• Nenhum resultado encontrado

Eixo Temático – Aspectos do Direito - sala nº 42

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Eixo Temático – Aspectos do Direito - sala nº 42"

Copied!
95
0
0

Texto

(1)

XV ERIC – (ISSN 2526-4230)

(2)

XV ERIC – (ISSN 2526-4230) O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE DA PENA E SUA APLICAÇÃO AOS CRIMES

DE FALSIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO, ADULTERAÇÃO OU ALTERAÇÃO DE PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS

THE PENALTY PROPORTIONALITY PRINCIPLE AND THEIR APPLICATION TO THE FALSIFICATION, CORRUPTION, ADULTERATION OR MODIFICATION CRIMES OVER

THE TERAPHEUTICS OR MEDICINAL PRODUCTS

Autora: FERREIRA, Eliete Souza da Silva1

Orientador: LUKACHEWSKI JÚNIOR, Wanderlei2

RESUMO: Esta pesquisa analisa o princípio da proporcionalidade e sua aplicação

aos crimes dolosos tipificados no artigo 273 do Código Penal, bem como sua (in)constitucionalidade. Objetivou-se investigar a origem e os fatores que foram responsáveis pela evolução do princípio da proporcionalidade, o que se deu com o surgimento de princípios universais como o da dignidade humana, passando a pena a possuir função tríplice. Analisou-se a aplicação da pena aos crimes dolosos tipificados no artigo 273 do Código Penal, cuja pena de 10 a 15 anos é maior que outros delitos onde há o dolo específico de atentar contra a integridade física de outrem, emprego de violência, ou cujo objeto jurídico tutelado é a incolumidade pública, como nos casos dos crime de tráfico de entorpecentes, homicídio, estupro, dentre outros também elencados no rol de crimes hediondos. Após análises comparativas com outros tipos penais mais graves, bem como estudos doutrinários e decisões dos Tribunais Superiores, concluiu-se que a pena aplicada aos crimes dolosos do artigo 273 do Código Penal é inconstitucional por ferir os princípios da proporcionalidade, da dignidade humana e do Estado Democrático de Direito.

Palavra-chave: Princípio da Proporcionalidade. Pena. Dignidade Humana. ABSTRACT: This study analyzes the proportionality principle and their application to

the intentional crimes typified into the 273 Penal Code article, as well it seeks to analyze the (un)constitutionality of it. Another goal of this study is to investigate the responsible sources and factors for the proportionality principle evolution, that came to life after the appearance of the universal principles, as the human dignity, what gives to the penalty a triple-layered. It also seeks to analyze the punishment application of the intentional crime typified into the 273 Penal Code article seeing that the sanction of the crime, that punish with imprisonment from 10 to 15 years, its bigger than other crimes where’s the specifics malicious intent about attempt against

1 Acadêmica do 5º ano do Curso de Direito da Fundação Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de

Mandaguari- FAFIMAN. É membro da Comissão Própria de Avaliação – Fafiman.

2 Mestre em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário de Maringá - CESUMAR; Pós-graduação

lato sensu em direito, em nível de especialização em direito aplicado; Graduado pela Universidade Estadual de Maringá - UEM; Ex - Coordenador e atualmente é Professor do curso de Direito da FAFIMAN - Mandaguari; Advogado militante, atua nas áreas Cível, Penal e Trabalhista.

(3)

another one physics integrity, or violence acts, or those ones that the public safety is the juridic protected subject, as it happen about the drugs traffic crimes, murder, rape, among others that, as well, has been listed into the heinous crimes roll. After a comparative analyze to some others worse crimes, academic studies and Superior Court judgments, the conclusion about this theme is that the punishment applied to the malicious intentional crime established into the 273 Penal Code article is unconstitutional because it breaks the proportionality, human dignity and Democratic State principles.

Key Words: Proportionality Principle. Punishment. Human Dignity. INTRODUÇÃO

O princípio da proporcionalidade é indispensável à aplicação da justiça, sendo de suma importância na seara penal. Já no Código de Talião a proporcionalidade era aplicada aos criminosos, contudo esse conceito de proporcionalidade muda à medida que o homem evolui.

O homem como centro de todas as coisas, passa a tutelar a dignidade humana, vetando os excessos da atividade administrativa.

Nesse contexto fático social, o princípio da proporcionalidade passou por consideráveis mudanças ao longo dos séculos, chegando na atualidade insculpido dentro de princípios constitucionais, como do devido processo legal e da dignidade humana, preocupando-se em aplicar penas proporcionais à gravidade do delito e a individualização da pena.

O presente trabalho tem por objetivo analisar a (des)proporcionalidade das penas dos crimes dolosos do artigo 273 do Código Penal, bem como a sua (in)constitucionalidade.

Para comprovar tal hipótese, no primeiro capítulo do trabalho será apresentado um breve estudo da evolução histórica, iniciando com a origem, conceito e finalidade do princípio da proporcionalidade, bem como sua aplicação na seara penal.

No segundo capítulo será estudado o direito de punir do Estado, conceito de pena, suas teorias e funções no direito brasileiro, na busca pelo equilíbrio entre a penalidade e a conduta delituosa, à luz da Constituição Federal, entendimentos doutrinários e demais normativas vigentes.

Por fim, serão analisadas as penas dos crimes dolosos do artigo 273 do Código Penal e seus parágrafos, dentro de uma análise comparativa com outros

(4)

tipos penais, considerados pela doutrina mais graves, porém com penas mais brandas, aprofundando na questão constitucional que envolve o tema.

Para tal, será utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo, dentro de uma análise comparativa, uma vez que visa a construção de hipóteses, teses, à crítica, a discussão, enfim, a um confronto comparativo, para verificar quais são as hipóteses que persistem como válidas.

1 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E SUA APLICAÇÃO NA SEARA PENAL

Antes de adentrar ao estudo do princípio da proporcionalidade e sua função na esfera penal, faz-se mister fazer uma breve análise de sua origem. O princípio da proporcionalidade tem por escopo a busca do equilíbrio Aristóteles, há cerca de 350 anos a. C. já buscava o meio termo, dizendo que o mesmo é aplicável em todas as coisas, utilizando o referido princípio na busca da justa medida, o qual ora é usado como um limitador de excessos e ora utilizado no sentido da falta, na busca da justiça e do que é certo.3

Muito embora, hoje se tenha a ideia de proporcionalidade da pena na busca de uma justiça que atenda o trinômio retributiva x restaurativa x ressocialização, na Antiguidade não era assim. O que existia era apenas uma justiça retributiva, que visava pagar o mal causado com outro mal igualmente ao praticado. O famoso brocardo “olho por olho e dente por dente” do Código de Talião (1730 a. C.), um dos primeiros a trazer a proporcionalidade da pena ao delito praticado.4 Assim, para época o conceito de justiça e de proporcionalidade, girava em torno de uma retribuição ao mal praticado, pois se uma pessoa matou um membro de uma família, essa também poderia matar outro ente da família do assassino, muito embora, possa parecer estranho e absurdo, essa era a justa medida conhecida legalmente naquela época, tida como proporcionalidade.

3 FACHIN, Zulmar. Curso de direito constitucional. 7ª ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

p. 140.

4 CICCO, Cláudio de. GONZAGA, Álvaro Azevedo de. Teoria geral do estado e ciência política. 3ª

(5)

Com o passar dos tempos, começa a surgir na ordem jurídica princípios primando o homem e sua dignidade, aparecendo os direitos humanos, notando-se que estes meios de medida da pena, são arcaicos e não mais coadunam com o conceito de justiça, mudando também o conceito de proporcionalidade. O que se busca é a aplicação da pena de acordo com o crime cometido, todavia, respeitando a dignidade da pessoa humana, sendo banido os meios cruéis de penalização, preservando a proteção e as garantias individuais.

No sistema jurídico romano-germânico, civil law, o princípio da proporcionalidade era utilizado no Direito Administrativo, como limitador de excessos, com o objetivo de conter a arbitrariedade da função administrativa, limitando as atuações do Poder Executivo.5

Na Inglaterra, o princípio da proporcionalidade foi inserido na Magna Carta de 1215 na qual previa expressamente a proporção da multa com o delito, garantindo ainda os meios de subsistência do infrator.6 Muito embora, o princípio da proporcionalidade tenha se desenvolvido com o ordenamento jurídico inglês, por meio de normativas que tratavam da dignidade da pessoa humana, a Magna Carta, visava apenas a proteção de uma pequena parte da sociedade, não sendo voltada para todos, mas sim aos mercadores, entretanto, ainda assim, não se pode negar o início de princípios fundamentais fundados na primazia da proteção humana, dentre eles o da proporcionalidade.

Já no Século XVIII, Cesare Beccaria, na luta contra as penas cruéis, em especial a pena de morte e a tortura, afirma em sua obra que as penas devem ser apenas àquelas necessárias e indispensáveis para se manter a ordem e a segurança pública, sendo abuso de poder o que a exceder, motivo pelo qual são

5 MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 32ª ed. São Paulo: Malheiros Editores,

2015. p. 114.

6 Art. 25 da Carta Magna de 1215. Um possuidor de bens livres não poderá ser condenado a penas

pecuniárias por faltas leves, mas pelas graves, e, não obstante isso, a multa guardará proporção com o delito, sem que, em nenhum caso, o prive dos meios de subsistência. Esta disposição é aplicável, por completo, aos mercadores, aos quais se reservará alguma parte de seus bens para continuar seu comércio. Disponível em <http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/magna.htm>. Acesso em: 07 maio 2018. (grifou-se)

(6)

injustas.7 Ainda acerca do tema, o renomado escritor, ensina que: “Entre as penalidade, e no modo de aplicá-las proporcionalmente aos delitos, é necessário, portanto, escolher os meios que devem causar no espírito público a impressão mais eficaz e mais durável, e, igualmente, menos cruel no corpo do culpado.”8

O princípio da proporcionalidade surgiu no meio social, incialmente, objetivando pagar um mal com outro mal igualmente praticado. Com o desenvolvimento da civilização, e o maior entendimento sobre os aspectos da pena, a punição deixa de ser unicamente de retribuição do mal, passando a se preocupar com a reinserção social do infrator, visando uma justa medida, um verdadeiro proibidor de excessos, que prima pela dignidade da pessoa humana em prol da proteção e das garantias individuais e constitucionais, de modo que a pena deve ser proporcional ao delito praticado.

Foi com a doutrina Alemã que o princípio da proporcionalidade passou a ser conceituado na forma atual, desenvolvendo-o como um verdadeiro protetor da liberdade na busca pela justiça, determinando critérios do exercício do Poder de Polícia para a limitação da atividade administrativa, como proibidor de excessos.9

Em 1971 a Suprema Corte Alemã proferiu decisão de que os meios constitucionais da criminalização devem ser adequados à constituição, devendo ter a proibição de excessos e proibição da proteção deficiente, surgindo aí o tripé do controle de constitucionalidade das leis penais: a) controle de evidência (Evidenzkontrolle); b)controle de sustentabilidade ou justificabilidade (Vertretbarkeitskontrolle); c) controle material de intensidade (intensivierten inhaltlichen Kontrolle). Assim, a norma penal será adequada quando necessária e proporcional para proteger o bem jurídico tutelado, produzindo assim, o resultado almejado. Porém, se as medidas adotas extrapolam princípios constitucionais, o que 7 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2016. Reimpressão. Tradução Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 19-20

8 Ibid., p. 49

9 DOBRIANSKIJ. Virgínia Rosa Oliveira de. O princípio da proporcionalidade como critério de aplicação da pena. Dissertação. Área de concentração de direito penal. Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo. São Paulo – SP. Disponível em

<http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/Codigo Penal099257.pdf> Acesso em: 07 maio 2018.

(7)

pode ser analisado com base no princípio da proporcionalidade (proibidor de excesso e proteção deficiente), deverá ser extirpado do ordenamento jurídico por meio da declaração de inconstitucionalidade.10

Nesse diapasão, a dignidade humana está inserida em todos os ramos do direito, visto ser o homem o destinatário de todas as normas. É comum vermos o descumprimento deste princípio, que é um dos fundamentos da Constituição. Contraditoriamente, na seara penal, embora cada dia mais se dê importância a dignidade humana, é onde mais ocorre descumprimento ante à falta de estrutura estatal.

A necessidade de conceituação e aplicação do princípio da proporcionalidade das penas, em prol da dignidade humana e do estado democrático de direito, se torna cada dia mais importante, considerando as frequentes investidas de parte da sociedade que considera que o preso perde sua dignidade com a prática do crime. Ana Lúcia Sabadel, defende que a proporcionalidade da sanção deve corresponder à gravidade da infração, todavia, levanta questionamentos acerca da medida e como chegar a uma dosagem de pena justa e escorreita. Para a autora, a intensidade da sanção deve ser analisada sob prismas subjetivos tais como: natureza do ato, circunstâncias do fato, idade, antecedentes e contexto social do infrator, basicamente são algumas das condições dispostas no art. 59 do Código Penal como forma de analisar a primeira fase da dosimetria da pena, podendo a sanção ser ou não valorada de acordo com os valores sociais, da política de cada país e período, razão pela qual no direito penal moderno se tem que quanto maior a gravidade do delito maior será também sua pena.11

De Plácido e Silva, em sua obra dicionário jurídico, conceitua a proporcionalidade como a adequação que deve existir entre a ação e o resultado,

10 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus 102.087. Publicado em 14.08.2012.

Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=629960 >. Acesso em: 27 mar. 2019.

11 SABADEL, Lúcia Ana. Manual de sociologia jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. 6a ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

(8)

dentro dos valores sociais tutelados pela norma, ou seja, um juízo de ponderação e a busca de uma medida apta a atingir o objetivo escolhido.12

Guilherme de Souza Nucci, assevera que pelo princípio da proporcionalidade se entende que para os crimes mais graves devem ser cominadas penalidade mais rigorosas e aos menos graves penas mais brandas, devendo existir proporcionalidade entre a sanção penal e a gravidade do crime.13

Ana Flávia Messa, de encontro com os demais doutrinadores, também busca o equilíbrio entre a pena e o crime, atingindo a proporcionalidade. Afirma que cada infração penal deve ser penalizada com uma sanção que de fato cumpra sua função de reparação do mal praticado e a prevenção da infração penal, devendo haver uma análise da gravidade do delito e a culpabilidade do agente.14

Sob esse prisma, Fernando Capez, com propriedade, ensina que o princípio da proporcionalidade é derivado do princípio da dignidade da pessoa humana. Aduz que o referido princípio está insculpido em várias passagens da Constituição Federal, como por exemplo, a individualização da pena, maior rigor para casos de maior gravidade e moderação para infrações menos graves. Para o escritor há proteção estatal por meio do Direito Penal, que traz à sociedade segurança, limitando certos comportamentos sociais em prol da tutela de certos bens, existido uma verdadeira relação de custo benefício, devendo a tipificação penal ser mais vantajosa à coletividade quando sopesado ao ônus que ela traz. De acordo com este entendimento, mensurando a relação crime/sanção, se a balança apontar que a coletividade terá mais ônus e limitações do que benefício, estará ferindo o Estado Democrático de Direito, devendo a norma ser declarada inconstitucional e expurgada do ordenamento jurídico, não se admitindo penas idênticas para crimes

12 SILVA, Plácido de. Vocabulário Jurídico Conciso. Atualizadores Nagib Slaibi Filho e Priscila

Pereira Vasque Gomes. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense 2012. p. 486.

13 NUCCI, Guilherme Souza de. Dicionário jurídico; penal, processo penal e execução penal. São

Paulo: Revista dos Tribunais. 2013. p. 255.

14 MESSA, Flávia Ana. Para aprender direito: direito penal. 2a ed. São Paulo: Barros, Fischer &

(9)

distintos usando a proporcionalidade entre pena e o dano.15

Beccaria, ensina que:

O interesse geral não é apenas que se cometam poucos crimes, mas ainda que os crimes mais prejudiciais à sociedade sejam os menos comuns. Os meios de que se utiliza a legislação para impedir os crimes devem, portanto, ser mais fortes à proporção que o crime é mais contrário ao bem público e pode tornar-se mais frequente. Deve, portanto, haver uma proporção entre os crimes e as penas.16

Pode-se concluir assim, que o princípio da proporcionalidade é o responsável por trazer a harmonia e o equilíbrio entre o ato delituoso e a sanção imposta. É também, por meio deste princípio que a sociedade tem a segurança de tutela de seus bens jurídicos, visando a uma relação de valor que muito embora tenha o ônus, no resultado final a tutela estatal deve trazer mais vantagens do que desvantagens.

De outra análise, Rogério Grecco aduz que legislador deve buscar a proporcionalidade da pena com o delito, tarefa árdua devido à amplitude de infrações em nosso ordenamento jurídico. Como forma de ilustrar o que seria a proporcionalidade, o escritor traz à baila o típico exemplo arcaico do Código de Talião “olho por olho, dente por dente”. Entretanto, como bem lembrado, Grecco, a proporcionalidade utilizada pelo Código de Talião ofende o princípio da dignidade da pessoa humana, indo contra um dos fundamentos do Estado Social e Democrático de Direito, previsto expressamente na Constituição Federal de 1988, o que o remete à ideia da primeira dimensão (adequação) da pena ensinada por Estefam e Gonçalves. De encontro com a doutrina, Grecco, afirma ainda que o princípio da proporcionalidade da pena tem como condão proibir o excesso, evitando a punição desnecessária ou exacerbada, coibindo assim, a penalização de comportamento

15 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 16o ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.

35-36.

16 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2016. Reimpressão. Tradução Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret 2004. p. 68 – 69.

(10)

social irrelevante ao âmbito penal ou até mesmo comportamentos errôneos que foram excessivamente valorados pelo legislador, fazendo com que a norma positivasse pena desproporcional entre o ato ilícito e a pena aplicada, não podendo ir além ou aquém, mas suficiente para reprovação e prevenção do crime.17

Alberto Silva Franco preceitua:

O princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que pode alguém ser privado (gravidade da pena). Toda vez que, nessa relação, houver um desequilíbrio acentuado, estabelece -se, em consequência, uma inaceitável desproporção. O princípio da proporcionalidade rechaça, portanto, “o estabelecimento de cominações legais (proporcionalidade em abstrato) e a imposição de penas (proporcionalidade em concreto) que carecem de relação valorativa com o fato cometido considerado em seu significado global.18

O princípio da proporcionalidade no âmbito penal é o princípio pelo qual se busca uma análise comparativa entre o delito praticado e a pena positivada e aplicada (gravidade do fato e da pena), buscando sempre o equilíbrio do

ordenamento jurídico penal no que tange à sanção e suas funções, de modo que se a pena não atingir seu objetivo, é inútil e deve ser extirpada do ordenamento jurídico brasileiro, em prol do estado democrático de direito e da dignidade da pessoa humana.

Para que o princípio da proporcionalidade seja efetivo é composto de alguns elementos que se tornam indispensáveis na composição de justa medida. De acordo com Ingo Wolfgang Sarlet, o princípio da proporcionalidade é um dos pilares do Estado democrático de direito brasileiro, o qual atua de algumas formas, seja comissiva ou omissiva, dentre elas a proibição de excessos. Para o escritor, referido princípio se desdobra em três elementos: a) adequação ou conformidade, que busca o controle da viabilidade objetivando meios para alcançar ao fim almejado; b) meio restritivo menos gravoso para o direito objeto da restrição, dentro da análise da

17 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 18o ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2016. p.

126-127.

18 FRANCO, Alberto Silva. LIRA, Rafael. FELIX, Yuri. Crimes hediondos. 7ª ed. rev., atual. e ampl.

(11)

igualdade de adequação dos meios, procurando meios alternativos capazes de atingir igualmente ao fim destinado e o exame do meio menos restritivo, visando a afetar a menor quantidade de direitos fundamentais; c) proporcionalidade em sentido estrito, pelo qual se busca uma análise comparativa entre os meios utilizados e os fins culminados, também conhecida como justa medida, em prol da manutenção do equilíbrio. 19

Pedro Lenza, com propriedade tece comentários sobre o princípio em destaque. Aduz que o princípio da proporcionalidade é extremamente importante, principalmente para se manter o equilíbrio quando há conflitos de valores constitucionais, o qual é fundado sob um tripé de elementos: necessidade/exigibilidade, pelo qual só se restringirá direitos quando a medida for indispensável ao caso concreto e, impossível a substituição; adequação/pertinência ou idoneidade, o meio escolhido deve atingir o objetivo perquirido, ou seja, não basta apenas que existam normas, mas que elas alcancem seus objetivos; proporcionalidade em sentido estrito, que parte da premissa que a proporcionalidade é a medida adequada, deve-se investigar se o ato praticado supera a restrição a outros valores. É o que se tem por máxima efetividade e mínima restrição.20

No mesmo compasso, André Estefam e Victor Eduardo Rios Gonçalves, em uma das obras coordenadas por Pedro Lenza, com propriedade, enfatizam que a função do princípio da proporcionalidade é a de trazer um equilíbrio entre o “meio” e o “fim”. Aduzem ainda, que o referido princípio se subdivide em três dimensões:

adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Pela primeira,

entende-se que a medida adotada deve ser idônea, ou seja, dentro dos ditames legais os quais devem ir de encontro com a finalidade da norma dentro de um valor constitucional. Pela segunda, também conhecida como exigibilidade, é analisado se os meios de punição escolhidos pelo legislador são cabíveis e eficazes, desembocando na proibição de excessos e na vedação de proteção estatal

19 SARLET, Ingo Wolfgang. Dos direitos e garantias fundamentais: notas introdutórias ao sistema constitucional de direitos e deveres fundamentais. In: CANOTILHO, J.J. GOMES;

MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à

constituição do brasil. São Paulo: Saraiva: 2013. p. 203-204.

(12)

deficiente. Na terceira dimensão (proporcionalidade em sentido estrito) há uma comparação da pena com o crime praticado.21

O legislador antes de promulgar uma lei cuja a finalidade seja a manutenção do bom convívio social, penalizando aqueles que cometerem crimes, deve passar a pena por três peneiras: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido

estrito. Se após a triagem, a positivação da pena manter seu objetivo ao fim a que se

destina, estará apta a produzir efeitos no âmbito jurídico, caso contrário, deverá ser descartada em prol do Estado Democrático de Direito.

2 O DIREITO DE PUNIR E FUNÇÃO SOCIAL DA PENA

O Estado como detentor do jus puniendi, legisla sobre os tipos e sanções penais (por meio do legislador), aplica e executa a pena (por meio do judiciário), funcionando como limitador da liberdade individual em prol do interesse coletivo. Todavia, este direito de punir do Estado não é ilimitado, pois dever observar limites e princípios constitucionais, pois a pena que for além daquela necessária e indispensável para salvaguardar a ordem pública, caracterizará abuso de poder e injustiça.22

Para Rogério Greco, jus puniendi é o Direito Penal Subjetivo, por meio do qual surge ao Estado o direito de criar normativas e exigir o seu cumprimento, de modo que todo aquele que comete um fato típico, antijurídico e culpável, será processado e penalizado pelo Estado por meio do devido processo legal, e, após

21 ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado: parte geral. LENZA, Pedro (Coord.). 3a ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva: 2014. p. 143-145.

22 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2016. Reimpressão. Tradução Torrieri Guimarães.

(13)

esse caminho, caso condenado, abre-se ao Estado o direito de executar a decisão condenatória.23

Por outro lado, penas são mecanismos impostos pelo Estado à sociedade como meio preventivo e, se necessário, punitivo do crime. Em suma, aplica-se uma sanção como meio limitador da liberdade do agente, para que por meio da pena ele receba um mal pelo injusto praticado e não volte a delinquir, trazendo assim, uma resposta à sociedade e à vítima pelo sofrimento suportado.

Nesse sentido, Mirabete apud Sebastian Soler (escritor Argentino), aduz que “a pena é uma sanção aflitiva imposta pelo Estado, através da ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico e cujo fim é evitar novos delitos”.24

Victor Eduardo Rios Gonçalves ensina que: “Pena é a retribuição imposta pelo Estado em razão da prática de um ilícito penal, e consiste na privação de bens jurídicos determinados pela lei [...].25

Heleno Cláudio Fragoso leciona, “Pena é a perda de bens jurídicos imposta pelo órgão da justiça a quem comete crime. Trata-se da sanção característica do direito penal, em sua essência retributiva.”26

Damásio de Jesus, em sua obra Direito Penal Parte Geral, assevera que a pena tem certas características com o fito de se evitar novos delitos: retribuição (ideia de retribuir o delito praticado com outro mal) e prevenção (evitar novos delitos), a qual é geral e especial. Geral, porque o fim intimidativo da pena se destina a todos e tem por finalidade coibir a prática criminosa no meio social, já a prevenção

23 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 11ª ed. Niterói – Rio de Janeiro: Impetus

2009. p. 09.

24 MIRABETE, Julio Fabrini: Fabrini Renato N. Manual de direito penal: parte geral: arts. 1º a 120.

28ª ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas 2012. p. 232.

25 ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado: parte geral.

LENZA, Pedro (Coord.). 3a ed. rev.atual. São Paulo: Saraiva: 2014. p. 110.

26 FRAGOSO, Cláudio Heleno. Lições de direito penal. 15ª ed. ver. atual. FRAGOSO, Fernando. Rio

(14)

especial visa apenas o autor do delito, tem como finalidade afastá-lo do convívio social por um período para que se reabilite impedindo-o de cometer novos delitos. 27

Há que se ponderar, com máxima vénia, que muito embora, Damásio de Jesus mencione em sua obra os tipos de pena, as características colocadas merecem melhor análise. Isto porque, não se pode concordar de forma estrita com a ideia de pena por ele apresentada, visto que ao afirmar que a pena, com finalidade de prevenção especial, retira o agente do meio social, passa a ideia de que as penas privativas de liberdade seriam o único meio de pena com prevenção especial, o que não coaduna com nosso ordenamento jurídico pátrio, pois há várias espécies de penas tais como: restritivas de direitos, pecuniárias, privativas de liberdade, perdimento de bens e outras, as quais são definidas de acordo com a proporcionalidade do delito, sendo que todas elas assumem essa característica de prevenção especial e não, necessariamente, retiram o agente do meio social, encarcerando-o.

O direito de punir é concedido unicamente ao Estado. Sobre ele recai o poder do jus puniendi, o qual é exercido pelas funções legislativa e jurisdicional do juiz criminal, acompanhado pelo juízo da execução da pena. Criam-se normais penais, processa e executa sanções impostas ao agente que praticou o tipo penal. A pena, é instrumento e meio de se fazer valer a efetividade da norma incriminadora a qual deve sempre ter como função social retributiva, preventiva e pedagógica.

Em prol de sua função social as penas são meios de se garantir a ordem social, é imperativa e coercitiva, de modo que deve obedecer a princípios constitucionais e específicos do direito penal, tais como o da legalidade, anterioridade, individualização da pena, pessoalidade, vedação da pena de morte, cruéis ou de caráter perpétuo, proporcionalidade, dignidade humana entre outros, limitando -se assim abusos estatais e sociais, surgindo algumas teorias que visam a aplicação da pena de forma coerente e efetiva, para cumprir com as finalidades a que se destinam.

(15)

Rogério Grecco, ensina que há duas teorias da pena, são elas: teoria absoluta e relativa. A absoluta defende a tese da retribuição, enquanto, que a teoria relativa apregoa a prevenção, a qual se subdivide em prevenção geral – negativa e positiva - e prevenção especial - negativa e positiva. 28

Pela teoria da prevenção geral – negativa mencionada por Grecco, busca-se intimidar a sociedade, demonstrando aos cidadãos as consequências punitivas da infração penal, evitando assim que mais pessoas pratiquem delitos. Já a prevenção geral positiva, visa a consciência geral de preservar valores sociais, dentro dos aspectos da fidelidade ao direito, promovendo assim a integração social.29 Na

prevenção geral negativa há a presença da mão estatal sobre o agente infrator, demonstrando a coercibilidade e imperatividade do Estado, de modo que busca mitigar os índices da criminalidade pelo medo da sanção. É o Estado exercendo sua força sob seu povo. Enquanto que a prevenção geral positiva está envolta a questão não só do medo, mas também da educação da sociedade como um todo, pela qual busca-se inserir valores morais no meio social.

Assim, o indivíduo abstém-se da prática de conduta criminosa não pelo receio de receber uma pena, mas sim por valores que o impedem. É uma questão de consciência e de respeito ao outro dentro do convívio social, gerando uma sociedade mais justa e fraterna. Muito embora, entende-se que a conscientização e educação social é muito mais eficaz e importante do que a pena propriamente dita, desde os primórdios, o que produz efeito rápido é a prevenção geral negativa, de modo que sem a intimidação, coercibilidade e imperatividade estatal, não haverá paz, convívio e ordem social, pois o ser humano ainda não se encontra suficientemente apto, para respeitar os direitos e valores éticos e morais, baseado unicamente em sua consciência.

Por outro ladro, a prevenção especial – negativa, almeja neutralizar o infrator com a restrição da liberdade, por meio da pena privativa de liberdade, enquanto que 28 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 11ª ed. Niterói – Rio de Janeiro: Impetus

2009. p. 489 - 490.

(16)

a prevenção especial positiva, tem em sua essência a conscientização do apenado, na busca de sua ressocialização, evitando assim, que o infrator da norma penal pratique novos delitos.30

Nesse diapasão, Grecco, apud Claus Roxin, leciona que:

[...] a teoria da retribuição não encontra o sentido da pena na perspectiva de algum fim socialmente útil, senão em que mediante a imposição de um mal merecidamente se retribui, equilibra e espia a culpabilidade do autor pelo fato cometido. Se fala aqui de uma teoria ‘absoluta’ porque para ela o fim da pena é independente, ‘desvinculado’ de seu efeito social. A concepção da pena como retribuição compensatória realmente já é conhecida desde a antiguidade e permanece viva na consciência dos profanos com uma certa naturalidade: a pena deve ser justa e isso pressupõe que se corresponda em sua duração e intensidade com a gravidade do delito, que o compense.31

Nas palavras de Cleber Masson, a teoria absoluta e retributiva não se preocupa com a ressocialização do agente infrator da lei penal, mas, pune simplesmente como meio de castiga-lo pela prática do delito, sendo uma vingança do Estado contra o delinquente, cuja teoria ganhou destaque com os estudos de Georg Wilhelm Friedrich Hegel e de Immanuel Kant. Enquanto que para a teoria relativa – preventiva, o castigo é irrelevante, pois a pena não se esgota em si mesma, devendo agir para evitar novos crimes. 32

O que se extraí é que a teoria absoluta da retribuição está inserida intrinsicamente na sociedade, pois ela visa a apenas retribuir o injusto com outro mal. Por essa razão, a maioria das vítimas anseiam por penas proibidas no corpo constitucional, tais como: pena de morte, de caráter perpétuo, castração química, entre outras, sendo contra as penas restritivas de direito e preservação dos direitos

30 Idem.

31 Ibidem., p. 489.

32 MASSON, Cleber. Código penal comentado. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2014. p.

(17)

e garantias fundamentais, como por exemplo, o sistema de progressão e individualização da pena.

A parte final do artigo 59 do Código Penal, traz expressamente que a função da pena se destina à reprovação e prevenção do crime.33

Desta forma, o Código Penal Brasileiro adotou a teoria mista (retribuição mais prevenção), buscando a harmonia e o equilíbrio entre ambas teorias, primando pelos princípios da individualização da pena, pessoalidade e da proporcionalidade, tendo em vista, que o quantum penal é analisado de acordo com a necessidade do caso concreto, inclusive em consonância com a reprovabilidade da conduta.

Doutro giro, o artigo 10, caput, da lei 7.210/1.984 (Lei de Execuções Penais – LEP)34, traz que a execução da pena deve ser acompanhada pelo Estado, o qual

deve prestar toda a assistência necessária ao apenado, com o fito de prevenir o crime e ressocializar o condenado. A função ressocializadora se soma as duas anteriores analisadas (retribuição e prevenção), de forma que a pena é composta por retribuição, prevenção e ressocialização do agente.

Por força do artigo 32 do Código Penal as penas podem ser: privativas de liberdade, restritivas de direito e multa. A privativa de liberdade se subdivide em reclusão e detenção, conforme teor do caput do artigo 33 do mesmo códex. Cada espécie de pena possui a mesma função, ou seja, coibir a prática de novos delitos, ressocializando o apenado e ao mesmo tempo aplicando-lhe uma retribuição proporcional ao injusto provocado, devendo ser, sempre, respeitados os limites legais e principiológicos.35 Todavia, para a sociedade em geral quando o agente é

condenado à pena de multa ou restritivas de direitos, há uma falsa sensação de impunidade, visto que não houve a privação da liberdade do sujeito.

33 BRASIL. Código penal brasileiro. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 19 fev. 2019.

34 BRASIL. Lei 7.210/1.984: lei de execução penal. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm>. Acesso em: 20 fev. 2019.

35 BRASIL. Código penal brasileiro. Disponível em

(18)

Ocorre, que a pena privativa de liberdade é a última racio e só deve ser aplicada em casos mais graves, para fatos mais graves, devendo ser analisada ainda a conduta social, culpabilidade, reincidência, enfim todos os requisitos objetivos e subjetivos do regime prisional, em prol da garantia constitucional da liberdade do cidadão, o que se encaixa, perfeitamente, ao princípio da proporcionalidade da pena.

A pena não é um fim em si mesma, pois transpassa a retribuição. Busca-se o equilíbrio entre a prevenção, ressocialização e retribuição. Pode-se inferir que não basta que o agente seja retribuído pelo mal provocado, pois essa retribuição não tem o condão de prevenção e ressocialização, de modo que adotar a teria absoluta da pena em nada contribuirá para o futuro da sociedade, visto que o infrator poderá estar mais propenso a voltar a delinquir, enquanto que, com a teoria relativa, adotada pelo código penal, busca a ressocialização do infrator e a prevenção, de forma que novos crimes poderão ser evitados aumentando a segurança e o melhor convívio social.

3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E SUA APLICAÇÃO AOS CRIMES DOLOSOS TIPIFICADOS NO ARTIGO 273 DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

De início é de bom alvitre dizer, que o surgimento da norma se dá em decorrência dos anseios sociais, visando uma perspectiva de mitigação de danos futuros. Para Miguel Reale, a norma jurídica tem uma estrutura tridimensional: fato, valor e norma.36 Assim, a norma é decorrente de fatos sociais que possuem valor

para sociedade, de modo que visa a mitigação fatos com valores negativos.

A redação do tipo penal previsto no artigo 273 do Código Penal, na forma atual, foi introduzido no ordenamento jurídico pela Lei 9.677/1998 (Lei dos Remédios) e no rol de crimes hediondos pela Lei 9.695/1998, após grande escândalo de comercialização de contraceptivo oral de nome comercial Microvelar, 36 REALE, Miguel. Lições preliminares do direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 102-104.

(19)

pela empresa Schering do Brasil, sem o princípio ativo eficaz para evitar a concepção, o que fez com que várias mulheres engravidassem.37

Importante dizer, que a indústria farmacêutica, por vezes, visando apenas lucros esquece de sua real função, a cura ou pelo menos a chance dela através de seus produtos farmacológicos. Entende-se, que um dos fatores que corroborou com a criação da Lei dos Remédios, com penas altas para o mau ou errôneo manuseio de medicamentos, é justamente a inegável existência destes Lobs, que buscando lucros cada vez maiores por muitas vezes adulteravam, deixando de colocar o princípio ativo na dosagem suficiente ou até mesmo não colocando quaisquer fórmula de cura, o que gera valores negativos na sociedade em geral, pois tal pratica afeta diretamente a vida das pessoas, afirmando-se aqui a necessidade da penalização de tais condutas, contudo, dentro dos ditames constitucionais e de encontro com a proporcionalidade.

Conforme demonstrado no presente trabalho, o princípio da proporcionalidade na seara penal, visa a busca de uma pena justiça equilibrada ao delito praticado. A pena não se exaure em si mesmo. Tem a função tríplice de retribuição, prevenção e ressocialização, cuja teoria mista foi adotada pelo Código Penal Brasileiro, atingindo assim, o equilíbrio entre a pena e o crime, em prol de uma sociedade justa e humanitária.

O artigo 273 do Código Penal assim dispõe:

Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais:

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa. § 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado. § 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que Incluem-se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico. § 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições: I - sem registro, quando exigível, no órgão de

37BOTINO, Thiago. SCHILLER, Buarque Sampaio Ortigão Alexandre. Aspectos penais e regulatórios da venda de medicamentos sem registro. Disponível em: <

(20)

vigilância sanitária competente; II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior; III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização; IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade; V - de procedência ignorada; VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente.38 (grifou-se)

Nota-se, que o crime em estudo protege a incolumidade pública. Quando a norma é violada, a saúde dos indivíduos é atingida. Por essa razão, o dispositivo legal, visa à proteção da saúde coletiva, coibindo qualquer prática que de alguma forma modifique produtos farmacêuticos, terapêuticos, medicinais, cosméticos e saneantes, punindo qualquer indivíduo que corrobore, dolosamente, para quaisquer uma das práticas do caput, bem como do parágrafo primeiro e seus incisos, tendo a mesma pena, a venda, transporte, importação ou manutenção em depósito, de produto sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Conforme é possível extrair do tipo penal em tela a pena é de reclusão, com patamar mínimo legal de dez anos e o máximo de quinze anos, além da pena de multa.

É inegável a gravidade do delito em estudo, visto que atinge a saúde pública de forma geral, o que em tese justificaria a pena aplicada ao tipo penal. No entanto, há que se analisar a proporcionalidade da referida pena. Isso porque, na essência do atual ordenamento jurídico brasileiro crimes mais graves possuem penas mais elevadas, enquanto que crimes de menor gravidade possuem penas mais brandas, atingindo assim a função tríplice da pena, em prol da dignidade humana do indivíduo e do estado democrático de direito.

O delito do artigo 273 do Código Penal, em sua forma dolosa, está no rol de crimes hediondos do artigo 1º da Lei 8.072/1990, juntamente com outros crimes graves, como por exemplo, o estupro, estupro de vulnerável, epidemia com resultado morte, extorsão mediante sequestro e a forma qualificada, homicídio qualificado, homicídio qualificado em grupo de extermínio, latrocínio, lesão corporal

(21)

de natureza gravíssima, posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, entre outros.39

Ocorre, que no caso em análise há uma direta afronta ao princípio da proporcionalidade no que tange à pena determinada ao crime do artigo 273 do Código Penal quando comparada aos demais crimes hediondos. É o caso por exemplo do crime de estupro (caput, art. 213 do Código Penal), cuja pena tem o patamar mínimo de seis e o máximo de dez anos, enquanto que o estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal) tem a pena mínima de oito e máxima de quinze anos.

Outro crime que também tem patamares de pena menor do que aquele tipificado no art. 273 do Código Penal, é o crime de favorecimento da prostituição ou exploração sexual de menores de idade, inclusive o vulnerável, tipificado no artigo 218-B do Código Penal 40, cuja pena é de quatro a dez anos.

Por outro lado, o crime de extorsão mediante sequestro (art. 159, caput, do Código Penal) tem a pena de oito a quinze anos. Muito embora, todos os crimes citados sejam hediondos, e possuírem penas próximas, não se pode afirmar que está presente a proporcionalidade, haja vista que o delito de extorsão mediante sequestro exige a restrição da liberdade, o que de certa forma exige também emprego de violência ainda que meramente psicológica, demonstrando assim, que houve uma gravidade maior para justificar a pena.

No crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais, ou até mesmo o ato de comercializar/guardar consigo/distribuir os referidos produtos sem registro na Anvisa (art. 273, caput, § 1º, § 1º-A e § 1º -B do Código Penal), independentemente de 39 BRASIL. Lei 8.072/1.990: lei de crimes hediondos. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8072.htm>. Acesso em: 12 mar. 2019.

40 BRASIL. Código penal brasileiro. Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra

forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone. Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm >. Acesso em: 12 mar. 2019.

(22)

violência e sem qualquer restrição de liberdade, já caracteriza o crime, por força legal. Ou seja, no caso do delito do art. 273 do Código Penal, a pena mínima é maior do que a de extorsão, cujo crime tem emprego de violência e constrição de liberdade.

Sob os mesmos aspectos, o crime de lesão corporal de natureza gravíssima e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 2º e § 3º do Código Penal), possuem pena de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) e de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, respectivamente. Apesar de exigirem a violência, o dolo de atingir a integridade física de outrem e até a morte nesse último caso, ou seja, a penalidade está bem abaixo daquela aplicada ao crime do art. 273 do Código Penal que sequer exige o dolo de causar dano real a outrem.

Muito embora, reconhece-se aqui a gravidade do delito tipificado no artigo 273 do Código Penal, o qual inclusive pode vir a se desdobrar em resultado morte, diante da perda de uma chance de cura ao paciente que usou o medicamento adulterado, esse evento é futuro e incerto, que poderá ou não ocorrer, dependendo do núcleo do tipo praticado pelo agente.

A lei 11.343 em seu artigo 3341, elenca as condutas que são tipificadas como

tráfico de drogas, o qual é crime hediondo equiparado por força do art. 2º da Lei de Crimes Hediondos.

A pena do crime de tráfico varia entre cinco a quinze anos, ou seja, a pena mínima é muito aquém daquela determinada para o delito do artigo 273 do Código Penal, visto que sua pena mínima é de dez anos. Cumpre dizer, que ambos os crimes prejudicam diretamente a saúde pública, contudo há que se dizer que o tráfico de drogas estende seu dano a toda à sociedade de forma diretamente mais agressiva do que o crime do artigo 273 do Código Penal, pois além de prejudicar a saúde do dependente químico, afeta a sociedade em geral, desencadeando numa considerável falta de segurança, tendo em vista que os dependentes químicos, por vezes praticam outros ilícitos penais para conseguirem dinheiro para manutenção do 41 BRASIL. Lei 11.343: lei de Drogas. Disponível: <

(23)

vício. Assim, quando comparado ao crime de tráfico de drogas o crime de adulteração e falsificação (art. 273 do Código Penal) possui evidente discrepância na sua parte secundária (sanção penal), na medida que a ordem pública é afetada de forma muito mais grave no crime de tráfico.

Outro fator importante, é a análise do requisito subjetivos do delito. O artigo 18 do Código Penal assevera: “Diz-se o crime: Crime doloso I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; Crime culposo II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.”42

Vê-se aqui, que o crime pode ser doloso ou culposo, sendo que o crime culposo há considerável modificação na pena, em razão da menor gravidade do ato. Feita essa análise, os demais crimes hediondos previstos na Lei 8.072/1.999, são mais graves a sociedade, já que o agente está imbuído de ânimo específico de causar mal a outrem, seja na esfera física, psicológica ou sexual da vítima.

Ocorre que no crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273 do Código Penal) é de perigo abstrato, independe do real perigo ou resultado, não exigindo que o agente esteja imbuído do dolo específico de atingir a integridade física, psíquica ou diretamente a saúde de outrem, mas, normalmente visa a obter vantagem econômica com sua conduta.

Desta forma, revela-se de maneira clara que o tipo penal do artigo 273 do Código Penal tem pena bem além do que aqueles em que a pessoa tem o dolo direto de atingir diretamente a integridade física e psíquica do indivíduo, causando-lhe resultados graves como lesões corporais gravíssimas ou até mesmo a morte, mostrando sua desproporcionalidade quando comparado a outros crimes hediondos, fugindo do equilíbrio penal e mitigando a função social da pena.

42 BRASIL. Código penal brasileiro. Disponível em:

(24)

No Brasil com o advento da Constituição Cidadã de 1988, nota-se um imenso avanço no que tange à manutenção e valoração do homem como ser axiológico e racional, o qual é o centro do ordenamento jurídico, razão pela qual deve ter sua integridade física e psíquica garantida. Tanto é assim, que a Constituição Federal é fundada sob o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana previsto no artigo 1º, inciso III da Carta Política.43

Corroborando com o princípio da dignidade da pessoa humana o artigo 5º, inciso XLVII da Constituição Federal traz implicitamente o princípio da proporcionalidade, isso porque proíbe penas cruéis, desumanas, de morte, de trabalhos forçados etc.44, visto que tais penas são desproporcionais ao delito praticado e à função pedagógica da pena, não mais se amoldando à justiça moderna.

A violação do princípio da proporcionalidade da pena viola igualmente o princípio da dignidade da pessoa humana, visto que os princípios são os alicerces de todo o ordenamento jurídico, desrespeitá-los é ir contra todo o Estado Democrático de Direito.

Em nosso ordenamento jurídico o princípio da proporcionalidade, também é decorrente do artigo 5o, inc. LIV da Constituição Federal, no qual prevê o devido

processo legal. De modo que, todas as demais normativas vigentes devem respeitar o princípio em epígrafe, sob pena de incorrer em ação de inconstitucionalidade, razão pela qual nota-se que a ausência de proporcionalidade do artigo 273 do Código Penal, é um problema a ser solucionado dentro do ordenamento jurídico brasileiro.

Sob estes aspectos, se faz necessário a análise da (in)constitucionalidade dos crimes dolosos tipificados no artigo 273 do Código Penal. Isso porque, qualquer adulteração nos produtos terapêuticos, saneantes, farmacêuticos e cosméticos já configura crime hediondo, pouco importando se a alteração é para melhorar ou piorar o produto. O tipo penal da forma em que está não busca avaliar se o produto 43 BRASIL. Constituição federal. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 maio 2018.

(25)

se tornou nocivo ou não à saúde pública, igualando insumos farmacêuticos, cosméticos e saneantes. Ocorre, que igualar tais produtos é deveras estranho, visto que são coisas completamente distintas, dando o mesmo tratamento a coisas diversas com gravidades diferentes. Ora, como é possível penalizar o agente que modificou uma água sanitária da mesma forma do que aquele que adulterou um antibiótico?45

Concluindo seu raciocínio Alberto Franco Silva afirma que:

O princípio da proporcionalidade, em sentido estrito, obriga a ponderar a gravidade da conduta, o objeto da tutela e a consequência jurídica. Trata-se, para empregar expressões próprias da análise econômica do Direito, de não aplicar um preço excessivo para obter um benefício inferior: se trata de obter o máximo de liberdade, não poderão ser cominadas penas que resultem desproporcionadas com a gravidade da conduta.46 (Grifou-se)

Assim, é incontroverso que o princípio da proporcionalidade, presente na Constituição Federal, deve ser observado, de modo que a constitucionalidade de uma lei deve ser analisada á luz do referido princípio.

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência defendem a inconstitucionalidade do artigo 273 do Código Penal L, por ferir diretamente o princípio constitucional da proporcionalidade. Acerca da inconstitucionalidade do artigo 273 do Código Penal, Guilherme de Souza Nucci assevera:

Não há lesão ao princípio da intervenção mínima (e seu corolário: princípio da ofensividade) a simples tipificação feita no art. 273 e seus parágrafos. Porém, integra a intervenção estatal, no âmbito penal, a previsão de penas para os mais diversos delitos. Se houver exagero punitivo, fere-se o princípio da proporcionalidade e, por via de consequência, o próprio sentido do princípio da ofensividade. Desintegra-se, em última análise, a dignidade da pessoa humana, conturbando-se o princípio da humanidade. Afinal, constitui crueldade aplicar sanção penal desproporcional a qualquer ser humano. É inviável acolher como razoável a pena mínima de dez anos de reclusão, em regime inicial fechado, considerado crime hediondo, para a condutas de perigo, quando nem mesmo potencial concreto de dano exige. Vender um remédio sem registro no órgão de vigilância sanitária não tem, minimamente, o padrão necessário para se comparar a graves delitos de dano, como, por exemplo, o homicídio. 45 FRANCO, Alberto Silva. LIRA, Rafael. FELIX, Yuri. Crimes hediondos. 7ª ed. rev., atual. e ampl.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 544 - 545.

(26)

No entanto, a pena mínima de homicídio simples é de seis anos de reclusão, enquanto a mínima do crime contra a saúde pública atinge dez anos de reclusão. Nesse prisma, a inconstitucionalidade, por afronta direta ao princípio da proporcionalidade, bem como, indiretamente, à intervenção mínima, é patente.47

O tipo legal em estudo é bastante criticado pela doutrina e pela jurisprudência, sendo objeto de polêmicas no mundo jurídico. Até a promulgação da Lei do Remédios em 1998, o Código Penal tutelava as substâncias alimentícias e medicinais nos artigos 272 e 273 do Código Penal. O primeiro previa o crime de corrupção, adulteração e falsificação destas substâncias, tornando-as nocivas à saúde, enquanto que o segundo tutelava a alteração e a modificação destas mesmas substâncias, independentemente, de sua nocividade.

A polêmica maior se deu em torno dos parágrafos do artigo 273 do Código Penal, introduzidos pela Lei dos Remédios, que equiparou os crimes de posse, venda ou distribuição de medicamentos, saneantes cosméticos, sem registro na ANVISA, quando a lei assim exigir, ao mesmo crime do caput (falsificar, adulterar, corromper etc.), aplicando a mesma pena, além de também serem incluídos no rol de crimes hediondos. Contudo, as severas críticas em torno da desproporcionalidade e inconstitucionalidade do caput também não foram esquecidas, haja vista que para muitos doutrinadores, não há equilíbrio entre a pena do artigo 273, caput, e a pena prevista para o crime de tráfico de drogas.

Miguel Reale Júnior, explica que “[...] sanciona, com penas mais graves

do que a do homicídio doloso, a venda de remédio, saneante ou cosmético sem registro, independentemente de ter havido qualquer efeito negativo ou perigo à saúde pública.” (grifou-se) 48

Com as reiteradas polêmicas alguns Tribunais Regionais passaram a aplicar a pena do artigo 33, caput da Lei 11.343/2006, para os crimes de importação de medicamentos sem registro (1º-B, I, do art. 273, do Código Penal), ação essa que 47 NUCCI. Guilherme Souza de. Manual de direito penal: parte geral: parte especial. 7ª ed. rev.,

atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 944.

48 REALE JUNIOR, Miguel. A inconstitucionalidade da lei dos remédios. São Paulo: Revista dos

(27)

levou o nome de ajuste principiológico, utilizando -se o princípio da analogia in bona

partem. Enquanto que outros, em prol da legalidade estrita e da separação dos

poderes, entenderam pela constitucionalidade do dispositivo legal, gerando ausência de uniformização da norma, e considerável insegurança jurídica. O Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região declarou a inconstitucionalidade do tipo penal e aplicou a pena da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas) num caso de importação de medicamento sem registro na Anvisa.49 Fundamentou que a análise deve ser feita

de acordo com o caso concreto, a depender da quantidade e destinação, pode, para esse tribunal, ser aplicada a pena de tráfico de drogas, desclassificação do crime para o de contrabando (art. 334-A do Código Penal) ou ainda a aplicação do princípio da insignificância.

Por outro lado, o Tribunal Regional Federal 3ª, decidiu pela constitucionalidade. Assim, diante de tantas divergências acerca do dispositivo legal, o tema chegou à Suprema Corte, que em sede de julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 979962, reconheceu a repercussão geral do tema em 04.08.2018,50 ainda pendente de julgamento.

O mesmo tipo, pode ter penas diferentes a depender do local em que foi praticado, como por exemplo, aqueles que estão abarcados pela região do Tribunal Regional Federal 3ª, será aplicada a pena de dez a quinze anos, enquanto que na região do Tribunal Regional Federal 4ª, a mesma conduta poderá ter penalidades diferentes de acordo com o caso concreto. As decisões contraditórias, geram insegurança jurídica e conflitos sociais, devendo o Estado rapidamente agir, para eliminar o antagonismo existente entre os tribunais.

49 BRASIL. Tribunal Regional Federal 4ª. Recurso Extraordinário em Acr Nº 2006.70.02.005860-7/Pr. Disponível em:

<https://www2.trf4.jus.br/trf4/processos/visualizar_documento_gedpro.php?local=trf4&documento=32 18871&hash=e1840d52404aee8bc46a16af8bd62961>. Acesso em: 27 mar. 2019.

50 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Repercussão geral no recurso extraordinário 979.962.

Publicado em 04.04.2018. Disponível em:

<http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=314953747&ext=.pdf>. Acesso em: 27 mar. 2019.

(28)

Vale a pena destacar aqui, que no que tange ao crime do artigo 273, caput, o Supremo Tribunal Federal, ainda não se manifestou de forma objetiva, salvo o reconhecimento da repercussão geral, existindo apenas alguns precedentes, resultantes de análise superficial pela constitucionalidade do dispositivo, entendendo não estar presente ofensa aos princípios da ofensividade, proporcionalidade e razoabilidade.

Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela inconstitucionalidade do dispositivo legal, senão vejamos:

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEITO SECUNDÁRIO DO ART. 273, § 1º-B, V, DO CODIGO PENAL. CRIME DE TER EM DEPÓSITO, PARA VENDA, PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS DE PROCEDÊNCIA IGNORADA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.

1. A intervenção estatal por meio do Direito Penal deve ser sempre guiada pelo princípio da proporcionalidade, incumbindo também ao legislador o dever de observar esse princípio como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente.

2. É viável a fiscalização judicial da constitucionalidade dessa atividade legislativa, examinando, como diz o Ministro Gilmar Mendes, se o legislador considerou suficientemente os fatos e prognoses e se utilizou de sua margem de ação de forma adequada para a proteção suficiente dos bens jurídicos fundamentais.

3. Em atenção ao princípio constitucional da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos (CF, art. 5º, LIV), é imprescindível a atuação do Judiciário para corrigir o exagero e ajustar a pena cominada à conduta inscrita no art. 273, § 1º-B, do Código Penal. 4. O crime de ter em depósito, para venda, produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais de procedência ignorada é de perigo abstrato e independe da prova da ocorrência de efetivo risco para quem quer que seja. E a indispensabilidade do dano concreto à saúde do pretenso usuário do produto evidencia ainda mais a falta de harmonia entre o delito e a pena abstratamente cominada (de 10 a 15 anos de reclusão) se comparado, por exemplo, com o crime de tráfico ilícito de drogas - notoriamente mais grave e cujo bem jurídico também é a saúde pública.

5. A ausência de relevância penal da conduta, a desproporção da pena em ponderação com o dano ou perigo de dano à saúde pública decorrente da ação e a inexistência de consequência calamitosa do agir convergem para que se conclua pela falta de razoabilidade da pena prevista na lei. A restrição da liberdade individual não pode ser excessiva, mas compatível e proporcional à ofensa causada pelo comportamento humano criminoso. [...]

6. Arguição acolhida para declarar inconstitucional o preceito secundário da norma.

(29)

(AI no HC 239.363/PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, CORTE ESPECIAL, julgado em 26/02/2015, DJe 10/04/2015)51

Nos debates de votação da Arguição de Inconstitucionalidade, os Ministros em seus votos, citando Guilherme de Souza Nucci e Celso Delmanto, como fundamento, justificaram a inconstitucionalidade da norma, afirmando que o aumento da pena trazido pela Lei 9.677/98 foi absurda e exagerada, o que vai na contramão de todo o ordenamento jurídico, dando aso à sustentabilidade da afirmação de inconstitucionalidade do dispositivo por ser desproporcional e desarrazoável. É uma verdadeira afronta ao princípio da proporcionalidade, razoabilidade e da garantia do devido processo legal.52

A divergência na aplicação da pena ou até mesmo sua inconstitucionalidade, leva os operadores do direito e a sociedade em geral a uma verdadeira confusão e insegurança jurídica, visto que nem os Tribunais Superiores não possuem consenso sobre o tema. Contudo, após todo o contexto apresentado no presente trabalho, pode - se afirmar que o dispositivo em estudo (art. 273 do Código Penal) é inconstitucional. Evidentemente que o presente estudo, não defende a descriminalização das condutas do tipo legal, mas sim a revisão da pena pelo legislador, com o fito de dar ao tipo penal um reajuste condizente e proporcional entre a conduta praticada e a sanção estabelecida, uniformizando assim a aplicação da pena, em prol dos princípios da dignidade humana e do Estado Democrático de Direito.

51 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AI no HABEAS CORPUS Nº 239.363 – PR. Publicado em

10.04.2015. Disponível em: <https://www.jurisite.com.br/wordpress/wp-content/uploads/2017/08/AI-no-HC-239.363-PR.pdf>. Acesso em: 27 mar. 2019.

52 Idem. [...] o aumento da pena foi tão absurdo a ponto mesmo de tornar-se inconstitucional, por violação da garantia do devido processo legal (CR, art. 5º, LIV) em seu aspecto substantivo (substantive due process of law), que pressupõe o correto processo de elaboração legislativa e de que as leis sejam proporcionais e razoáveis (são os denominados princípios da razoabilidade e da proporcionalidade). (...). É o caso deste art. 273. [...] "Se exagero houve, foi na fixação da pena elevada, que varia de dez a quinze anos. Nesse ponto, sem dúvida, pode-se sustentar a falta de proporcionalidade entre a pena cominada e o possível resultado gerado pelo delito". (Grifos originais)

(30)

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do presente artigo, buscou-se demonstrar a desproporcionalidade das penas contidas no artigo 273 do Código Penal e seus parágrafos, em comparação com outros crimes mais graves previstos no mesmo diploma legal e na legislação esparsa. Para tal, na primeira parte do artigo foi trazido um breve escorço

histórico do princípio da proporcionalidade, analisando sua origem, conceito, aplicação na seara penal, bem como seus elementos.

Posteriormente, a pesquisa debruçou-se sobre o conceito de pena, sendo o Estado o detentor do jus puniendi, bem como sobre a função social e as teorias da pena. Com isso, foi possível identificar que é necessário os tipos penais cumpram efetivamente ao fim a que se destinam, qual seja, prevenção, punição e ressocialização do infrator da norma penal, daí a necessidade de penas proporcionais às condutas praticadas, em prol do Estado Democrático de Direito e da dignidade humana.

Por fim, analisou-se especificamente as condutas dolosas tipificadas no artigo 273 do Código Penal e seus parágrafos (falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B). Comparou-se as penas dos crimes em estudo com outros tipos penais igualmente ou até mais graves, inclusive, outros crimes hediondos. É o caso do crime de estupro (art. 213 do Código Penal) que possui pena inferior àquela contida no caput do artigo 273 do mesmo codex (seis a dez anos), mesmo com o agente possuindo dolo específico de atingir a integridade física e psíquica de outrem, e tantos outros exemplos, que para configurar o crime se exige a prática de violência, tais como: extorsão mediante sequestro, favorecimento à prostituição ainda que de vulnerável ou criança, homicídio simples e outros.

Nesse contexto, a essência do princípio da proporcionalidade da pena, está na busca do equilíbrio entre o delito praticado e a pena imposta, em prol da dignidade humana e do Estado Democrático de Direito.

Diante de todo o contexto levantado, analisando inclusive casos práticos em julgamento nos Tribunais Superiores, pode se afirmar que o tipo penal previsto no artigo 273 do Código Penal é inconstitucional, conforme entendimento atual do

Referências

Documentos relacionados

A prova do ENADE/2011, aplicada aos estudantes da Área de Tecnologia em Redes de Computadores, com duração total de 4 horas, apresentou questões discursivas e de múltipla

introduzido por seus orifícios e daí se descarrega no difusor secundário e depois no difusor principal, e a seguir para o coletor de admissão e cilindros... 8-C

Uma hist6ria que ate os anos 50 e marcada pelos &#34;cines-jomais&#34;, filmes turisticos, de registro da cultura popular e de personagens da hist6ria brasileira

Regardless of the absence of inflammatory infiltrate, the development of the plasmodia of Henneguya sp.1 cause stretching and deformation of the filament and

If the resolution of the absolute encoder is set on 13 bits, 16 bits are provided by the encoder: 13 data bits and 3 error bits. If the PLC is not able to evaluate the error bits,

Resumo: O objetivo geral deste trabalho é analisar a competitividade da agroindústria de Mato Grosso, para o período de 1997-2007 e investigar a especialização da agroindústria

No entanto, após 30 dias de armazenagem, o teor de fármaco nas suspensões decaiu para valores próximos a 50 % nas formulações que continham 3 mg/mL de diclofenaco e núcleo

9º, §1º da Lei nº 12.513/2011, as atividades dos servidores ativos nos cursos não poderão prejudicar a carga horária regular de atuação e o atendimento do plano de metas do