• Nenhum resultado encontrado

A Olimpíada de Língua Portuguesa apresentada no segundo capítulo deste estudo, durante o período de minha participação, em 2012, contemplou quatro gêneros textuais. Por isso, é importante destacar aqui os conceitos de gênero, gênero textual e tipos de textos, pesquisados por Marcuschi (2009). Considero relevante apresentá-los porque as produções textuais construídas por meus alunos – analisadas mais adiante neste capítulo – são do gênero memórias literárias.

Como descrito por Marcuschi, “gênero é uma categoria cultural, um esquema cognitivo, uma forma de ação social, uma estrutura textual, uma forma de organização social, uma ação retórica” (2009, p.149). Percebe-se, diante dessas ideias, a complexidade e a amplitude da questão, pois o entendimento de gênero vai além de uma estrutura textual e envolve o conhecimento, a cultura e a ação na sociedade. O gênero apresenta características peculiares, mas ao mesmo tempo tem um propósito, uma intenção que lhe oferece uma esfera de circulação.

Considero importante ‘esmiuçar’ o conceito de gênero – palavra hiperonímica21 – para compreendê-lo e relacioná-lo ao conceito que segue. No momento em que o autor em questão menciona “uma estrutura textual”, essa expressão tem relação com os gêneros textuais. Marcuschi define-os como

Os textos que encontramos na nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciados e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas (2009, p.155).

Os gêneros textuais apresentam-se em um número elevado, porém não são infinitos. Abaurre, Abaurre e Pontara (2010), se referem aos gêneros textuais como “gêneros discursivos”, citam alguns exemplos, como o conto, a história em quadrinhos, a carta, o bilhete, a receita, o anúncio, o ensaio, o editorial, entre outros. Os mesmos são caracterizados pelos propósitos, pelo contexto sócio-histórico variável, pelas ações, pela dinamicidade; enfim, têm uma identidade. Sua principal função é estabelecer comunicação entre os interlocutores. Existem gêneros textuais que, ao serem apresentados para os sujeitos em aprendizagem, despertam maior interesse, dependendo do grau de dificuldade, de afinidade ou da maturidade dos indivíduos envolvidos na leitura e na escrita desse gênero.

Marcuschi conceitua tipo textual

[...] como uma espécie de construção teórica [...] definida pela natureza linguística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas, estilo}. O tipo se caracteriza muito mais como sequências linguísticas (sequências retóricas) do que como textos materializados; a rigor são modos textuais. Em geral os tipos textuais abrangem cerca de

21“Termo cujo significado pode ser considerado mais abrangente com relação ao significado de um

conjunto de outras palavras com as quais se relaciona” (ABAURRE; ABAURRE; PONTARA, 2010, p. 263).

meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção (2009, p.154).

Procuro entender o que é domínio discursivo. De acordo com Marcuschi (2009), tal domínio indica instâncias discursivas (discurso religioso, jurídico, jornalístico etc.) e dá origem a vários gêneros, mas não abrange um em particular. Forma-se pelas práticas discursivas compostas por um conjunto de gêneros textuais que são específicos de cada rotina comunicativa institucionalizada nas relações de poder.

Na construção da análise, do domínio discursivo, pode-se dizer que há uma reciprocidade, ou seja, o escritor é leitor e o leitor é escritor. Isso porque o leitor mergulha no texto e se confunde com ele, em busca de seu sentido. Como afirma Roland Barthes, quando compara o leitor a uma aranha: “o texto se faz, se trabalha através de um entrelaçamento perpétuo; perdido neste tecido – nessa textura –, o sujeito se desfaz nele, qual uma aranha que se dissolve ela mesma nas secreções construtivas de sua teia” (1995, p.45). Dessa forma, o limite para a amplidão da escrita/leitura é o escritor; é ele mesmo quem constrói as imagens acerca do que está lendo. Por isso, a escrita se revela como uma atividade extremamente frutífera e complexa de autoria.

Para Meurer e Motta-Roth,

É preciso termos em mente o objetivo de formarmos escritores e leitores autossuficientes, que possam utilizar e perceber a informação contida nos mais variados textos que constroem nossa realidade. Pode-se pensar que, conhecendo mais sobre a organização do texto, seremos melhores leitores e escritores, podendo, assim, comunicar-nos e interagirmos com o ambiente à nossa volta de maneira mais direta e eficaz (1997, p.20).

Sabe-se que a escola é responsável pelo desenvolvimento da escrita, da expressão e da comunicação, o que é reafirmado por Meurer e Motta-Roth (1997), quando dizem que o objetivo da escola é formar leitores e escritores autossuficientes. Ambos sugerem que se conheça a estrutura do texto para que possam, através da escrita, interagir com eficiência. Acredito que conhecer seja um dos caminhos primordiais para se tornar uma escrita eficaz, porém não é o único. Deve-se observar os fatores sociais, o processo complexo que difere da fala. A escola se compromete com o processo de construção da escrita, da forma que lhe é

peculiar, e, diferentemente do que era há três décadas, sem incentivo à criatividade e à criticidade. Hoje a escola oportuniza ao aluno

[...] ler os textos de gêneros variados, de modo a reagir diante deles, e com atitude crítica, apropriar-se destes textos para participar da vida social e resolver problemas; produzir textos de modo seguro e autoral, não apenas em situações cotidianas da esfera privada, como em esferas públicas de atuação social (BRASIL, 2009, p. 54).

Quanto ao significado da escrita, a escola apresenta evolução, afastando-se da mecanicidade que era dada à escrita. Há uma variedade maior de gêneros textuais apresentados aos alunos, entretanto, é importante saber que, quando uma criança aprende a escrever, ela precisa desligar-se da fala e começar a operar com a imagem das palavras, por isso a escrita exige um ‘alto nível de abstração’ Isso é o que muitas vezes distancia nossos alunos da escrita, tornando o processo mais lento ou até interrompido.

Na construção escrita, e na expressão através dos gêneros textuais mesmo que tenhamos a ‘romântica’ ideia de que temos liberdade para expressarmos nossas opiniões, nos são impostos muitos discursos a serem seguidos. Fazemos parte de uma sociedade que nos ‘governa’ sob vários aspectos e nos leva a determinadas ações. Os gêneros textuais são instrumentos poderosos para conduzir a máquina sociodiscursiva que constitui os seres sociais.

O professor, no momento em que se dispõe a participar de um programa do quilate que é a Olimpíada de Língua Portuguesa, modifica-se. Sua prática passa a ser conduzida, e ele passa a ter a ‘ilusão’ de que está exercendo o governamento de suas escolhas. De acordo com Rosa e Puzio

[...] a produção dessa nova governamentalidade não ocorre exclusivamente através de poderes opressores e disciplinares, mas também por meio do investimento nos selfs que perpassam a inserção de tecnologias psicológicas amparadas em um conjunto de ações programadas, que agem sob a forma de tarefas, programas, auto análises, rastreamento de potenciais e gerenciamentos, incidindo concomitantemente sobre os indivíduos e sobre a população (2013, p.1).

O docente na sua função de self vai executando as ações programadas pelo programa. Inicialmente, cabe a ele optar por um gênero textual de acordo com as

turmas que ministra suas aulas e em consonância com os gêneros que contemplam cada série nesse programa.

Dos gêneros textuais contemplados pelo programa Olimpíada de Língua Portuguesa, dediquei-me ao gênero memórias literárias, por ser este o gênero explorado e proposto como desafio para alunos das sétimas séries (8º ano) e por mim (professora de Português) na participação na competição da III Olimpíada de Língua Portuguesa. Construir as memórias literárias como aliada à produção textual com sujeitos de Ensino Fundamental foi um desafio que possibilitou adentrar ao mundo imaginário e da ficção. Por meio desse gênero textual, foi possível conhecer e abordar em sala de aula algumas obras e autores da literatura brasileira que estabeleceram em seus discursos, com os interlocutores, relações de saber interdisciplinar com as áreas de geografia, de história, de artes entre outras.

O programa da Olimpíada de Língua Portuguesa, ao abordar o discurso, o imaginário e a ficção, presentes nas obras de Antônio Gil Neto, Bartolomeu Campos Queirós, Manoel de Barros, Zélia Gattai22, entre outros, me permitiu pensar nos motivos que me levam a pesquisar a expressão escrita a partir do texto literário. De acordo com Rosenfeld, “Dentro deste vasto campo de letras, as belas letras representam um setor restrito. Seu traço distintivo parece ser menos a beleza das letras do que seu caráter fictício ou imaginário” (2009, p.11). Diante disso, apresento o motivo pelo qual aliei expressão escrita à literatura. Penso que memórias literárias relacionam-se, também, ao contexto sócio-histórico que está presente nesse gênero, dando significado à expressão escrita.