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O processo de democratização do controle abstrato de no Brasil

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

CINTIA BARROCAS TAVARES

O PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO DO CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL

(2)

CINTIA BARROCAS TAVARES

O PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO DO CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Área de Concentração: Direito Constitucional.

Orientador: Prof. Msc. William Paiva Marques Júnior.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

T232p Tavares, Cintia Barrocas.

O processo de democratização do controle abstrato de constitucionalidade no Brasil / Cintia Barrocas Tavares. – 2015.

80 f. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2015.

Área de Concentração: Direito Constitucional. Orientação: Prof. Me. William Paiva Marques Júnior.

1. Controle da constitucionalidade - Brasil. 2. Direito constitucional - Brasil. 3. Democracia - Brasil. I. Marques Júnior, William Paiva (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.

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CINTIA BARROCAS TAVARES

O PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO DO CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Msc. William Paiva Marques Júnior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Profa. Msc. Fernanda Cláudia Araújo da Silva

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Mestrando Francisco Tarcisio Rocha Gomes Júnior

(5)

A Deus, Senhor da minha vida, a quem tudo devo.

(6)

AGRADECIMENTOS

Inicialmente, agradeço a Deus por todas as graças alcançadas durante a realização da minha graduação em Direito. Sem a ajuda d’Ele, a caminhada acadêmica teria sido árdua.

Aos meus pais, Kátia e Marcos, por sempre acreditarem e torcerem por mim. Foram vocês quem me confortaram nos momentos difíceis e comemoraram comigo as minhas vitórias. Sou eternamente grata pelo apoio de vocês.

Ao Prof. Msc. William Paiva Marques Júnior, pela excelente orientação e desempenho no magistério.

À professora Fernanda Cláudia Araújo da Silva e ao mestrando Francisco Tarcisio Rocha Gomes Júnior, pelo tempo dedicado à leitura desta monografia e por, prontamente, aceitarem participar da banca examinadora. Agradeço também ao Tarcisio pelas referências bibliográficas indicadas para a confecção deste trabalho.

Aos professores da Faculdade de Direito, pela contribuição não apenas com o meu crescimento profissional, mas também com o meu crescimento pessoal.

Aos amigos e amigas que fiz no curso, por todas as vezes que me incentivaram e me ajudaram a prosseguir nesse caminho.

Às amizades feitas na 9ª Vara da Justiça Federal, pela convivência agradável e divertida.

(7)

“A fé e a razão (fides et ratio) constituem

(8)

RESUMO

Analisa-se o desenvolvimento do processo de democratização do controle abstrato de constitucionalidade no Brasil, identificando quais os instrumentos de participação popular existentes neste tipo de controle e verificando se tais instrumentos cumprem com a finalidade a eles proposta. No primeiro capítulo foram realizadas considerações sobre a democracia, abordando os conceitos, as espécies e a trajetória histórica da democracia no Brasil. A seguir, foi discutida a questão da legitimidade democrática do controle judicial de constitucionalidade, expondo os principais argumentos de Ronald Dworkin e Jeremy Waldron. Foi feita também análise da evolução histórica do controle abstrato de constitucionalidade no Brasil e as principais características das ações próprias deste tipo de controle. O último capítulo apresentou a teoria de Peter Häberle e a sua aplicabilidade dentro do processo constitucional, os requisitos necessários para a admissão da figura do amicus curiae e para a convocação de

audiências públicas, bem como a contribuição desses institutos processuais para a promoção da democracia no Brasil. Foram realizados estudos bibliográficos e jurisprudenciais, tratando-se, portanto, de um estudo de natureza qualitativa.

(9)

ABSTRACT

It is analyzed the democratization of the abstract constitutionality control in Brazil, identifying the instruments about popular participation and whether those instruments comply with their function. In the first chapter were made remarks on democracy, addressing the concepts, species and the historical trajectory of democracy in Brazil. Next, the question about democratic legitimacy of the judicial review was discussed, exposing the main Ronald Dworkin’s and Jeremy Waldron’s arguments. It was also made an analysis of the historical evolution about abstract constitutionality control in Brazil and the main features of the constitucional actions from this type of control. The last chapter presented the theory of Peter Häberle and their applicability within the constitutional process, the requirements for admission of amicus curiae and to convene public hearings, as well as the contribution of

these procedural institutes for the promotion of the democracy in Brazil. There were bibliographic and jurisprudential studies, therefore, it is a qualitative study.

(10)

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Tabela 2

− ADI por Legitimado – 1988 a 2013 ... − Audiências públicas realizadas no âmbito do Supremo Tribunal

Federal... 45

(11)

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADC Ação Declaratória de Constitucionalidade ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADO Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão ADPF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental AGU

CF

Advogado-Geral da União

Constituição da República Federativa do Brasil Min.

PGR STF

Ministro

(12)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 12

2 NOTAS EM TORNO DA DEMOCRACIA ... 14

2.1 Conceituação ... 14

2.2 Espécies de Democracia ... 18

2.2.1Democracia Direta ... 18

2.2.2 Democracia Representativa ... 18

2.2.3 Democracia Semidireta ou Participativa ... 19

2.2.4 Democracia Delegativa ... 20

2.2.5 Poliarquia ... 22

2.3 Construção Histórica da Democracia no Brasil... 23

2.3.1Constituição de 1891 ... 24

2.3.2Constituição de 1934 ... 25

2.3.3Constituição de 1937 ... 25

2.3.4Constituição de 1946 ... 25

2.3.5Constituição de 1967 ... 26

2.3.6Constituição de 1988 ... 26

2.3.7Análise da democracia representativa no Brasil ... 27

2.3.8 A democracia participativa aplicada à realidade brasileira ... 28

3 A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE DO CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE BRASILEIRO ... 31

3.1 Jurisdição constitucional e a dificuldade contramajoritária ... 33

3.2 A Leitura Moral de Ronald Dworkin ... 37

3.3 Jeremy Waldron e a Crítica ao Controle de Constitucionalidade ... 41

4 ANÁLISE DO CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL ... 44

4.1 Evolução Histórica ... 44

4.2 Ações Próprias do Controle Abstrato de Constitucionalidade ... 46

4.2.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade ... 47

4.2.2 Ação Declaratória de Constitucionalidade ... 49

4.2.3 Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão ... 50

(13)

4.2.5 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ... 52

5 OS INSTRUMENTOS DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NO CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS ... 55

5.1 A Teoria Häberleana e a Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição ... 55

5.2 A Figura do Amicus Curiae ... 57

5.2.1 Legislação e conceituação ... 58

5.2.2 Amicus Curiae no Supremo Tribunal Federal ... 62

5.3 Audiências Públicas ... 66

5.3.1 Legislação e conceituação ... 66

5.3.2 Audiências Públicas no Supremo Tribunal Federal ... 68

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 75

(14)

1 INTRODUÇÃO

A abordagem do tema relacionado à democratização do controle abstrato de constitucionalidade para a confecção da monografia possui imensurável relevância social, científica e acadêmica, haja vista a crescente necessidade de um debate sobre a participação da população nos julgamentos prolatados pelo Poder Judiciário.

Cada vez mais, o Judiciário vem ditando regras vinculantes para toda a sociedade, mediante o controle de constitucionalidade das leis, assumindo, por diversas vezes, o papel de legislador. Ademais, é cediço que os magistrados podem contribuir bastante para a realização dos ideais democrático-sociais positivados na Constituição Federal de 1988 no momento em que exercem o controle das normas, principalmente na modalidade abstrata.

É por meio desse sistema de controle abstrato de constitucionalidade que os magistrados, de forma vinculante e com efeitos erga omnes, definem a (in)constitucionalidade

de norma (i)legitimamente constituída pelo Poder competente para tanto. Dessa forma, observa-se que a tomada definitiva de decisões sobre questões constitucionais de grande repercussão social usualmente são transferidas do âmbito do Legislativo para a seara do Judiciário.

Os componentes do Poder Legislativo e do Poder Executivo, diferentemente dos membros integrantes do Poder Judiciário, são democraticamente eleitos pelo povo, ou seja, exercem seu munus publico por legítima delegação popular (voto). No entanto, a participação

popular não mais se contenta em restringir-se somente à esfera política, almejando alcançar também a esfera jurisdicional. Assim sendo, esta participação deverá se materializar por meio de mecanismos próprios previstos na legislação infraconstitucional e que serão individualmente discutidos ao longo do presente trabalho.

No primeiro capítulo foram realizadas considerações sobre a democracia, abordando de forma concisa os conceitos adotados por autores renomados, as teorias aplicadas, as diversas espécies existentes e a trajetória histórica da democracia no Brasil.

(15)

Posteriormente, abordou-se a evolução histórica do controle abstrato de constitucionalidade no Brasil e as principais características e especificidades das ações próprias deste tipo de controle, enfatizando também o processo democrático do sistema de controle concentrado até os dias atuais.

O último capítulo apresenta a teoria de Peter Häberle e a sua aplicabilidade dentro do processo constitucional. Também foram elucidados os requisitos necessários para a admissão da figura do amicus curiae e para a convocação de audiências públicas, bem como a

contribuição desses institutos processuais para a promoção da democracia no Brasil, expondo, assim, opiniões divergentes sobre o assunto em tela.

Nessa monografia foram realizados estudos bibliográficos e jurisprudenciais acerca do procedimento das ações diretas e da aplicabilidade dos institutos democráticos na tramitação de tais ações. Assim, foram consultados livros de Direito Constitucional, artigos científicos, teses e dissertações especializados no assunto. Trata-se, portanto, de um estudo de natureza qualitativa.

(16)

2 NOTAS EM TORNO DA DEMOCRACIA

Há tempos em que as civilizações procuram uma forma de governo que se adeque às suas instituições estatais e corresponda às aclamações e necessidades de seu povo. Diversas foram as formas de governo adotadas em diferentes épocas da história (aristocracia, monarquia, etc.) que não perseveraram com o passar dos anos.

Na contemporaneidade, prevalece na sociedade internacional o regime democrático. Contudo, nenhum regime democrático de governo conseguiu realizar com concretude seus valores intrínsecos, o que não significa, nem de longe, o fracasso desse ideal. A democracia constitui um projeto inacabado, em constante evolução. Assim sendo, a sociedade vem perseguindo a realização plena desses valores nunca antes experimentados pela humanidade.

2.1 Conceituação

Norberto Bobbio1 conceitua democracia de acordo com os usos a que a teoria das

formas de governo foi destinada. Estes usos são os seguintes: descritivo (ou sistemático), prescritivo (ou axiológico) e histórico. Segundo o significado descritivo, a democracia é a forma de governo na qual o poder é exercido por todo o povo, ou pelo maior número, ou por muitos, e enquanto tal se distingue da monarquia e da aristocracia, nas quais o poder é exercido, respectivamente, por um ou por poucos. Em seu uso prescritivo, a democracia pode ser considerada como uma forma boa, ou como uma forma má, conforme a argumentação empregada para defini-la. Utilizando um argumento ético em favor da democracia, esta compreende a realização sobre o terreno especificamente político do valor supremo da liberdade. O argumento político indica a democracia como um modo de limitação do poder, ou seja, o povo não pode abusar do poder contra si mesmo. Já o argumento utilitarista funda-se na premissa de que os melhores intérpretes do interesfunda-se coletivo são os que fazem parte da coletividade e de cujo interesse se trata, isto é, os próprios interessados. O uso histórico pretende traçar as linhas de desenvolvimento do curso histórico da humanidade, associadas às formas de governo predominantes em cada época narrada, entendido como um suceder-se de uma determinada constituição a outra segundo um certo ritmo. Assim, a democracia pode se apresentar como uma degeneração ou um aperfeiçoamento da forma de governo precedente,

1 BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade; para uma teoria geral da política. Tradução de Marco

(17)

dependendo da filosofia da história adotada.

José Afonso da Silva2 define a democracia como um processo de convivência

social em que o poder emana do povo, há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e em proveito do povo. Diz-se que é um processo de convivência, primeiramente para denotar sua historicidade, depois para realçar que, além de ser uma relação de poder político, é também um modo de vida, em que, no relacionamento interpessoal, há de verificar-se o respeito e a tolerância entre os conviventes.

A democracia é, portanto, um governo do povo, pelo povo e para o povo. Governo

do povo significa que o povo é o titular do poder. Governo pelo povo é aquele que se sustenta

na vontade popular. Já um Governo para o povo busca viabilizar o alcance da felicidade e do

bem-estar social pelo próprio povo, garantindo, assim, meios seguros e apropriados para tanto.

Dalmo de Abreu Dallari3 elenca os princípios democráticos que passaram a reger

os Estados durante o século XIX e a primeira metade do século XX e que, nos dias atuais, ainda perduram em maior ou menor medida: 1) a supremacia da vontade popular, que colocou o problema da participação popular no governo, suscitando acesas controvérsias e dando margem às mais variadas experiências, tanto no tocante à representatividade, quanto à extensão do direito de sufrágio e aos sistemas eleitorais e partidários; 2) a preservação da liberdade, entendida, sobretudo, como o poder de fazer tudo o que não incomodasse o próximo e como o poder de dispor de sua pessoa e de seus bens, sem qualquer interferência do Estado; 3) a igualdade de direitos, entendida como a proibição de distinções no gozo de direitos, sobretudo por motivos econômicos ou de discriminação entre classes sociais.

Segundo Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino4, na teoria

contemporânea da democracia confluem três grandes tradições do pensamento político: a) a teoria clássica, divulgada como teoria aristotélica, das três formas de Governo, segundo a qual a Democracia, como Governo do povo, de todos os cidadãos, ou seja, de todos aqueles que gozam dos direitos de cidadania, se distingue da monarquia, como Governo de um só, e da aristocracia, como Governo de poucos; b) a teoria medieval, de origem romana, apoiada na soberania popular, na base da qual há a contraposição de uma concepção ascendente a uma concepção descendente da soberania conforme o poder supremo deriva do povo e se torna

2 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. São Paulo: Editora Malheiros,

2005. p. 126.

3 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 20. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998.

p. 151.

4 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Volume I.

(18)

representativo ou deriva do príncipe e se transmite por delegação do superior para o inferior; c) a teoria moderna, conhecida como teoria de Maquiavel, nascida com o Estado moderno na forma das grandes monarquias, segundo a qual as formas históricas de Governo são essencialmente duas: a monarquia e a república, e a antiga Democracia nada mais é que uma forma de república (a outra é a aristocracia), onde se origina o intercâmbio característico do período pré-revolucionário entre ideais democráticos e ideais republicanos e o Governo genuinamente popular é chamado, em vez de Democracia, de república.

A teoria política contemporânea aponta nove preceitos que comumente são observados nos países que adotam o regime democrático (predominantemente nos países de tradição democrático-liberal), dentre eles: 1) o órgão político máximo, a quem é assinalada a função legislativa, deve ser composto de membros direta ou indiretamente eleitos pelo povo, em eleições de primeiro ou de segundo grau; 2) junto do supremo órgão legislativo deverá haver outras instituições com dirigentes eleitos, como os órgãos da administração local ou o chefe de Estado (tal como acontece nas repúblicas); 3) todos os cidadãos que tenham atingido a maioridade, sem distinção de raça, de religião, de censo e possivelmente de sexo, devem ser eleitores; 4) todos os eleitores devem ter voto igual; 5) todos os eleitores devem ser livres em votar segundo a própria opinião formada o mais livremente possível, isto é, numa disputa livre de partidos políticos que lutam pela formação de uma representação nacional; 6) devem ser livres também no sentido em que devem ser postos em condição de ter reais alternativas (o que exclui como democrática qualquer eleição de lista única ou bloqueada); 7) tanto para as eleições dos representantes como para as decisões do órgão político supremo vale o princípio da maioria numérica, se bem que podem ser estabelecidas várias formas de maioria segundo critérios de oportunidade não definidos de uma vez para sempre; 8) nenhuma decisão tomada por maioria deve limitar os direitos da minoria, de um modo especial o direito de tornar-se maioria, em paridade de condições; 9) o órgão do Governo deve gozar de confiança do Parlamento ou do chefe do poder executivo, por sua vez, eleito pelo povo5.

Em momento algum da história, nenhuma civilização conseguiu cumprir fielmente todos os preceitos democráticos idealizados pela teoria contemporânea. Somente no século XXI, a democracia predominou como a forma de governo mais adotada no mundo e, mesmo assim, ainda não houve a criação de um regime democrático perfeito. Apesar da predominância, a democracia presente nas culturas ocidentais possui diversas falhas, não alcançando a sua plenitude completamente.

(19)

É possível que se atribua a causa dessas falhas ao problema da ingovernabilidade. A ingovernabilidade traduz-se na incapacidade dos governos democráticos de solucionarem os conflitos emergentes de uma sociedade complexa. Norberto Bobbio6 apresenta três pontos

principais que justificam esse problema: a) os regimes democráticos são caracterizados por uma desproporção crescente entre o número de demandas provenientes da sociedade civil e a capacidade de resposta do sistema político, fenômeno este denominado de sobrecarga. A sociedade democrática possui ampla capacidade e espaço para o diálogo, o que facilita o encaminhamento das insatisfações populares ao Poder Público com surpreendente rapidez. Ao passo que, para proferir respostas definitivas às demandas propostas são necessários longos debates entre os poderes, além da concordância da maioria da população; b) a subsistência de grande conflitualidade social nos regimes democráticos. Numa sociedade pluralista, como é a que vive e floresce num sistema político democrático, onde o conflito de classe é multiplicado por uma miríade de conflitos menores corporativos, os interesses contrapostos são múltiplos, donde não é possível satisfazer um deles sem ofender um outro, numa cadeia sem fim. Dessa forma, os governos democráticos tendem a satisfazer tão somente os interesses que são comuns entre as mais diversas classes sociais, isto é, os interesses considerados parciais; c) nos regimes democráticos, o poder se encontra amplamente distribuído, compondo o denominado poder “difuso”. Esse fenômeno sustenta-se em uma característica relevante da sociedade democrática: a existência de múltiplos centros de poder. Mais que difuso, o poder numa sociedade democrática também é fragmentado e de difícil recomposição. As consequências negativas dessa fragmentação do poder com respeito ao problema da governabilidade são logo reveladas: a fragmentação cria concorrência entre poderes e termina por criar um conflito entre os próprios sujeitos que deveriam resolver os conflitos, uma espécie de conflito à segunda potência.

Ante o exposto, Bobbio apresenta duas soluções para a ingovernabilidade dos regimes democráticos: 1) reforçar o Poder Executivo, impondo um sistema presidencialista em detrimento do parlamentarista; ou 2) limitar a abrangência do poder decisório do povo. Com relação ao primeiro ponto justificador do problema, têm-se outras duas soluções: 1) melhorar o funcionamento dos órgãos de decisão, mantendo-se as atribuições do parlamento; ou 2) limitar o poder da maioria.

Por fim, o que se observa nas democracias reais é o estabelecimento de algumas limitações ao poder de decisão conferido à massa popular. Contudo, não há indícios concretos

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de que esta seja a melhor solução a ser aplicada nos diferentes países que adotam as mais diversificadas vertentes da democracia.

2.2 Espécies de Democracia

O poder democrático pode ser exercido de três formas: direta, indireta (representativa) e semidireta (participativa). Além das três clássicas espécies de democracia, surgiram ainda mais dois tipos que predominaram nos países latino-americanos: democracia delegativa e poliarquia.

2.2.1 DemocraciaDireta

Atualmente, a democracia direta na sua forma pura não persiste mais, constituindo apenas uma reminiscência histórica. Nesta espécie de democracia, o próprio povo exerce os poderes estatais diretamente, ou seja, as atividades de administrar, legislar e julgar são realizadas por pessoas do povo. Não há intermediários entre o povo e o objeto de deliberação.

2.2.2 Democracia Representativa

A democracia representativa consubstancia-se na escolha de representantes por meio do sufrágio para expressar a vontade política de quem os elegeu no exercício das funções de Estado. Os candidatos eleitos possuem mandato certo e temporário. Assim, a participação popular é indireta, periódica e formal.

Norberto Bobbio7 conceitua a democracia representativa a seguir:

A expressão "democracia representativa" significa genericamente que as deliberações coletivas, isto é, as deliberações que dizem respeito à coletividade inteira, são tomadas não diretamente por aqueles que dela fazem parte, mas por pessoas eleitas para esta finalidade.

A representatividade é necessária, haja vista a existência de obstáculos de cunho territorial e demográfico, além da complexidade dos problemas sociais que necessitam ser debatidos e solucionados, por diversas vezes, em tempo bastante exíguo.

É cediço que a exigência de manifestações populares diretas sobre todos os assuntos importantes inviabiliza, quase por completo, a atividade legislativa estatal, colidindo, assim, dois valores caros à democracia moderna: a manifestação popular direta e a efetividade da função legislativa do Estado.

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A eliminação de qualquer um desses valores atenta fortemente contra os princípios democráticos. Assim sendo, opta-se por uma representatividade política mais concreta que poderá ser alcançada mediante a “livre atuação partidária, a participação permanente do povo no processo político (sufrágio direto, secreto, universal e periódico) e a ação governamental por meio de institutos da democracia direta”.8 Tal concretude imprime

uma ideia de participação popular coletiva e organizada, em detrimento de uma participação considerada individualista e egoísta que não cumpre com os preceitos democráticos.

Bobbio9 alerta ainda sobre a existência dos mandatos imperativos que maculam o

sistema representativo de governo:

Para que a democracia fosse em sentido próprio representativa, era necessário que fosse excluído o mandato vinculatório do eleitor para com o eleito, característico do Estado de estamentos, no qual os estamentos, as corporações, os corpos coletivos transmitiam ao soberano, através de seus delegados, as suas reivindicações particulares.

Assim sendo, prevalece na democracia representativa o princípio da proibição do mandato imperativo ou vinculatório, isto é, o representante eleito deve, primeiramente, buscar os interesses gerais, ou seja, aquilo que for melhor para toda a sociedade e não os interesses particulares das classes sociais que o elegeram.

2.2.3Democracia Semidireta ou Participativa

A democracia participativa surge com a necessidade de uma maior participação do povo nas funções de governo, de forma a legitimar as ações políticas do Estado. Harmoniza-se, assim, a democracia representativa com alguns institutos que promovem a participação popular, institutos estes que integram a democracia participativa. São eles: o plebiscito, o referendo, a iniciativa popular, o veto popular, o recall, etc.

O plebiscito, também denominado referendo consultivo, consiste numa consulta prévia à opinião pública para que se decida pela adoção ou não de providências legislativas acerca de um assunto específico. O referendo, ao contrário do plebiscito, é uma consulta posterior à criação da norma legislativa ou do ato administrativo, ou seja, submete-se a lei já elaborada à vontade popular para que decidam sobre sua aprovação ou rejeição.

A iniciativa popular permite que o povo apresente projetos de lei ao Poder Legislativo a fim de serem apreciados e votados, devendo, para tanto, preencher determinados

8 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. São Paulo: Editora Malheiros,

2005. p. 137.

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requisitos previstos em lei. Com relação ao veto popular, é dado um prazo de sessenta a noventa dias, após a aprovação do projeto pelo Legislativo, para que a população também aprove a lei. No veto popular, há a possibilidade de suspensão da lei até as próximas eleições, quando então deverá o eleitorado decidir pela entrada em vigor da lei.

O recall é uma consulta pública sobre a manutenção ou a revogação do mandato

eletivo de algum governante. Neste caso, é possível que um número mínimo de eleitores, insatisfeitos com o comportamento de determinando representante do poder, determine sua remoção do cargo.

Por meio desses instrumentos de participação direta aliados ao sistema de representação, vislumbra-se cada vez mais próximo o projeto de concretização do legítimo conceito de democracia que almeja uma aproximação mais intensa com o povo.

2.2.4Democracia Delegativa

A democracia delegativa encontra receptáculo em países que sofrem profundas crises econômicas e sociais, herdadas de um passado autoritário e conturbado. O surgimento da democracia delegativa ocorre no período de transição de um governo autocrático para um regime democrático de governo. É fruto de uma tentativa frustrada de instauração da democracia representativa em países econômica e politicamente despreparados.

Apesar de consistir em uma democracia não institucionalizada, pode chegar a ser duradoura, sem avanços significativos em direção à implantação da democracia representativa. As dificuldades socioeconômicas e as fragilidades das instituições nos países de terceiro mundo favorecem a instalação do patrimonialismo e do clientelismo em detrimento das instituições tipicamente democráticas.

Conforme preleciona Guillermo O’Donnell10, as democracias delegativas se

fundamentam na seguinte premissa básica: quem ganha uma eleição presidencial é autorizado a governar o país como lhe parecer conveniente e, na medida em que as relações de poder existentes permitam, até o final de seu mandato. O que o presidente faz no governo não precisa guardar nenhuma semelhança com o que ele disse ou prometeu durante a campanha eleitoral, ou seja, ele foi autorizado a governar como achar conveniente. Diante disso, a democracia delegativa possui um processo eletivo fortemente majoritário: o voto de uma maioria autoriza alguém a se tornar, por um determinado número de anos, a encarnação e o

10 O’DONNELL, Guillermo. Democracia Delegativa? Revista Novos Estudos CEBRAP, n. 31, p. 25-40, out.

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intérprete dos altos interesses da nação. Frequentemente, as democracias delegativas usam artifícios como eleições em dois turnos: se as eleições não geram diretamente uma maioria, essa maioria tem de ser criada para sustentar o mito da delegação legítima.

O individualismo é característica marcante na democracia delegativa: pressupõe que o povo vota naquele candidato considerado mais adequado para governar o país, sem levar em consideração suas identidades ou filiações. A outra faceta do individualismo se consubstancia no isolamento político do presidente. Tal se concretiza com a tomada isolada de decisões do presidente, sem a participação dos membros do Congresso e dos partidos, ou de grupos de interesses populares. Assim, o presidente passa a ser o único destinatário dos elogios e/ou críticas advindas de suas deliberações políticas.

Além disso, o Congresso e o Poder Judiciário possuem seus papéis no processo de construção das decisões governamentais bastante reduzidos pelo Poder Executivo, que pretende concentrar grande parte das atribuições em suas mãos. Isso configura o fenômeno denominado de caudillismo.

O elemento da delegação, presente na democracia representativa e na delegativa, significa que o povo, mediante um procedimento próprio, elege alguém para falar por todos, se comprometendo a acatar o que o representante decidir em nome do interesse nacional.

A despeito da semelhança, a democracia delegativa não se confunde com a democracia representativa. Esta carrega consigo a ideia da obrigatoriedade de prestar contas (accountability) às outras instituições, como o Congresso e o Poder Judiciário, possibilitando

a responsabilização do representante pelos seus atos durante a gestão. Na democracia representativa, a tomada de decisão é lenta e gradual, pois os atos decisórios são minimamente analisados pelos outros poderes, autônomos e independentes. Dessa forma, as decisões são mais facilmente implementadas, tendo em vista a cooperação de todos para garantir a efetivação das mesmas. Guillermo O’Donnell11 novamente expõe:

Nas democracias consolidadas, a accountability opera não só, nem tanto, "verticalmente" em relação àqueles que elegeram o ocupante de um cargo público (exceto, retrospectivamente, na época das eleições), mas "horizontalmente", em relação a uma rede de poderes relativamente autônomos (isto é, outras instituições) que têm a capacidade de questionar, e eventualmente punir, maneiras "impróprias" de o ocupante do cargo em questão cumprir suas responsabilidades. Representação e

accountability, por sua vez, acarretam o que em trabalho anterior chamei de

dimensão republicana da democracia: uma cuidadosa distinção entre as esferas dos interesses públicos e privados dos ocupantes de cargos públicos.

Ao contrário, a democracia delegativa flexibiliza as hipóteses de

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responsabilização e da obrigatoriedade da prestação de contas pelo presidente. Além disso, o processo de elaboração das políticas públicas tende a ser mais rápido, mas à custa de possíveis erros grosseiros e implementação duvidosa das decisões políticas.

Esse é, portanto, o regime democrático predominante nos países da América Latina, nas Filipinas, na Coreia do Sul e em alguns países da Europa Central e Oriental.

2.2.5Poliarquia

Hodiernamente, nenhum sistema de governo é considerado plenamente democratizado. O processo de democratização ainda permanece em contínua atividade, mesmo nos países considerados de primeiro mundo, de tradição democrática.

Um aspecto importante e inerente à democratização é a oposição ou contestação pública. A contestação pública é a possibilidade que as pessoas insatisfeitas e os partidos de oposição têm de expressar suas opiniões contrárias e indignações às políticas adotadas pelo governo vigente. A concepção de uma poliarquia plena garante medidas eficientes de contestação pública, além de um elevado grau de inclusão.

O fenômeno da inclusão representa, sobretudo, o direito de participação, isto é, o sufrágio ao alcance de um número máximo de pessoas. A definição parcial de contestação pública e de participação está prescrita nos seguintes comportamentos: “oportunidades de exercer oposição ao governo, formar organizações políticas, manifestar-se sobre questões políticas sem temer represálias governamentais, ler e ouvir opiniões alternativas, votar secretamente em eleições em que candidatos de diferentes partidos disputam votos e depois das quais os candidatos derrotados entregam pacificamente os cargos ocupados aos vencedores etc.”12

É de notável compreensão que uma não pressupõe a existência da outra. Desse modo, é possível a existência de um governo em que o sufrágio é universal, portanto inclusivo (popularização), porém intolerante e fortemente repressivo no trato com as oposições, sem liberalizar, ou seja, sem oferecer espaço para os métodos de contestação pública. A recíproca também é verdadeira.

Ante a inteligível explanação supratranscrita, Robert Dahl13 conclui:

As poliarquias podem ser pensadas então como regimes relativamente (mas incompletamente) democratizados, ou, em outros termos, as poliarquias são regimes

12 DAHL, Robert A. Poliarquia: Participação e Oposição. 1. ed. 1. reimpr. São Paulo: Editora da Universidade

de São Paulo, 2005. p. 41.

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que foram substancialmente popularizados e liberalizados, isto é, fortemente inclusivos e amplamente abertos à contestação pública.

Dessa forma, a doutrina da poliarquia promove um aumento das oportunidades de efetiva participação e contestação, elevando-se, assim, o número de indivíduos e grupos que devem ser ouvidos durante a elaboração das decisões políticas. A consequência imediata desse aumento é a possibilidade de conflitos diretos entre governantes e opositores.

Sem embargos das semelhanças identificadas, poliarquia e democracia possuem conceitos distintos, que mais se aproxima de uma relação de gênero (democracia) e espécie (poliarquia). Dahl14 assim preceitua:

Alguns leitores certamente resistirão ao termo poliarquia como alternativa para a palavra democracia, mas é importante manter a distinção entre democracia como um sistema ideal e os arranjos institucionais que devem ser considerados como uma espécie de aproximação imperfeita de um ideal, e a experiência mostra, acredito, que, quando o mesmo termo é usado para ambos, intrometem-se, na análise, uma confusão desnecessária e discussões semânticas essencialmente irrelevantes.

Conclui Guillermo O’Donnell15:

A maioria dos países latino-americanos aos quais esses capítulos se referem são poliarquias. Ter alcançado essa condição é, na verdade, um progresso extremamente importante em relação à extrema arbitrariedade e violência dos sistemas autoritários que, na maioria dos casos, precedeu essas poliarquias. Nesse sentido específico, centrado no regime, não partilho a relutância de alguns de nossos autores em chamar esses casos de "democracias", embora eu prefira nomeá-los poliarquias, ou democracias políticas. Por outro lado, como esses mesmos autores deixam muito claro, a obtenção de uma democracia mais plena que inclua o governo democrático da lei é uma realização urgente e, nas circunstâncias detalhadas neste volume, distante. O fato de que as lutas visando essa meta podem se basear, como devem, nas liberdades políticas da poliarquia assinala o potencial desse tipo de regime, ainda que prejudicado por uma cidadania truncada e uma accountability fraca.

À vista disso, constata-se que a poliarquia se mantém um passo atrás da democracia. É um sistema de governo que aspira ao idealismo democrático na sua plenitude.

2.3 Construção Histórica da Democracia no Brasil

A eclosão do movimento democrático no Brasil deu-se ainda no Século XIX com as manifestações realizadas por parte das oligarquias provinciais a favor de uma maior autonomia política e administrativa. Os idealistas liberais, insatisfeitos com o governo, propunham eleições diretas, a autonomia do Poder Judiciário, a temporariedade do Senado, a

14 Ibid., p. 31 e 32.

15 O’DONNELL, Guillermo. Poliarquias e a (In)efetividade da Lei na América Latina. Revista Novos Estudos

CEBRAP, n. 51, p. 37-61, jul. 1998. Disponível em:

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neutralização do Poder Moderador, a abolição da escravidão, dentre outras reivindicações. No cenário internacional, mais precisamente na Europa Ocidental, as teorias do governo mistoe do governo parlamentarforam substituídas pelas teorias da democracia e do parlamentarismo. Na Inglaterra, passou a vigorar o parlamentarismo democrático, devendo a Coroa apenas reinar e não governar.

Foi então que, em 22 de junho de 1890, surgiu a Constituição Provisória que serviu de anteprojeto para os trabalhos da Constituinte republicana. Assim sendo, “a Constituição provisória representava uma tentativa consciente de, “sobre as mais amplas bases democráticas e liberais” – como constava de seu preâmbulo –, romper com a moldura intelectual francesa do pensamento brasileiro, substituindo a centralização pelo federalismo, o parlamentarismo pelo presidencialismo, a justiça administrativa pelo poder Judiciário autônomo, o Conselho de Estado e o Tribunal de Cassação por um Supremo Tribunal Federal e o poder Moderador, pelo controle normativo da constitucionalidade.“16

Em 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada a Constituição de 1891.

2.3.1Constituição de 1891

O embrião do sistema democrático no Brasil surgiu com a Constituição de 1891. Foi a primeira Constituição republicana. Também nela foi instituída, de forma inédita, a forma federativa de Estado. Teve fortes influências das Constituições dos Estados Unidos (democracia e presidencialismo norte-americano) e da França.

A participação popular, apesar de tímida, teve espaço com o sufrágio universal masculino, ou seja, somente os homens alfabetizados e maiores de 21 anos de idade podiam votar. Estavam excluídos os analfabetos, mulheres, militares e os menores de 21 anos.

Oliveira Vianna17 analisa a aplicabilidade da democracia americana à realidade

brasileira e conclui:

É claro que da Constituição de 1891, por ele elaborada e assim descentralizada, tinha que resultar o que resultou: as oligarquias. É certo que - com os olhos postos na democracia americana - vivemos a deblaterar contra elas; mas, sem grande justiça (...). Pode parecer paradoxo; mas, numa democracia como a nossa, elas têm sido a nossa salvação. O nosso grande problema, como já disse alhures, não é acabar com as oligarquias; é transformá-las - fazendo-as passarem da sua atual condição de

16 LYNCH, Christian Edward Cyril. A primeira encruzilhada da democracia brasileira: os casos de Rui Barbosa

e de Joaquim Nabuco. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 16, número suplementar, p. 113-125, ago. 2008. Disponível em: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/rsp/article/view/28194/18720>. Acesso em: 02 dez. 2015. p. 120.

17 VIANNA, Oliveira. Instituições Políticas Brasileiras. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, 1999.

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oligarquias broncas para uma nova condição - de oligarquias esclarecidas. Estas oligarquias esclarecidas seriam então, realmente, a expressão da única forma de democracia possível no Brasil; porque realizada na sua forma genuína, isto é, no sentido ateniense - do governo dos melhores.

Entretanto, foi instituída à época a democracia representativa que prevalece até hoje na Constituição de 1988.

2.3.2Constituição de 1934

A Constituição de 1934, produto da Revolução de 1930, foi pensada em meio às frequentes crises da República Velha e recebeu grande influência da Constituição de Weimar de 1919, compondo um Estado mais atuante no campo social e econômico. Estabeleceu o voto universal e secreto, assegurando às mulheres, pela primeira vez, o direito de participar das eleições. Durou brevemente.

2.3.3Constituição de 1937

Apelidada de “Polaca”, a Carta de 1937, fortemente influenciada pelo fascismo, instituiu o Estado Novo, sendo esta outorgada pelo presidente Getúlio Vargas, responsável pelo golpe de Estado de 1937.

O fortalecimento do Poder Executivo ocupou posição de destaque nessa constituição. Ao Presidente da República, autoridade suprema do Estado, foi atribuído o poder de legislar mediante decreto-lei, além de dissolver o Legislativo quando bem lhe conviesse.

Durante o regime ditatorial, o parlamento deixou de funcionar. Assim, o Presidente passou a desempenhar, por si só, as funções do Poder Legislativo. É notório o retrocesso do procedimento de democratização no país.

2.3.4Constituição de 1946

(28)

2.3.5 Constituição de 1967

A Constituição de 1967 resultou do golpe militar de 1964, adquirindo, por conseguinte, um viés autocrático. Foram dados amplos poderes ao Presidente, inclusive o de legislar por meio de decretos-leis.

Em 1969, foi editada a Emenda Constitucional nº 01 que pôs o Congresso Nacional em recesso e centralizou ainda mais o poder nas mãos do Executivo.

Ao final do século XX, sobrevieram diversas mudanças de cunho social, político e econômico que culminaram na exaustão do regime militar e no início do processo de redemocratização do país, com o objetivo de superar algumas dificuldades oriundas do antigo regime.

Assim sendo, em 05 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, vigente até hoje.

2.3.6 Constituição de 1988

A Constituição Federal de 1988, denominada de Constituição Cidadã, adotou os modelos de democracia direta e representativa, com tendência à democracia participativa, conforme o parágrafo único do art. 1º que dispõe ser do povo todo o poder emanado (soberania popular), exercendo-o por meio de representantes eleitos ou diretamente (participação popular).

Ainda segundo o art. 1º, a República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito que, no entendimento de José Afonso da Silva18, abre as

perspectivas de realização social profunda pela prática dos direitos sociais e pelo exercício dos instrumentos que oferece à cidadania e que possibilita concretizar as exigências de um Estado de justiça social, fundado na dignidade da pessoa humana.

O modelo democrático brasileiro objetiva, antes de tudo, a igualdade, devendo ser esta alcançada pela efetivação dos direitos sociais e pela universalização das prestações de políticas públicas garantidas no texto constitucional.

Jorge Miranda19 diferencia a titularidade do poder no Estado, exercido por órgãos

e agentes no desempenho das funções a ele imputadas, da titularidade do poder no povo, conjunto de cidadãos portadores legítimos dos direitos políticos:

18 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. São Paulo: Editora Malheiros,

2005. p. 120.

(29)

Para lá da criação do Estado, só deve falar-se em princípio democrático (distinto, por exemplo, do princípio monárquico) quando o povo é o titular do poder constituinte como poder de fazer, decretar, alterar a Constituição positiva do Estado. E só deve falar-se em governo democrático, soberania do povo, soberania nacional ou soberania popular, quando o povo tem meios actuais e efectivos de determinar ou influir nas directrizes políticas dos órgãos das várias funções estatais (legislativa, administrativa, etc.); ou seja, quando o povo é o titular (ou o titular último) dos poderes constituídos.

No Brasil, a Constituição de 1988 contemplou ambos os institutos: o princípio democrático (p. ex.: preâmbulo da CF/88 – Assembléia Nacional Constituinte) e o governo democrático (p. ex.: art. 14 da CF/88).

2.3.7 Análise da democracia representativa no Brasil

Não obstante a instituição da democracia representativa no Brasil ter representado um avanço considerável no processo de democratização, esta não logrou pleno êxito quando aplicada à realidade brasileira com base nos conceitos e mecanismos extraídos do processo de democratização oriundo dos países colonizadores. A atuação política dos representantes eleitos nem sempre convergem com os verdadeiros interesses do povo brasileiro, de forma a supervalorizar seus interesses pessoais em detrimento do interesse público, além de excluir minorias sem expressiva representatividade no Congresso Nacional.

Em consonância com o exposto acima, José Afonso da Silva20 afirma:

O regime representativo, no Estado burguês, procura resolver o conflito de interesses sociais por decisões da maioria parlamentar. Maioria que nem sempre exprime a representação da maioria do povo, porque o sistema eleitoral opõe grandes obstáculos a parcela ponderável da população, quanto ao direito de voto, para a composição das Câmaras Legislativas. Daí decorre que a legislação nem sempre reflete aquilo a que a maioria do povo aspira, mas, ao contrário, em grande parte, busca sustentar os interesses da classe que domina o poder e que, às vezes, está em contraste com os interesses gerais da Nação. As classes dirigentes, embora constituindo concretamente uma minoria, conseguem, pelo sistema eleitoral, impedir a representação, nos Parlamentos, da maioria do povo, razão por que, fazendo a maioria parlamentar, obtém uma legislação favorável.

Isto ocorre porque alguns traços típicos do nosso processo de colonização ainda permanecem atuantes nos dias atuais, tais como: o coronelismo, o clientelismo, a propriedade rural latifundiária concentrada nas mãos de poucos, o patrimonialismo, a escravidão, as fraudes no sistema eleitoral, a intolerância política e religiosa, etc. Tudo isso justifica a falta de credibilidade dos brasileiros nos representantes por eles eleitos.

20 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. São Paulo: Editora Malheiros,

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O paternalismo, herança da monarquia portuguesa, ainda possui profundas raízes na sociedade brasileira contemporânea. Consiste, essencialmente, na troca de fidelidade e serviços. O patrão, um membro da elite local, protege os interesses de seus empregados, arrendatários e seguidores, de forma a personalizar e particularizar as relações legais para as classes mais baixas. O patrão, em última análise, é o Governo.21

Oliveira Vianna22 elenca outras causas de cunho histórico-social que levaram à

construção da democracia brasileira que se apresenta hoje, quais sejam: o sistema de aforamento e colonato, dominante desde o primeiro século colonial; a inexistência de um regime generalizado de pequena propriedade; e a carência absoluta de instituições de solidariedade social no seio da nossa população em geral.

Por conseguinte, clama-se pela superação da ideia de uma democracia meramente representativa, na qual o povo apenas escolhe os representantes que tomarão as decisões em seu nome. Ao invés, tem-se a inserção de mecanismos de participação direta do povo nos assuntos de cunho político. Surge, assim, a necessidade de uma readequação do modelo democrático imposto no Brasil para que se torne possível atender aos anseios populares, respeitar o pluralismo e contemplar todos os grupos de indivíduos nas políticas públicas elaboradas pelo governo, sempre levando em consideração a formação da cultura brasileira, a trajetória histórico-política e as peculiaridades socioeconômicas do país.

Desse modo, busca-se um ideal democrático ajustável à realidade do povo para o qual se destina, sem a necessidade de adotar conceitos e paradigmas externos que não possuem compatibilidade alguma com a identidade do povo brasileiro. Esse ideal democrático consubstancia-se, portanto, na concretização de uma democracia participativa dentro da ordem jurídica brasileira.

2.3.8 A democracia participativa aplicada à realidade brasileira

A Constituição Federal de 1988, no seu art. 14, estabelece os mecanismos de exercício da soberania popular, preconizando que a vontade popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor para todos, bem como, nos termos da lei, mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular.

21 ROSENN, Keith S. O Jeito na Cultura Jurídica Brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 51 e 52. 22 VIANNA, Oliveira. Instituições Políticas Brasileiras. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, 1999.

(31)

Os instrumentos de participação popular possuem grande relevância no ordenamento jurídico (status constitucional e regulamentação na Lei nº 9.709/98), porém

pouca efetividade na realidade brasileira, sendo pouco utilizados na prática.

A Constituição de 1988, no art. 2º do ADCT, estabeleceu a realização de um plebiscito para que os eleitores votassem na forma (república ou monarquia constitucional) e no sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que deveria vigorar no país. A consulta popular foi realizada em 21 de abril de 1993 e o povo escolheu a república e o presidencialismo.

Além desse, foram realizados, em 11 de dezembro de 2011, outros plebiscitos no Estado do Pará que consultavam a população sobre a possibilidade de desmembramento do respectivo Estado e a consequente criação de mais dois estados nessa região – Carajás e Tapajós. O resultado foi negativo para o desmembramento.

Quanto ao referendo, desde a entrada em vigor da Constituição de 1988, somente foi utilizado uma única vez para decidir sobre a proibição ou não da comercialização de armas de fogo e munições. O Estatuto do Desarmamento possuía uma cláusula determinando a realização do respectivo referendo sobre a liberação da compra de armas. Após a aprovação pelo Congresso Nacional, este foi então realizado em 2005. A maioria do eleitorado optou por não permitir a mencionada comercialização.

Os requisitos para a iniciativa popular encontram-se previstos na própria Constituição, no art. 61, § 2º, que dispõe o seguinte: a iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.

Não obstante a clareza das formalidades impostas para a criação de lei por iniciativa popular, o atendimento a todas elas, por si só, já representa um obstáculo a ser ultrapassado. A rigidez e a complexidade dos quesitos estão na contramão dos ideais democráticos compartilhados ao longo do texto constitucional, gerando intensa desmotivação quanto à utilização deste instituto considerado de imensurável importância para a soberania popular.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 244 – RJ23, elencou outras

modalidades de participação popular na Administração Pública listadas na Constituição da

23 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 244/RJ. Relator: Min. Sepúlveda

(32)

República, quais sejam: art. 5º, XXXVIII (instituição do Tribunal do Júri) e LXXIII (ação popular); art. 29, XII (cooperação das associações representativas no planejamento municipal) e XIII (iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do Município, da cidade ou de bairros); art. 37, §3º (previsão de lei disciplinante das formas de participação dos usuários dos serviços públicos na administração pública direta e indireta); art. 74, §2º (legitimidade de qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato para denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União); art. 187 (a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes na política agrícola); art. 194, parág. único, VII (princípio do caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados competentes para auxiliar na organização da seguridade social); art. 204, II (participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações governamentais na área da assistência social); art. 206, VI (princípio da gestão democrática do ensino público); art. 224 (instituição do Conselho de Comunicação Social).

Apesar dos diversos dispositivos legais vigentes que instrumentaliza a participação do povo, a construção de uma democracia participativa no país acontece a passos lentos, na medida em que não há interesse político em efetivá-los ou, se há interesse, este se encontra relegado ao segundo plano.

A concretização deficiente e/ou a ineficácia significativa desses dispositivos enfraquece a soberania popular e, consequentemente, a própria democracia, transformando a Constituição Federal em um mero pedaço de papel, desprovida de força vinculante e composta por um conjunto de normas programáticas sem qualquer eficácia.

(33)

3 A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE DO CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE BRASILEIRO

Hipoteticamente, o controle judicial de constitucionalidade das leis propõe o que, em tese, pode parecer bastante antidemocrático: os membros do Tribunal (ocupantes de cargos não eletivos) possuem o condão de invalidar determinada lei (decisão política tomada pelo legislador representativo) em prol da manutenção da unidade e da harmonia que deve viger no ordenamento jurídico-constitucional.

Ante o conceito clássico de democracia, representado pela premissa segundo a qual numa democracia “as questões relevantes para o povo devem ser decididas em conjunto, respeitando a vontade da maioria”, esse sistema judicial de controle de constitucionalidade não seria democraticamente admissível, haja vista as decisões serem proferidas por um grupo seleto de magistrados que comumente julgam sem atentar para os anseios populares e sem se valer do imprescindível auxílio técnico de profissionais de outras áreas que possa contribuir para solucionar os impasses apresentados.

A decisão definitiva pela (in)constitucionalidade das leis e atos normativos não deveria configurar um monopólio exclusivo de advogados e juízes. Idealiza-se uma maior democratização do debate constitucional mediante a colaboração de especialistas de outros ramos do conhecimento, não reduzindo o debate apenas ao que os operadores do Direito pensam sobre o assunto em questão. Outras implicações que advêm dessa democratização é a utilização de uma linguagem constitucional mais acessível aos destinatários das decisões judiciais, sem formalismos excessivos, e uma interpretação mais autêntica dos dispositivos constitucionais que registre os legítimos valores professados pela sociedade brasileira na atualidade.

Um dos pontos que comprova a evolução do processo democrático no Poder Judiciário é a obrigatoriedade da publicação e da fundamentação de todas as decisões proferidas pelos órgãos judiciários previstas no art. 93, inciso IX, da CF/88. É por meio dessa publicidade que a população pode, de alguma forma, controlar a atuação dos juízes que devem demonstrar razões plausíveis para o decisum, através de argumentos que possam ser

(34)

John Ferejohn e Pasquale Pasquino 24 apresentam os dois aspectos da

fundamentação. O primeiro pode ser definido como democrático, pois os juízes não foram eleitos e os argumentos sustentados em suas decisões – especialmente quando se trata de argumentos que se fundamentam em atos concretos de instituições que tenham sido eleitas – podem prover uma justificativa indiretamente democrática para os atos públicos. E mesmo quando não se consegue traçar o vínculo entre as deliberações jurídicas e os atos legislativos, se estas estão enraizadas em princípios morais e constitucionais que fundamentam o regime democrático ou que são pressupostos democraticamente pela população, a argumentação jurídica pode ser compreendida como democrática, de modo indireto ou transitivo. Os votos e a decisão judicial são, nesse sentido, o desdobramento dos princípios democráticos sob novas circunstâncias e particularidades de casos específicos. O segundo aspecto que torna a fundamentação importante para a autoridade judicial é o fato de que os argumentos jurídicos possibilitam a outros – representantes, outros juízes, cidadãos comuns, etc. – que antecipem as implicações de uma decisão atual para os casos futuros. A fundamentação da decisão, nesse sentido, potencializa a eficiência, pois os seus efeitos visam mais uniformizar e a predizer do que justificar a decisão. Assim, a fundamentação possibilita aos outros que escolham inteligentemente as ações a serem impetradas, conhecendo, de antemão, as prováveis consequências e ajuda a aperfeiçoar a norma ou a lei à luz da experiência. A fundamentação, nesse segundo sentido, tem como finalidade a eficiência.

O Novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/15) elencou no parágrafo primeiro do art. 489 todas as ocasiões em que uma decisão judicial não é considerada fundamentada, são elas: se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

24 FEREJOHN, John; PASQUINO, Pasquale. Tribunais Constitucionais como Instituições Deliberativas. In:

(35)

Essa inovação legislativa possui grande relevância para o ordenamento jurídico brasileiro, na medida em que exclui do conceito prático de fundamentação aquelas decisões de conteúdo vago, impreciso e indeterminado. Por esse motivo, acredita-se que a democracia foi fortalecida com a inclusão desse dispositivo legal.

Não obstante a imposição da publicação e fundamentação das decisões judiciais, o sistema de tomada de decisões (em especial aquelas proferidas em sede de controle abstrato de constitucionalidade) permanece ainda bastante fechado para as reivindicações populares. Se, em última instância, a palavra final cabe ao Judiciário, nada mais adequado que os membros deste dialogue com os destinatários das suas decisões.

Mais uma vez, John Ferejohn e Pasquale Pasquino25 apontam algumas

particularidades próprias dos sistemas de controle de constitucionalidade kelsenianos, sistema este que deu origem ao controle concentrado de constitucionalidade no Brasil e na Europa:

Nos sistemas kelsenianos ou nos sistemas pós-autoritários, as cortes tipicamente deliberam em segredo e raramente realizam uma audiência pública, as decisões proferidas representam a corte como um todo e não se registram os votos. Poucos destes sistemas permitem que se publiquem os votos dissidentes. (...). Todas essas cortes são internamente deliberativas no sentido de que grande parte de seu trabalho é feito em sessões do colegiado com encontros nos quais os juízes encontram-se presentes e visam de fato persuadir-se mutuamente e chegar a uma decisão que tenha sido coletivamente argumentada. (...)

Esse método fechado de julgamento constitucional deve ser amplamente superado para dar espaço a um método mais aberto, democratizado, no qual a corte constitucional dá início ao diálogo com diferentes órgãos e entidades representantes da sociedade civil e especialistas no assunto em discussão, além de fundamentar de forma coerente e publicar todas as decisões judiciais proferidas com os seus respectivos votos dissidentes.

3.1 Jurisdição constitucional e a dificuldade contramajoritária

Inicialmente, a jurisdição constitucional “compreende o poder exercido por juízes e tribunais na aplicação direta da Constituição, no desempenho do controle de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público em geral e na interpretação do ordenamento infraconstitucional conforme a Constituição”26. Ocorre que, devido a alguns

fatores político-sociais, o Poder Judiciário passou a se exceder no cumprimento de suas funções típicas, ultrapassando a tênue linha que o separa dos outros poderes.

25 Ibid., p. 59 e 60.

(36)

Foi a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 que houve a incidência do fenômeno da judicialização no Brasil. A ascensão institucional do Judiciário, principalmente depois da Emenda Constitucional n. 45/2004; o aumento da demanda por justiça; a desilusão com a política, em razão da crise da representatividade e da funcionalidade dos parlamentos; a constitucionalização abrangente e analítica de diversas questões de cunho estritamente político; e o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro adotado são as principais causas para a judicialização de questões políticas, sociais e econômicas.

A ascensão institucional do Poder Judiciário decorreu do resgate das liberdades democráticas e das garantias da magistratura, permitindo, desse modo, que os juízes e tribunais desempenhem também um papel político na sociedade brasileira. A certeza do cumprimento das decisões judiciais traz também uma segurança para aqueles que levam suas pretensões a juízo.

É cediço destacar o significativo aumento das demandas que são levadas aos magistrados nos dias atuais. Isso se deu, em primeiro lugar, pelo fortalecimento da cidadania e pela conscientização das pessoas em relação aos próprios direitos. Além desses, a criação de novos direitos pela Carta Magna de 1988 e a ampliação da legitimação ativa para a tutela de interesses próprios e coletivos também colaboraram para o incremento das demandas judiciais.

Cada vez mais, percebe-se uma clara insatisfação da sociedade brasileira com os parlamentares. Poucos são aqueles que, de fato, exercem seu munus publico atentando aos

interesses da população que os elegeram. Conforme visto anteriormente, a democracia representativa apoia-se em lânguidos alicerces, cedendo lugar a uma democracia em que o povo pode falar por si só, sem a intermediação do discurso deturpado dos representantes. Tendo em vista essa crise de representatividade e de funcionalidade dos parlamentos, a população passa a enxergar no Poder Judiciário uma verdadeira rota de fuga para a concreta efetivação de seus direitos.

Segundo Luís Roberto Barroso27, a constitucionalização expressa a irradiação dos

valores constitucionais pelo sistema jurídico que se dá por meio do amplo exercício da jurisdição constitucional. Resulta, assim, na aplicabilidade direta e imediata da Constituição a determinadas situações, na declaração de inconstitucionalidade de normas com ela incompatíveis e na interpretação das normas infraconstitucionais conforme a Constituição. Enfim, “constitucionalizar é, em última análise, retirar um tema do debate político e trazê-lo

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para o universo das pretensões judicializáveis”28.

O modelo de controle de constitucionalidade instaurado no Brasil é misto, isto é, combina o controle difuso de constitucionalidade, de origem americana – em que todo juiz ou tribunal pode pronunciar a invalidade de uma norma no caso concreto – e o controle abstrato de constitucionalidade, de origem austríaca, em que apenas um único órgão, a Corte Constitucional, é legitimado para pronunciar a (in)constitucionalidade da norma. Assim sendo, há um número maior de instrumentos processuais (ações diretas) que favorece a judicialização das relações sociais e da política.

Em um sistema democrático de governo, a lei expedida pelo Parlamento é considerada majoritária por excelência. Por conseguinte, a invalidação dessas leis por órgãos e agentes públicos não eleitos e irresponsáveis perante o eleitorado evidencia um papel contramajoritário. Conceitua-se a dificuldade contramajoritária como sendo a possibilidade dos juízes e membros de tribunais sobreporem suas decisões às dos agentes políticos eleitos, desempenhando, por sua vez, uma função inequivocamente política.

Luís Roberto Barroso aponta três críticas à expansão da intervenção judicial no Brasil: a crítica político-ideológica, a crítica quanto à capacidade institucional e a crítica quanto à limitação do debate.

A primeira delas de cunho político-ideológico questiona a legitimidade democrática e a eficiência na proteção dos direitos fundamentais. Imputa ao Judiciário a imagem de uma instância tradicionalmente conservadora das distribuições de poder e de riqueza na sociedade.

A crítica quanto à capacidade institucional apoia a limitação da ingerência judicial sustentada em duas ideias: a de capacidade institucional e a de efeitos sistêmicos. A capacidade institucional envolve a determinação de qual poder está mais habilitado a produzir a melhor decisão em certa matéria. Dessa forma, demandas que envolvam aspectos técnicos ou científicos de grande complexidade requerem mais cautela durante o julgamento, haja vista que o magistrado na grande maioria das vezes não possui o conhecimento técnico necessário para a melhor resolução do caso. Os efeitos sistêmicos também podem ser bastante sentidos, pois os juízes são preparados para realizar a justiça do caso concreto, muitas vezes sem levar em conta o impacto de suas decisões sobre um determinado segmento econômico ou sobre a prestação de um serviço público.

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Tabela 2 – Audiências públicas realizadas no âmbito do Supremo Tribunal Federal    Audiências Públicas  Convocadas pelo (a)  Datas Designadas  Pesquisas com

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