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Sumário. Texto Integral. Tribunal da Relação de Évora Processo nº 226/19.3T8LLE-A.E1

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Tribunal da Relação de Évora Processo nº 226/19.3T8LLE-A.E1 Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO Sessão: 28 Janeiro 2021

Votação: UNANIMIDADE

JUROS REMUNERATÓRIOS JUROS MORATÓRIOS CAPITALIZAÇÃO DE JUROS CONSTITUCIONALIDADE

Sumário

I - O artigo 8.º do DL n.º 58/2013, de 08/05 não é de julgar inconstitucional por violação do Princípio da Igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP; II - A capitalização de juros e a respetiva cumulação com a aplicação de

sobretaxa convencionada não é ilegal no âmbito das relações das instituições de crédito, sociedades financeiras, instituições de pagamento, instituições de moeda eletrónica e outras entidades legalmente habilitadas para a concessão de crédito e os seus clientes.

(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora

I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Embargante: (…) e (…), Lda.

Recorrida / Embargada: Caixa Económica Montepio Geral

Os presentes autos consistem em embargos de executado deduzidos contra a execução instaurada com base numa livrança com o valor de € 574.944,13 (quinhentos e setenta e quatro mil, novecentos e quarenta e quatro euros e treze cêntimos), vencida em 2018/08/23, subscrita pela Executada (…) e (…), Lda. e avalizada pelos executados (…) e (…).

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aposto na livrança contempla juros capitalizados, sendo que a Embargada foi acrescentando os juros remuneratórios ao capital em débito e passou a

considerá-los também capital, de forma a calcular os juros sobre o montante total (de capital e juros remuneratórios), o que não é legalmente permitido. Dado que não foi celebrada entre as partes convenção posterior ao

vencimento dos juros que permitisse a sua capitalização, nem se verificou a notificação à Embargante, não pode haver lugar à capitalização de juros, nem pode haver cumulação com a cláusula penal, a cláusula acordada que consiste na aplicação de uma sobretaxa de juros em caso de mora, que acresce aos juros remuneratórios: tendo as partes acordado o agravamento de juros em caso de mora, deverá considerar-se que o anatocismo se encontra excluído. Logo, o capital em dívida não excede € 380.000,00. De todo o modo, alega que não estando incluídos na dívida hipotecária mais do que 3 anos de juros, não poderão eles ser capitalizados. Conclui, pois, a Embargante que aos juros moratórios peticionados são exagerados, pois foram calculados com base num capital inflacionado pela capitalização de juros remuneratórios quando apenas podiam ter sido calculados sobre o capital efetivamente em dívida, impondo-se a redução em conformidade.

A Embargante mais deduziu oposição à penhora, sustentando que o auto de penhora deve ser dado sem efeito, pois o valor dos prédios constante no auto de penhora é incorreto, “valendo muito mais do que o que se pretende

garantir.”

Em sede de contestação, a Embargada pugna pela improcedência da oposição, invocando ter sido posteriormente acordado pelas partes, verificado que foi o incumprimento, a capitalização de juros, cuja cumulação com a aplicação da sobretaxa acordada se afigura legal, atento o regime que regula a atividade das instituições financeiras.

II – O Objeto do Recurso

Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida

sentença julgando oposição improcedente, determinando o prosseguimento da execução nos seus precisos termos.

Inconformada, a Embargante apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que determine a prossecução dos embargos. Conclui a alegação de recurso nos seguintes termos:

«a) No nosso modesto entendimento, o artigo 7.º (principalmente o seu n.º 3) do Dec.-Lei n.º 344/78, de 17/11, e o artigo 8.º do Dec.-Lei n.º 58/2013, de 08 de maio, estão feridos de inconstitucionalidade, por violação do “Princípio da Igualdade” previsto no artigo 13.º, n.º 1, da C.R.P. e reafirmado solenemente

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nos artºs 9.º, alínea d) e 81.º, alínea d), todos eles da Constituição da República Portuguesa, na modalidade da igualdade na criação da lei, que proíbe o livre arbítrio legislativo.

b) O princípio da igualdade impõe ao legislador que, na feitura de uma norma jurídica, aja com ponderação e justa medida, ou seja, proíbe-lhe o excesso ou a desproporcionalidade em sentido lato, competindo-lhe equilibrar as vantagens de que gozam os mais fortes e as oportunidades que devem ser asseguradas aos mais fracos.

c) No que concerne às relações jurídicas entre os Bancos e os seus clientes (individuais ou coletivos), é patente a gigantesca diferença de poder entre os primeiros e os segundos (com o equilíbrio de forças a pender, de forma

inexorável e extrema, para o setor bancário, de forma que reputamos (nós e muitos outros) iníqua.

d) Ora, a nosso ver – e com respeito por melhor opinião – o legislador, nos preceitos que reputamos inconstitucionais, consagrou uma solução injusta e abusiva, colocando os clientes bancários em desvantagem muito exagerada relativamente às instituições de crédito.

e) O legislador, ao arrepio de criar uma norma que protegesse os cidadãos da gigantesca e lucrativa máquina bancária, criou uma regra que assegura às instituições bancárias duas compensações cumulativas pelo incumprimento dos clientes bancários: a capitalização de juros remuneratórios e uma

sobretaxa de juros moratórios.

f) Esta solução é injusta e desproporcional (colocando os cidadãos em situação de desvantagem exagerada), pois a mesma aumentou e continua a aumentar a desigualdade entre os mais fortes e os mais fracos e vulneráveis.

g) A cumulação da sobretaxa com a capitalização de juros reflete uma situação injusta e desproporcionada.

h) A 1ª Instância deveria ter decidido que a Apelada não podia cobrar a sobretaxa, reduzindo, portanto, em conformidade, a dívida exequenda (ou seja, deveria ter eliminado a sobretaxa de juros, mantendo apenas a

capitalização).

i) A Apelante não deve à Apelada a quantia por ela reclamada, mas sim e

apenas a quantia que decorre de cálculo aritmético, tendo como referências os factos acima transcritos do Requerimento Inicial dos Embargos.

j) A contabilidade bancária é extremamente difícil para leigos (ou seja, a

esmagadora maioria dos cidadãos), que podem ser facilmente enganados pelo modo de apresentação dos valores pagos e a pagar, o cálculo dos juros, as capitalizações, as sobretaxas, taxas, comissões e outros encargos, para além de inúmeros e enormes documentos com “letras pequenas” que fazem com que muitos pormenores do negócio “escape” aos clientes bancários.

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k) Por isso, deverá ser produzida a prova pericial (e testemunhal) requerida pela Apelante no seu Requerimento de Embargos, que o Meritíssimo Juiz “a

quo” não mandou realizar, a fim de poder ser efetuada uma avaliação correta

da dívida exequenda.

l) No nosso modesto entender e com o devido respeito, o Meritíssimo Juiz “a

quo” fez errada aplicação do artigo 7.º (principalmente do seu n.º 3) do

Dec.-Lei n.º 344/78, de 17/11, e do artigo 8.º do Dec.-Dec.-Lei n.º 58/2013, de 08 de maio, que considerou constitucionais, quando o não são.»

Atentas as conclusões da alegação do recurso, que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso[1], cumpre apreciar se deve afastar-se a aplicação do regime inserto no art. 7.º/3 do DL n.º 344/78, de 17/11 e no artigo 8.º do DL n.º 58/2013, de 08/05 de maio, por inconstitucionalidade. III – Fundamentos

A – Os factos provados em 1.ª Instância

1º- Por escritura outorgada 4 de Abril de 2011 no Cartório Notarial de Lisboa (…), exarada de fls. 33 a fls. 38 do livro (…), o (…), S.A., pessoa coletiva n.º (… ), matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o mesmo número, procedeu ao trespasse à Caixa Económica Montepio Geral, aqui Exequente do “estabelecimento comercial que constitui a universalidade de ativos (intangíveis e fixos tangíveis) e passivos, nomeadamente, contratos de depósito, contrato de mútuo, e, de uma forma geral, a totalidade dos direitos e obrigações de que é titular o trespasse no âmbito da sua atividade bancária” – cfr. documento n.º 1 junto com requerimento executivo, que aqui se dá por reproduzido.

2º- De entre os direitos e obrigações transmitidas “estão incluídos neste

contrato de trespasse, nomeadamente, os créditos sobre mutuários, devedores e restante clientela a ele afeta, acompanhada de todas as garantias e

acessórios”, o que faz com que, presentemente, a exequente CEMG seja a atual titular do crédito em causa na execução.

3º- Por contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente (Contrato abertura de crédito com hipoteca n.º …) celebrado por escrito particular de 12/07/2010 e acordos adicionais de 7/05/2012, 6/02/2013 e de 28/08/2014, a ora

Exequente, no âmbito da sua atividade de instituição de crédito, abriu um crédito em conta corrente a favor dos Executados até ao montante de € 380.000,00 (trezentos e oitenta mil euros), montante de que aqueles se confessaram devedores, à taxa de juro anual e nas demais condições constantes da Escritura e Documento Complementar e adicionais – cfr. documento n.º 2 junto com requerimento executivo.

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4º- Para garantia do integral cumprimento das obrigações assumidas no referido contrato, os Executados constituíram a favor da Exequente hipoteca voluntaria com cláusula de efeito abrangente, por escritura celebrada a 12/07/2010, lavrada no Cartório Notarial de Loulé de fls. 114 a 117v do livro 145, para garantia do pagamento de toda e qualquer quantia de que a ora Exequente fosse ou viesse a ser credora dos agora Executados, isoladamente ou em conjunto ou solidariamente com terceiros, até ao montante máximo de capital de € 500.000,00 (quinhentos mil euros), acrescidos de juros e

despesas, com um montante máximo assegurado de até € 670.000,00 (seiscentos e setenta mil euros) sobre os seguintes imóveis:

- Prédio urbano, lote seis, moradia unifamiliar com 3 piso e logradouro arrumos e garagem, sito na Rua (…), n.º 10, em (…), freguesia de Faro (Sé), concelho de Faro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo (…);

- Prédio urbano, lote sete, moradia unifamiliar com 3 piso e logradouro arrumos e garagem, sito na Rua (…), n.º 12, em (…), freguesia de Faro (Sé), concelho de Faro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo (…) – cfr. documento n.º 3 junto com requerimento executivo, que aqui se dá por reproduzido.

5º- Hipotecas que se encontram definitivamente registada através da inscrição AP. (…) de 2010/07/12, e averbamento da transmissão de créditos a favor da exequente pelo Averb. Ap. (…) de 2017/09/12 – cfr. documentos n.º 4 e 5 junto com requerimento executivo, que aqui se dão por reproduzidos.

6º- O montante do capital mutuado foi disponibilizado aos Executados e por eles utilizado a título de empréstimo, pelos prazos, juros, forma de pagamento e demais condições constantes no contrato e adicionais e nos termos do

extrato de movimentos de conta corrente – cfr. documento n.º 6 junto com requerimento executivo.

7º- Os Executados acordaram que, em caso de incumprimento do contrato, a Exequente poderia substituir as obrigações, mediante novação, por uma obrigação cambiária constante de uma livrança em branco, subscrita pelos Executados e entregue à ora Exequente na data do contrato, dando aqueles o seu consentimento ao preenchimento da livrança entregue.

8º- Os Executados não cumpriram as obrigações contratualmente assumidas, pelo que a Exequente resolveu o contrato, procedendo ao preenchimento da livrança com o valor devido nos termos acordados – cfr. documentos n.º 7 a 12 junto com requerimento executivo.

9º- A Exequente é tomadora e legítima portadora de uma livrança no valor de € 574.944,13 (quinhentos e setenta e quatro mil, novecentos e quarenta e

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quatro euros e treze cêntimos), vencida em 2018/08/23, subscrita pela Executada (…) e (…), Lda. e avalizada pelos executados (…) e (…) – cfr. documento n.º 12 junto com requerimento executivo.

10º- A referida livrança, cuja relação subjacente é o contrato acima invocado e documentado, não foi paga, nem na data do seu vencimento, nem

posteriormente, por nenhum dos Executados.

11º- Os juros calculados sobre o acima referido valor de € 574.944,13 e relativamente ao período entre 23/8/2018 e 14/1/2019 somam € 15.877,91, a que acresce imposto de selo no valor de € 635,12.

12º- Pelo menos parte do valor liquidado e que ficou a constar na livrança indicada no facto provado 9º corresponde ao produto de juros calculados sobre os juros vencidos e não pagos, ou seja à capitalização de juros.

13º- Entre a Embargante e a Embargada foi celebrado em 28/8/2014 o acordo denominado “Adicional a Contrato abertura de crédito em conta corrente n.º (…)”, respeitante ao contrato referido no facto provado 3º, e onde acordaram, entre outros, sob a cláusula 2ª, números 1 a 3:

«1 - A partir de 12/7/2014, inclusive e até 31/12/2015, não haverá lugar ao pagamento de juros, sendo que os juros que, entretanto, se vençam acrescem ao capital efetivamente utilizado pela parte devedora.

2 - As importâncias que, nos termos do disposto do numero anterior, sejam capitalizáveis, traduzem-se num aumento ao crédito em conta corrente aberto à parte devedora, cujo montante oportunamente será comunicado pela CEMG à parte devedora.

3 - Os juros capitalizáveis, por constituírem um aumento de capital em débito a cargo da parte devedora, traduzem-se num aumento do crédito em conta corrente aberta pela CEMG o qual, para efeitos de execução, será apurada em documento a elaborar por esta, que revestirá força executiva, nos termos e para aos efeitos do artigo 707º do Código de Processo Civil» – cfr. documento junto com o requerimento executivo.

14º- Em 29/1/2019 foi efetuada a penhora dos seguintes imóveis:

Verba 1- Prédio urbano em propriedade total sem andares nem divisões

suscetíveis de utilização independente, denominado Lote Seis, situado na Rua (…), n.º 10, 8005-334 Faro, composto por moradia unifamiliar com 3 pisos e logradouro, para habitação, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o n.º (…), da freguesia de Faro (Sé), inscrito na respetiva matriz predial urbana pelo artigo (…), com o valor de 166.421,30 euros:

Verba 2- Prédio urbano em propriedade total sem andares nem divisões

suscetíveis de utilização independente, denominado Lote Sete, situado na Rua (…), n.º 12, 8005-334 Faro, composto por moradia unifamiliar com 3 pisos e logradouro, para habitação, descrito na Conservatória do Registo Predial de

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Faro sob o n.º (…), da freguesia de Faro (Sé), inscrito na respetiva matriz predial urbana pelo artigo (…), com o valor de 161.442,98 euros.

B – O Direito

A decisão proferida em 1.ª Instância, no que respeita à capitalização dos juros e à aplicação de sobretaxa pela mora, decorre do acordo posterior firmado entre as partes prevendo essa capitalização (relevando para efeitos do previsto no art. 560.º/1 do CC), do acordo firmado com vista à aplicação da sobretaxa, destinando-se a acautelar diversas finalidades, e do facto de o n.º 3 do artigo 7.º do DL n.º 344/78, de 17/11, permitir o recurso simultâneo a ambos os meios.

Na ótica da Recorrente, tal normativo legal, assim, como o artigo 8.º DL n.º 58/2013, de 08/05, padecem de inconstitucionalidade.[2] Considera ter sido violado, pelo legislador, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º/1 da CRP, já que permite excesso ou desproporcionalidade em sentido lato, não equilibrando as vantagens de que gozam os mais fortes e as oportunidades que devem ser asseguradas aos mais fracos, sendo que nas relações jurídicas entre os Bancos e os seus clientes existe diferença de poder entre os primeiros e os segundos; a legislação em causa consagrou uma solução injusta e

abusiva, colocando os clientes bancários em desvantagem relativamente às instituições de crédito.

Ora vejamos.

Nos termos do disposto no art. 7.º/3 do DL n.º 344/78 de 17/11, na redação introduzida pelo DL n.º 83/86, de 06/05, os juros de mora incidem sobre o

capital já vencido, podendo incluir-se neste os juros capitalizados correspondentes ao período mínimo de um ano.

Este segmento normativo, porém, não tem já aplicação legal, pois o DL n.º 344/78, de 17/11 foi revogado pelo art. 12.º do DL n.º 58/2013, de 08/05. Embora se preveja no artigo 13.º do DL n.º 58/2013 a aplicação do seu regime às operações e contratos de crédito que venham a ser celebrados após a sua entrada em vigor, certo é que aí se prevê também que a matéria atinente à capitalização de juros e aos juros moratórios a que se referem os arts. 7.º e 8.º se aplica às situações de mora relativas a contratos de crédito em curso e que se verifiquem após a entrada em vigor das referidas normas, ainda que, nesses contratos, tenha sido estipulada cláusula penal moratória. Uma vez que o

acordo denominado Adicional a Contrato Abertura de Crédito em Conta Corrente, onde as partes convencionaram a capitalização dos juros, foi celebrado em 28/8/2014, o regime aplicável quanto às questões versadas neste recurso é o do DL n.º 58/2013, e não já o do DL revogado por este. Ora, o artigo 8.º do DL n.º 58/2013, de 08/05, cuja inconstitucionalidade vem

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também invocada, apresenta a seguinte redação:

1 - Em caso de mora do devedor e enquanto a mesma se mantiver, as instituições podem cobrar juros moratórios, mediante a aplicação de uma sobretaxa anual máxima de 3%, a acrescer à taxa de juros remuneratórios aplicável à operação, considerando-se, na parte em que a exceda, reduzida a esse limite máximo.

2 - A taxa de juros moratórios a que se refere o número anterior incide sobre o capital vencido e não pago, podendo incluir-se neste os juros remuneratórios capitalizados, nos termos do artigo anterior.

Os juros têm a natureza de fruto civil consubstanciado no rendimento que o capital produz em consequência de uma relação jurídica – cfr. art. 212.º/1 e 2 do CC. A obrigação de juros decorre da obrigação de capital, da qual é

dependente ou acessória, mas ainda assim autónoma, atento o regime da autonomia do crédito de juros consagrado no art. 561.º do CC.

Ora, os juros podem ser civis ou comerciais, consoante se trate de relação civil ou de relação comercial (cfr. arts. 559.º do CC e 102.º do Código Comercial), legais ou voluntários, caso decorram diretamente da lei ou da estipulação das partes, legais ou convencionais quanto à taxa aplicável se esta estiver fixada na lei ou tenha sido acordada entre as partes, remuneratórios ou moratórios consoante respeitem à remuneração do capital/compensação pelo uso ou disponibilidade do capital de outrem ou à reparação do dano decorrente do atraso no cumprimento da restituição do capital.

A circunstância de os juros vencidos produzirem juros, a denominada capitalização de juros, traz à colação o regime inserto no art. 560.º do CC. Determina este preceito legal que os juros vencidos, desde que

correspondentes ao período mínimo de um ano (cfr. n.º 2 do artigo 560.º do CC), só podem produzir juros se:

- existir convenção posterior ao vencimento;

- ter o credor notificado judicialmente o devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao pagamento sob pena de capitalização;

- se assim o permitirem as regras ou usos particulares do comércio.

No caso que temos em mãos, a capitalização de juros é de admitir desde logo por as partes nisso terem acordado, após terem os devedores incorrido em incumprimento.

Ainda que assim não fosse, teria cabimento por via do disposto no art. 7.º do DL n.º 58/2013, de 08/05.

Tal diploma é aplicável às instituições de crédito, sociedades financeiras,

instituições de pagamento, instituições de moeda eletrónica e outras entidades legalmente habilitadas para a concessão de crédito e que estejam sujeitas à supervisão do Banco de Portugal – cfr. art. 2.º. Procede à revisão e atualização

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de diversos aspetos do regime aplicável à classificação dos prazos das operações de crédito, aos juros remuneratórios, à capitalização de juros e à mora do devedor, tendo em vista uma maior uniformização de práticas e, bem assim, tornar o mercado bancário a retalho mais transparente e equilibrado, colocando o seu principal enfoque no regime aplicável à mora do cliente bancário nos contratos de crédito celebrados – cfr. preâmbulo o citado DL. O art. 7.º estabelece o seguinte:

1 - A capitalização de juros remuneratórios, vencidos e não pagos, depende de convenção das partes, reduzida a escrito, não podendo os mesmos ser

capitalizados por períodos inferiores a um mês.

2 - A eficácia da capitalização de juros remuneratórios não depende de notificação ao devedor.

3 - Para efeitos de aplicação de juros moratórios, os juros remuneratórios que integram cada prestação vencida e não paga só podem ser capitalizados uma única vez.

4 - Nos contratos em que tenha sido estipulada carência de pagamento de juros, não pode haver capitalização de juros remuneratórios correspondentes a períodos inferiores a três meses.

5 - Só é admissível a capitalização de juros moratórios mediante acordo das partes, reduzido a escrito, e no âmbito de reestruturação ou consolidação de contratos de crédito.

A questão fulcral suscitada neste recurso consiste em saber se é

inconstitucional, à luz do artigo 13.º da CRP, a norma legal que permite a cumulação da capitalização de juros com a aplicação de sobretaxa

convencionada entre as partes em caso da mora. A Recorrente suscita tal questão relativamente ao art. 7.º/3 do DL n.º 344/78, de 17/11, na redação introduzida pelo DL n.º 83/86, de 06/05 e, bem assim, ao artigo 8.º do DL n.º 58/2013, de 08/05.

É certo que a sobretaxa, no caso de a mora se referir à obrigação de juros, constitui, em regra, compensação suficiente pelo não cumprimento da

obrigação de juros. A cumulação da sobretaxa com a capitalização dos juros conduziria a um benefício excessivo ou desproporcionado para o credor, pelo que a convenção que permita, em caso de mora na realização da prestação de juros, o agravamento da taxa de juros deverá implicar a exclusão do

anatocismo, da capitalização dos juros. Restrições que «não valem, no entanto, se forem contrárias às regras ou usos do comércio (artigo 560.º, n.º 3, do

Código Civil).»[3]

A regra contida no art. 7.º/3 do DL n.º 344/78, de 17/11, que permitia essa cumulação, encontra-se revogada e não tem aplicação ao presente caso, como decorre do supra exposto. Por conseguinte, é desprovido de sentido sustentar

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a sua inaplicabilidade a coberto do seu carater inconstitucional que, assim sendo, não cabe aqui apreciar.

Contrariando as restrições consagradas no art. 560.º do CC temos antes, em sede das relações mantidas entre as instituições de crédito, sociedades financeiras, instituições de pagamento, instituições de moeda eletrónica e outras entidades legalmente habilitadas para a concessão de crédito e os seus clientes, o art. 8.º do DL n.º 58/2013, de 08/05. Decorre de tal preceito legal que, em caso de mora do devedor e enquanto a mesma se mantiver, as

instituições podem cobrar juros moratórios, mediante a aplicação de uma sobretaxa anual máxima de 3%, a acrescer à taxa de juros remuneratórios, sendo que a taxa de juros moratórios pode incidir sobre o capital vencido e não pago, que pode incluir juros remuneratórios capitalizados.

A inconstitucionalidade de tal normativo foi apreciada em acórdão recente deste Tribunal da Relação. Nele se exarou que, tendo em conta a diversa posição em que se encontram os clientes bancários e as instituições de

créditos, «o legislador interveio na regulação do direito a juros, em defesa até dos direitos dos clientes, referindo (…) no preâmbulo do DL n.º 58/2013, de 08/05 que “existem hoje algumas práticas bancárias relacionadas com

situações de incumprimento que carecem de intervenção legislativa, tendo em vista, uma maior uniformização de práticas e, bem assim, tornar o mercado bancário a retalho mais transparente e equilibrado. Deste modo, mantendo a tradicional classificação dos créditos em função dos prazos por que são

concedidos e introduzindo novos mecanismos que disciplinem os critérios de contagem e de cobrança de juros pelas instituições, o presente diploma coloca o seu principal enfoque no regime aplicável à mora do cliente bancário nos contratos de crédito celebrados.” Apesar de no nosso ordenamento vigorar o princípio da igualdade não significa que a CRP imponha a exigência de

igualdade absoluta em todas as situações, não proibindo diferenças de

tratamento. Não obstante da insatisfação da recorrente por no seu entender “o legislador, ao arrepio de criar uma norma que protegesse os cidadãos da gigantesca e lucrativa máquina bancária, criou uma regra que assegura às instituições bancárias duas compensações cumulativas pelo incumprimento dos clientes bancários: a capitalização de juros remuneratórios e uma

sobretaxa de juros moratórios” não se pode concluir, quanto a nós, que as normas em causa que estipulam sobre juros consubstanciem determinações que violem o principio constitucional da igualdade tal como o mesmo é caraterizado no artigo 13º da CRP, pois não estamos, ao contrário do que defende ao recorrente, perante arbítrio do legislador ao permitir a

possibilidade de cumulação das duas realidades jurídicas atendendo às diferenças que presidem ao estabelecimento de uma cláusula penal e à

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previsão da capitalização de juros, não se podendo olvidar que o situação e regime especial em que se encontram as instituições de crédito. “A vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a

liberdade de conformação legislativa” cabendo-lhe a ele “definir ou qualificar as situações de facto ou a relações da vida que hão de funcionar como

elementos de referência a tratar igual ou desigualmente”. Por isso, “a proibição do arbítrio, ao valer como princípio objetivo de controlo, não

significa em si mesma, simultaneamente, um direito subjetivo público a igual tratamento”,[4] inexistindo, por isso, no caso em apreço, uma verdadeira desigualdade de tratamento por parte do legislador, que caraterize uma descriminação ilegítima consentânea com arbítrio legislativo de tratamento diferenciado injustificado, ao legislar, nos moldes consignados, sobre os juros moratórios e remuneratórios a suportar pelos clientes das instituições

financeiras relativamente a empréstimos por estas efetuadas aqueles, não se podendo concluir que a cumulação da sobretaxa com a capitalização de juros reflete uma situação injusta e desproporcionada não consentânea com os princípios estruturantes da nossa sociedade, vertidos na Constituição da República Portuguesa.»[5]

Acolhendo e subscrevendo a jurisprudência deste Tribunal, afigura-se inexistir fundamento para declarar o art. 8.º do DL n.º 58/2013, de 08/05,

inconstitucional por violação do Princípio da Igualdade consagrado no art. 13.º da CRP.

Termos em que se conclui ser devida a capitalização de juros e, bem assim, a respetiva cumulação com a aplicação da sobretaxa convencionada quer

porque assim foi acordado entre as partes quer porque a lei não o proíbe, antes o prevê.

Improcedem, deste modo, as conclusões da alegação do recurso.

Sem custas, por delas estar dispensada a Recorrente vencida, atento o benefício do apoio judiciário concedido.

Concluindo: (…) IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.

Sem custas, por delas estar dispensada a Recorrente vencida. Évora, 28 de janeiro de 2021

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Isabel de Matos Peixoto Imaginário Maria Domingas Simões

Vítor Sequinho dos Santos

__________________________________________________ [1] Cfr. artigos 637.º, n.º 2 e 639.º, n.º 1, do CPC.

[2] Questão que, não tendo sido suscitada em 1.ª Instância, por se tratar de matéria de conhecimento oficioso, cabe aqui apreciar.

[3] Cfr. Ac. TRL de 17/02/2011 (Henrique Antunes).

[4] V. Gomes Canotilho, Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª edição, 339.

Referências

Documentos relacionados

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