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3.1 AS PRÁTICAS DE GOVERNAMENTO E SUAS IMPLICAÇÕES

3.2.3 Estratégias de governamento para o aluno no concurso da Olimpíada

contribui para o entendimento das estratégias de governamento na competição, quando apresenta e analisa a adesão e a participação dos professores, das escolas nacionais ao projeto e a Olimpíada de Língua Portuguesa, até sua segunda edição de 2010.

O Ministério da Educação (MEC), como órgão público responsável, condutor e apoiador na transformação dos sujeitos competentes quanto à sua governabilidade, presta sua função através da Olimpíada de Língua Portuguesa. Ele oferece à comunidade escolar uma oportunidade democrática, garantindo a participação no projeto. Ao governamento dos indivíduos, na opinião de Rose soma- se “à tentativa de inculcar certa relação consigo mesmo por meio de transformações nas mentalidades ou daquilo que se poderia chamar de ‘técnicas intelectuais’ leitura, memória, escrita, habilidade numérica, e assim por diante” (2001, p.43). As técnicas intelectuais especialmente a leitura e escrita se fazem presentes com a participação no programa.

Essas transformações acontecem quando os sujeitos – tanto docentes como discentes – se tornam, por meio da competição, proprietários dessas “técnicas intelectuais” e as aperfeiçoam. Assim, tomam consciência daquilo que já sabem e daquilo que ainda não sabem. E ainda passam a apropriar-se do saber em relação à expressão escrita, oferecendo mais propriedade ao indivíduo para governar a si mesmo e ao grupo.

Por conseguinte, a Olimpíada de Língua Portuguesa é um aparato de governamentalização que contribui para a construção do sujeito, enquanto se faz no processo de construção da escrita, uma vez que este é contínuo e complexo para o aluno e para os docentes. Portanto, necessita que se ‘lance mão’ do maior número de estratégias para ampliar o campo da expressão escrita, atualmente tão deficitária. Ações contidas no programa em estudo podem, como descrito por Veiga-Neto e Lopes, “ser compreendidas como ações de Governo que atuam promovendo o governamento das populações; seu objetivo maior é a promoção da vida [...]” (2007, p.5).

3.2.3 Estratégias de governamento para o aluno no concurso da Olimpíada

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Condutora dos docentes em formação e organizadora dos Cadernos de Orientação para Professores da Olimpíada de Língua Portuguesa.

Educadores implicados com o processo de aprendizagem, na escola, têm o discernimento das prioridades no âmbito educacional. Por isso, podem aliar-se ao argumento de Noguera-Ramírez e Marín-Diaz de que “é necessário mobilizar reformas educativas, programas e políticas pedagógicas que ampliam a visão do ser humano e conceber a educação como um todo” (2012, p.3) (tradução livre)18

. Acredito ser o programa um dispositivo importante para mobilizar essas mudanças buscadas em educação e, consequentemente, na sociedade.

Na busca dessa mudança, o programa da Olimpíada de Língua Portuguesa apresenta a formação do professor e do aluno numa inter-relação, em que ambas acontecem simultaneamente. Os recursos pedagógicos que governam o professor e o aluno na participação do concurso acabam refletindo nas competências de ambos. O kit impresso enviado para escolas inscritas é utilizado pelos alunos durante o desenvolvimento das oficinas propostas no caderno do professor. Juntamente com esse material, vem um CD com textos para serem ouvidos ou utilizados como leitura em computador e projetores.

Esses recursos compõem dispositivos pedagógicos. De acordo com Larrosa, dispositivos pedagógicos é

[...] qualquer lugar no qual se constitui ou se transforma a experiência de si. Qualquer lugar no qual se aprendem ou se modificam as relações que o sujeito estabelece consigo mesmo. Por exemplo, uma prática pedagógica de educação moral, uma assembleia em um colégio, uma sessão de um grupo de terapia, o que ocorre em um confessionário, em um grupo político, ou em uma comunidade religiosa, sempre que esteja orientado à constituição ou à transformação da maneira pela qual as pessoas se descrevem, se narram, se julgam ou se controlam a si mesmas (1994, p.20).

Esses dispositivos pedagógicos do programa podem contribuir para o professor e o aluno se interpretarem, se narrarem, se decifrarem e se julgarem podendo ocorrer a transformação e a modificação das experiências de si. Mostram que “as tecnologias humanas são montagens híbridas de saberes, instrumentos, pessoas, sistemas de julgamento, edifícios e espaços, orientados, no nível programático, por certos pressupostos e objetivos sobre os seres humanos” (ROSE, 2001, p. 46). Junto ao tema desenvolvido em todas as edições do concurso, a

18O texto original, em espanhol, diz que “es necesario movilizar reformas educativas, programas y

políticas pedagógicas que amplíen la visión sobre la formación humana y conciban la educación como un todo”.

escolha da temática ‘o lugar onde vivo’ dá a abrangência que o programa tem alcançado. Assim para cada série é sugerido o gênero textual a ser trabalhado conforme mostra a tabela que segue.

Gênero textual Ano/Série Ilustração de capa

Poema: um olhar sensível sobre o lugar onde moram

5º e 6º anos (4ª e 5ª séries) do Ensino Fundamental

Memórias literárias: pesquisa aspectos da história local

7º e 8º anos (6ª e 7ª séries) do Ensino Fundamental

Gênero textual

Crônica: valorização de situações cotidianas na comunidade em que vive

9º ano (8ª série) do Ensino Fundamental e 1º ano do Ensino Médio

Artigo de opinião: identificação e apresentação de questões relevantes do lugar onde vivem

2º e 3º anos do Ensino Médio

Quadro 1: Cadernos do professor19

Fonte: <http://escrevendo.cenpec.org.br>. Acesso em: 22 jan. 2013

Com o envolvimento na participação da Olimpíada e o desenvolvimento das oficinas sugeridas nos cadernos, acontecem as produções textuais dos alunos. Nesse processo, os dispositivos pedagógicos do programa e os docentes usufruem do tema do programa para instigar nos alunos a vontade e o desejo de escrever.

De acordo com Fahri Neto, “Um único motor de ação dá origem a uma multiplicidade de ações individuais – o desejo. O desejo dos indivíduos os faz agir na direção dos seus próprios interesses” (2010, p.139) – o interesse, por exemplo, de melhorar sua produção escrita, a curiosidade para desvendar fatos históricos da comunidade, entre outros. Conhecer o desejo diferencia e direciona o trabalho e faz o professor replanejar suas ações didáticas.

Uma turma, uma escola e uma comunidade são compostas de indivíduos dos mais diversos gostos, opiniões e hábitos. O professor está sempre buscando formas de atingi-los ou envolvê-los, para que possam efetuar aprendizagens. Sabemos que conduzir esse trabalho tem suas complexidades, por ser carregado de uma obrigatoriedade. O aluno não frequenta a escola espontaneamente, vai para a escola porque necessita, porque precisa aprender, porque precisa fazer parte de um espaço letrado.

Acredito que o trabalho de transformação e de aprendizagem acontece quando se relaciona aos desejos. Mas qual é a relação com a Olimpíada? Ela oferece para o aluno um sentido à sua escrita. O desejo de participar da competição, a curiosidade e a oportunidade de mostrar o lugar onde vive, a oportunidade de

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A partir da terceira edição da Olimpíada, o site oferece o caderno em formato virtual, acrescido de jogos para os alunos.

outros interlocutores conhecerem o seu espaço e a sua produção escrita são motivos que conduzem a essa participação. As regras, as oficinas (inovações didáticas e pedagógicas), os relatos, as revistas e os cadernos vão produzindo governados e governantes.

Os governos públicos, através de programas como este da Olimpíada de Língua Portuguesa auxiliam escola, alunos e professores na busca do aprender a escrita. Esse é um programa que, nessa proporção abrangente, alcança os mais recônditos espaços, através das tecnologias sendo o professor e os alunos sujeitos que contribuem para pôr em prática as estratégias de governamentalidade – a qual se fez “máxima no neoliberalismo” (VEIGA-NETO, 2000).

Alunos e professores fazem parte do programa Olimpíada de Língua Portuguesa, servindo a esse sistema em que se governa e se é governado. Foucault contribui com essa análise, dizendo que “são as táticas de governo que permitem definir a cada instante o que deve ou não competir ao Estado, [...] e estas táticas gerais da governamentalidade” (2002, p.292) influenciam na sua sobrevivência e nos seus limites. Como numa ‘teia’, vêm interferir no governo de si e dos outros ao fazer parte do programa aqui estudado.

Portanto, o programa assume ‘discretamente’ a governamentalidade repassando para mais de 40 mil escolas o discurso de que o indivíduo necessita durante o percurso escolar aperfeiçoar a produção escrita. Dos dispositivos pedagógicos disponíveis nesse programa pode-se aproveitar a possibilidade de exercitar a expressão escrita garantindo ou não uma mudança nesse particular.

Digo, “discretamente” por que na verdade não existe essa discrição do programa em relação as suas ações. Pois, a governamentalidade mostra-se como um esforço para criar sujeitos governáveis através de várias técnicas desenvolvidas de controle, normalização e moldagem de condutas. Assim mostro que as ações do programa são planejadas de modo intencional.

No capítulo a seguir apresento, a partir da minha experiência, mostro o processo da produção escrita durante a participação da Olimpíada de Língua Portuguesa. O processo das produções textuais dos 98 alunos de sétimas séries (8º ano) conduzidas por mim, professora de Português.

4 ANÁLISE DA PARTICIPAÇÃO DOS ALUNOS DAS SÉTIMAS SÉRIES NA OLIMPÍADA DE LÍNGUA PORTUGUESA

[...] a escrita constitui uma experiência e ímã, espécie de pedra de toque: revelando os movimentos do pensamento, ela dissipa a sombra interior onde se tecem as tramas do inimigo. (FOUCAULT, 2004, p.145).