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4.3 ANALISANDO O PROCESSO DE PRODUÇÃO ESCRITA DOS ALUNOS

4.3.2 Analisando produções textuais dos alunos a partir da participação

4.3.2.1 Escrita no texto I

Para a construção deste texto, que apresento a seguir, a aluna A, bem como a maioria dos alunos conversaram com pessoas mais velhas de sua comunidade para ouvir histórias de sua vida. No caso a autora do texto escolheu uma moradora do bairro Haller, de Santo Ângelo - RS. Durante a conversa a aluna perguntou mais detalhes sobre a neve que caiu na cidade – fato escolhido por grande parte dos estudantes da sétima série, envolvidos na Olimpíada de Língua Portuguesa.

Para a conversa foram sugeridas algumas perguntas que serviram de roteiro para a investigação.

O(a) senhor(a) lembra de alguma passagem marcante da sua vida nesta cidade? Que fato é esse? Por que ele foi marcante?

O(a) senhor(a) tem algum objeto antigo ou foto que lembre essa passagem de sua vida?

Dada a importância do registro para escrever o texto com mais informações possíveis, os alunos registraram por meio de vídeos e por gravações digitais. Sistematizaram numa tabela as informações coletadas que serviram para a construção do texto. A tabela era composta da seguinte forma:

Nome e idade do entrevistado

Fato lembrado Temas mencionados O que mais chamou a

atenção

Vale salientar que para o preenchimento da tabela, eles fizeram conforme entenderam alguns relataram dois ou mais fatos, outros relataram somente o fato escolhido e por fim outros não fizeram porque não se envolveram no processo, não conseguiram decidir ou escolher uma pessoa da comunidade que moram para entrevistar e enfim porque não se responsabilizam pelas tarefas escolares. Os alunos apresentaram oralmente para a turma os fatos que mais chamaram atenção e contavam detalhes que não registraram: sentimentos e emoções, dúvidas sobre alguma expressão ou palavra que surgiram no decorrer da entrevista.

Ao delegar essa atividade aos alunos, o professor “condutor de condutas” vai capacitando novos condutores a organizarem-se em seus grupos para efetuar suas escolhas, escolher os materiais. Em síntese, como se organizaram para a realização da pesquisa formando assim, a teia da governamentalidade.

Depois da entrevista, apresentação para a turma os alunos foram desafiados a escolher um dos fatos investigado e produzir o texto do gênero memórias literárias. Segue o texto na 1ª versão – Neve em Santo Ângelo da aluna A escrito em vinte e um de agosto de 2012.

No processo da redação, percebe-se, de acordo com Fernandez (2007, p. 1), que “o ato de redigir um texto leva o autor a deixar marcas discursivas inscritas na sua materialidade para serem interpretadas pelo outro leitor”. Observando a produção acima, percebem-se as marcas do autor. Quando a aluna A relata a experiência de maternidade da personagem, identifica-se com a história. Sendo o fato escolhido por ela a neve em Santo Ângelo, a narração deveria ser direcionada para esse tema. Porém a autora dá mais ênfase à maternidade relatada pela entrevistada.

Após a primeira escrita – primeira versão – faço a leitura de todos os textos produzidos nas turmas. Os alunos recebem e reescrevem, alguns alunos fazem a leitura para os colegas. A aluna A é uma das que realiza a leitura oral para os colegas de sua produção. Com antecedência, a aluna A e o professor escolhem uma banca de dois colegas para avaliar o texto de acordo com as características das memórias literárias. Os colegas da banca questionam e fazem interferências, sugerindo melhoramentos para auxiliar a colega tornar o texto mais próximo das características do gênero estudado nas turmas.

A banca faz as seguintes interferências:

Qual é o fato que você escolheu? O que mais pode falar sobre a neve?

Conta o que mais você viu pela janela do hospital.

No texto escrito, percebe-se que, ao narrar a história, o autor assume o lugar do entrevistado. A narração está na primeira pessoa, conforme o gênero exige. Porém, a autora altera o destino do fato que havia se proposto a relatar, direcionando para outro fato, a experiência da maternidade.

O texto em análise muda de foco e dessa forma percebe-se, de acordo com Foucault, que “a escrita, [...] é uma questão de abertura de um espaço onde o sujeito de escrita está sempre a desaparecer” (2000, p.35). O sujeito/autor aparece quando relata a história do nascimento da personagem e desaparece quando relata o fato da neve. A autora do texto é a personagem principal, que tinha a intenção de contar a história pesquisada na comunidade em que vive, sobre a neve. Entretanto ela menciona o fato somente no penúltimo parágrafo - Depois quando eu estava indo

para o cuarto eu vi pela a janela que estava nevando já bem fortinho dali uns 5 minutos veio minha filha [...] - o restante do texto ela se detém no fato da

maternidade.

Foucault afirma que

A escrita é um jogo ordenado de signos que se deve menos ao seu conteúdo significativo do que à própria natureza do seu significante [...] a

escrita desdobra-se como um jogo que vai infalivelmente para além das suas regras, desse modo as extravasando (2000, p.35).

Nesse jogo de signos, no qual a escrita se propõe a transitar entre o significado e o significante, objetivando manifestar seus conhecimentos, seus pensamentos, sua imaginação e seus saberes dão ênfase ao significante. Quando a autora relata o momento em que pôde ver sua filha – “eu estava indo para o quarto

eu vi pela a janela que estava nevando já bem fortinho dali uns cinco minutos veio minha filha [...]” –, demonstra sua preocupação em seguir a sequência da história

por ela construída.

O texto da aluna A foi lido para a turma, após a análise do professor. Dois colegas escreveram para o autor sugestões para melhorar a redação em análise. Seguem as interferências dos colegas. O colega A contribui questionando “Onde era

a zona rural?” e sugerindo “descrever o lugar que aconteceu a história”. Com as

interferências do colega B, percebe-se o enfoque que o autor dá para o fato da experiência da maternidade do entrevistado, quando pergunta: “Onde estava seu

marido? Estava em casa? Com quem? Como se sentiu depois que o bebê nasceu?”.

Tais interferências têm a intenção de deixar o texto mais compreensível ao leitor, mais próximo das características do gênero em estudo e mais abundante de detalhes.

Sendo eu a professora mediadora desse trabalho, apresentei minhas contribuições e meus questionamentos, após a leitura da produção. Tentando conduzir a aluna-autora ao processo de construção de sua escrita, fiz um bilhete orientador da reescrita, que apresento:

“Aluna/autora, sua memória literária já está muito boa. Tem um fato que é o principal, o da neve, que você pode desenvolver mais. Explore o segundo fato, a maternidade da personagem. Porém, atenha-se à descrição do lugar, ao fato da neve. Coloque no texto as descrições do local, os detalhes, as sensações e os sentimentos despertados ao vivenciar a experiência narrada. Desenvolva mais essas ideias.”

Fiz o papel de leitor avaliador que Fernandez (2007) critica, dizendo que o autor escreve para esse leitor, esquecendo-se do que é mais importante: a mensagem no contexto de comunicação. A saber sempre que escrevo tenho um

destinatário, mas é importante que esse destinatário não seja somente o professor para dar significado a escrita.

Dessa forma, a obra vai se fazendo e vem assinada por um autor. Obra essa, segundo Foucault, cujo autor está “presente e ausente na obra”; na escrita há“ (2000, p.41) o espaço deixado vazio pelo desaparecimento do autor, seguir de perto a repartição das lacunas e das fissuras e perscrutar os espaços, as funções livres que esse desaparecimento deixa a descoberto”. Acredito que as fissuras e as lacunas possibilitam a presença do autor na sua obra, como se observa nesta parte do texto da autora A: “[...] dali uns cinco minutos veio minha filha e dei-lhe o nome de

Marli Jacobs eu estava tão feliz nesse dia e chorava de alegria”.

Após essa etapa, a autora da produção acima faz a releitura do texto e passa, segundo Fernandez, de

autor-leitor [...] agora assume um novo papel: a de leitor-autor de seu próprio produto. [...] na posição de leitor, observa criticamente, os efeitos produzidos por suas próprias palavras e isso o leva a uma revisão de seu próprio papel como autor (2007, p.8).

No momento em que o autor assume esse papel de leitor, a ele é proporcionado exercitar o governo de si. O autor se responsabiliza pela sua produção, dando ao autor-leitor autonomia e desprendendo-se de escrever somente para o leitor-avaliador. Ao mesmo tempo, exerce a governamentalidade presente no programa da Olimpíada.

Assim como a aluna A, dos cem alunos, 60% construíram o processo de reescrita em três versões. Desses alunos que construíram todo o processo houve alguns (poucos) que fizeram mais versões obtendo textos mais refinados. Porém, alguns alunos fizeram somente a escrita – como primeira versão que faria parte do livro que foi lançado no final do período letivo. Dos textos, cerca de 30%, ficaram pouco trabalhados e seus autores não conseguiram compreender o processo de construção do texto narrativo. Das turmas, cerca de 10% dos alunos não realizaram a pesquisa ou não fizeram o registro das narrações. Porém, os textos foram reunidos e fazem parte do livro Memórias Literárias: produções textuais das sétimas

séries, em 2012, na III Olimpíada de Língua Portuguesa que mostro no final deste

Esses resultados me conduzem a algumas reflexões: Como a governamentalidade vai se constituindo nesse espaço? Como acontece tanto a autoria como a governamentalidade que discuto nesse estudo, com professores e com alunos em que não utilizam os materiais oferecidos pelo programa?

Sigo com a análise da segunda produção textual escolhida para as reflexões dessa pesquisa.