terceiro, porque, conforme se pode depreender da leitura de algumas crônicas3 publicadas no jornal A Penna, a obra aborda o tema que foi objeto de uma das suas principais preocupações: o processo de migração instalado no Alto Sertão Baiano, que levou ao despovoamento da região e, conseqüentemente, ao seu empobrecimento; quarto, porque o romance é um testemunho vivo do pensamento de Gumes sobre questões políticos, sociais e culturais, e constitui memória cultural que deve ser disponibilizada à comunidade de modo geral. O presente trabalho está organizado em três capítulos, a saber: 1, João Gumes: vida e obra; 2, O resgate da obra; 3, A construção do texto de João Gumes. No primeiro capítulo, apresenta-se o escritor e sua representatividade literária, situando-o no regionalismo nacional e no panorama dos romancistas da literatura baiana. O segundo capítulo mostra a obra de João Gumes, revelando o seu estado de conservação, a riqueza de materiais e as possibilidades de análise que poderão ser desenvolvidas na perspectiva dos estudos filológicos. Em A construção do discurso de João Gumes, terceiro capítulo, determina-se o comportamento do pesquisador e editor; expõe-se a estrutura da edição crítica, bem como os critérios adotados na edição da obra de João Gumes e o texto criticamente estabelecido do segundo volume do romance O Sampauleiro. Por fim, no quarto capítulo, fazem-se as considerações finais.. 3. Não constitui pretensão nossa classificar quanto ao gênero os textos de Gumes publicados no A Penna. Usamos, no presente trabalho, a designação "crônica" para seus textos de caráter jornalístico, porque ele assim os designava..

(17) 17.

(18) 18. Fig. 1: Foto de João Antônio dos Santos Gumes.. 1 JOÃO GUMES: VIDA E OBRA. 1.1 O HOMEM E O ESCRITOR. João Antônio dos Santos Gumes, filho do professor João Antônio dos Santos Gumes e de Ana Luiza da Veiga Neves, nasceu em Caetité4 em 1858 e morreu em 1930. Aos vinte e seis anos de idade casou-se com sua prima Antônia Dulcina Pinto Gumes, com quem teve 16 filhos: Maria Sofia, Júlia Adelaide, Laura Luiza, Ana Rufu, Sadi Rútilo, Luís Antônio, Huol, Carmen, Heloísa, Cândida Stela, Dulce Áurea, Eponina Zita, Célia, Celina, João Kardec e Antonio. Em 1922 fica viúvo. Homem de poucos recursos financeiros, mas admirado e respeitado por todos, participou ativamente da vida pública e cultural de sua terra natal. Foi, entre outras coisas, escrivão da Coletoria Geral, tesoureiro e secretário da Intendência, secretário da Câmara. 4. A cidade natal de João Gumes fica localizada no sudoeste do Estado da Bahia, a 757km de Salvador. Hoje o seu prestígio cultural, político e econômico é menos relevante, mas, nos fins do século XIX e início do século XX, período em que viveu Gumes, era um dos principais centros difusores de cultura e importante pólo políticoeconômico do estado. Cidade berço cultural, destacava-se pelo alto nível de seus institutos educacionais de seus moradores. Forneceu vários governadores do Estado da Bahia, é local onde o educador Anísio Teixeira nasceu e desenvolveu suas idéias revolucionárias sobre Educação..

(19) 19. Municipal, advogado provisionado, professor, arquiteto, músico, tipógrafo, desenhista, dramaturgo, tradutor, escritor e jornalista. Como arquiteto idealizou e executou o projeto arquitetônico do Mercado Público e do Teatro Centenário, prédios hoje demolidos. Como músico, mesmo sem nunca ter estudado ou visto antes alguns instrumentos musicais, afinava-os e compôs diversas partituras que executava com maestria no violoncelo. Na pintura fez réplicas de obras clássicas. Todas foram destruídas, a única que sobreviveu é um retrato de Allan Kardec. Na arte dramática, além de ter. fundado uma sociedade dramática que fomentava o desenvolvimento das. representações cênicas na cidade, compôs dramas e comédias que foram e são até hoje encenados nas festividades religiosas e cívicas caetiteenses. Um apaixonado pela região sudoeste do estado da Bahia, desde muito jovem abraçou como uma de suas principais causas defender os direitos do homem nordestino, especialmente daqueles que habitavam o denominado Alto Sertão5. Um ser simples mas de alma elevada. Defendia veementemente a bandeira dos oprimidos homens do campo esquecidos e explorados pelos "engravatados da cidade grande", dos escravos maltratados, e combatia o analfabetismo reinante naquele período no nordeste brasileiro. Parece que escrevia com este propósito e deixava isto explícito, pois considerava seu romance Os analphabetos "uma propaganda em favor da alfabetização do nosso povo como meio seguro de melhorar a sua condição e torná-lo últil à prosperidade de sua terra."6 Assuntos estes abordados tanto na sua produção literária como na jornalística. 5. Define-se normalmente por Sertão baiano uma extensa região com particularidades nos seus aspectos físico, econômico, social e cultural. O Alto Sertão a que se refere este texto diz respeito às regiões da Chapada Diamantina e da Serra Geral, no século XIX. Erivaldo Fagundes Neves diz que: “Geralmente definem região de modo pouco preciso, física ou sócio-economicamente, como área que se pretende delimitar, (...); região do sertão, caracterizada pela morfologia da vegetação; região do Alto Sertão da Bahia, referenciada na posição relativa ao curso do rio São Francisco na Bahia e ao relevo baiano, que ali projeta as maiores altitudes”. Cf. NEVES, Erivaldo Fagundes. Uma comunidade sertaneja: da sesmaria ao minifúndio (um estudo de história regional e local). Salvador: EDUFBA / Feira de Santana:UEFS, 1998. p. 22. 6 Cf. João GUMES. Os analphabetos. Bahia: Escola Tipográfica Salesiana, 1928. 216 p..

(20) 20. Como ambicionava extinguir o analfabetismo em Caetité e em cidades vizinhas e acreditava que a melhor forma para alcançar este objetivo era o incentivo à leitura e à propagação de textos, não mediu esforços para fazer circular, em 25 de setembro de 1896, o primeiro periódico7 editado e impresso no sudoeste do estado da Bahia: O Caetiteense. Um ano depois implanta definitivamente a imprensa no Alto Sertão baiano, fazendo circular o jornal A Penna8. Segundo o próprio João Gumes, A Penna foi o principal órgão de imprensa daquela região e “um dos mais importantes fatores do progresso social.”9 O jornal fundado por Gumes também pode ser considerado patrimônio da memória da imprensa baiana, uma vez que toda publicação de relevo da região sudoeste do estado, naquele período, passou por sua oficina de artes gráficas, bem como a própria história da imprensa em Caetité confunde-se com a de sua tipografia. Gumes escreveu romances, comédias, dramas e crônicas. Publicou os romances: O Sampauleiro,10 Os Analphabetos,11 Pelo Sertão12 e Vida Campestre13. Deixou inéditas as seguintes obras: Seraphina,14 Abolição,15 Mourama16 e Sorte Grande17. A sua obra, além de possuir grande valor literário, é de fundamental importância histórica. O modo de pensar, viver e agir da época em que viveu o autor são registrados em seus textos, seja na pele do sertanejo que se desloca do nordeste para a região sul e sudeste do país em busca de melhores condições de vida, ou na figura do homem campestre, rude e analfabeto, que repudiava os livros e a leitura por. 7. O Caetiteense, primeiro jornal editado por Gumes, teve vida efêmera: edição única. Cf. O CAETITEENSE, Caetité, 25 set. 1896. 8 Mesmo com poucos recursos financeiros e sua quase total reclusão à região Sudoeste, Gumes viajou 757km no lombo de um burro para adquirir na capital do Estado da Bahia um prelo para montar sua tipografia que, em 05 de março de 1897, fez circular o jornal A Penna, publicação quinzenal que, apesar das várias interrupções por questões financeiras, sobreviveu até 1942. 9 Cf. João GUMES. Os analphabetos, citado à n. 3, p.7. 10 Cf. João GUMES. O sampauleiro: romance de costumes sertanejoos. Caetité: A Penna, 1929. 2v. 11 Cf. João GUMES. Os analphabetos, citado à n. 3, p.7. 12 Cf. João GUMES. Pelo sertão. Caetité: A Penna. 11 jul. 1913 – 27 mar. 1914. 13 Cf. João GUMES. Vida campestre. Caetité: A Penna. 6 set. 1917. A data aqui apresentada refere-se ao último capítulo publicado em folhetim no jornal A Penna. 14 Cf. João GUMES. Seraphina. Caetité, [s.d.]. 15 Cf. João GUMES. Abolição. Caetité, [s.d.]. 16 Cf. João GUMES. Mourama. Caetité, [s.d.]. 17 João GUMES. Sorte grande. Caetité, [s.d.]..

(21) 21. serem prejudiciais à alma humana e “não colocarem panela no fogo”, ou ainda na figura da escrava maltratada mas subserviente ao seu amo. Em seus textos de caráter literário parece haver a intenção de representar, registrar, documentar, perpetuar e divulgar tudo o que, segundo seu ponto de vista, é característico de seu povo, de sua região. Isso é explicitamente revelado no prefácio do romance Os Analphabetos, onde se lê:. Continuando o meu proposito de tornar conhecida esta região em tudo quanto concerne ao seu interesse e aproveitamento dos seus opulentos recursos, considerei que o melhor meio era escrever narrativas de factos verossimeis acompanhados de descrição do nosso territorio e costumes do povo sertanejo. É o que fiz na "Vida Campestre", no "O Sampauleiro", no "Pelo Sertão" e n'este livro. O fim collimado creio ser justo; mas não sei si alcancei. Convenço-me, e ninguem poderá contestar-me, que o romance, a novella, ou qualquer trabalho d'este genero, é o que melhor propaganda faz. 18. Como era muito exigente consigo mesmo, não atribuía valor literário aos seus romances. Considerava-os tãosomente o único meio possível de contribuir para o combate ao analfabetismo e para fazer sua região conhecida. No trecho a seguir podemos verificar qual era o seu ponto de vista a respeito de seus romances: Não se pense que este livro tenha merito litterario e que possa figurar entre tantos que lustram e enriquecem a litteratura brasileira, que põem em evidencia o crescente progresso das lettras no nosso paiz, quanto têm ellas se aprimorado e enriquecido n'estes ultimos tempos. É tão opulenta de alguns annos a esta parte a litteratura a que me refiro, que pode ser arguido de ousadia, mesmo temeridade dirigida, apresentar-se em publico com um trabalho mal burilado, sem expressão, de modo que não fique bem esclarecido o pensamento; sem os lavores de estylistica que attrahem, encantam e prendem o espirito do leitor. (...) ousei escrever neste gênero embora me falhe competencia para figurar entre os escriptores que têm produzido livros d'essa natureza, que attrahem a attenção do leitor instruindo-o de muitas cousas que lhe são desconhecidas.19. 18. Cf. João GUMES. Os analphabetos, citado à n. 3, p.8..

(22) 22. Como jornalista de A Penna, escreveu centenas de crônicas e foi redator de diversas colunas. Essas crônicas constituem um manancial inesgotável de informações que podem servir de fonte de pesquisa sobre os mais variados assuntos, como por exemplo: a) a seca e a emigração na região: Há cerca de um mez já reclamamos, e voltamos agora á carga porque, dia a dia, a nossa situação torna-se mais afflictiva.// Já não é a secca que nos incommoda o espirito; é a sahida de quasi todo o povo em abalada, como que impulsionado por uma fatalidade. O commercio paralysa-se, as situações agricolas são abandonadas. Não é agora somente o jornaleiro que. emigra: são familias inteiras, são povoações20.. b) questões da economia local e regional: Com muito interesse acompanhamos os movimentos de alta e baixa do café, pois é sabido que muito influe na situação economica e financeira de todo o paiz a valorisação da preciosa rubiacea. As ultimas noticias são alarmantes e dão o lugar a mil conjecturas sobre as causas da baixa d’esse genero de commercio.21 Não lemos a lei orçamentaria do Estado porque nem sempre vemos a folha official, e os jornaes da Capital, não sabemos porque, não lhe dão como deveram, a publicidade e diffusão que tanto nos interessam. Entretanto consta-nos que uma taxa, ultimamente creada incide sobre as engenhocas productoras do assucar e rapaduras entre nós.22. c) localização e descrição de recursos naturais dos povoados, vilas e cidades vizinhas, como no trecho da crônica Monte Alto, publicada em 12 de setembro de 1913: Quem transpõe a serra Geral, indo dos municipios de Umburanas ou Caeteté, em busca do valle do S. Francisco, avista largos trechos da região a que os naturaes do sertão denominam baixio. Da estrada de Caeteté a Bella Flor, porem, quer da ladeira “Isabel” quer da “Belem” melhor aprehende-se em synthese a forma e disposição d’aquelle vasto territorio. A paizagem é 19. Cf. João GUMES. Os analphabetos, citado à n. 3, p. 8. (Grifos nossos.) Cf. João GUMES. Despovoamento do sertão: o povo emigra á falta de trabalho. A Penna, Caetité, n. 33, p.1, 11 abr. 1913. 21 João GUMES. A baixa do café. A Penna, Caetité, n. 41, p. 1, 01 ago. 1913. 22 Cf. João GUMES. As engenhocas. A Penna, Caetité, n. 27, p.1, 17 jan. 1913. 20.

(23) 23. soberba e empolgante. Ao fundo, no ultimo plano, a serra do Monte Alto, esgalho do principal systema ortographico, encantadora, semelhando uma muralha a prumo, colorida de róseo e azul em extensos lanços perpendiculares, estriada por desfiladeiros e contrafortes, e recortando caprichosa e bellissimamente no azul de bobadas achatadas e cippos gigantescos. Essa admiravel construcção natural tem por assento o Baixio, que é um extenso talude, de declividade quasi imperceptivel á commum apreciação, levemente abaulado, orlado pelo sulco dos ribeirões que formam o rio das Rans, eriçado de morros, pequenas cadeias, collinas, extensos largados de formação primitiva e bacias onde se reunem as aguas meteóricas. O solo em geral é esbranquiçado, argiloso e impregnado de saes diversos, e a vegetação natural é de caatingas altas onde se encontram boas madeiras de lei e extensos prados onde vicejam optimas forragens. Nas encostas e proximidades dos morros a terra é carregada de oxido de ferro assim como nos contrafortes da serra: esse elemento chimico é um auxiliar valiosissimo para que ahi a vegetação seja a mais desenvolvida. Em geral o terreno é algodoeiro, mas é feracissimo para diversas culturas. As uvas, laranjas e muitos outros fructos de pomar dão-se alli perfeitamente bem, são dulcissimos e de surprehendente desenvolvimento. As aguas saturadas de saes inoffensivos, o ar quente e quasi permanente em uma boa temperatura e o constante varrer dos ventos alisios, tornam essa região saluberrima, propria á criação de toda a sorte de gados, que alli proliferam e se desenvolvem admiravelmente, e procurada como reconhecido Sanatorium que é para diversas enfermidades do homem.23. A riqueza de informações históricas sobre a região constantes tanto na sua produção literária como na não-literária é tão significativa que se torna praticamente impossível, ao pesquisador de várias áreas do saber, realizar qualquer estudo sobre o Alto Sertão Baiano sem tomar a obra de Gumes como uma das principais fontes de pesquisa. Um bom exemplo é a dissertação de mestrado desenvolvida por Estrela24, na área de geografia, intitulada Os sampauleiros do alto sertão da Bahia: cotidiano e representações, que teve, como uma das principais fontes, para a realização da investigação sobre as representações do cotidiano dos chamados sampauleiros, a obra publicada de Gumes. Um outro aspecto importante que ainda deve ser observado a respeito dos textos do autor é a sua riqueza vocabular. Uma leitura, mesmo que superficial, da sua produção 23. Cf. João GUMES. Monte Alto. A Penna, Caetité, n. 44, p.1, 12 set. 1913. A dissertação de Mestrado, intitulada Os sampauleiros: cotidiano e representações, defendida no Departamento de Geografia Humana da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo,. 24.

(24) 24. literária, revela-nos que os textos de temática regional, como O Sampauleiro, Os Analphabetos, Pelo Sertão, Vida Campestre e Sorte Grande, em que são documentados os hábitos e os costumes da região sudoeste do estado da Bahia, apresentam um vocabulário regional riquíssimo. Estes vocábulos são, na sua maioria, nomes de objetos, animais, utensílios, atividades, ações, qualidades e comportamentos e/ou atitudes. Arrancador, babugem, bitu, bruaca, bolsava, cabaz, cacôca, caramanche, caxerengue, croá, desabusado, deslindar, embasbocado, embuchar, grenha, jornaleiro, latagão, mazarrol, sopitado, sovelão e pandarana são apenas alguns exemplos de itens lexicais utilizados intencionalmente por Gumes para documentar e, ao mesmo tempo, revitalizar o seu uso. Isso porque, conforme se pode depreender da leitura de alguns de seus textos, acreditava que eram usados apenas na sua região e estavam entrando em desuso na língua corrente de seus contemporâneos. Todo esse manancial histórico, literário e lingüístico encontrava-se disperso e na eminência de desaparecer por completo. Fazia-se necessário reuni-lo, preservá-lo em caráter permanente e colocá-lo ao alcance de pesquisadores e da comunidade de modo geral. O resgate da memória cultural desse período da história de Caetité permite não só reconstruir a vida cultural local mas contribuir para a (re)escritura de um capítulo da historiografia literária baiana, inserindo o nome de um escritor com uma produção expressiva e significativa como a do caetiteense João Antônio dos Santos Gumes.. em agosto de 1999, sofreu algumas alterações e foi publicada em 2003. Cf. Ely Souza ESTRELA. Os Sampauleiros: cotidiano e representações. São Paulo: Humanitas FFCH/USP; Fapesp; Educ, 2003. 256 p..

(25) 25. 1.2 UM REGIONALISTA NO PANORAMA NACIONAL. Nas três primeiras décadas do século XIX, inicia-se no Brasil um movimento cultural em busca de uma literatura própria, de cor local, sem influências externas, exposta com recursos estilísticos autônomos. Os intelectuais desejavam alcançar a independência literária, contrapartida da liberdade política. Evidentemente que, no romantismo brasileiro, os nossos escritores exploraram alguns elementos nacionais, objetivando alcançar uma literatura livre das influências advindas de outras terras. Bem que tentaram, mas a exploração do indianismo esgotou-se rapidamente, decretando sua substituição pelo regionalismo. O indígena estaria, portanto, sendo substituído por um símbolo mais adequado, vaga ocupada pelo tipo regional: o sertanejo, o cangaceiro, o gaúcho, que protagonizava as obras de alguns nomes de nossa literatura, como, por exemplo, o Visconde de Taunay, Bernardo Guimarães, Franklin Távola, José de Alencar, entre outros. As conseqüências imediatas da exploração desses novos elementos regionais foram o maior acercamento à realidade e à valorização do cenário local. Este fato, por seu turno, tem um outro efeito que confere ao regionalismo importância superior às circunstâncias que regeram o seu nascimento. Proveio daí um maior interesse pelas questões da terra e seus ocupantes; e a glorificação do herói cedeu lugar às reflexões em torno à miséria econômica e alijamento do poder das camadas campesinas. É neste cenário cultural, marcado por uma ruptura estilística e temática, que João Antônio dos Santos Gumes se lança como um homem das letras baianas, escrevendo.

(26) 26. romances que denunciam e apresentam as riquezas naturais e humanas existentes em sua província. O caetiteense poderia geograficamente encontrar-se afastado dos grandes centros de efervescência dos ideais libertadores, mas espiritual e intelectualmente estava muito próximo. Gumes vivencia de perto essas transformações, deixando-se contaminar por todos os ideais "libertadores". É natural que isso acontecesse, pois, autodidata e curioso, ainda muito criança desvendou os mistérios do ler e do escrever, o que lhe permitiu ter acesso às idéias revolucionárias veiculadas nos livros, nos jornais e nas revistas circuladas nos grandes centros urbanos, mas que, com muitas dificuldades, tardiamente chegavam às pequenas cidades e aos vilarejos do Alto Sertão baiano. Talvez Marcolino, protagonista do seu romance Os Analphabetos25, tenha razão: "a leitura não põe fogo à panela mas traz perturbações à alma humana". As leituras mexeram com "as idéias" do jovem Gumes e o fizeram um abolicionista convicto, defensor das classes menos favorecidas de nossa sociedade, um revoltado com as diferentes formas de tratamento dispensadas a cada região do país, em que umas, as privilegiadas, Sul e Sudeste, recebiam todos os incentivos e as outras, o Nordeste pobre e seco, especialmente o Sertão, eram esquecidas. É natural também que a inclinação ao regional alimentasse o seu fazer literário. Os romances Os Analphabetos, O Sampauleiro, Vida Campestre e Pelo Sertão apresentam os aspectos singulares da "cor local". Nessas obras, situadas nos limites das Serras Gerais, ele trata das relações do homem com a seca e com a miséria. Denuncia as relações de favor e a política do coronelismo, prevalecendo o interesse pelo social e coletivo. O romance funciona, para Gumes, como um instrumento precioso de denúncia e de revelação de "tudo que for concernente à sua região"26. Dedica-se a um realismo documental, revelador tanto de 25 26. Cf. João GUMES, Os Analphabetos. p. 8, citado à n.5. Cf. João GUMES, Os Analphabetos. p. 7, citado à n.3..

(27) 27. indivíduos mal inseridos numa coletividade, como de estruturas familiares e de compadrio. E daí decorrem as demais peculiaridades de seus textos, como, por exemplo, o vocabulário empregado e os costumes apresentados, que se destacam por se diferenciarem, se contrapostos a um certo modelo convencionado como universal. Os críticos literários, tantos os que tratavam da produção de âmbito nacional como os de âmbito local, praticamente não fazem menção à prosa ficcional de João Gumes. Os raros comentários encontrados são fragmentados, mesmo porque os primeiros obstáculos para executar tal tarefa estavam em recuperar as obras das quais apenas se tinham notícias. MiguelPereira, ao tratar dos grupos de escritores brasileiros que participaram do chamado movimento regionalista, aponta Gumes como um dos baianos que escreveu romances dentro desse gênero:. No Norte, porque com Oliveira Paiva e Domingos Olímpio, no Ceará, e Lindolfo Rocha, na Bahia, empreendeu o romance, fez-se o regionalismo menos rígido, permeável a concepções mais gerais do homem, ganhando em humanidade o que perdia em pitoresco. A este grupo se poderá prender João Gumes, que, em O Sampauleiro, estuda a emigração dos baianos das lavras para as lavouras paulistas, embora seja o seu livro de menor valor do que os dos acima citados. E também Luís Araújo Filho cujas Recordações Gaúchas, menos novela que crônica romanceada, reconstituem com grande interesse os costumes locais. 27. Pedro Calmom, em História da literatura bahiana,28 ao tratar da prosa na Bahia, limita-se a incluir o nome de Gumes no rol dos que aqui, no início do século passado, produziram romances. A Enciclopédia de Literatura Brasileira29 cita João Gumes como teatrólogo e romancista, apontando o drama Abolição e as comédias A Intriga Doméstica e A Sorte. 27. Cf. Lúcia MIGUEL-PEREIRA. História da literatura brasileira: prosa de ficção - de 1870 a 1920. 3 ed. Rio de Janeiro: José Olympio/Brasília/INL, 1973. p. 184. (grifos nossos). 28 Cf. Pedro CALMON. História da literatura bahiana. Rio de Janeiro: José Olympio, 1949. p.218..

(28) 28. Grande como sendo sua produção literária. Interessante observar que se trata de textos inéditos e que suas obras éditas, O Sampauleiro e Os Analphabetos, não constam nessa lista. 1.3 UM ROMANCISTA NO MEIO BAIANO. É sabido que quase todos os grandes romancistas da literatura brasileira divulgaram as suas primeiras obras em capítulos publicados semanalmente em folhetim, que alguns jornais faziam circular, inicialmente, nas grandes cidades e, depois, nas pequenas e longínquas províncias. Isso se dava porque, naquele período da nossa história literária, praticamente inexistiam editoras interessadas em publicar livros e o índice de analfabetismo era desanimador. Somando-se a isso, as próprias limitações da tecnologia e a falta de público leitor contribuíram para que isso acontecesse. Esse estado de coisas não se restringia apenas aos limites das fronteiras brasileiras. Ocorreu também na França no último quartel do século XVIII. Hohlfeldt30, ao tratar da evolução do gênero, diz que, naquele país, toda a ficção da segunda metade do século XIX foi essencialmente difundida através do romance-folhetim. E diz ainda que a democratização educacional, mediante o acesso à leitura, e o significativo desenvolvimento tecnológico e o conseqüente barateamento dos produtos advindos das tipografias, refletiam sobre a produção jornalística e livresca. Ele aponta o nome de Émile de Girardin como iniciador desse tipo de expediente, quando, em 1836, idealizou La Presse, publicação que revolucionou o jornalismo, mediante a ampliação da publicidade e o aumento significativo da tiragem, o que levou ao barateamento dos custos. Essa nova tendência de publicar os romances em folhetim ultrapassa as fronteiras francesas e, com o passar dos anos, se generaliza por vários países da Europa e, felizmente, chega ao Brasil, em 1838, quando o Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, acompanhando as novidades literárias da época, divulga o romance-folhetim de Alexandre Dumas, Capitão Paulo. Hohlfeldt31 afirma que, no Brasil, a divulgação de romances em folhetim inicia-se com o Romantismo e se estende até o Naturalismo. Vejamos o que diz:. 29. Cf. Afrânio COUTINHO, J. Galante de SOUSA (Dir.). Enciclopédia de literatura brasileira. 2 ed., ver., amp., atual., il. São Paulo: Global; Fundação Nacional; Academia Brasileira de Letras, 2001. v.1. 30 Cf. Antonio HOHLFELDT. Deus escreve direito por linhas tortas: o romance-folhetim dos jornais de Porto Alegre entre 1850 a 1900. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. p.20. 31 Cf. id., ibid, p.20..

(29) 29. (...) os escritores surgidos na maré do Romantismo brasileiro utilizariam o mesmo princípio para a divulgação de suas obras, e a circulação dos romances, no Brasil, através dos jornais, permaneceria até meados do século XIX, fazendo com que não apenas os textos românticos quanto os autores das tendências que se seguiriam, especialmente o Realismo e o Naturalismo, adotassem o mesmo tipo de veiculação. Também os textos de peças teatrais consagradas chegaram a ser veiculados no espaço do folhetim.. Tânia Rebelo Costa Serra32 aponta 1839 como o ano em que chegaram aos jornais brasileiros o romance-folhetim e o romance em folhetim.33 Sua pesquisa sobre o tema, resultando na Antologia do romance-folhetim, tem esse ano como ponto de partida e o de 1870 como término. José Ramos Tinhorão34 diz que O romance-folhetim antecedeu O Filho do Pescador, o primeiro romance brasileiro, de Teixeira e Souza, de 1843. Desde os inícios da década de 30 do século XIX publicava-se novelas e romances em capítulos nos jornais brasileiros.. Hohlfeldt35 é categórico ao afirmar que o primeiro romance-folhetim de autor nacional, divulgado nas páginas do Jornal do Comércio, foi um texto anônimo, denominado A Ressurreição de Amor, subintitulado Crônica Rio-grandense, editado nos dias 23, 24 e 25 de fevereiro de 1839. Como acontecera além-mar, entre nós essa prática gradativamente foi generalizando-se em diversos jornais que circulavam em várias cidades, principalmente nos grandes centros. Os nossos periódicos se encarregavam tanto de publicar traduções de romances estrangeiros como de divulgar textos nacionais. 32. Cf. Tânia Rebelo Costa SERRA. Antologia do romance-folhetim: (1839 a 1870). Brasília: Universidade de Brasília, 1997. p. 20. 33 A autora estabelece diferenças entre o romance-folhetim e romance em folhetim. O primeiro é voltado para o grande público, que recorre ao romance em busca de diversão, e como, muitas vezes, era construido dia a dia até o total esgotamento da curiosidade do público, apresentava freqüentemente fallhas na unidade. O segundo, como existe uma preocupação com a organização interna em busca de uma unidade de estrutura para alcançar o valor estético, tem preocupações estruturais e temáticas que diferem das do romance-folhetim. Cf. Tânia Rebelo Costa SERRA. Antologia do romance-folhetim (1839 a 1870). Brasília: Universidade de Brasília, 1997. Para mais informações sobre o assunto Cf. Marlyse MEYER. Folhetim: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 34 Cf. José Ramos TINHORÃO. Os romances em folhetins no Brasil. São Paulo: Duas Cidades, 1994. P. 9 e 13. 35 Cf. Antonio HOHLFELDT, citado à n. 27..

(30) 30. Não podemos esquecer também que as primeiras manifestações literárias no Brasil foram em verso. Acreditamos não ser nenhum exagero afirmar que até o início do século XX o verso, em relação à prosa, gozou de mais prestígio entre os nossos escritores. As razões desta preferência devem-se à maior facilidade de sua divulgação. Como vimos anteriormente, era uma época em que inexistiam as editoras de livros, e um poema poderia se tornar público por meio da declamação ou aparecer num rodapé de jornal: os escritores privilegiavam o gênero, adaptando-o às modalidades disponíveis de comunicação. Além disso, a poesia se alimentou da contribuição oral, pela familiaridade com o cancioneiro popular, que estaria muito mais próximo do gosto cultivado da época, fato que levou muitos críticos do período a afirmar que o Brasil era a terra dos poetas. As cidades eram pequenas, como também eram reduzidos os instrumentos de difusão. A solução encontrada pelos intelectuais para resolver essa questão foi uma espécie de aliança sob a égide de um jornal literário. Fundaram-se vários periódicos, com a finalidade de abrigar os escritores. Pode-se afirmar que o primeiro fenômeno de industria cultural no Brasil foi a produção ficcional para a publicação na imprensa periódica brasileira no século XIX. Esses periódicos eram, para os intelectuais da época, o único meio de difundir seus romances, contos e novelas. Esse meio de divulgação dos textos em prosa terminou por levar os escritores a desenvolver uma técnica de narração adequada ao padrão folhetinesco, que era a de apresentar características de romance impressionantes e sensacionalistas. A descrição pormenorizada certamente provocava muito interesse nos leitores do folhetim do período, que era basicamente constituído de estudantes e senhoras da sociedade, conforme se lê no artigo do Visconde de Taunay36 sobre os consumidores de ficção no periódico.. 36. Cf. Visconde de TAUNAY. Reminiscências. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1908. p. 86-7. Mais informações sobre o assunto consultar: Sainte BEUVE. De la littérature industriale. Revue des Deux Mondes, Paris, p. 685, ler. sep. 1839..

(31) 31. Fato é que, apesar de o país ainda ser analfabeto, foi através do jornalismo que a literatura popularizou-se, multiplicando os leitores. Talvez a motivação desses leitores decorresse da evasão de problemas mais imediatos, sobretudo os de sua vida estreita. Quanto à situação do estado da Bahia em relação à publicação de romances em folhetim, Lizir Arcanjo Araújo Alves37 diz que desde os primeiros decênios do século XIX novelas e romances na Bahia não têm a mesma relevância encontrada nas demais regiões do país. Esta falta de prestígio do texto em prosa levou Carvalho Filho38 a se perguntar se teriam os baianos fracassado no romance. É claro que desde os primeiros anos do século XIX as novelas e os romances são produzidos. David Salles, ao tratar das primeiras manifestações da ficção na Bahia, diz que. ...existiram causas influentes conduzindo a argumentos de natureza sociológico-literária para explicar a conseqüência, ou seja, a quase ausência ou pobreza indigente da manifestação ficcional na Bahia do século passado. E arrumadas a modo de esquema, seriam: a) neoclassicismo baiano retardatário; b) prestígio literário e popular da retórica oratória, na tribuna e no púlpito; c) preferência e predomínio da manifestação poética, favorável à conquista rápida de notariedade social no meio provinciano; d) culto da erudição em decorrência da projeção da Faculdade de Medicina como núcleo 39 da vida cultural baiana; e) ausência de autores.. Pedro Calmon afirma que a Bahia teve um número expressivo de romancistas: Romancistas, é preciso dizer, os teve em bom número a província, alguns com desenganada vocação para o gênero, porém todos – antes de Xavier Marques e Afrânio Peixoto - estranhamente limitados à sua área de produção, quer pela modestia das tentativas, quer pelo desfavor ou incúria dos editores que as não encorajava. Numa relação de escritores de romances, contos e novelas têm de figurar Manuel Carijé, Sérgio Cardoso, Cirilo Eloi,. 37. Cf. Lizir Arcanjo ALVES. Poesia e vida literária na Bahia de 1890 a 1915. São Paulo, 1986. Dissertação de Mestrado, USP, 1986, p.199. 38 Cf. Aloysio de CARVALHO FILHO. A Bahia no romance brasileiro. Diário Official do Estado da Bahia,. Salvador, jul. 1923, p. 99-101. Edição especial do centenário da Independência. 39 Cf. David SALLES. Primeiras manifestações da ficção na Bahia. Salvador: UFBA, 1973. p.12 (Estudos Baianos, 7). (grifos nossos)..

(32) 32. Ana Ribeiro de Góis Bittencourt, Amélia Rodrigues, o sertanejo João Gumes. 40. O estado da Bahia apresenta uma produção de narrativas ficcionais expressiva, mas o que lhe faltava eram as editoras que estivessem interessadas em publicar a produção local. Certamente não será exagero afirmar que Gumes, mesmo sendo um homem simples e pacato, limitado pela longa distância que o separava dos grandes centros, e, praticamente, pela inexistência dos meios de comunicação de massa, esteve ao longo de sua vida “conectado” com o processo de desenvolvimento cultural, intelectual, sobretudo o que se refere à divulgação de conhecimentos através do texto escrito, que se processava nas grandes urbes brasileiras e, porque não, mundiais. Apesar de o romance-folhetim não ter sido tão bem acolhido pelos periódicos da Bahia como nas demais regiões do país, e da província onde vivia estar a uma distância de 757 quilômetros da capital baiana, esses fatos não impediram que Gumes se colocasse como sujeito agente de uma tendência iniciada na França e que estava se propagando no Brasil: divulgação de romances em folhetim. Ele não só divulgou como também escreveu seus romances seguindo, em linhas gerais, as mesmas características de seus contemporâneos. Suas principais preocupações eram contribuir para combater o analfabetismo que reinava no Brasil, mas principalmente nas províncias mais distantes dos grandes centros urbanos, porque, segundo Gumes, somente através do conhecimento adquirido nos livros as pessoas poderiam lutar e conquistar a libertação de todos os tipos de opressão e injustiça social. Desejava contribuir para o progresso social e cultural de sua região. E, como bom cidadão, é natural que desejasse compartilhar seu conhecimento com os demais. Talvez essas preocupações o tenham motivado, mesmo conhecendo suas limitações enquanto escritor, a criar um jornal e publicar capítulo a capítulo os seus romances, inscrevendo seu nome no rol daqueles pioneiros na produção e divulgação de textos desse gênero. As suas obras Pelo Sertão e Vida Campestre são os primeiros exemplos de romance folhetinesco na região sudoeste do estado da Bahia. O jornal de Gumes desempenhou um papel central não apenas em Caetité, mas em toda a província, pois contava com a participação de sócios de várias cidades do interior.. 40. Cf. Pedro CALMON. História da literatura bahiana. Rio de Janeiro: José Olympio, 1949. v.2, p.218. (Grifos. nossos.).

(33) 33. Facultou a constituição de um sistema complexo de intercâmbio de idéias e produções literárias, bem como a consolidação de uma cultura com características próprias. A iniciativa de Gumes, de criar o jornal A Penna e de escrever prosa para ser veiculada nesse periódico, provavelmente não foi a única nas províncias pertencentes ao nosso estado, principalmente aquelas mais prósperas e próximas da capital. Essa possibilidade leva a crer que algo no sentido de levantar e resgatar esta produção deva ser realizado com uma certa urgência.. 2 O RESGATE DA OBRA. O material de Gumes, tão rico em quantidade de informações e diverso em qualidade, estava prestes a desaparecer por completo. Poucos tinham conhecimento de sua existência. E os que o tinham, utilizavam-no da pior forma possível: ou era mero objeto de curiosidade, ou só servia para os estudantes do ensino médio cumprirem tarefas41 nas tradicionais gincanas escolares. Após tomar conhecimento da existência do jornal A Penna na cidade de Caetité, procuramos obter mais informações a respeito do autor, do local e/ou locais onde poderiam ser encontrados os exemplares do jornal, os manuscritos, os textos impressos, as partituras, os dados pessoais, enfim, tudo que fora produzido e que pertencesse ao escritor João Antônio dos Santos Gumes. O primeiro passo tomado no intuito de reunir a produção foi procurar os familiares de João Gumes que ainda residiam em Caetité. D. Heloísa Gumes, uma das filhas do escritor, em entrevista, revelou-nos que seu pai tinha o hábito de arquivar um exemplar de cada número do jornal A Penna e todos os manuscritos dos romances que havia produzido ao.

(34) 34. logo de sua vida. Entretanto, após a sua morte, os filhos, quando se casaram, levaram consigo caixas contendo documentos e livros, dispersando dessa forma a obra. No entanto, no porão da casa onde vivera o escritor, ainda existiam vários exemplares do jornal A Penna e alguns manuscritos referentes a sua produção literária. Ainda segundo D. Heloísa, parte destes documentos que sobraram no porão da sua casa e que estavam sob seus cuidados, tinha sido emprestada a alguns professores da faculdade42 para fazerem estudos. Os mesmos nunca haviam retornado para lhe devolver o referido material. Existia ainda uma parte no porão mas, infelizmente, ela não permitiria a mais ninguém vê-la ou pegá-la. Nada sairia daquele local. Explicamos a D. Heloísa o nosso interesse em criar o Acervo do escritor, a fim de colecionar, classificar, preservar e tornar acessível à pesquisa os escritos e os jornais de João Gumes. Informamo-la da importância de se reunir esse material que estava disperso e susceptível de ser destruído por completo, privando, assim, a comunidade científica e a sociedade de modo geral de a ele terem acesso ou, pelo menos, de saberem da sua existência. Muitas foram as tentativas de convencê-la a fazer-nos a doação. Informamo-la também da criação do Arquivo Público Municipal de Caetité pelos professores Maria de Fátima Pires e Paulo Henrique Duque e garantimos que o acervo de João Gumes ficaria em uma sala especial do Arquivo Público e, lá, ele seria organizado e protegido. Os documentos não poderiam ficar espalhados como estavam, mas deveriam estar em poder de uma instituição séria e responsável que se comprometesse a conservá-los e disponibilizá-los, de forma segura, ao alcance de todos.. 41. Muitos exemplares do jornal A Penna circulavam com uma certa freqüência entre os estudantes de Caetité nas tradicionais gincanas escolares. Normalmente, os exemplares emprestados nestas ocasiões não retornavam e, quando isso raramente acontecia, sempre estavam multilados: recortados, riscados, rasgados. 42 A faculdade a que nos referimos é a Universidade do Estado da Bahia, especialmente o atual Departamento de Ciências Humanas – Campus VI de Caetité..

(35) 35. D. Heloísa se mostrou muito preocupada em nos fazer a doação. Hesitava porque não mais confiava em ninguém. Temia que fizéssemos o mesmo que os outros professores haviam feito quando a procuraram anteriormente: desaparecer com os documentos. Levamola ao Arquivo Público para mostrar o estatuto do mesmo e o local onde os documentos seriam acomodados e acondicionados. Um mês após a visita ao Arquivo Público, ela resolveu nos procurar e fazer a doação, meio tímida, de alguns exemplares avulsos do jornal A Penna. De posse dessa primeira doação, procuramos um dos professores mencionados por D. Heloísa na entrevista. O professor, depois de negar que possuisse material pertencente a Gumes, revelou-nos que realmente tinha em suas mãos uma tradução feita pelo escritor de um livro do francês para o português e os exemplares do A Penna correspondentes ao período de 20 de maio de 1898 a 12 de maio de 1905. Acrescentou, porém, que, infelizmente, não poderia devolvê-los porque ainda não concluíra a pesquisa iniciada a uns seis anos atrás. Com muita insistência conseguimos ver esse material e fotografar a coleção do jornal que estava em seu poder (cf. figura 11). A devolução da coleção de A Penna foi impossível porque o professor pretendia concluir suas pesquisas sobre a história da Educação em Caetité e as crônicas de Gumes publicadas no jornal eram sua fonte principal. Os jornais estão em estágio avançado de decomposição: o papel desintegra-se com o simples toque dos dedos. Mas, felizmente, depois de uma série de investidas, a tradução retornou às mãos D. Heloísa para que ela pudesse nos fazer sua doação. Diante da atitude do professor, D. Heloísa resolveu nos doar os manuscritos que estavam em seu poder, de um exemplar do romance Os Analphabetos e do segundo volume do romance O Sampauleiro e da tradução de um livro descritivo do interior do Brasil escrito pelo francês Ferdinand Denis..

(36) 36. Outro passo tomado para concretização de nossa missão foi proceder a buscas nas bibliotecas mas, infelizmente, nada foi localizado. Apesar de por ora sermos obrigados a apresentar um primeiro produto, a tese de doutoramento, a recensio dos documentos pertencentes ao escritor caetiteense continua. A dificuldade consiste no fato de os parentes que possuem algo do escritor não mais se encontrarem na terra natal de Gumes. E de as pessoas negarem possuir material que havia pertencido ao escritor. Buscamos localizar nas bibliotecas particulares e públicas e nos arquivos públicos textos completos ou fragmentos de obras publicados em periódicos: revistas e jornais. Dessa busca, até o momento, só foi localizado um fragmento do romance Os Analphabetos, publicado em 14 de agosto de 1928, no jornal A Tarde. Tentamos localizar o Sr. Silvio Gumes, que atualmente reside em São Paulo, e o Sr. Marcelo Gumes, que mora na cidade de Vitória da Conquista, na expectativa de conseguirmos o restante da obra do escritor, em especial os manuscritos dos romances Pelo Sertão, Vida Campestre, Os Analphabetos e o primeiro volume de O Sampauleiro, que acreditamos estar no poder do Sr. Silvio Gumes. À medida que íamos recebendo esse material, procedíamos à higienização, à leitura superficial para uma primeira organização, à organização dos manuscritos em conjuntos, ao arquivamento dos manuscritos em pastas e à organização cronológica dos jornais. No momento do nosso encontro e início do envolvimento com a obra do autor, acreditávamos que a catalogação dos documentos seria o grande problema a ser resolvido quanto ao projeto que pretendíamos desenvolver. No entanto, ao darmos início às pesquisas, verificamos que a reunião da obra do escritor João Gumes para a constituição do Acervo seria uma tarefa muito árdua e difícil de ser executada. Ainda hoje parece-nos quase impossível.

(37) 37. reunir a sua produção intelectual e aquilo que o fez um intelectual: a sua biblioteca. Onde estão os livros que Gumes manuseou e leu? Não mediremos esforços para um dia, obviamente não muito distante, conseguir localizar a sua produção e o seu acervo bibliográfico. No desenvolvimento de nossa pesquisa, resgatar os textos de Gumes não foi o único problema com que nos deparamos. Outro tão grave, ou até mais, a depender do ponto de vista de que se encare o problema, é a impossibilidade de seu manuseio. O material recenseado também apresenta problemas sérios de conservação. A leitura de alguns exemplares do jornal A Penna, conforme atesta a figura 11, é impossível, devido às péssimas condições físicas do suporte. Muitos exemplares estão total ou parcialmente destruídos e os que aparentemente se encontram em boas condições de conservação não podem ser manuseados em decorrência do avançado estado de desidratação e do alto nível de acidez; o papel rompe-se ao simples leve toque da mão ao serem abertos. A situação é tão grave que quase não nos restam alternativas. Se abrirmos os jornais para fazermos microfilmagem, escaneá-los ou fotografá-los, corremos o risco de destruí-los por completo. Em contrapartida, se não os abrirmos, não teremos acesso nem a uma parte significativa da produção literária de João Gumes, que foi publicada em forma de folhetim no jornal A Penna como, por exemplo, os romances Pelo Sertão e Vida Campestre, nem às centenas de crônicas que fazem parte de sua produção como jornalista. Se escolhermos esta ou aquela opção estaremos, da mesma forma, cometendo um crime contra a preservação do patrimônio cultural baiano, uma vez que inviabilizaríamos, é claro que de formas distintas, a manutenção e a veiculação do saber produzido pelo intelectual caetiteense. Em relação a outros exemplares do jornal, a situação é um pouco diferente, mas não menos grave: foram recortados e apresentam partes faltantes, justamente nas colunas em que se encontrava um texto de Gumes. A título de ilustração, o exemplar de no 163, página 2, traz publicado um capítulo do romance O Sampaleiro..

(38) 38. Justamente nessa coluna, falta metade da página que corresponde à coluna onde iniciava o capítulo do romance. O estado de conservação dos impressos em forma de livro e dos manuscritos não é muito diferente da situação dos periódicos. Dos impressos, o romance Os Analphabetos é o que apresenta piores condições de conservação: papel está amarelado, nota-se a ação de insetos em quase todas as páginas, as margens superior e inferior apresentam rasgos e a parte superior das últimas 5 páginas foi totalmente destruída. O segundo volume do romance O Sampauleiro, quanto aos aspectos físicos do suporte, encontra-se em boas condições de conservação, mas, quanto à mancha escrita, a tinta de péssima qualidade esvaeceu e, em muitas páginas, o conteúdo do texto é praticamente ilegível. Os manuscritos apresentam, na sua grande maioria, um quadro melhor: o suporte revela ação do tempo, está amarelado, em estágio inicial de desidratação, com manchas de tinta, de água e de fungos; o descuido levou ao desaparecimento de fólios de alguns conjuntos. A título de exemplificação, o drama Abolição tem seus últimos fólios rasgados ao meio e a parte inferior, correspondente à 11a cena do último ato, desapareceu. A outra parte desse fólio foi localizada em meio a outros manuscritos. O manuscrito da tradução do livro escrito pelo francês Ferdinad Denis encontrase em ótimas condições de conservação (cf. figura 2), excetuando-se os primeiros fólios. Estes, devido ao fato do volume ser encadernado e à falta de cuidados em seu manuseio, foram colados à capa do livro manuscrito montado pelo próprio João Gumes, impossibilitando, portanto, identificar o título, nome do autor, editora e data de publicação do original em francês..

(39) 39.

(40) 40. Fig. 2: Foto do manuscrito do livro traduzido por João Gumes. Os primeiros fólios encontram-se colados à capa, impedindo a sua leitura. Observa-se o cuidado do autor ao costurar os cadernos de papel almaço e o seu estado de conservação..

(41) 41. Fig. 3: Penúltimo fólio do manuscrito do drama Abolição..

(42) 42. Fig. 4: Recto do último fólio do manuscrito do drama Abolição.. Fig. 5: Verso do último fólio do manuscrito do drama Abolição..

(43) 43. Fig. 6: Capa do segundo volume do romance O Sampauleiro..

(44) 44. Fig. 7: Contracapa do romance O Sampauleiro..

(45) 45. Fig. 8: Fólio do manuscrito do segundo volume do romance O Sampauleiro..

(46) 46. Fig. 9: Foto das partituras da música “À memória do Dr. Joaquim Manuel Rodrigues Lima”.. Fig. 10: Foto do manuscrito do romance Seraphina e do drama Abolição..

(47) 47. Fig. 11: Foto da coleção do jornal A Penna correspondente ao ano de 1898. Observa-se o estado de conservação e a impossibilidade de sua consulta..

(48) 48. 2.1 A OBRA. Visando a realizar uma das propostas apresentadas no item anterior, realizou-se o levantamento preliminar de todos os dados e testemunhos existentes sobre a obra de Gumes, para a conseqüente análise de sua tradição. Até o presente momento foram reunidos: a) dos éditos:. • O Sampauleiro: romance de costumes sertanejos Os dois volumes da publicação textual, sendo uma cópia xerox do primeiro volume, gentilmente cedido pela sobrinha do escritor Maria Belma Gumes, e um exemplar do primeiro; parte do manuscrito autógrafo correspondente aos últimos capítulos do segundo volume; e os capítulos do segundo volume publicados no jornal A Penna.. • Os Analphabetos. •. Do romance Os Analphabetos, publicado, em 1927, pela Escola Tipográfica Salesiana, temos um exemplar do impresso bastante danificado devido à ação de insetos e uma cópia xerox de outro exemplar em perfeito estado de conservação. Vida Campestre Do romance Vida Campestre localizaram-se o primeiro e o último capítulo que circularam em 25 de junho de 1914 e em 6 de setembro de 1917, respectivamente, e os folhetins correspondentes aos capítulos XXIV, XXV, XXVI e XXVII, dos quais, infelizmente, não foi possível identificar a data de publicação devido ao estado de conservação dos jornais, faltando justamente a parte superior das folhas, local onde se encontra a datação.. • Sorte Grande e A Vida Doméstica. •. Apesar de Gumes, em O Sampauleiro, ter feito referência aos textos Sorte Grande e A Vida Doméstica como sendo duas comédias, até o momento, nada de concreto pode ser localizado que comprovasse a existência das mesmas. Pelo Sertão.

(49) 49. Do romance Pelo Sertão localizou-se o primeiro capítulo e a conclusão que circularam em A Penna, em 4 de abril de 1913 e em 27 de março de 1914, respectivamente. b) dos inéditos:. • Mourama Do Mourama localizou-se o manuscrito autógrafo do qual fizemos uma leitura paleográfica.. • Abolição Do drama Abolição localizou-se o manuscrito autógrafo completo, com emendas autorais e uma cópia do prólogo feita pelo próprio autor. Uma vez que os textos apresentam um número expressivo de emendas autorais, dentre elas, supressões e acréscimos nas entrelinhas superior e inferior, procedeu-se uma leitura paleográfica da versão completa e do prólogo, utilizando uma bateria de sinais, para que as emendas ficassem manifestas ao leitor, principalmente o leitor especialista, que se deparará com um material revelador do processo de construção do texto de Gumes.43 Seraphina Do projeto de romance filosófico, segundo o próprio autor, localizou-se o manuscrito autógrafo dos capítulos que já tinham sido escritos quando da sua morte. c) da produção jornalística: As crônicas publicadas no jornal A Penna correspondem ao período de 19 de dezembro de 1911 a 01 de setembro de 1916, que somam um total de 99 textos e que já foram transcritas.44 Vale dizer que nem todos os exemplares do jornal desse período tiveram condições de manuseio, o que significa que a reunião da produção jornalística ainda não pôde ser concluída. As crônicas, que puderam ser lidas e transcritas, vão relacionadas a seguir: 43. A leitura paleográfica do drama Abolição não faz parte desta tese, porque, em trabalho deste gênero, necessário se faz realizar recortes possíveis de ser, efetivamente, concretizados dentro dos prazos legais..

(50) 50. TÍTULO. NOTA DE IMPRENTA. Programma. 19 dez. 1911, n. 1, p.1-2.. Êxodo. 09 jan. 1912, n . 2, p.1.. Ainda o Êxodo. 26 jan. 1912, n. 3, p. 1.. Micro-Chronica. 26 jan. 1912, n. 3, p. 2-3.. Educação. 09 fev. 1912, n. 4, p. 1.. 24 de fevereiro. 28 fev. 1912, n. 5, p. 1.. Rio Branco. 28 fev. 1912, n. 5, p. 2.. Rio Branco. 15 mar. 1912, n. 6, p.1-2.. Açudes. 29 mar. 1912, n. 7, p.1.. Max Leuret. 12 abr. 1912, n. 8, p.1-2.. Açudes. 26 abr. 1912, n. 9, p.1.. O Cobre. 10 maio 1912, n. 10, p.1.. A ferro-via. 24 maio 1912, n. 11, p. 1.. Theatro. 07 jun. 1912, n. 12, p. 1.. Theatro. 21 jun. 1912, n. 13, p. 1.. Theatro. 05 jul. 1912, n. 14, p. 1.. Theatro. 19 jul. 1912, n. 15, p.1.. TÍTULO. NOTA DE IMPRENTA. Theatro. 02 ago. 1912, n. 16, p.1.. Theatro. 23 ago. 1912, n. 17, p.1.. Theatro. 06 set. 1912, n. 18, p. 1.. Açudes. 20 set. 1912, n.19, p. 1.. A canna de assucar. 08 out. 1912, n. 20, p. 1.. Paiz ignoto. 18 out. 1912, n. 21, p.1.. Paiz ignoto [continuação]. 01 nov. 1912, n .22, p. 1.. A proposito de K. Martello. 15 nov. 1912, n. 23, p. 1.. 44. As noventa e nove crônicas recolhidas do A Penna não constituirão corpus do presente trabalho. Serão objeto de outra investigação que em breve concluiremos..

Referências

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