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3.1 AS PRÁTICAS DE GOVERNAMENTO E SUAS IMPLICAÇÕES

3.2.2 Estratégias de governamento dos professores

Os docentes brasileiros, muitas vezes questionam sobre o dilema da melhor maneira de conduzir o processo de produção escrita dos alunos. Como fazê-lo de maneira eficiente? Como obter êxito nesse trabalho?

Acredito que o referido programa articula uma rede de apoio que soma a essa discussão presente nas instituições escolares, entre os docentes e coloca a produção dos alunos numa comunidade argumentativa maior, dando significado às aulas de Português e oportunizando a produção escrita, tanto do aluno como do professor.

Os professores participantes da Olimpíada de Língua Portuguesa, durante os anos ímpares, fazem parte das formações, como cursos on-line para professores e avaliadores, leituras de apoio, registros de suas experiências, oficinas que podem ser usadas para o planejamento e o desenvolvimento das aulas. Também seguem orientações para a postagem dos relatos e a participação em reuniões técnicas – especialistas em Língua Portuguesa falando sobre os gêneros textuais abordados na Olimpíada. Esse programa prepara os educadores e garante a eles capacitação contínua, mobilizando instituições públicas de norte a sul do país.

Os professores participantes, através do site e do material impresso, são conduzidos nos seus planejamentos e nas práticas em sala de aula, substituindo as suas necessidades e as de seus alunos, talvez desconhecidas ou desvalorizadas pelo planejamento do programa. As orientações e os estudos oferecidos servem para o planejamento e desenvolvimento de parte das aulas direcionadas às produções escritas. As aulas são desenvolvidas, nos anos pares, com os alunos dos ensinos Fundamental (séries finais) e Médio, que têm como eixo a produção dos gêneros poema, memórias literárias, crônica e artigo de opinião.

Na participação dos docentes e discentes reflito o governamento, “a condução das condutas”, que se dá no envolvimento dos mesmos, na Olimpíada de Língua

Portuguesa. Isso é manifestado na sala de aula, resultando nas produções escritas. Esse conceito é apresentado por Noguera-Ramírez, que se baseia nos conhecimentos de Foucault, afirmando que “conduta se refere a duas coisas: tanto a atividade que consiste em conduzir, à maneira de deixar-se conduzir, à forma como a gente é conduzida [...] o modo de se comportar sob o efeito de uma conduta que seria ato de conduta ou de condução” (2009, p.34). Valendo-se desse entendimento e apropriando-se dos recursos oferecidos pelos organizadores do programa da Olimpíada, os professores das escolas públicas, das mais diversas regiões brasileiras, vão modificando o seu modo de agir em termos das estratégias de divulgação dos materiais – a sua conduta –, oportunizando essa mudança também ao seu conduzido/aluno.

Nesses termos, Veiga-Neto e Lopes afirmam que “o controle da economia e o controle dos corpos dos indivíduos, principalmente por meio do governamento, confundem-se; desse modo, governando os corpos o Estado governa tudo” (2007, p.7). No caso aqui analisado, o governo do Estado através do Ministério de Educação e Cultura e suas parcerias buscam alcançar os objetivos do concurso; pela abrangência atingida no governamento dos corpos. A governamentalidade vai acontecendo de forma sutil. Nesse processo de governamentalidade, estratégias articuladas e planejadas são criadas para conduzir as atividades e os comportamentos dos indivíduos que coordenam e realizam o trabalho de preparação e a produção dos textos nas instituições, presentes no site da Olimpíada.

O professor passa a estudar sua prática e planejar suas aulas, buscando experiências de colegas, cursos, vídeos oferecidos pelo programa virtualmente ou em mídia impressa para melhor conduzir a conduta dos seus alunos e para apoiar- se no planejamento de suas aulas.

Ball corrobora dizendo ser por esses meios

[...] que nós nos tornamos mais capazes, mais eficientes, mais produtivos, mais relevantes; nós nos tornamos fáceis de usar; nós nos tornamos parte da economia do conhecimento. Nós aprendemos que nós podemos ser mais do que já somos. Existe algo mais sedutor em ser adequadamente apaixonado por excelência, em conquistar o pico da performance (2010, p.9)

Nesse contexto, a escola e os docentes ao participarem de programas como o desse estudo fazem parte da economia do conhecimento. Assim como, tornam-se

envolvidos e responsáveis pela sua formação atingindo uma sensação momentânea de realização profissional e a performance desejada pelo sistema vigente.

Essas estratégias estão presentes na estrutura do site que apresento algumas a seguir. No segundo link, ao lado de “a Olimpíada”, pode-se visualizar o

link “formação”, no qual estão disponíveis “cursos on-line”, “cursos para avaliadores”

e “na prática”. Seguindo, “na prática”, encontram-se: relatos das práticas dos professores com suas turmas; orientações para escrever os relatos; oficinas e sua importância no planejamento das aulas para as produções textuais dos alunos; e, por fim, as reuniões técnicas, em que especialistas em Língua Portuguesa discutem temas pertinentes a leitura e escrita do Português – como exemplo, na terceira edição da Olimpíada, os especialistas discutiram gêneros textuais.

A interface a seguir é a que possibilita a visualização dos links que conduzem à formação dos professores.

Figura 6: Formação de professores

Fonte: <http://escrevendo.cenpec.org.br>. Acesso em: 23 jan. 2013.

O acesso a essas diversas formações do professor durante a participação no programa e a relação com as possibilidades que a realidade de cada instituição brasileira oferece ao docente são aparatos e suporte para empreender mudanças na expressão oral e escrita do sujeito – uma vez que o Brasil tem uma diversidade cultural que é própria de cada município, estado ou região, que o programa tenta

valorizar e abranger. Porém, mesmo que preserve a identidade cultural as estratégias de governamento estão presentes nas formas de indicar como e o que o docente pode ensinar.

Além dessas interfaces disponíveis na página da internet, as escolas inscritas recebem cadernos impressos da coleção Olimpíada de Língua Portuguesa – Escrevendo o Futuro, que contam com orientação para produção de textos, acompanhados de um CD e de nove revistas com coletâneas de textos de cada gênero literário. A escola inscrita recebe uma revista chamada Na Ponta do Lápis, que contém textos literários, entrevistas e reportagens com escritores e especialistas em Língua Portuguesa. Dessa forma, o docente pode conhecer o material disponível e ‘escolher’ o que mais lhe aprouver ou o que achar de maior relevância para o aprendizado de seus alunos na tentativa de atingir seus e os objetivos propostos pelo programa.

Pensar no processo de construção da escrita servindo-se do programa Olimpíada de Língua Portuguesa e governamentalidade, como forma de olhar o programa, é um tanto desafiador. Para compreender essa ferramenta, na abordagem que faço, é necessário discutir as relações entre governamentalidade, (neo)liberalismo e expressão escrita.

Para discutir o neoliberalismo sob o enfoque da minha pesquisa, retomo, neste momento, o liberalismo, termo que foi analisado no capítulo anterior. Noguera- Ramírez (2009) descreve que durante o século XX existiram variações no liberalismo norte-americano e alemão. O alemão, também conhecido por ordoliberalismo, propõe a liberdade de mercado como organizadora e reguladora do Estado. Porém, com a mudança histórica do liberalismo para o neoliberalismo, este novo sistema trouxe uma proposta diferenciada para regulamentar o Estado, baseada em três deslocamentos:

1) [...] o deslocamento do intercâmbio para a competência no princípio do mercado. [...] o neoliberalismo coloca a ênfase na competição; 2) o princípio da competição como forma organizadora do mercado – a competição é um princípio de formalização que tem uma lógica interna e possui uma estrutura própria e só é possível atingir se suas regras forem respeitadas; 3) a sociedade submetida ao efeito da competição não é uma sociedade de supermercado, “mas uma sociedade empresarial” (2009, p.40-41).

Portanto, são características de competitividade como forma de planejamento e organização para atingir objetivos de uma sociedade empresarial. O

neoliberalismo faz-se presente, como parte da sociedade brasileira, deste século XXI, também no programa da Olimpíada de Língua Portuguesa, na sua organização, na sua condução e nos resultados esperados pelos participantes que seguem “as regras” propostas para as escolas, os professores e os alunos. Assim, tornam-se governamentalizados para, essa competição, reverterem o panorama da expressão escrita no Brasil.

A escola busca progresso em relação à escrita. No âmbito neoliberal, de acordo com Veiga-Neto (2000), tem-se a ilusão de que as escolhas são pessoais, quando na verdade são influenciadas por um sistema de tecnologias de governo em que os governados são incentivados a se conduzirem com liberdade racional. Olhemos para as estratégias de governamento do programa Olimpíada de Língua Portuguesa, entendendo que tal política é constituída em uma racionalidade neoliberal que joga a condução para a escola, para os professores e para o aluno, ampliando a rede de governamento no processo da produção da escrita.

Para Rose, essa forma une

[...] estratégias e [...] programas liberais de governo, pois esses domínios não são “dominados” pelo governo, mas devem ser conhecidos, compreendidos e abordados de uma forma tal que os eventos em seu interior [...] ajudem todos a melhor se governarem (2001, p.40).

Ao qualificar-se e/ou munir-se didaticamente, o professor estará, por consequência, qualificando as produções escritas dos alunos, uma vez que estas são colocadas em redes de exposições e passam a ter um caráter de uma escrita ‘competitiva’. Desse modo, vai se transformando o processo da expressão escrita num aparato complexo, significativo e contínuo para que os sujeitos-alunos e os professores encontrem neles a responsabilidade na administração de seus próprios limites e de suas potencialidades em relação à escrita.

Nesse contexto, torna-se fundamental que os sujeitos envolvidos – professores e alunos – tomem para si as rédeas do processo de busca de soluções para a melhoria de sua qualidade da produção escrita. Assim, parece que os docentes são habilitados para conduzir o processo de construção da escrita, porém, são, ao mesmo tempo, conduzidos pelos organizadores do programa. Evidencia-se, dessa forma, que “a governamentalidade é máxima no neoliberalismo” (VEIGA- NETO, 2000, p. 203).

Com isso, é averiguado que, o professor, ao ‘tomar as rédeas’, satisfaz a um sistema previamente organizado para que tenha menos custos e atinja maior número de sujeitos para que possam atuar no governamento de si e dos outros de acordo com Nozu e Bruno

[...] no contexto da governamentalidade neoliberal, os cursos de formação tem se caracterizado pela superficialidade e ocorrido em escala industrial, visando formar/conformar o maior número de sujeitos, num menor tempo possível e com a maior economia de custos. Além disso, tais cursos de formação podem ser compreendidos como um dispositivo neoliberal para produção de professores que irão atuar no governamento dos outros e no governo de si (2013, p.8).

No caso o programa, através de uma competição vai atuando no governamento de muitos docentes e de forma econômica podendo modificar as práticas que se dão nas salas de aula dos participantes do programa. Confirmo isso mostrando a interface do site, a seguir, que apresenta uma página com a possibilidade de o docente apropriar-se de informações para o ano que transcorre e dos resultados da etapa concluída da III Olimpíada de Língua Portuguesa. No segundo link estão disponíveis: o curso Sequência didática: aprendendo por meio de

resenhas oferecido para 1.400 professores no ano de 2013 (realizado totalmente à

distância); textos de orientação da equipe da Olimpíada, produzidos a partir das experiências de professores em sala de aula, com dicas para os relatos de prática; e os Cursos para avaliadores, que contêm orientações para seleção de textos nos gêneros poema, memórias literárias, crônica e artigo de opinião.

Figura 7: Cursos on-line

Fonte: <http://escrevendo.cenpec.org.br>. Acesso em: 17 dez. 2012.

Como parte da formação dos docentes – Sequência didática: aprendendo por

meio de resenhas –, novas vagas seriam abertas no primeiro semestre de 2013.

Nesse mesmo espaço é mostrado um exemplo de uma professora que cria uma atividade a qual envolve literatura e o facebook. Grupos de estudos que foram proliferando, outros cursos formadores e os relatos que já fizeram ou fazem parte da estruturação do programa confirmam a construção do governamento do indivíduo/professor. Os recursos disponíveis no programa possibilitam aos docentes o entendimento de que “[...] tudo isso, no amplo registro das novas formas, parece estar assumindo a governamentalização nas ultimas décadas” (PORTOCARRERO; BRANCO, 2000. p.181).

Pode-se dizer que, de acordo com Portocarrero e Branco, “a escola funciona como um lócus de acontecimentos acessível ao controle e à aplicação de novos saberes e, principalmente, de preparar as massas a viverem num Estado governamentalizado” (2000, p.181). Acredito que o programa Olimpíada de Língua Portuguesa, em análise, funcione, também, como um lócus de acontecimentos acessíveis à aplicação de saberes e ao controle especialmente quando os docentes pautam-se das orientações oferecidas pelo programa fortalecendo dessa forma um Estado governamentalizado.

Gadelha (2009) corrobora dizendo que o bom governo deve ser orientado por: ‘paciência’, saber aliar a sabedoria e a diligência na gestão das coisas do Estado; ‘sabedoria’, concatenar aos objetivos a diligência e a paciência; ‘diligência’, o governante só deve governar na medida em que se considere e aja como se estivesse a serviço dos governados. Dessa forma, o professor apropria-se do conhecimento para que possa ser ‘um bom governo’ e estar a serviço dos governados.

Na rede que se forma através do programa, percebem-se as estratégias de governamento. Há momentos em que os professores são conduzidos, e outros em que conduzem condutas. Veiga-Neto e Lopes afirmam que “toda a discursividade

o governamento das populações” (2007, p.8). Altenfelder (2010)17

contribui para o entendimento das estratégias de governamento na competição, quando apresenta e analisa a adesão e a participação dos professores, das escolas nacionais ao projeto e a Olimpíada de Língua Portuguesa, até sua segunda edição de 2010.

O Ministério da Educação (MEC), como órgão público responsável, condutor e apoiador na transformação dos sujeitos competentes quanto à sua governabilidade, presta sua função através da Olimpíada de Língua Portuguesa. Ele oferece à comunidade escolar uma oportunidade democrática, garantindo a participação no projeto. Ao governamento dos indivíduos, na opinião de Rose soma- se “à tentativa de inculcar certa relação consigo mesmo por meio de transformações nas mentalidades ou daquilo que se poderia chamar de ‘técnicas intelectuais’ leitura, memória, escrita, habilidade numérica, e assim por diante” (2001, p.43). As técnicas intelectuais especialmente a leitura e escrita se fazem presentes com a participação no programa.

Essas transformações acontecem quando os sujeitos – tanto docentes como discentes – se tornam, por meio da competição, proprietários dessas “técnicas intelectuais” e as aperfeiçoam. Assim, tomam consciência daquilo que já sabem e daquilo que ainda não sabem. E ainda passam a apropriar-se do saber em relação à expressão escrita, oferecendo mais propriedade ao indivíduo para governar a si mesmo e ao grupo.

Por conseguinte, a Olimpíada de Língua Portuguesa é um aparato de governamentalização que contribui para a construção do sujeito, enquanto se faz no processo de construção da escrita, uma vez que este é contínuo e complexo para o aluno e para os docentes. Portanto, necessita que se ‘lance mão’ do maior número de estratégias para ampliar o campo da expressão escrita, atualmente tão deficitária. Ações contidas no programa em estudo podem, como descrito por Veiga-Neto e Lopes, “ser compreendidas como ações de Governo que atuam promovendo o governamento das populações; seu objetivo maior é a promoção da vida [...]” (2007, p.5).

3.2.3 Estratégias de governamento para o aluno no concurso da Olimpíada

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Condutora dos docentes em formação e organizadora dos Cadernos de Orientação para Professores da Olimpíada de Língua Portuguesa.