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O governamento da expressão escrita de alunos de sétima série (8° ano) a partir da olimpíada de língua portuguesa: gênero memórias literárias

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – STRICTO SENSU MESTRADO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

JOSEIDA LUIZA VIDOR

O GOVERNAMENTO DA EXPRESSÃO ESCRITA DE ALUNOS DA SÉTIMA SÉRIE (8º ANO) A PARTIR DA OLIMPÍADA DE LÍNGUA PORTUGUESA:

GÊNERO MEMÓRIAS LITERÁRIAS

Ijuí, RS 2014

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JOSEIDA LUIZA VIDOR

O GOVERNAMENTO DA EXPRESSÃO ESCRITA DE ALUNOS DA SÉTIMA SÉRIE (8º ANO) A PARTIR DA OLIMPÍADA DE LÍNGUA PORTUGUESA:

GÊNERO MEMÓRIAS LITERÁRIAS

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito para a obtenção do título de mestre em Educação nas Ciências na área de Letras. Linha de pesquisa: Educação popular em movimentos e organizações sociais.

Orientadora: Profª. Drª. Maria Simone Vione Schwengber

Ijuí, RS 2014

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V654g Vidor, Joseida Luiza.

O governamento da expressão escrita de alunos da sétima série (8° ano) a partir da olimpíada de língua

portuguesa : gênero memórias literárias / Joseida Luiza Vidor. – Ijuí, 2014. –

95 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí e Santa Rosa). Educação nas Ciências.

“Orientadora: Maria Simone Vione Schwengber”

1. Governamento. 2. Memórias literárias. 3. Olimpíadas de Língua Portuguesa. 4. Produção escrita. I. Schwengber, Maria Simone Vione. II. Título. III. Título: Gênero memórias literárias.

CDU: 800.1

82-94 Catalogação na Publicação

Aline Morales dos Santos Theobald CRB10/1879

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Poder Superior por me propor tamanhos desafios e, ao mesmo tempo, coragem para superar os obstáculos que surgiram na trajetória desta pesquisa e por conduzir as pessoas que eu precisava para me auxiliarem na construção deste estudo.

Agradeço à professora Maria Simone, minha orientadora, que soube com sabedoria, paciência e disponibilidade me conduzir e me proporcionar tantas aprendizagens.

Pai, mãe, manos, sobrinhos e “namorido” Fontoura agradeço a vocês pelo apoio ouvindo meus “lamentos”, minhas vitórias e meus relatos durante a realização deste curso.

A minha professora de Yoga Cirene de Melo que há muito tempo me auxilia nas escolhas de vida e claro, em especial, na decisão de cursar o mestrado.

Agradeço aos meus alunos pela convivência, experiência e aprendizado. Em especial aos das turmas 71, 72 e 73 de 2012 os quais me acompanharam nos desafios que tornaram este trabalho real e recheado de significantes.

Agradeço aos meus colegas de mestrado pela convivência, amizade e ajuda. Especialmente à Carmem (mestranda 2013 - Unijuí) pelo convite de ingressar no curso, à Thamara e à Juliana Carvalho pelas tantas idas e vindas de Santo Ângelo a Ijuí e às colegas, professoras do Colégio Onofre Pires que tantas vezes escutaram “não posso, hoje tenho aula do mestrado”, “não é possível tenho muitas leituras”

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Catar feijão se limita com escrever: joga-se os grãos na água do alguidar e as palavras na folha de papel e depois joga-se fora o que boiar.

Certo, toda palavra boiará no papel água congelada por chumbo seu verbo, pois, para catar esse feijão, soprar nele, e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

(MELO NETO, 1994, p. 190)

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RESUMO

Este estudo discute acerca da produção textual de alunos de séries finais do Ensino Fundamental a partir da participação no programa Olimpíada de Língua Portuguesa – Escrevendo o Futuro. Observa-se que a rede de ensino brasileira vive uma carência quanto ao emprego da norma culta da língua portuguesa. Não somente nas produções escritas dos alunos, mas também nas produções didáticas dos professores, percebem-se resistências e limitações. O Brasil, pode-se dizer, é uma nação que conhece insuficientemente a sua língua materna na forma escrita e, desse modo, a escola, os órgãos públicos e as políticas (programas) educacionais se apresentam como várias estratégias de governamento da língua. Assim, objetivo identificar quais são as estratégias de governamentalidade presentes no programa e como essas estratégias se fazem presentes na conduta das aulas de Português da professora e dos alunos participantes. Os sujeitos deste estudo foram alunos de sétima série (8º ano) do Colégio Estadual Onofre Pires, no município de Santo Ângelo – RS - Brasil. Foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa, documental, opção teórica-metodológica e análise de discurso na perspectiva de Michel Foucault. Como material analítico foi utilizado o processo de produções discursivas textuais do gênero memórias literárias. As análises e as reflexões embasaram nas discussões conceituais de governamentalidade (FOUCAULT). A partir do resultado das análises, focalizo um movimento complexo de governamentalidade tanto dos alunos como dos professores. Desse modo, os atores (professores e alunos) estão numa ‘teia’ a qual é nomeada como uma governamentalidade ampla em relação ao processo de construção do aperfeiçoamento da expressão escrita. Com isso, indica-se um processo em curso de condução didática pedagógica dos professores pelos recursos didático-pedagógicos de capacitação oferecidos pelo programa, o qual ajuda administrar a condução da docência. Norteando a conduta de ambos. Nesse movimento destaca-se a mobilização do processo em que as produções textuais dos alunos passam a ter um significado amplo e rico de discussões e ampliações dos argumentos, no alargamento da produção escrita. Uma nova economia regulatória (a olimpíada) que liga a conduta da produção escrita dos alunos a uma organização de objetivos de “ação à distância” a nível Nacional.

Palavras-chave: Governamento; Memórias literárias; Olimpíada de Língua Portuguesa; Produção escrita.

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ABSTRACT

The present study approaches textual production by students in the final years of fundamental school participating in the Portuguese Language Olympic Programme – Writing the Future. It is observed that the Brazilian teaching network has been going through deficits regarding the production of the norm of the Portuguese Language. Limitations and struggles are noticeable not only in writing production by students, but also in teaching productions by the teachers. Brazil is a nation that does not know its mother tongue enough in the writing form and, therefore, school, public agencies, and educational policies (programmes) are shown as many governing strategies of the language. The aim of this work is to identify what current governing strategies are presented by the teacher when teaching Portuguese classes, as well as the participation of students. The subjects of this study were students of the 8th year at Colégio Estadual Onofre Pires, city of Santo Angelo (RS), Brazil. A qualitative, documental survey was carried out with an option methodological-theoretical as well as analysis of discourse under the perspective of Michel Foucault. As analytic material, the process of discourse textual productions (literary memories genre) was used. The analysis and reflections were based on the contextual discussions of governing (FOUCAULT). From the result of the analysis, a complex governing movement is visualized by both students and teachers. Thus, the actors (teachers and students) are in a ‘web’, which is known as wide governability in relation to the process of construction of written expression improvement. With that in mind, it is indicated a process of ongoing pedagogical didactic behavior of teachers by educational-learning training resources offered by the programme, which helps manage the conduction of teaching, guiding the behavior of both. In this movement there is the mobilization process in which the textual productions of the students now have a broad and rich meaning of discussions and extensions of arguments, broadening the written production, a new regulatory economics (the Olympics) that connects the learners conduction from the writing to the objectives of an organization of "distance action" at national level.

Keywords: Government; Literary Memories; Portuguese Language Olympics; Written Production.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Ideb para a Língua Portuguesa nos anos finais do Ensino

Fundamental (Brasil) ...18 Tabela 2 – Ideb para a Língua Portuguesa nos anos finais do Ensino

Fundamental (Rio Grande do Sul) ...19 Tabela 3 – Ideb para a Língua Portuguesa nos anos finais do Ensino

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LISTA DE FIGURAS E QUADROS

Figura 1: Placa para divulgar a venda de hortaliças ... 20

Figura 2: Placa em minimercado ... 21

Figura 3: Ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IHD) 2013 ... 40

Figura 4: Regulamento da III Olimpíada de Língua Portuguesa ... 41

Figura 5: O que é a olimpíada ... 43

Figura 6: Formação de professores ... 46

Figura 7: Cursos on-line ... 50

Figura 8: Exposição de fotografias e objetos antigos na biblioteca Olavo Bilac, do Colégio Estadual Onofre Pires ... 70

Figura 9: Livro com as memórias literárias dos alunos da sétima série do Ensino Fundamental do Colégio Estadual Onofre Pires ... 83

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SUMÁRIO

1 A EXPRESSÃO ESCRITA E A LEITURA NA ATUALIDADE ... 09

1.1 INICIANDO A CONVERSA ... 09

1.2 PROBLEMATIZANDO O TEMA DE PESQUISA ... 11

1.3.1 Delimitação do objeto da pesquisa ... 15

1.3.2 Os objetivos da pesquisa ... 22

2 OS CAMINHOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA ... 23

2.1 ANÁLISE DO DISCURSO NA PRODUÇÃO DE DADOS ... 24

2.2 COMO ENCAMINHEI O TRABALHO ... 27

3 O PROGRAMA OLIMPÍADA DE LÍNGUA PORTUGUESA – ESCREVENDO O FUTURO: ESTRATÉGIAS DE GOVERNAMENTO DOS SUJEITOS NAS AULAS DE PORTUGUÊS ... 32

3.1 AS PRÁTICAS DE GOVERNAMENTO E SUAS IMPLICAÇÕES ... 34

3.2.1 As estratégias de governamento da Olimpíada de Língua Portuguesa – Escrevendo o Futuro ... 39

3.2.2 Estratégias de governamento dos professores... 44

3.2.3 Estratégias de governamento para o aluno no concurso da Olimpíada . 52 4 ANÁLISE DA PARTICIPAÇÃO DOS ALUNOS DAS SÉTIMAS SÉRIES NA OLIMPÍADA DE LINGUA PORTUGUESA ... 57

4.1 FRAGMENTOS: DA FUNÇÃO E UTILIZAÇÃO DA ESCRITA ... 57

4.2 O GÊNERO TEXTUAL COMO DOMÍNIO DISCURSIVO ... 62

4.3 ANALISANDO O PROCESSO DE PRODUÇÃO ESCRITA DOS ALUNOS ... 66

4.3.1 Dos gêneros discursivos: memórias literárias ... 68

4.3.2 Analisando produções textuais dos alunos a partir da participação na III Olimpíada de Língua Portuguesa ... 70

4.3.2.1 Escrita no texto I... 70

4.3.2.2 Escrita no texto II ... 76

4.3.3.3 Escrita no texto III ... 79

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 84

REFERÊNCIAS ... 89

1 A EXPRESSÃO ESCRITA E A LEITURA NA ATUALIDADE

1.1 INICIANDO A CONVERSA

No primeiro capítulo, não só apresentamos como também delimitamos o estudo com o intuito de problematizar e definir a questão da pesquisa. Por esse caminho investigativo, transitamos na busca de alternativas para compreender o

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processo da produção escrita. Com a discussão do tema e a busca dos objetivos da pesquisa, emergiram descobertas que contribuem nesta dissertação de mestrado e na práxis da minha docência.

Meu intuito nesta pesquisa é refletir sobre o lugar da produção escrita de sujeitos a partir das produções textuais de alunos de sétima série (8º ano), do gênero textual memória literária, dentro do âmbito escolar. Meu estudo caminha na direção de registrar e analisar as práticas pedagógicas vivenciadas a partir da escrita na participação no programa Olimpíada de Língua Portuguesa.

Antes de apresentar reflexões dos conceitos de governamentalidade, de governo e governamento – para que no transcorrer desse estudo se possa compreender a atuação na Olimpíada de Língua Portuguesa –, acredito ser importante analisar a escrita, por ser esse o motivo que me impulsiona levar adiante a pesquisa. É sobre a expressão escrita que me refiro, concordo, discordo, penso e aprendo. Enfim, é especificamente dela que usufruo neste momento e, ao mesmo tempo, é nela que vivencio o exercício.

A escrita coloca em letra o vivido. Ela pede que ordenemos e interliguemos pontos esparsos, preenchamos lacunas, inventemos palavras para traduzir aquilo que poderia estar perdido e disperso. Ela segue regras próprias de seu universo. Fabrica o vivido. Faz história. Pode ser lida, relida, revista, revisada e reescrita (MADI, 2012, p. 23).

Os sujeitos da sociedade do conhecimento escrito têm apresentado muitas carências na expressão escrita, de modo que esta parece ser cada vez mais uma das responsabilidades colocada para debate na escola. O papel da escola se agiganta, e cabe a ela dedicar a atenção que o assunto exige. A produção escrita está presente em todas as disciplinas do currículo escolar, porém, com ênfase nas

aulas de Português. Está presente especialmente no cotidiano das pessoas: na crônica, no jornal, nos sites de relacionamentos, nas mensagens eletrônicas, no

facebook, nos celulares, nos comerciais apresentados pelas mídias, nos outdoors

expostos à população e em tantas outras situações nas quais utilizamos e nos apropriamos da escrita para partilhar um mundo comum.

Talvez, nas aulas de Língua Portuguesa, os professores deleguem espaços relativamente exíguos para o desenvolvimento da produção escrita e, quando o

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realizam, em grande parte, o fazem desprovidos de significados sociais. Brum indica uma situação ideal:

Os estudantes descobrem que a palavra escrita, quando é escrita não apenas para cumprir tarefa ou para agradar ao professor, não como algo chato ou esvaziado de sentido, mas sim para expressar a experiência, registrar a memória e transcender a vida, mobilizar forças. Ao mobilizar forças, coisas acontecem (2012, p.2).

Quando a escrita, no espaço escolar, é apresentada com um significado que vai além de agradar o professor, ou de ser aprovado para a série seguinte, passa a se constituir como uma nova forma, segundo relata em entrevista o escritor João Gilberto Noll, falando de seus 13 romances publicados: “Escrevo porque vou morrer. Se não houvesse a morte eu não escreveria” (2013, p.4). Esse é o significado da escrita para Noll. Que significado tem a produção escrita, na escola, para os alunos, especialmente os do Ensino Fundamental de anos finais?1.

Em um período de cerca de quatro décadas, percebo uma visível mudança no processo de construção da escrita nos anos finais do Ensino Fundamental. Observei, nesse período percorrido, que as produções textuais, antes chamadas ‘composições’, eram escritas a partir de orientações estabelecidas pelo livro didático, muitas vezes com temas desconhecidos e esvaziadas de significado. Têm acontecido modificações no processo da construção da escrita, que hoje se dá de forma mais significativa. O professor tenta diagnosticar e incentivar a pesquisa, conduzindo o aluno à busca de conhecimentos prévios para que o texto se torne propriedade do sujeito/aluno que o constrói.

Para que a produção textual se torne propriedade do sujeito, não podemos nos omitir do esclarecimento de Bagno:

Falar é tão natural para um ser humano quanto respirar, ver, ouvir, sentir odores, caminhar em posição ereta, sonhar à noite, etc. Ler e escrever, por sua vez, é da mesma ordem de coisas de tocar piano, dirigir

1

Faço referência às séries que são objeto de pesquisa, e os professores dessas séries têm sido ‘esquecidos’ nas formações continuadas oferecidas por suas mantenedoras ou pela própria escola. A exemplo disso, observo que nas séries iniciais os professores estão recebendo formação continuada do governo federal através do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (nos anos de 2013 e 2014). O Ensino Médio público, a partir de 2012, inicia um processo de transformação, recebe uma nova nomenclatura, Ensino Médio Politécnico. Nesse momento de transição os professores recebem formação continuada. Portanto, para as séries iniciais e finais da educação básica, a mantenedora tem oferecido formações aos professores. E nas séries finais do Ensino Fundamental quais são os investimentos?

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um automóvel, tricotar um xale, pintar um quadro, construir uma casa, etc. são práticas socioculturais que exigem um aprendizado relativamente longo e contínuo para que o aprendiz se apodere delas a ponto de exercê-las com habilidade e destreza (2011, p.29).

Devido a esse complexo, contínuo e longo processo, que é a escrita e ao mesmo tempo tão necessário no contexto social, cabe às instituições escolares e às administrações públicas investirem massivamente na construção do processo da escrita, tema discutido nessa dissertação. Processo que tenta produzir sujeitos hábeis, capazes para executá-la nos mais diversos momentos de suas vidas: no trabalho, na diversão, ao manifestar-se sobre um tema que tem conhecimento ou quem sabe para registrar seus saberes fazendo, assim, com que muitos outros possam interagir.

1.2 PROBLEMATIZANDO O TEMA DE PESQUISA

Um conjunto de fatores interfere para a compreensão do processo de aquisição da leitura e da produção escrita. Entre esses fatores Maia (2007) afirma que o índice de leitores no Brasil é de 1,8 livros habitante/ano. O autor refere-se, ainda, à deficiência na formação do bibliotecário – considerado o guardador de livros –, que a biblioteca é muitas vezes considerada um local de castigo e que todo o lido, geralmente, não é partilhado, entendido ou questionado. Esses aspectos contribuem para a “deformação do leitor” e mostram uma relação pertinente ao resultado frustrante nas habilidades de expressão escrita advindas da escola. Como trabalhar no âmbito escolar a formação de sujeitos escritores? Sabe-se que a expressão escrita e a leitura são processos distintos, entretanto, têm estreita ligação. Para desenvolver a escrita, é mister imbuir-se e envolver-se no mundo da leitura.

Os processos de leitura e de escrita são relevantes, mas apresentam diferenças. De acordo com Maia:

Aprender a ler é, assim, ampliar as possibilidades de interlocução com pessoas que jamais encontraremos frente a frente e, por interagirmos com elas, sermos capazes de compreender, criticar e avaliar seus modos de compreender o mundo, as coisas, as gentes e suas relações. Isso é ler. Escrever é ser capaz de colocar-se na posição daquele que registra suas compreensões para ser lido por outros e, portanto, com eles interagir (2007, p.28).

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Para ler, o leitor precisa retirar e compreender o conteúdo, ir além da decodificação de sinais e precisa de conhecimento prévio. Para escrever, é preciso articular um conteúdo que deve ser desenvolvido a partir de um objetivo, juntamente com o gênero, a concordância, a pontuação, a ortografia, a gramática, o vocabulário, portanto, pode-se considerar um trabalho complexo.

O professor, ao refletir e transitar entre as complexidades da tarefa que envolve os processos de aprendizagem da leitura e da escrita, o que permite a transformação da realidade estampada nas práticas pedagógicas que envolvem os processos. Para contribuir, o linguista Bagno (2007, 2010, 2013), em suas pesquisas, indica a partir de alguns exemplos essa complexidade da Língua Portuguesa2, ou da língua brasileira (como nomeia o autor).

Pode-se observar na receita de um oftalmologista, prescrita a um paciente para o uso de colírio, que diz “pingar uma gota nos dois olhos” em vez de “pingar uma gota em cada olho”. Passou despercebida essa falta de lógica linguística ao oftalmologista? Passaria despercebida se a frase fosse escrita por alguém da classe estigmatizada? Então, quem fala ou tem acesso à língua culta ou de prestígio? Que pessoas sabem falar essa língua? A língua sofre modificações. Como se estudam, como são acolhidas e como se registram essas modificações linguísticas na cultura? Quem tem autoria para apresentar as atualizações linguísticas? Quais são os usos da escrita nos dias atuais?

Diante de indagações sobre o uso ampliado da Língua Portuguesa este estudo caminha na direção de apresentar as inquietações e olhar como emergem os processos da construção escrita no panorama dos brasileiros, principalmente aquelas que estão presentes na escola em que realizei a pesquisa. Esses são alguns motivos que me impulsionam à pesquisa, na busca e na compreensão de tal processo enquanto educadora.

Muitos indivíduos na e fora da escola demonstram vergonha e medo ao desvelarem-se por meio da escrita. Mesmo que no espaço escolar sejam incentivados, orientados e conduzidos ao exercício da escrita. O processo de transferir para o papel os pensamentos, as próprias ideias ou as diferentes formas

2

Diferenças entre a norma (o)culta e a norma popular, as variantes da língua falada/escrita no Brasil e o preconceito linguístico, fatores que contribuem na compreensão dos processos de comunicação e da aquisição da leitura e da escrita.

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de pensar resultam em modificações e possibilidade de melhor compreensão da escrita. Quando alguém se expõe por meio da escrita, está sujeito a críticas. Mas, ao mesmo tempo, passa por uma avaliação que pode contribuir na busca de novas aprendizagens linguísticas.

Compreendo que a fala apresenta um processo mais antigo do que o da escrita, e talvez por isso pareça apresentar-se de forma mais complexa e difícil. A escrita é mais “jovem” do que a fala. Segundo Bagno, “as primeiras formas de escrita, conforme a classificação tradicional dos historiadores, surgiram há apenas nove mil anos. A humanidade, portanto, passou 990.000 anos apenas falando!” (2007, p.52). A escrita vem se aprimorando no seu percurso histórico. Além das modificações estéticas apresentadas na escrita, é importante saber dessa diferença para aprimorar o processo de aquisição.

Muitos preconceitos fazem-se presentes na cultura da escrita, podendo impedir e dificultar o seu desenvolvimento. Dentre os preconceitos linguísticos pesquisados por Bagno (2007), um de modo particular faz refletir que somente escreve bem quem conhece bem a gramática. Na opinião do autor, “se fosse assim, todos os gramáticos seriam grandes escritores (o que está longe de ser verdade), e os bons escritores seriam especialistas em gramática” (2007, p.57). Muitos escritores dizem claramente que a gramática não é com eles, desmistificando, assim, esse preconceito.

Entendo que as regras gramaticais têm sua função, embora precisem ser repensadas na forma como estão sendo ensinadas, apresentadas, estudadas e pesquisadas na escola. Sabe-se que este não é um assunto alheio às reuniões pedagógicas. Entre os professores de Língua Portuguesa tema longamente discutido; difícil é chegar-se a um consenso. Entre os estudantes e até mesmo entre os professores percebe-se um distanciamento da escrita e das regras gramaticais de nível culto.

Nessa discussão que envolve especialmente professores de Português pode ser aprofundada por Bagno na direção da pedagogia gramatical. Possenti afirma:

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[...]. É uma gramática3: apresenta regras, no sentido de regularidades; é pedagógica: implica que deseja ser lida nas escolas, com o objetivo de, ao mesmo tempo, descrever/explicar fatos do português (as diversas variedades) e de selecionar o que deve ser aprendido pelos alunos; e trata do português brasileiro: uma variedade (também internamente variada) particular do português que, a seu ver, deve ser a ensinada nas escolas (2012, p.3).

Nessa gramática, Bagno (2011) não propõe que seja aceito tudo o que ele sugere de inovação, mas que se pense e se avalize a escrita que transita na escola e que esta não a considere como um “erro”. As falas e as escritas usadas pelas pessoas que têm acesso à língua, como os redatores de revistas ou de jornais, intelectuais da academia de letras, muitas vezes não estão de acordo com as gramáticas normativas. Ele cita dois exemplos muito comuns – “vende-se cachorros” e “mandei ele sair” –, que são frequentemente empregados, embora estejam longe da “norma padrão”4

.

A escolha do tema do estudo articula-se com a minha experiência enquanto professora/leitora/escritora que tem mostrado que saber ler e escrever ainda é uma tarefa angustiante e penosa para grande parte dos alunos e, também, para os professores. A escola alfabetiza, mas parece que não gera leitores proficientes, capazes de exercer de forma hábil competências de leitura e de escrita que o contexto social exige.

Nessa profissão de docência que sigo a cerca de três décadas, percebo que o processo da comunicação, especialmente a expressão escrita, é frágil, doloroso, difícil e causador de muitas frustrações. Talvez em função disso os professores e os alunos muitas vezes acabem sendo substituída por outra tarefa, tornando a escrita deficiente, como podemos observar em muitas situações do cotidiano. De acordo com as placas que mostro mais adiante, nesse estudo.

1.3.1 Delimitação do objeto da pesquisa

3

Marcos Bagno acaba de publicar sua Gramática Pedagógica do Português Brasileira. Parábola Editorial, 1.056 páginas

4

A língua portuguesa teve sua origem no latim, o qual sofreu influência de diversos povos que incorporaram nuanças de linguística própria, acarretando transformações que aconteceram e continuam acontecendo. A língua é dinâmica e sujeita a transformações inimagináveis, muitas são conhecidas, analisadas e estudadas pelos linguistas, através da história, até no que ela é na atualidade. Porém para ter uma unanimidade na Língua Portuguesa foi estabelecida uma norma padrão (norma culta), que de acordo com Bagno, “ligada à tradição gramatical normativa que tenta preservar um modelo de língua ideal, inspirado na grande literatura do passado” (2010, p.63).

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Por estar implicada profissionalmente com a temática da escrita batalhei assim para inscrever a escola na qual atuo no programa das Olimpíadas de Língua Portuguesa (2012). Ao me inserir, trabalhei com planejamento tentando auxiliar e orientar meus alunos no caminho de construção de produções escritas do gênero memórias literárias, o qual era o conteúdo que coube às turmas das sétimas séries (8º ano) do Ensino Fundamental.

Por que escolhi estudar a produção escrita baseada nos textos literários? Por ser a literatura uma escrita ficcional e sedutora, por revelar-se como uma estrutura condizente e ao mesmo tempo descompromissada com a realidade. Vale salientar que sou envolvida com a arte e a crítica, por entender que a literatura possibilita parte disso. O leitor, muitas vezes, não sabe o que é parte do imaginário e o que é realidade do mundo vivido pelo autor. Segundo Freitas (2008, p. 43), “a obra literária é obra da razão, mas transgride os limites da razão”. Através da literatura, nos deparamos com a arte e a realidade sociocultural, porém de tal forma que seduz o leitor, sensibilizando-o a pensar numa estrutura mais dinâmica, metafísica, alavancando o processo da expressão escrita.

Além da ficção apresentada pelo texto literário, a literatura apresenta “um mundo em que podemos reconhecer um pouco de nós mesmos, de nossas vivências, de nossos desejos, de nossas frustrações” (SILVA, 2009, p. 14). Por essa razão a literatura possibilita estabelecer contato conosco, abrindo espaços e necessidades para mobilizar o processo de produção escrita.

É bem verdade que temos o acesso a uma quantidade significativa de livros, especialmente os de literatura, que estão disponíveis para os alunos nas bibliotecas das escolas brasileiras. Para Maia, “é inegável que na história da educação brasileira nunca se comprou tantos livros [...] Desde 1998, a democratização do acesso ao livro vem se construindo de ações concretas” (2007, p.40-41). O governo brasileiro começou a investir na aquisição de livros para as escola e, atualmente, já se tem um acervo melhorado. De acordo com a proposta do Programa Nacional de Incentivo à Leitura (Proler) e com minha experiência docente acredito que é necessário investir também na formação continuada dos professores/leitores.

É notável que significativos investimentos vêm sendo efetuados na aquisição de livros pela educação pública no Brasil. Porém, parece haver um longo caminho a ser percorrido para que aconteçam mudanças quanto aos hábitos de leitura. Muitos

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são os motivos que dificultam a formação de bons leitores: por não acontecer a formação adequada dos professores, por serem tão frágeis as suas formações básicas – Ensino Fundamental e Médio ou ainda pela superficialidade da escrita vivida nas suas graduações com que são realizadas as leituras (MAIA, 2007).

Os alunos retiram os livros, levam-nos para suas casas e, quando retornam, muitos deles dizem: “Não entendi essa leitura”, “Não gostei da história”, “Não tive tempo de ler” (grifo meu). Esses e outros são motivos que levam o sujeito à evasiva da leitura: alguns o fazem porque se envolvem com outros ofícios que proporcionam prazer mais imediato ou são mais cômodos do que a leitura; outros, devido ao longo tempo dispensado aos programas televisivos, aos acessos às redes de comunicação virtual ou, ainda, à falta de inclusão da leitura na rotina. Esses e outros fatores, como escutar música ou sair com os amigos, justificam a substituição da leitura. Isso é divulgado através de pesquisa realizada por Marina Carvalho (2012), supervisora da Fundação Educar DPaschoal, que trabalha com programas de incentivo à leitura literária5:

O brasileiro está lendo menos. É isso que revela a pesquisa Retrato da Leitura no Brasil, divulgada pelo Instituto Pró-Livro em parceria com o Ibope Inteligência. De acordo com o levantamento nacional, o número de brasileiros considerados leitores – aqueles que haviam lido ao menos uma obra nos três meses que antecederam a pesquisa – caiu de 95,6 milhões (55% da população estimada), em 2007, para 88,2 milhões (50%), em 2011.

Segundo tais estatísticas da Fundação Educar DPaschoal, em quatro anos, o brasileiro baixou em 5% o número de leitores6, e isso passa a refletir também na escrita. Observemos que adolescentes e pré-adolescentes mostram-se tímidos e com vocabulário restrito para expressar sentimentos, opiniões e argumentos, de modo semelhante a muitos professores, entre os quais eu também me enquadrava. Passamos pela escola e perdemos a oportunidade de melhorar a habilidade da escrita. Tal constatação remete-nos a pensar: qual é o lugar, a função da escrita?

5

Disponível em: <http://veja.abril.com.br>. Acesso em: 21 jun. 2012.

6 É importante salientar na pesquisa os dados que justificam a realidade da leitura brasileira: “Dados

da edição de 2012 da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, encomendada pela Fundação Pró-Livro e pelo Ibope Inteligência, mostram que os brasileiros estão cada vez mais trocando o hábito de ler jornais, revistas, livros e textos na internet por atividades como ver televisão, assistir a filmes em DVD, reunir-se com amigos e família e navegar na rede de computadores por diversão. Segundo Neri (2012, p.1) ” O número de leitores caiu 9,1% no país em quatro anos. Enquanto 24% dos brasileiros têm esse hábito, 85% costumam ver TV.

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Qual é a importância do texto literário? Que lugar ocupa o leitor/escritor no contexto escolar?

Assim aposto em um ensino de leitura e escrita como prática social, que tenha o compromisso de trabalhar com as habilidades de leitura, escrita e autoria -que tenha relação com as vivências, experiências e subjetividades do sujeito. Passa-se, então, a compreender que “escrever não é aquela trabalheira inútil de preencher 25 linhas” (NEVES et al., 2004, p. 19), mas sim poder mostrar a sua história, as suas necessidades, os seus projetos e os seus anseios.

A necessidade de repensar o ensino e a aprendizagem da língua materna é amplamente reconhecida pelos linguistas brasileiros Bagno (2007), Cipro Neto (2008), Fiorin e Savioli (1990). Eles apostam nos professores e/ou escritores para proporcionar o exercício da prática da expressão escrita. E também em políticas públicas. Sobretudo nas últimas décadas, têm desenvolvido programas, de modo a incentivar o processo de construção da escrita em sala de aula, com o fito de propor soluções e contribuições, com subsídios teóricos e práticos, para o desenvolvimento das aulas do ensino de Português.

Qualificar as aulas de Língua Portuguesa, para Bagno, “não é decorando as páginas da gramática normativa que uma pessoa será capaz de falar, ler e escrever adequadamente às diversas situações” (2007, p.180). Intensificar a leitura, a escrita e a reescrita é que talvez fará o leitor/escritor eficiente.

Professores, escritores leitores buscam nas gramáticas orientações para deixar a escrita mais compreensível. Supõe-se que a gramática da Língua Portuguesa tem uma função, e pergunto: qual? Como incorporá-la na escola? Desde a década de 1970, período em que eu ingressei na escola, observo que os exercícios sobre gramática eram o que havia de mais importante nas aulas de Português e ocupavam maior espaço nas aulas, com o professor seguindo rigorosamente as atividades propostas no livro didático.

Penso que, atualmente, um dos maiores desafios enfrentados para o ensino da Língua Portuguesa na escola seja, como construir um conhecimento da escrita que atenda as normas gramaticais, defendido por Fiorin e Savioli (1990), e um conhecimento significativo que se preocupa ao mesmo tempo com a argumentação e a crítica, como proposto por Bagno (2007). É da competência da escola aprimorar

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a capacidade de escrever, ler e produzir textos que se mostrem coerentes com a competência textual e discursiva do aluno.

Cipro Neto (2008), Fiorin e Savioli (1990) acreditam que, com seus estudos e sua aplicação, buscando a correção dos ‘erros’ cometidos na escrita, seguindo os padrões de uma língua culta, poderão resolver a inaptidão apresentada na escrita. Relacionado a isso, Fiorin e Savioli afirmam que “é possível elaborar uma classificação que descreva, em linhas gerais, os tipos mais comuns de erros cometidos na prática da escrita” (1990, p.231). Isso proporciona melhora na escrita brasileira? Acredito que esses linguistas servem de direção para muitos professores de Português. Há três ou quatro décadas tais pesquisadores eram ‘religiosamente’ seguidos, estudados e reconhecidos. Penso que seus saberes têm grande contribuição com o estudo do idioma, porém, da forma que a escola os emprega em sala de aula, não têm produzido ou atingido resultados satisfatórios na expressão escrita.

Observemos os resultados das avaliações nacionais do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em relação à Língua Portuguesa, apresentados em 2012, nos anos finais do Ensino Fundamental. A seguir, mostro o resultado das avaliações nos três níveis: nacional, estadual e no município que atuo até o ano de 2011 num comparativo com as metas propostas até 2021 em nível nacional, no estado e na instituição pesquisada.

Tabela 1 – Ideb para a Língua Portuguesa nos anos finais do Ensino Fundamental (Brasil)

Ideb observado Metas

2005 2007 2009 2011 2007 2009 2011 2013 2021

Total 3,5 3,8 4,0 4,1 3,5 3,7 3,9 4,4 5,5

Fonte: <http://ideb.inep.gov.br>. Acesso em: 12 jul. 2013.

Tabela 2 – Ideb para a Língua Portuguesa nos anos finais do Ensino Fundamental (Rio Grande do Sul)

Ideb observado Metas

Estado 2005 2007 2009 2011 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021

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Fonte: <http://ideb.inep.gov.br>. Acesso em: 12 jul. 2013.

Tabela 3 – Ideb para a Língua Portuguesa nos anos finais do Ensino Fundamental (Colégio Estadual Onofre Pires)

Ideb observado Metas

Escola 2005 2007 2009 2011 2007 2009 2011 2013 2015 2017 201 9 2021 Colégio Estadual Onofre Pires 4,1 4,3 4,8 4,8 4,1 4,3 4,6 5,0 5,3 5,6 5,8 6,0

Fonte: <http://ideb.inep.gov.br>. Acesso em: 12 jul. 2013.

Os resultados apresentados de 2007 a 20117, referentes a avaliação no Colégio Estadual Onofre Pires, evidenciados na Tabela 3, mostram ter superado as expectativas em relação ao Rio Grande do Sul e ao Brasil, no ano de 2011 (Tabelas 1 e 2). A escola mostrou avanço em sete pontos: de 2007 a 2009, teve um crescimento em relação a ela mesma; na avaliação de 2011, permaneceu com a mesma média. Apesar de não estar tão distante do esperado, é importante um investimento na produção escrita.

O processo para chegar às médias acima envolve estudantes de escolas públicas de quarta e oitava séries (quinto e nono anos) do Ensino Fundamental e da terceira série do Ensino Médio. Os mesmos respondem questões de Língua Portuguesa, Matemática e um questionário socioeconômico. Diretores das instituições e professores das turmas também respondem questionários que fazem parte da computação dos dados apresentados. Dados que são computados em forma de nota.

Mesmo com avaliações, com trabalho contínuo dos educadores e instituições escolares percebo as dificuldades dos brasileiros em termos de escrita. No livro O

Brasil das placas, organizado por Camargo e Fontenelle (2009), é possível observar

7

Esses dados apresentados na tabela acima gerados a partir de avaliações de larga escala a Prova Brasil e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica Estudos e Pesquisas Educacionais (Saeb). Essas duas avaliações são desenvolvidas pelo Instituto Nacional de Estudos e pesquisas Anísio Teixeira (Inep/MEC) e tem o objetivo, conforme informações contidas no Portal do MEC7 de “avaliar a qualidade do ensino oferecido pelo sistema educacional brasileiro a partir de testes padronizados e questionários socioeconômicos”.

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a fragilidade ou a precariedade do Português no nosso país. Os autores (2009) colecionaram fotografias de placas, registradas em caminhos percorridos nas mais diversas cidades brasileiras. Ao apresentar as placas, os autores não fazem crítica a elas, mas ajudam a pensar nas deficiências de escrita presentes no cotidiano do brasileiro. Segue um exemplo:

Figura 1: Placa para divulgar a venda de hortaliças Fonte: Camargo e Fontenelle (2009, p. 74)

A placa acima apresenta um texto de difícil entendimento pela sua sintaxe, a disposição dos vocábulos. Na parte inferior do texto, os produtos e o preço são apresentados de forma ambígua, quase incompreensível. Como sugestão o autor poderia ter escrito de uma forma mais objetiva, se fosse do seu conhecimento, para o entendimento do leitor. Logo, o texto seria melhor compreendido se fosse apresentado desta forma:

Horta de couve! Aperte a campainha.

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Será atendido. 5 pés de alface – R$ 1,00 5 maços de couve – R$ 1,00

Trago mais um exemplo a fim de refletir sobre essa fragilidade expressa no texto, bem como discutir sobre a sua temática.

Figura 2: Placa em minimercado

Fonte: Camargo e Fontenelle (2009, p. 101)

Nessa segunda placa, o texto é menor e de mais fácil compreensão, porém muito próximo da fala, pois há emprego de hífen desnecessariamente após a palavra “vende-se”. A palavra “carvão” é escrita de acordo com a variante linguística da região. Nas palavras “bujão” e “carvão” é usado o acento circunflexo (^) no lugar que seria do til (~).

Diante disso, frente aos textos e às reflexões já apresentadas neste capítulo, esclareço que meu tema de estudo é o processo de produção da escrita com adolescentes e pré-adolescentes do Ensino Fundamental na participação da III Olimpíada de Língua Portuguesa do ano de 2012. Apresento a questão que direciona meu estudo: Que estratégias de governamento estão presentes no programa Olimpíada de Língua Portuguesa- Escrevendo o futuro?

1.3.2 Os objetivos da pesquisa

A partir da delimitação do objeto de pesquisa busco discutir as estratégias de governamento do programa Olimpíada de Língua Portuguesa, bem como o processo

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de construção da escrita na participação dos alunos de sétimas séries (oitavo ano) nesse programa.

Nessa pesquisa, analiso o processo da expressão escrita nas produções textuais dos alunos de sétima série (8º ano) do Colégio Estadual Onofre Pires a partir no gênero memórias literárias, um dos quatro gêneros inclusos na Olimpíada, bem como as estratégias de governamento que envolvem tal programa.

Considerando a questão norteadora e os objetivos deste estudo descrevo no próximo capítulo as escolhas metodológicas. Nele explicito a natureza da pesquisa, os procedimentos assumidos para a seleção dos sujeitos.

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A metodologia de pesquisa, para Minayo (2003), é contar parte do caminho trilhado. É uma atividade da ciência que visa à construção e organização dos dados, os materiais, significados à operacionalização de variáveis de análises escolhidas.

Para Arilda Schmidt Godoy, a pesquisa qualitativa

[...] não procura enumerar e/ou medir os eventos estudados, nem emprega instrumental estatístico na análise dos dados, envolve a obtenção de dados descritivos sobre pessoas, lugares e processos interativos pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada, procurando compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos sujeitos, ou seja, dos participantes da situação em estudo (1995, p.57).

Depois da decisão de realizar a pesquisa na participação minha e dos meus alunos no programa da Olimpíada de Língua portuguesa, precisei pensar no tipo de investigação que estaria percorrendo e que método usaria para tal. Vale considerar que, em minha participação no programa, estaria imersa no campo de pesquisa e não exclusivamente como observadora na função de produzir informações e depois analisá-las, mas sim, que estaria, também, fazendo parte do campo de pesquisa.

Considerando esses fatores, neste capítulo mostro os caminhos metodológicos que segui para a realização dessa pesquisa que é qualitativa e tem como referência de análise de discurso sendo um estudo do tipo documental apoiado por Gil (2002). Por isso afirmo que meu estudo é do tipo documental. De acordo com Gil, esse tipo de pesquisa “vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa. [...] as fontes são muito mais diversificadas e dispersas” (2002, p. 45-46). Relaciono a isso quando busco informações para analisar o site <http://www.escrevendo.cenpec.org.br>, os materiais impressos do programa, os textos produzidos pelos meus alunos em especial as produções de três alunos em três versões: a primeira versão do texto Neve em Santo Ângelo, o segundo texto O

trem, na versão dois e o terceiro texto Memórias de P. N. também na versão dois.

Valendo-me disso, é que analiso a Olimpíada de Língua Portuguesa, uma competição pública nacional na conduta do sujeito professor e aluno.

Esse percurso foi articulado na intenção de responder a questão da pesquisa. Aqui busco apresentar o contexto e a natureza do estudo, mostrando as peculiaridades dos sujeitos, assim como os critérios de análise e o processo que

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Gil, “[...] deve ser feita em observância aos objetivos e ao plano de pesquisa (2002, p.88).” Dessa forma, delimito o universo a ser abordado nesse estudo.

Nesse percurso em estudo Gil diz que:

O processo de análise e interpretação é fundamentalmente interativo, pois o pesquisador elabora pouco a pouco uma explicação lógica do fenômeno ou da situação estudados, examinando as unidades de sentido, as interrelações entre essas unidades e entre as categorias em que elas se encontram reunidas (2002, p.90).

Na perspectiva de compreender os processos interativos presentes na participação da Olimpíada de Língua Portuguesa. A metodologia estruturou-se a partir do olhar dos processos de governamentalidade, os quais conduzem a conduta dos professores de Língua Portuguesa, participantes na Olimpíada de Língua Portuguesa. Analiso também, o processo de produção escrita dirigida por mim, enquanto professora da turma da sétima série (8º ano), nas produções escritas no gênero discursivo memórias literárias, buscando compreendê-las a partir dos conceitos de governamento e autoria de Michel Foucault.

Nessa pesquisa, devido ao grande volume de materiais produzidos pelo site das Olimpíadas de Língua Portuguesa e a necessidade de compreendê-lo assumi a análise do discurso. Ao descrever e analisar o conteúdo e recursos disponibilizados pela Olimpíada de Língua Portuguesa é que relaciono a Ordem do discurso de Michel Foucault discutindo a análise discursiva tecida no programa.

2.1 ANÁLISE DO DISCURSO NA PRODUÇÃO DE DADOS

Com o propósito de analisar as estratégias do programa, trago como objeto de estudo as estratégias de governamento. No caso as da professora e a dos alunos durante a participação na Olimpíada de Língua Portuguesa. Tomo como base esse programa e as produções textuais de alunos de sétima série (8º ano). Valho-me desse material para analisar os discursos, pois nesse trajeto de pesquisadora e ao mesmo tempo objeto de pesquisa e na condução das práticas dos meus alunos, que discorro o estudo das análises discursivas.

Dessa forma o que interessa nessa pesquisa não é somente conhecer os processos que perpassaram o professor e aluno na construção da expressão escrita

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ou conhecer um pouco sobre a Olimpíada de Língua Portuguesa, mas conhecer por quais relações discursivas os sujeitos estão envolvidos no programa que vivenciam, e quais estratégias são utilizadas para conduzir o professor e este conduzir o aluno.

Como “pano de fundo”, utilizo o programa Olimpíada de Língua Portuguesa e as tênues condutas dos professores e alunos, bem como suas relações na construção dos discursos. No caso, a pesquisa proposta analisa o discurso para conduzir as produções textuais à assimilação do discurso que traz saberes consigo relacionados. Como afirma Foucault, “Todo o sistema de educação é uma maneira política de manter ou modificar a apropriação dos discursos com os poderes e os saberes que eles trazem consigo” (2006, p.44).

Segundo Carvalho, “Os discursos dos indivíduos são considerados como produtores de verdades, dispositivos estratégicos de relações de poder e práticas organizadoras da realidade, que estabelecem hierarquias e distinções, articulando o dizível e o visível” (2012, p.3) Na tentativa de compreender as relações discursivas, presentes na Olimpíada de Língua Portuguesa e como acontecem essas condutas desde as orientações dirigidas aos professores até as produções textuais construídas pelos alunos durante a participação nessa competição, é que opto por esse recurso teórico-metodológico.

O conceito de discurso segundo Foucault

[...] não é simplesmente aquilo que manifesta o desejo: é também aquilo que é o objeto de desejo; e visto que o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas ou os sistemas de dominação, mas aquilo porque pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar (2006, p.10).

Nessa definição, percebe-se que está presente o objeto de desejo, aquilo que buscamos nos apoderar, que tentamos nos apropriar. No caso, professor e aluno ao fazerem parte do programa da Olimpíada de língua Portuguesa buscam seu objeto de desejo. O programa conduz a esse objeto de desejo na tentativa de modificar o quadro que se faz na expressão escrita brasileira.

Considerando a discussão referente ao discurso Carvalho afirma que

[...], é considerado como mais do que uma simples representação, porque a linguagem é entendida como subsidiadora das categorias pelas quais os indivíduos nomeiam e agem no mundo, sendo, portanto, produtora de

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sentidos e significados que não preexistem às práticas discursivas. O discurso é concebido como uma prática (ou, ainda, um conjunto de práticas) que define e produz os objetos dos quais trata (2013, p.4).

A concepção do discurso, que produz os ‘objetos’ que posso associar aos materiais do programa. A participação no programa ‘produz’ os professores e estes por sua vez ‘produzem’ os alunos nos processos de construção da escrita. São as verdades desse discurso mostrado no programa que analiso na sua intencionalidade, estratégias e funcionalidade. Sabe-se que poucos nessa competição, assim como em qualquer outra, são classificados para os processos finais, porém muitos passam pelo processo e muitos docentes e discentes assimilarão os discursos que o programa produz. Esses discursos, além de assimilados e vivenciados, precisam ser refletidos, discutidos e analisados pelos educadores/executores e isso procuro fazer nas próximas seções.

Para compreender melhor esse objeto discursivo, apoio-me em Carvalho que diz “os discursos dos indivíduos são considerados como produtores de verdades, dispositivos estratégicos de relações de poder e práticas organizadoras da realidade, que estabelecem hierarquias e distinções, articulando o dizível e o visível” (2012, p. 472). Analisando as práticas organizadoras da realidade e as estratégias de relações de poder presentes no programa em estudo. Almejo discutir nessa pesquisa articulando o visível – a produção escrita dos alunos, o dizível – e as estratégias organizadas pelo programa.

Portanto, para os alunos/produtores da escrita, a compreensão é a de que seus discursos sobre o lugar onde vivem são decorrentes das experiências comunitárias por eles escolhidas e investigadas enquanto sujeitos que estão preparando-se para tornarem-se competentes no uso da escrita.

Assim, os discursos presentes no programa e nas produções textuais dos alunos que são analisados no decorrer dessa dissertação, de acordo com Carvalho, “[...] fazem parte de uma ampla rede discursiva que compõe o cenário educacional contemporâneo. Os discursos proferidos por eles não estão relacionados a vontades ou individualidades autônomas – mas às práticas [escolares] que organizam a realidade” (2012, p.476).

(29)

Apoiada nas reflexões sobre a governamentalidade e a autoria, apresentadas nos capítulos III e IV mostro o processo de construção dos textos discursivos dos alunos de Ensino Fundamental, sétima série (8º ano), do Colégio Estadual Onofre Pires. No ano de 2012, conduzi a experiência das produções de memórias literárias a partir de textos desse gênero, escritos por autores da literatura brasileira. Os textos foram lidos, interpretados e discutidos pelos alunos durante as aulas de Português que ministrei.

Iniciei o processo de análise no contato com o material impresso da III Olimpíada de Língua Portuguesa – Escrevendo o Futuro. Comecei a desbravá-lo, inteirei-me do espaço virtual, o site do programa, propus as minhas turmas a participação e iniciamos o processo de produção textual para os alunos .

O site propõe quatro gêneros discursivos para que sejam estudados nas Olimpíadas de Língua Portuguesa. Gêneros textuais envolvendo alunos do Ensino Fundamental (séries finais) e Ensino Médio são: o poema, as memórias literárias, a crônica e o artigo de opinião. Memórias literárias é o gênero que cabe às turmas de 7ª série (8º ano) do Ensino Fundamental.

Do site analiso as estratégias de governamento. Discuto, apresento esse conceito e mostro no terceiro capítulo as interfaces do programa: o regulamento da III Olimpíada de Língua Portuguesa, o que é a Olimpíada, as possibilidades de formação dos docentes participantes e a interface que se refere aos cursos on-line. Nesse mesmo capítulo discuto as estratégias de governamento para professores e para os alunos.

Os conceitos de gênero, tipo textual e gêneros literários, em especial memórias literárias, são apresentados no quarto capítulo apoiada nos estudos de Marcuschi. Sigo apresentando a análise de três textos, construídos durante as aulas de Português, na participação da Olimpíada de Língua Portuguesa. Examino como se faz o processo de autoria e de governamentalidade no aluno-autor, no processo de construção dos textos. Para fazer a escolha dos textos utilizei como critério o fato que mais originou as produções textuais e que gerou mais curiosidade nas turmas a neve em 1965, em Santo Ângelo - RS. O segundo texto foi escolhido porque o autor conseguiu colocar-se no lugar do personagem expressando através dele os sentimentos passados no momento de um acidente de um ônibus com um trem. E o terceiro narra a história romântica de um casal que se conheceu em 1931 e que

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gerou na turma discussão resultando um paralelo com o namoro nos tempos atuais e no período que acontece a história. Os textos II e III foram escolhidos pela comissão da escola para os finalistas do concurso da Olimpíada de Língua Portuguesa.

Como objeto de análise, na construção do quarto capítulo, apresentei as entrevistas (bate-papo) elaboradas pelos grupos áulicos8 que foram o ponto de partida para conhecer os fatos investigados9 – também escolhidos pelos grupos para a produção das memórias literárias. As entrevistas foram formalizadas com sujeitos moradores de Santo Ângelo- RS. As mesmas foram gravadas e/ou filmadas para que pudessem ser partilhadas com os colegas de turma e para que pudessem apropriar-se de mais detalhes para a produção textual.

Seguindo o processo de construção dos textos surgiu a necessidade de buscar informações no museu e no arquivo histórico da mesma cidade. Essa visita possibilitou ampliar o conhecimento sobre o fato narrado. Dentre os fatos da produção escrita escolhida para a análise foram: um acidente com um ônibus e um trem, os primeiros moradores do bairro Pilau – de Santo Ângelo –, a primeira Feira Nacional do Milho, entre outros. Porém, o fato mais investigado pelo grupo de alunos em estudo foi a neve no município, no mês de agosto de 1965.

Junto a isso, para dar continuidade à busca do alargamento das estratégias da produção escrita histórica, os alunos fizeram uma exposição de objetos antigos. Concomitante a essa organização analiso e utilizo no decorrer das aulas, os seguintes materiais impressos: um CD e nove cadernos. O kit era utilizado com os alunos para a realização das atividades. Os cadernos das Olimpíadas contêm textos e fragmentos de obras literárias do gênero textual memórias literárias. Os textos foram escutados, lidos, interpretados e analisados para que, pouco a pouco, os alunos fossem se inteirando do gênero que conduzia a pesquisa.

Analiso também, no site do programa as informações, as quais se encontram em constante atualização. Nesse espaço virtual é disponibilizado aos professores a

8

Grupos formados em sala de aula, através de eleição, de forma democrática, que tem como princípio a interação social como veículo de aprendizagem e que podem ser conhecidos através do GEEMPA (Grupos de Estudos sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação) coordenado por Esther Pillar Grossi (2007, p. 21)

9

Os fatos investigados eram referentes ao tema da Olimpíada de Língua Portuguesa que permanece o mesmo desde o início do programa “O lugar onde vivo”.

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organização e o estudo do planejamento para o desenvolvimento das oficinas que fazem parte de quatro cadernos para o professor, impressos e enviados para as escolas. Cada caderno contempla um gênero literário (apresentado no terceiro capítulo). O caderno que me auxiliou no planejamento das aulas que antecediam as produções dos alunos de sétima série (8º ano) era o caderno Se bem me lembro... com dezesseis oficinas para a construção das memórias literárias das turmas.

Seguem aqui, algumas oficinas que foram desenvolvidas com as turmas que participaram do programa da Olimpíada de Língua Portuguesa em 2012. Elas foram organizadas segundo Clara, Almeida e Altenfelder (2010). Na oficina 3 – Semelhantes, porém diferentes – foram diferenciados os gêneros textuais diário, relato histórico e memórias literárias. Na oficina 6 – Lugares que moram na gente – foi trabalhado o tipo textual descrição, para que os alunos pudessem melhorar esse tipo textual nas suas produções. Na oficina 9 – Marcas do passado – trabalhei com as flexões dos tempos verbais (pretérito perfeito e imperfeito do indicativo) tempos que fazem parte do gênero discursivo memórias literárias. Na oficina 10 – Ponto a

ponto – enfatizei o emprego dos sinais de pontuação. Essas, entre outras, foram

oficinas relevantes no desenvolvimento das aulas.

Muitos textos de autores brasileiros foram lidos, escutados interpretados e analisados durante as aulas – alguns através de um CD que continha algumas das memórias literárias: Transplante de menina, Parecida mas diferente, Como num

filme entre outras. Vale salientar que, com a utilização de CD, é possível apresentar

diversos textos no aparelho multimídia para instigar os sentidos dos alunos, haja vista que alguns textos apresentam efeitos sonoros. Copiado do caderno do professor transcrevo um texto de Gabriel García Márquez, transcrito de seu livro

Viver para contar, em que ele narra e descreve fatos vividos em Aracataca, sua

cidadezinha natal, de onde era possível visualizar a Serra Nevada de Santa Marta e que foi escolhido por ter relação com o tema preferido pelo grupo em estudo.

Até a adolescência, a memória tem mais interesse no futuro que no passado, e por isso minhas lembranças da cidadezinha ainda não estavam idealizadas pela nostalgia. Eu me lembrava de como ela era: um bom lugar prá se viver, onde todo mundo conhecia todo mundo, na beira de um rio de águas diáfanas que se precipitavam num leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. Ao entardecer, sobretudo em dezembro, quando passavam as chuvas e o ar tornava-se de diamante, a Serra Nevada de Santa Marta parecia aproximar-se com seus picos brancos até

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as plantações de banana, lá na margem oposta. Dali dava para ver os índios aruhacos correndo feito formiguinhas enfileiradas pelos parapeitos da serra [...]. Nós meninos tínhamos então a ilusão de fazer bolas com as neves perpétuas e brincar de guerra nas ruas abrasadoras. Pois o calor era tão inverossímil, sobretudo durante a sesta, que os adultos se queixavam dele como se fosse uma surpresa a cada dia. Desde o meu nascimento ouvi repetir sem descanso, que as vias do trem de ferro e os acampamentos da Unidet Fruit Company foram construídos de noite, porque de dia era impossível pegar nas ferramentas aquecidas pelo sol (MÁRQUEZ, 2003, p. 3).

A partir do texto acima, foi possível tanto os alunos quanto o professor fazerem relações e construírem com maior propriedade, o fato investigado e narrado por muitos deles – a neve em Santo Ângelo. A memória de García Márquez (2003) e tantas outras obras ou fragmentos de obras de autores da literatura brasileira, lidas e interpretadas pelos alunos, ampliou os saberes dos alunos. Saberes cuja descoberta, compreensão, valorização e divulgação do seu fato e espaço pesquisados e registrados através da escrita fazem chegar a outros leitores.

Assim, os alunos foram compondo seus textos, memórias literárias. A partir de pesquisa na comunidade e baseando-se em leituras, interpretações e reflexões de trabalhos criados por escritores brasileiros, disponíveis no material impresso

Coletânea memórias literárias – para o aluno - como Zélia Gattai, Antônio Gil Neto,

Fernando Sabino, Helena Morley, Tatiana Belinki e outros. Foram utilizadas as memórias literárias que estavam nos cadernos e as pesquisadas na biblioteca da escola no período de maio a agosto de 2012.

No quarto capítulo apresento a análise das produções textuais do alunos que parte da construção da entrevista com os sujeitos, antigos moradores das comunidades e continua com a primeira escrita do texto a qual é entregue e lida pelo professor que, por sua vez sugere algumas modificações por meio de “bilhetes”. Na segunda versão, e após o desenvolvimento de mais algumas oficinas, os alunos reescrevem o texto que é lido para a turma e uma banca de dois colegas avalia de forma escrita, também, por meio de “bilhetes”. Os alunos reescrevem o texto digitalizando-os. Dessa terceira versão, o professor faz mais uma leitura fazendo a orientação para os últimos ajustes. Posteriormente os textos são impressos e organizados num livro o qual é lançado em um evento que organizei e que acontece na escola, no mês de novembro, o II Café Literário. Dessa forma, os textos produzidos na participação da Olimpíada de Língua Portuguesa fazem parte do livro

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Memórias Literárias das sétimas séries – 2012 e ficam disponíveis na biblioteca da escola para que a comunidade escolar possa apreciar.

Para encerrar esse capítulo partilho a minha ideia a de Carvalho (2012) quando ele analisa os discursos de acadêmicos da graduação de Pedagogia. Relaciono seu argumento com esta prática e com as análises e reflexões presentes nesse estudo. Mostro que faço parte desse mercado competitivo da busca do conhecimento e que assumi o compromisso de atualizar-me enquanto indivíduo/docente, que precisa aprender a todo o momento, pois, de acordo com Carvalho “[...] não há como sossegar diante da expansão da informação/formação que a todo o momento convoca para que seja realizado um novo investimento no futuro profissional” (2012, p.12).

Dessa forma, sigo transitando nas reflexões e nas análises que emergiram do trabalho realizado no ano de 2012. Enquanto objetos dessa pesquisa meus alunos e eu fomos conduzidos de acordo com os saberes da área que fui graduada - Letras. Todavia, ao mesmo tempo, sinto-me constituída e regida pelos valores do mercado, almejo a vitória, sou consumista do conhecimento. Por essa razão, estou nessa busca, tentando vencer, tornando-me mais competente, galgando uma posição de destaque entre meus pares e fazendo deste o meu discurso.

Assim, na tentativa de, juntamente com os 40 mil professores que participaram dessa competição em 2012, ter uma direção para superar a solidão vivenciada na escola, na realização dos planejamentos e das práticas. Sou conduzida por um programa e ofereço a resposta a um sistema pronto que vai me constituindo e constituindo meus alunos. Imperceptivelmente abandono as minhas práticas e as escolhas da instituição escolar (que são obscuras).

3 O PROGRAMA OLIMPÍADA DE LÍNGUA PORTUGUESA – ESCREVENDO O FUTURO: ESTRATÉGIAS DE GOVERNAMENTO DOS SUJEITOS NAS AULAS DE PORTUGUÊS

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Observa-se, a partir das expressões escritas, que a rede de ensino brasileira vive uma carência quanto à produção textual, sobretudo no uso da norma culta da língua portuguesa. Não somente nas produções escritas dos alunos, mas também nas produções didáticas dos professores, percebem-se resistências e limitações na expressão escrita na forma coerente e coesa. O Brasil, pode-se dizer, é uma nação que apresenta deficiências na expressão escrita do seu idioma. Como afirmam Santos e Motta, “só aprende a redigir correta e claramente quem o faz de modo sistemático, alicerçado na leitura de bons autores” (1982, p.41). E, desse modo, a escola, os órgãos públicos e as políticas (programas) educacionais apresentam várias estratégias de governamento a fim de modificar essa realidade.

Para organizar, orientar e se apropriar da língua portuguesa na forma escrita, existem alguns programas de governo, dentre os quais se destacam a Escola Aberta10, o Mais Educação11 e a Olimpíada de Língua Portuguesa. Esses programas parecem ser alguns dos dispositivos que podem contribuir na construção da escrita e na teia da governamentalidade – conceito discutido neste capítulo.

Dentre os programas de incentivo à escrita, escolhi analisar a Olimpíada de Língua Portuguesa, que contribui para o incentivo da expressão, da produção escrita do aluno, e apoia a formação didática e o aperfeiçoamento dos professores brasileiros. Assim, neste capítulo apresento parte das estratégias do programa Olimpíada de Língua Portuguesa – Escrevendo o Futuro. Pergunto inicialmente, como o programa da Olimpíada de Língua Portuguesa utiliza as estratégias de governamento. Focalizo um movimento que permite visualizar um funcionamento de governamentalidade neoliberal, a qual convoca todos a participar do jogo na gestão responsável da escrita: a escola, os professores e os alunos. Nesse jogo, parece que cada um é empresário e administrador de si, de suas competências (alunos e professores), e joga conforme suas posições lhes desafiam12.

10

Programa desenvolvido nas escolas públicas estaduais do Rio Grande do Sul que visa a oferecer espaços e oportunidades à comunidade em que a escola está inserida para aprender e divertir-se durante os finais de semana.

11

Programa desenvolvido pelos ministérios da Educação e da Cultura que oferece a um grupo de alunos espaço e atividades em turno integral que auxiliam no desenvolvimento da aprendizagem.

12 Numa visão neoliberal, a governamentalidade “busca programar estrategicamente as atividades e

os comportamentos dos indivíduos [...] programá-los e controlá-los em sua forma de agir, sentir, pensar e de situar-se diante de si mesmo, da vida que levam e do mundo em que vivem” (GADELHA, 2009, p. 151). Essa tentativa de programar estratégias para conduzir as atividades e os comportamentos dos indivíduos está muito presente no programa em estudo.

Referências

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