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Sumário. Texto Integral. Tribunal da Relação de Évora Processo nº 91/06-2

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Tribunal da Relação de Évora Processo nº 91/06-2

Relator: MANUEL MARQUES Sessão: 26 Outubro 2006 Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: APELAÇÃO

Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA

ACIDENTE DE VIAÇÃO TRAVESSIA DE PEÕES

Sumário

I - O condutor não é obrigado a prever ou contar com a falta de prudência dos restantes utentes da via – veículos, peões ou transeuntes – antes devendo razoavelmente partir do pressuposto de que todos cumprem os preceitos regulamentares do trânsito e observam os deveres de cuidado que lhes subjazem.

II - Ao condutor só é humanamente exigível contar com o aparecimento de obstáculos normalmente previsíveis, em face das circunstâncias concretas.

Texto Integral

*

**

Proc. N.º 91/06-2

Apelação em Processo Ordinário

Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre (2º Juízo) - Proc. N.º 174/03.9TBPTG

Recorrente: David ………..

Recorrida: Companhia de Seguros Fidelidade - Mundial, SA

Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de

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Évora:

I. David ………. intentou contra a Companhia de Seguros Mundial

Confiança, SA, a presente acção declarativa, sob a forma ordinária, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 156.695,51 euros, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de um acidente de viação de que foi vítima, e em que foi interveniente o segurado da ré, acrescida dos juros à taxa legal, a contar da citação, bem como a assegurar-lhe, no futuro, a

assistência médica e medicamentosa e de tratamentos de que necessite, ou pagar-lhe o valor dos gastos que nisso venha a fazer, para além de todas as despesas hospitalares.

Citada a ré, veio a Companhia de Seguros Fidelidade SA contestar a acção, alegando ter incorporado em operação de fusão a Companhia de Seguros

“Mundial Confiança”, SA.

Posteriormente, o Hospital Drº José Maria Grande deduziu incidente de

intervenção principal espontânea, o qual viria a ser admitido pelo despacho de fls. 124, apresentando articulado e deduzindo o seu pedido contra a ré,

peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de €8.052,16, acrescida dos juros vencidos, no montante de €1,209,07, e vincendos, relativo à prestação dos cuidados de saúde ao autor e a Maria Glória ………, vítimas do acidente em causa nos autos.

Pelo despacho de fls. 105 foi ordenada a citação do organismo de Segurança Social, tendo o Instituto de Solidariedade e Segurança Social deduzido contra a ré pedido de reembolso das quantias pagas ao autor decorrentes do acidente de viação em causa nos autos.

Elaborado o despacho saneador, foram fixados os factos assentes e a base instrutória.

Posteriormente foi, nos termos do art. 275º do C. P. Civil, ordenada a

apensação aos presentes autos da acção sumaríssima n.º 850/03.6TBPTG que o Hospital Dr. José Maria Grande move à ora ré, na qual peticiona o

pagamento da quantia de €1.028,02, acrescida dos juros de mora, vencidos, no montante de €308,41, e vincendos, relativo à prestação dos cuidados de saúde a Maria Glória ……….. vítima do acidente em causa nos autos (vide decisão de fls. 55 desses autos).

No início da audiência de julgamento foram incluídos novos factos na base instrutória e nos “factos assentes”.

As duas acções foram objecto de um único despacho saneador e de um mesmo julgamento.

Proferida sentença, foi a ré absolvida dos pedidos contra si formulados.

Inconformado, veio o autor interpor o presente recurso de apelação, cujas

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alegações de fls. 382 a 390 terminou com a formulação das seguintes conclusões:

a) o embate em causa deu-se sobre a raia ou zebra indicada no croquis elaborado pelo agente policial participante, estando autor e sua mulher aí parados.

b) Só a condutora do veículo BX referido nos autos é responsável pelo acidente de viação em apreço.

c) A Ré deve ser condenada nos termos do pedido formulado na petição inicial desta acção.

d) A sentença em apreço violou o disposto nos artigos 483.ºs do Código Civil conjugado com os artigos 13.º n.º 1 do C.E. então em vigor e 6.º n.º 14 alíneas a) e b) do Regulamento desse Código.

e) Há motivo para anular a decisão em análise, à luz do n.º4 do artigo 712.º do C.P.C. ou alterar a decisão do Tribunal “a quo” sobre a matéria de facto nos termos do mesmo normativo, alíneas a) e b).

f) Alteração essa que terá de apontar para a definição do local de embate nos termos acima indicados na alínea a) destas conclusões.

A Apelada apresentou as alegações de fls. 403 e 404.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***

II. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual:

1. No dia 27 de Maio de 2000, à noite, pelas 00,20 horas, na EN 246, ao km 29,5, em Portalegre, ocorreu um acidente em que foram

intervenientes o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 22-28-BX, conduzido por Joaquina da Piedade………. e os peões David

………….. e Maria da Glória ………..

2. No dia, hora e local acima mencionados, circulava no sentido nascente/

poente o veículo automóvel de matrícula 22-28-BX, conduzido por

Joaquina da Piedade ……… que, ao chegar ao km 29,5, perto da entrada (estrada) que então dava acesso ao Bairro dos Assentos, em bateu com a parte dianteira no autor e na Glória ………...

3. No local do embate a estrada tinha uma largura de 7 metros.

4. No local do embate não haviam quaisquer rastos de travagem.

5. O local do acidente configura uma recta com boa visibilidade.

6. O acidente ocorreu com bom tempo e o local não tinha iluminação.

7. Nas proximidades do local do acidente inexistiam passadeiras que o autor pudesse ter utilizado para atravessar as referidas estradas.

8. O autor e a Glória ………….foram embatidos pelo BX pelo lado direito dos seus corpos, tendo ambos sido projectados pelo ar, embatendo no

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capota do BX e no pára-brisas da viatura, caindo de seguida ao solo.

9. Após o embate, no pára-brisas do BX eram visíveis cabelos do autor e da Glória ……..

10. Em consequência do embate dos corpos do autor e da Glória ……… no BX, o capota da viatura ficou amolgado e o pára-brisas partido.

11. Aquando do acidente, o veículo 22-28-BX pertencia a Carlos da Silva

…………, que seguia como passageiro ao lado da Joaquina da Piedade

………., sua mulher.

12. A Joaquina da Piedade………. tripulava a viatura com o conhecimento e consentimento de Carlos da Silva ………. e no interesse de ambos.

13. Existia, na altura do acidente, uma raia/zebra pintada no pavimento que separava a EN 246 da estrada que então dava acesso ao Bairro dos Assentos.

14. A referida zebra tinha cerca de 1/1,5 metro de largura.

15. Após o embate, o autor foi projectado para cima do capot do veículo e posteriormente caiu ao solo.

16. A condutora do BX não viu os peões a atravessar a via.

17. A condutora do BX circulava pela metade direita da faixa de rodagem, guardando uma distância da berma da ordem de um metro e a velocidade que rondava os 50 Km por hora.

18. Vários veículos circulavam naquela altura e na referida estrada.

19. A visibilidade da condutora do veículo de matrícula 22-28-BX ficou diminuída pelas luzes de um veículo que circulava em sentido contrário.

20. A condutora do veículo de matrícula 22-28-BX, após a diminuição de visibilidade referida no facto anterior, sentiu um impacto na parte da frente do mencionado veículo, apercebendo-se depois que tinha em batido em duas pessoas, uma das quais o autor.

21. Os peões encontravam-se a atravessar a estrada da esquerda para a direita, considerando o sentido de marcha do BX.

22. A travessia dos peões foi feita a correr, controlando a marcha dos veículos que vinham de poente e esquecendo-se de verificar se circulava algum veículo no sentido nascente.

23. O embate ocorreu na faixa de rodagem direita, considerando o

sentido de marcha do BX, a cerca de um metro da berma direita da via.

24. Após o embate, a condutora do BX travou, os peões foram projectados para a capota do veículo e embateram no pára-brisas, que se quebrou, tendo depois caído para a estrada.

25. O autor, após o embate, ficou com dores.

26. O autor foi dali transportado para o Hospital Doutor José Maria Grande (Hospital Distrital de Portalegre).

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27. O Autor é beneficiário da Segurança Social nº 112039927.

28. O autor foi tratado, examinado e operado no Hospital Distrital de Portalegre, na qualidade de utente do Serviço Nacional de Saúde.

29. Em Julho e Setembro de 2000, o Hospital Dr. José Maria Grande enviou à "Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, SA" o duplicado das facturas nº 3945 e 3128, fixando o prazo de 30 dias para a satisfação do respectivo pagamento.

30. Em 06.11.2000, a "Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, SA"

declinou a responsabilidade pelo pagamento das aludidas facturas.

31. As facturas hospitalares em causa ainda não foram pagas pela

"Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, SA".

32. Durante o período de baixa médica, o ISSS pagou ao beneficiário David ……….. a quantia de 6.823,29 euros, conforme declaração junta a fls. 120, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

33. Entre a "Companhia de Seguros Mundial Confiança, SA", actualmente incorporada, através de fusão, na "Companhia de Seguros Fidelidade, SA" e Carlos Silva ………. foi celebrado um acordo, titulado pela apólice nº 6.588.292, segundo o qual se transferiu a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo automóvel, ligeiro de

passageiros, de matrícula 22-28-BX, até ao capital de 130.000.000$00, conforme resulta da cópia do documento de fls. 85, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

34. Em 27.05.2000 e de 27.05.2000 a 31.05.2000, Maria Glória ……… foi assistida em consulta de urgência e esteve internada no Hospital Dr. José Maria Grande.

35. Cuidados de saúde que são no montante de 1.028.02 euros.

36. Em Julho de 2000, o Hospital enviou à ré o duplicado da factura nº 3128, fixando o prazo de trinta dias para o seu pagamento.

37. A factura hospitalar ainda não foi paga pela ré. Como consequência do acidente o autor sofreu um traumatismo craniano, escoriações na cabeça, cotovelos direito e esquerdo e fractura luxação trimaleolar direita com grande destruição da superfície articular.

38. Quando chegou ao Banco de Urgência foi-lhe feita limpeza e desinfecção das feridas que apresentava.

39. Foram-lhe feitos exames radiográficos e redução incruente da fractura luxação da tíbio-társica direita e imobilização com aparelho gessado.

40. O autor foi internado no dia 27/05/00 no Serviço de Ortopedia do Hospital Doutor José Maria Grande para vigilância e tratamento.

41. No dia 28/05/00, o autor iniciou levante para cadeira de rodas com

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prancha.

42. E no dia 30/05/00, após ter efectuado um exame radiográfico simples, efectuou um T AC da tíbio-társica direita que revelou grande

afundamento de toda a sua superfície articular.

43. No dia 6 de Junho do ano de 2000, o autor foi submetido a uma intervenção cirúrgica que consistiu na redução cruenta, instrumentação com material A.O., colocação de enxerto biológico e aplicação de

aparelho gessado.

44. No dia 13 de Junho de 2000 o autor iniciou treino de marcha com canadianas sem apoio do pé direito.

45. E no dia 23 de Junho de 2000, teve alta da enfermaria, com indicação de continuação de tratamento em consulta externa de ortopedia.

46. Antes de ser operado a 6 de Junho de 2002, o autor tinha a perna direita com coloração negra-amarela, desde o pé até um pouco acima do joelho.

47. Desde o dia do acidente até ao dia da operação o autor sofreu, um quantum doloris qualificável como “ considerável " dentro do seguinte escalonamento: 1. muito ligeiro: 2. ligeiro; 3. moderado; 4. médio; 5.

considerável; 6. importante; 7, muito importante.

48. De 23 de Junho de 2000 a 18 de Janeiro de 2001, o autor fazia pensos.

49. E durante algum tempo realizou tratamentos de fisioterapia.

50. O autor realizou mais de 60 dias de tratamentos de fisioterapia.

51. Durante o mesmo período de tempo o autor deslocou-se várias vezes à consulta de ortopedia.

52. Este período de tempo foi particularmente penoso para o autor, que para se deslocar para os tratamentos recorria com frequência a boleias de familiares ou amigos, e mais tarde, era a mulher que o transportava.

53. O autor por vezes esperava que a esposa o fosse buscar após as deslocações para acompanhamento clínico.

54. A 9 de Julho de 2001, o autor foi de novo internado no Serviço de Ortopedia do Hospital Doutor José Maria Grande, em Portalegre, por impotência funcional e dor na tíbio-társica direita.

55. A 11 de Julho de 2001 foi de novo submetido a intervenção cirúrgica que se traduziu em artrodese da tíbio-társica, por via anterior com

colocação de enxerto ósseo retirado da crista ilíaca antero-superior.

56. No período pós-operatório o autor sofreu, um quantum doloris qualificável como “considerável” dentro do seguinte escalonamento: 1.

muito ligeiro; 2. ligeiro; 3. moderado; 4. médio; 5. considerável; 6.

importante; 7. muito importante.

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57. E, a 17 de Julho de 2001,fez necrose da pele com sinais inflamatórios.

58. A 27 de Janeiro de 2001, o autor iniciou treino de marcha com canadianas sem apoio do pé direito.

59. A 29 de Julho de 2001 ocorreu a deiscência de sutura com cinco centímetros de comprimento e, em consequência disso, ao autor foi feita limpeza cirúrgica, iniciando então antibioterapia.

60. A 10 de Agosto de 2001 o autor teve alta da enfermaria.

61. O autor voltou a ser internado a 13 de Agosto de 2001 por necrose da pele do local da incisão cirúrgica ocorrida a 11 de Julho de 2001.

62. O autor iniciou, então, pensos na enfermaria, donde teve alta a 30 de Agosto de 2001.

63. Após O que continuou o tratamento em regime de consulta externa de ortopedia.

64. Radiografado a 18 de Março de 2002, revelava artrodese da tíbio- társica direita em boa posição, com consolidação viciosa da fractura do perónio, algodistrofia do pé direito, com artroses nas articulações da médio-társica.

65. Como sequelas do acidente ocorrido em 26.05.2000, resultaram para o autor marcha c1audicante, atrofia da massa muscular dos gémeos à direita superior a dois centímetros, cicatriz em L, de origem cirúrgica, com catorze centímetros de comprimento, depois de rectificada, sobre a região do maleolo tíbial direita.

66. Resultaram ainda para o autor uma cicatriz distrópica, facilmente ulcerável, com dez centímetros de comprimento por dois centímetros de largura na face anterior da tíbio-tarsica direita, anquilose da tíbio-társica direita e rigidez da médio-társica direita com alterações degenerativas das articulações do mesmo pé, traduzindo processo incipiente de atrose.

67. O autor queixa-se ainda de dores no pé direito quando anda, faz esforços, se mantém prolongadamente em pé ou se tenta ajoelhar.

68. Em consequência do acidente, o autor passou a ter dificuldades em realizar quaisquer actividades que impliquem a utilização dos membros inferiores.

69. As lesões que o autor sofreu têm carácter degenerativo.

70. As lesões artrósicas evoluirão no sentido do seu agravamento.

71. E condicionarão progressivamente a mobilidade das articulações em causa.

72. O autor era (e é) pintor da construção civil.

73. O rebate profissional das sequelas resultantes do acidente é

incompatível com o exercício da profissão de pintor da construção civil.

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74. O autor tem dificuldade em marchar transportando pesos, em estar prolongadamente de pé, em fazer movimentos repetidos de flexão- extensão dos membros inferiores e em efectuar mobilizações das articulações tíbio-társicas e médio-társicas.

75. Em consequência do acidente, o autor sofreu de incapacidade geral temporária total durante 96 dias, correspondentes a quatro

internamentos com quatro intervenções cirúrgicas aos ossos da perna direita.

76. O autor sofreu, com a referida etiologia, uma ITGP durante 1098 dias (entre o dia do acidente e o dia 01.09.2003, descontados os dias de

internamento hospitalar), esclarecendo-se que esta ITGP corresponde ao período em que o autor, ainda que com significativas limitações, retomou com alguma autonomia, a realização de algumas actividades da vida diária, familiar e social, embora tenha necessitado durante cerca de 2 anos de ajuda de terceira pessoa para a realização de actividades da vida diária, nomeadamente no vestir, despir e na higiene corporal e necessitou do apoio de 2 canadianas para deambular em casa.

77. O autor sofreu ainda de incapacidade temporário profissional total durante 1194 dias entre o dia 26.05.2000 e o dia 01.09.2003, data fixada pela perícia de avaliação do dano corporal em direito civil de

consolidação médico-legal das lesões.

78. Por causa do acidente, o autor é portador de sequelas anátomo funcionais que se traduzem por uma incapacidade permanente geral de 40%.

79. O autor teve dores durante o período de incapacidade temporária, tem e terá dores no pé direito quando anda e faz esforços ou se mantém prolongadamente em pé ou se tenta ajoelhar.

80. O que o preocupa.

81. Antes do acidente, o autor era um homem activo, alegre, dinâmico e trabalhador.

82. Durante os anos de 1998 e 1999 o autor auferiu, em média, 491.916

$00 anuais brutos (67.912$00 em 1998 e 915.920$00 em 1999).

83. A sociedade Engilegre rescindiu o contrato de trabalho com o autor a partir de 06.06.2001.

84. O autor ministrava cursos de pintura, como formador e previa continuar com tal actividade.

85. Em 1998, enquanto formador, auferiu 1.71O.000$00/ano de rendimento (8529,44 euros).

86. E em razão das sequelas do acidente, o autor, no futuro, continuará a carecer de assistência médica.

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87. Em 27/5/2002 foi reformado por invalidez, tendo-lhe sido atribuída uma pensão de 325,04 €.

88. Por causa do acidente, o autor pagou taxas moderadoras, consultas e efectuou despesas médicas e medicamentosas com material ortopédico e transportes que importaram em 406,23.

89. Em 27/05/2000, o autor foi assistido numa consulta de urgência e fez vários exames radiológicos no Hospital Dr. José Maria Grande.

90. Devido à gravidade dos ferimentos que apresentava, o autor ficou internado no período de 27/05/2000 a 23/06/2000, período esse em que foi submetido à primeira intervenção cirúrgica.

91. Em 11/09/2000, o autor foi assistido numa consulta externa e até essa data fez 17 pensos e tratamentos de reabilitação.

92. Em 20/10/2000, o autor foi assistido em consulta externa.

93. E de 11/09 a 20/10/2000 fez 24 pensos e tratamentos de fisioterapia.

94. Em 27/11/2000, o autor foi novamente assistido em consulta externa.

95. E de 20/10 a 27/11/2000 fez 24 pensos e tratamentos de fisioterapia.

96. Em 29/12/2000, o autor foi assistido em consulta externa.

97. O valor dos cuidados médicos prestados ao autor ascende a 7024,14 euros.

98. Como consequência do acidente, a assistida Maria da Glória

……..sofreu lesões corporais às quais teve que ser assistida e receber tratamento médico no Hospital Dr. José Maria Grande.

100. À data do acidente o autor tinha 42 anos.

***

III. Nos termos dos art.ºs 684º, n.º 3, e 690º, n.º 1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 660º do mesmo Código.

As questões a decidir resumem-se, pois, a saber:

a) Se há motivo para anular a decisão em análise, à luz do n.º4 do artigo 712.º, do C.P.C., ou alterar a decisão do Tribunal “a quo” sobre a matéria de facto;

b) Se a matéria de facto dada por assente deve ser alterada no que toca às respostas aos quesitos 1, 3, 4 e 5 da base instrutória, por forma a que seja dado por assente que a condutora atropelante embateu nos peões sobre a raia ou zebra referida nos autos;

c) Se a condutora do veículo BX é responsável pelo acidente de viação em apreço e se a sentença violou o disposto nos artigos 483.ºs do Código Civil

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conjugado com os artigos 13.º n.º 1 do C.E. então em vigor e 6.º n.º 14 alíneas a) e b) do Regulamento desse Código.

*

IV. Comecemos então por apreciar as duas primeiras questões, que se prendem com a matéria de facto fixada na 1ª instância.

Dispõe o art.º 712º do CPC, que:

1 – A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:

"a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos de facto em causa ou se, tendo ocorrido

gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art.

690º-A, a decisão com base neles proferida;

b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

2. No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

4 – Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1ª instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta…”

E nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 690º-A do CPC, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente

obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de gravação, que impunham decisão diversa da recorrida, sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

*

Diz o apelante que, na fundamentação das respostas aos quesitos, “ o Tribunal

“a quo”, a folhas 335 e 336, reporta-se às testemunhas Nuno José Passarinho Maroto, José António Toco Miguéns e Manuel Francisco Mendes Berdem que

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nos parece nada poderem adiantar sobre a matéria dos autos, uma vez que não foram indicadas como testemunhas. A decisão em análise não podia apoiar-se nesses depoimentos. E se o fez, o que não parece claro, há motivo para anular tal decisão (n.º 4 do artigo 712.º C.P.C.)”.

Na decisão em que fundamentou as respostas à matéria de facto da base

instrutória consta a seguinte passagem: “Nuno José Passarinho Maroto referiu não ter dado conta de que o veículo onde seguia tivesse batido em qualquer obstáculo; a testemunha José António Toco Miguéns, afirmou que Rui

Milhinhos saiu do carro onde seguia e foi urinar, deixando a testemunha de o ver - mais afirmou que sentiu a camioneta bater numa árvore e só depois é que viu a vítima estendida - também referiu ter visto marcas de rodado da camioneta na berma da estrada, em cima da erva pegado com a árvore - mais acrescentou que no outro dia a seguir foi observar a camioneta e que viu umas pingas de sangue no retrovisor - esta versão é contraditada pelas demais

testemunhas : pela testemunha Manuel Francisco Mendes Berdém, que afirmou que a camioneta não podia ter saído do alcatrão senão batia nas árvores (por outro lado, não descortinou no chão quaisquer ramos de árvore caídos) e que vistoriou este veículo e não descortinou quaisquer sinais de batida na vítima no retrovisor; pelos ocupantes do veículo de matrícula CO-31-59, que afirmaram não ter batido em qualquer obstáculo e não ter o mesmo saído da estrada”.

Como o próprio apelante reconhece, esta parte da fundamentação não respeita aos presentes autos, o que manifestamente flui do seu teor. A sua inclusão naquele despacho ficou, certamente, a dever-se a mero lapso informático (utilização de um documento base referente a outro processo), sendo manifesto que o Sr. Juiz ao responder aos quesitos não fundou as

respostas nos depoimentos de tais testemunhas, as quais não foram inquiridas nos autos.

Sendo assim, não é caso de anulação da decisão factual do tribunal de 1ª instância, pois que constam do processo todos os elementos probatórios em que o Exmº julgador se baseou e que permitem a reapreciação da matéria de facto.

*

Posto isto, vejamos se será caso de se determinar uma modificação daquela decisão factual.

O recorrente pretende uma alteração das respostas aos quesitos 1, 3, 4 e 5 da base instrutória, para que seja dado por assente que a condutora atropelante embateu nos peões sobre a raia ou zebra referida nos autos.

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Sustenta o apelante que:

- resulta do croquis da participação elaborada pela PSP de Portalegre, junto aos autos com a p.i. e do depoimento do agente participante Benvindo

Barradas que o local de embate se situa sobre a raia ou zebra assinalada entre a faixa de rodagem da condutora Joaquina e a via que conduzia ao Bairro do Assentos na cidade de Portalegre, pelo que se tem de dar por assente que o ponto de embate é sobre a citada raia ou zebra

- a questão do local do embate tem que ser julgada partindo do depoimento desse agente policial e não do depoimento da testemunha Júlio Marmelo Rodrigues Madeira, que o Tribunal “a quo” considerou decisivo para julgar a matéria em análise;

- esta testemunha é muito opinativa e “parcial”;

- é coincidência a mais que o depoimento da testemunha Júlio Madeira seja idêntico ao da condutora atropelante Joaquina da Piedade Machado Miranda Barbas.

- para além do depoimento central do agente da PSP Barradas, tem de

atender-se ao depoimento da testemunha Maria da Glória Gandum, pois, como a própria decisão reconhece, ela descreveu detalhadamente o citado acidente.

*

Os quesitos em referência tinham a formulação e mereceram a resposta do Exmo. julgador que se segue:

Quesito 1 – O embate ocorreu quando os peões, após terem atravessado a estrada, se encontravam na zebra ou raia que então nela estava marcada no pavimento e perto dos rails de protecção?

Resposta – Não provado.

Quesito 3 – A raia onde se encontravam o autor e a Glória Gandum quando foram embatidos separava a EN n.º 246 e a estrada que então dava acesso ao Bairro do Assentos?

Resposta – Provado apenas que existia, na altura do acidente, uma raia/zebra pintada no pavimento que separava a EN 246 da estrada que então dava

acesso ao Bairro dos Assentos.

Quesito 4 – No local onde o autor foi embatido pelo BX a zebra tinha mais de um metro de largura?

Resposta – Provado apenas que a zebra tinha cerca de 1/1,5 metro de largura.

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Quesito 5 – Aquando do embate, o autor e a Glória Gandum aguardavam de pé, na zebra, uma oportunidade para atravessarem a estrada que dava acesso ao Bairro dos Assentos?

Resposta – Não provado.

*

Embora o apelante não tenha questionado a resposta ao quesito 18º reproduz- se o mesmo, por relevante nesta matéria:

Quesito 18 – O embate ocorreu na faixa de rodagem direita, considerando o sentido de marcha do BX, a cerca de 1metro da berma direita da via?

Resposta – Provado.

*

Ao contrário do que acontecia antes da reforma de 1995/96, quando a Relação só excepcionalmente apreciava a decisão da matéria de facto, hoje a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690º-A, a decisão com base neles proferida.

A Relação deve fazer uma apreciação crítica das provas, proferindo, se for caso disso, uma nova decisão de acordo com o preceituado no art. 653º, n.º 2, especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.

A reapreciação da prova pela Relação, nos termos do art. 712º, n.º1 al.

a), tem a mesma amplitude dos poderes que tem a 1ª instância – vide Ac. STJ 19-10-2004, C.J. ACSTJ, 2004 tomo III, pag. 72.

Sem embargo, importa notar que o novo sistema de registo de prova,

transporta consigo o risco de se atribuir equivalência formal a depoimentos substancialmente diferentes, de se desvalorizarem alguns deles, só na aparência imprecisos, ou de se dar excessiva relevância a outros, pretensamente seguros, mas sem qualquer credibilidade.

De facto, tal sistema não garante a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo o tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo.

Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para

(14)

aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores – A. Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 4ª edição revista e actualizada, pags.

266 e 267.

A apreciação da prova na Relação envolve, assim, “risco de valoração” de grau mais “elevado” que na 1ª instância, onde são observados os princípios da

imediação, da concentração e da oralidade.

Entende-se, por isso, que o juízo de valoração a efectuar pela Relação sobre determinados pontos da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar, passará, primacialmente, pela

verificação se a convicção expressa pelo Sr. Juiz de 1ª instância tem suporte razoável naquilo que consta do registo da gravação dos

depoimentos e dos demais elementos probatórios constantes dos autos, impondo-se a modificação da matéria de facto sempre que as provas produzidas determinem decisivamente uma modificação da decisão de facto tomada na 1ª instância.

*

Na fundamentação da matéria de facto, na parte em apreço, o Exmº julgador consignou:

“Desde logo, cumpre esclarecer o seguinte: entende o tribunal que se provaram, no essencial, as circunstâncias em que ocorreu o acidente na versão da ré em detrimento da versão do autor, nomeadamente o percurso dos peões nos momentos que

antecederam o embate e o local onde foram colhidos. É que, não obstante o depoimento da mulher do autor quanto ao local onde foram colhidos (em cima da zebra) e outros depoimentos não presenciais, o tribunal valorou de forma absolutamente decisiva o depoimento da testemunha Júlio Madeira, testemunha que se revelou absolutamente imparcial e idónea (pois nenhum interesse, directo ou indirecto tem nos autos), que conduzia um veículo pesado que passava no local e que observou directamente o percurso dos peões e o embate. Em face deste depoimento, todos os outros, presenciais ou não do acidente, com o mesmo incompatíveis, revelam-se pouco credíveis e, quiçá, directa ou indirectamente (amizade, conhecimentos) interessados.

Assim, a convicção do Tribunal relativamente às respostas dadas aos quesitos estribou-se nos depoimentos das testemunhas:

1) Maria da Glória …………, mulher do autor, que também foi

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embatida no acidente em causa, que descreveu detalhada mente como vivenciou o mesmo e a que foi dado crédito em tudo o não incompatível com o acima exposto; depôs ainda sobre o processo de convalescença de seu marido.

2) Joaquina da Piedade ……….., condutora do veículo interveniente no acidente, que descreveu detalhadamente como vivenciou o mesmo, nos termos essencialmente dados como provados (….)

6) Júlio Manuel Rodrigues Madeira, como acima se referiu, conduzia um veículo pesado que passava no local e que observou

directamente o percurso dos peões e o embate. Em síntese, referiu que circulava no sentido Portalegre/Elvas e que o «casal " vinha pela berma do seu lado direito. Mais mencionou que, quando os mesmos viram o camião, passaram a correr (mais afirmou que, quando os viu a correr, disse para si próprio «já estão debaixo do carro") para o outro lado da estrada, tendo então sido apanhados por um carro que circulava em sentido contrário, dentro da sua (dele, carro) faixa de rodagem e que o mesmo «vinha devagar" (se não viesse devagar, tinha-os «partido todos" ou morto) parando de imediato após o embate. Esclareceu ainda que os peões só devem ter olhado para o camião que conduzia e não viram o carro. Afirmou ainda que,

quando os peões atravessaram a estrada, o camião que conduzia estava a 20/30 metros de distância (distância mínima para que, à velocidade do camião, este não os atropelar) e que o carro em causa também estava a 20/30 metros, tendo na altura achado o

atropelamento inevitável. Por último, afirmou que, se os peões

tivessem olhado para o lado direito, teriam visto que não dava tempo para atravessar a estrada.

7) Carlos da Silva ………, marido da condutora do veículo em causa e que seguia à frente, ao lado da mesma, na altura do acidente. Fez uma descrição deste em termos fundamentalmente coincidentes com os dados como provados (…).

8) Benvindo Barradas, agente da PSP que foi chamado ao local após o acidente e que elaborou o Auto de Participação de Acidente de Viação. Confirmou o teor do Auto.

As referidas testemunhas excepto no que especificamente mencionado, prestaram depoimentos aparentemente isentos, objectivos e imparciais (…).

Mais se estribou o tribunal no teor dos documentos juntos aos autos, nomeadamente dos seguintes:

Cópia do Auto de Participação de Acidente de Viação elaborada pela

(16)

PSP de Portalegre constante de fls. 15/16 (…).

Os factos não provados deveram-se a ausência de elementos seguros que os pudessem confirmar. Assim, nomeadamente: o depoimento da testemunha João Mário Paredes Dias Tavares quanto ao seu

presenciamento do local do acidente e da posição do veículo

atropelante pareceu pouco credível e muito "conveniente», tendo, aliás afirmado inicialmente que conhecia mal o autor e que se

"aproximou» muito do mesmo após esta trágica ocorrência.

Há uma parte do teor do depoimento da testemunha Benvindo Barradas que também não merece credibilidade pelos motivos que se passam a expor: Quanto à posição em que encontrou o carro, começou por dizer que as rodas do lado direito estavam 20/25 cm dentro da raia e acabou por dizer que o carro estava «todo» fora da faixa de rodagem, o que constitui uma óbvia contradição (a não ser que o carro tivesse aquela largura, o que é manifestamente

impossível). Espontaneamente também expôs aquilo que designou por «uma ideia minha» nestes termos: «a mim dá-me a entender»

que a senhora queria ir para a cidade e de repente terá querido

apanhar a variante. Instado a explicar em que factos se baseava para ter aquela ideia sua, não o conseguiu fazer”.

Deste enunciado deriva que a decisão factual do tribunal, em matéria relativa ao modo e local em que ocorreu o acidente, se fundou, essencialmente, no depoimento de Júlio Madeira, única testemunha presencial “alheia” ao desenrolar do mesmo [as demais testemunhas

presenciais foram a condutora do BX (Joaquina Barbas), o seu marido (Carlos Barbas) e a mulher do autor (Maria da Glória), cujos depoimentos mereceram, naturais, reservas do Exmo. julgador].

Como este assinalou, a testemunha Júlio Madeira não denotou nenhum interesse, directo ou indirecto na decisão do caso, nem, contrariamente ao sustentado pelo apelante, se tratou de um depoimento “opinativo” e “parcial”, tendo a testemunha prestado um depoimento lógico e coerente, esclarecendo o tribunal da sua posição na via aquando do acidente e a sua visão do mesmo, decorrendo desse depoimento que o embate se deu na faixa de rodagem da condutora do veículo interveniente no acidente quando os peões procediam, a correr, ao atravessamento da estrada, da esquerda para a direita,

considerando o sentido de marcha do veículo automóvel.

Refere o apelante que “é coincidência a mais que o depoimento da testemunha Júlio Madeira seja idêntico ao da condutora atropelante Joaquina da Piedade

(17)

…………”.

Não obstante se registar essa coincidência, nada nos leva a duvidar da veracidade do depoimento da testemunha Júlio Madeira, sendo, de resto, de registar nesta matéria que logo na participação policial se aludia ao facto desta testemunha ter declarado perante o participante que viu os peões a atravessarem a faixa de rodagem em correria e que nesse instante se deu o embate.

Esta testemunha não era, nessa altura, conhecida da condutora do BX, não se vislumbrando, por isso, qualquer razão para a prestação de um depoimento menos isento.

Por outra via, fundamenta o apelante a sua pretensão, de considerar que o embate ocorreu na zebra ou raia, no depoimento da testemunha Benvindo Barradas, à data agente da PSP, o qual se deslocou ao local do embate logo após a sua ocorrência e lavrou o croqui junto aos autos.

Esta testemunha aludiu ao facto da condutora do veículo BX, após a

ocorrência do acidente, ter alegadamente declarado que o embate ocorreu na raia e não na faixa de rodagem.

Desde logo, regista-se que na “descrição do acidente” constante da

participação por si lavrada não consta tal referência, tendo o mesmo apenas feito constar ter a condutora declarado que “ …circulava pela EN. 246 … no sentido nascente poente, e a o chegar junto ao Km 29,5, circulava uma outra viatura em sentido contrário, reduzindo a marcha por se ter encandeado e, ao mesmo tempo sentiu o embate, não se tendo apercebido dos peões a

atravessar a faixa”.

Referiu ainda a testemunha Benvindo Barradas que o embate ocorreu no local onde o veículo se imobilizou, conforme consta do croqui.

Ora, no caso presente, nenhuma regra de lógica permite a conclusão que o BX parou no local do embate.

Na verdade, circulando o BX à velocidade de 50 Km/hora – facto não impugnado pelo apelante – e de acordo com a tabela das distâncias de

travagem/paragem, nomeadamente a publicada por Manuel de Oliveira Matos Manuel de Oliveira Matos, Código da Estrada Anotado, Almedina Coimbra, 6ª ed., 1991, pág. 72., com pavimento seco, e para um condutor normal, com reflexos em ¾ do segundo, um veículo imobiliza-se a cerca de 22 metros após o condutor se aperceber da situação que determina o accionamento dos

travões, sendo 10 metros de tempo de reacção e 12 metros de distância de travagem.

Daí que não seja verosímil o declarado nesta matéria pela testemunha

Benvindo, sendo ainda de “estranhar” tal afirmação quando provinda de um

(18)

agente de autoridade, em princípio familiarizado com estas realidades.

Por conseguinte, reapreciando os meios probatórios constantes dos autos, no que tange à matéria dos quesitos 1, 3, 4 e 5 (únicos que foram questionados pelo recorrente), e repercutindo na decisão a convicção formada a partir dos elementos supra enunciados (note-se que a testemunha João Mário não presenciou o acidente), não vemos razão para censurar as respostas aos aludidos quesitos que, por isso, mantemos inalteradas, assim se desatendendo a modificação da

matéria de facto peticionada pelo apelante, no sentido do embate ter ocorrido quando o autor e a mulher se encontravam parados na raia ou zebra referenciada nos autos.

***

IV. Da questão de mérito:

Mantida a factualidade assente, passemos a analisar se a condutora do veículo BX é responsável pelo acidente de viação em apreço e se a sentença violou o disposto no artigo 483.ºs do Código Civil, conjugado com os artigos 13.º n.º 1 do C.E., então em vigor, e 6.º n.º 14 alíneas a) e b) do Regulamento desse Código.

Diz o apelante no corpo das suas alegações que do facto de se ter apurado que a condutora do BX não travou antes do embate (alínea d) dos factos assentes) e não viu os peões a atravessar a via, apesar de ter visibilidade bastante para tal, dado que se não provou que a mesma fosse integrada numa fila de

trânsito, tem de concluir-se que a mesma ia desatenta, não tendo sequer reduzido a velocidade do seu veículo, apesar de ter a sua visibilidade diminuída pelas luzes de um veículo que circulava em sentido contrário.

*

Dispõe o art. 99º, n.º2, al. a) do C.E., na redacção em vigor à data do acidente, que os peões podem transitar pela faixa de rodagem, com prudência e por forma a não prejudicar o trânsito de veículos, quando efectuam o seu atravessamento.

De sua vez, prescreve o art. 101º, que:

1 – Os peões não podem atravessar a faixa de rodagem sem previamente se certificarem de que, tendo em conta a distância que os separa dos veículos que nela transitam e a respectiva velocidade, o podem fazer sem perigo de acidente.

3 – Os peões só podem atravessar a faixa de rodagem nas passagens

especialmente sinalizadas para esse efeito ou, quando nenhuma exista a uma distância inferior a 50 m, perpendicularmente ao eixo da via.

(19)

Ora, provou-se que nas proximidades do local do acidente inexistiam

passadeiras que o autor pudesse utilizar para atravessar a estrada, sendo, por isso, admissível o atravessamento da via no local.

Porém, flui do provado que o autor e a sua mulher iniciaram a travessia da estrada da esquerda para a direita, considerando o sentido de marcha do veículo BX, controlando a marcha dos veículos que vinham de poente, esquecendo-se de verificar se circulava algum veículo no sentido nascente- poente.

Ao não tomar as cautelas devidas, o autor cometeu a contravenção a que alude o art. 101º, n.º 5, do CE, dando causa ao acidente estradal em apreço, o que constitui também uma presunção de negligência.

Foi, pois, indiscutivelmente, o autor, com a sua conduta temerária e imprevista, culpado na produção do acidente.

*

Terá a condutora do BX contribuído também, de forma culposa, para a ocorrência do mesmo?

Como é sabido, a culpa é apreciada em abstracto, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, ou seja do homem médio que é o suposto ser querido pela ordem jurídica – art. 487, n.º 2, do C.

Civil.

No caso dos autos, apurou-se que a condutora do BX circulava pela metade direita da faixa de rodagem, à velocidade de 50 Km por hora; que a sua visibilidade ficou diminuída pelas luzes de um veículo que circulava em

sentido contrário; e que a condutora do BX, após a diminuição de visibilidade, sentiu um impacto na parte da frente do veículo que conduzia, só então se apercebendo que tinha embatido em duas pessoas, uma das quais o autor, altura em que travou, sendo que o embate ocorreu de noite, a cerca de um metro da berma direita da via.

Em face deste conjunto de factos, a primeira questão que se coloca é a de saber se, após a diminuição da visibilidade, se impunha que a condutora do BX reduzisse a velocidade a que seguia.

Estatui o art 24º, n.1, do CE que “o condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente”.

Ora, para além de não resultar dos autos qual o espaço de tempo decorrido

(20)

entre a diminuição da visibilidade e a ocorrência do embate, ficou

demonstrado que a condutora do BX imprimia ao veículo a velocidade de 50 quilómetros à hora.

Essa velocidade não poderá, sem mais, considerar-se como excessiva, face às manobras cuja necessidade seria de prever, naquelas circunstâncias.

Por outra via, provou-se que o autor procedeu ao atravessamento da via a correr, tendo percorrido cerca de 6 metros até ocorrer o embate.

O autor tinha 42 anos de idade, sendo de presumir, em face das regras de experiência comum, que o mesmo terá demorado cerca de 2/3 segundos nessa travessia.

Significa isto que, quando o autor iniciou o atravessamento da via, o veículo BX encontrava-se a uma distância de cerca de 27/41 m (à velocidade de 50 Km por hora um veículo percorre 13,88 m por segundo).

Ora, se bem que, em termos de normalidade, o autor tivesse entrado no cone de iluminação dos faróis do BX a uma distância de 30 metros, pois que é de supor que este circulava em médios, o certo é que em sentido contrário circulava um outro veículo que diminuiu a visibilidade da condutora do BX.

Por outro lado, é sabido que o foco de maior iluminação dos faróis de um

veículo incide à frente do mesmo e não tanto na berma esquerda da via, sendo que a atenção de um condutor normal, nomeadamente em situação de perda ou diminuição momentânea de visibilidade, se centraliza

primacialmente na semi-faixa de rodagem em que circula, por forma a evitar um maior encandeamento com as luzes do outro veículo e o embate em qualquer obstáculo que se depare à sua frente e que se encontre imobilizado ou em movimento na semi-faixa de rodagem em que transita.

Mesmo que a condutora do BX se tivesse apercebido da presença do autor, só poderia ter a noção que o mesmo pretendia atravessar a estrada após este ter iniciado a travessia, o que, note-se, foi feito a correr. Só então o cérebro

poderia expedir uma ordem visando a execução de uma manobra de recurso (accionamento dos travões, desvio da trajectória para a direita, etc.), sendo de registar que a percepção de uma determinada situação durante a noite, quando imprevista, é, naturalmente, mais lenta, o que aumenta o

tempo de reacção.

Acresce que não se apurou a distância exacta a que a condutora do BX se encontrava para se poder inferir que no momento do acidente a mesma conduzia desatenta e que fosse possível a um condutor

normalmente avisado aperceber-se do início da travessia da via pelo peão, a tempo de efectuar uma manobra de recurso.

(21)

De resto, era mais fácil ao autor avistar o veículo que se aproximava do que à condutora deste avistar aquele.

Em face desta factualidade, entende-se que nada nos autos permite

concluir, com um mínimo de segurança, por qualquer parcela de culpa por parte da condutora do BX.

Como é frisado na sentença recorrida, o condutor não é obrigado a prever ou contar com a falta de prudência dos restantes utentes da via –

veículos, peões ou transeuntes – antes devendo razoavelmente partir do pressuposto de que todos cumprem os preceitos regulamentares do trânsito e observam os deveres de cuidado que lhes subjazem – Acs. STJ de 6-11-2003 e de 12-04-2005, in www.dgsi.pt

Ao condutor só é humanamente exigível contar com o aparecimento de obstáculos normalmente previsíveis, em face das circunstâncias concretas.

Ora, não era razoável supor o atravessamento da via, de noite, nas

circunstâncias apuradas, não sendo exigível a um condutor medianamente prudente uma previsibilidade para além do normal, na medida em que tal implicaria que acabasse por ser responsabilizado pela imprudência alheia.

Pelo exposto, sendo o acidente imputável exclusivamente ao autor, não se mostram violadas as normas legais invocadas pelo apelante, improcedendo,

“in totum”, as conclusões da alegação do mesmo, impondo-se a confirmação da sentença recorrida.

***

V. Decisão:

Pelo acima exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se integralmente a sentença recorrida.

Custas pelo apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Registe e notifique.

Évora, 26 de Outubro de 2006

--- (Manuel Marques - Relator)

(22)

--- (Almeida Simões - 1º Adjunto)

--- (D’Orey Pires - 2º Adjunto)

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