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4 ANÁLISE DO CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE NO

5.2 A Figura do Amicus Curiae

5.2.1 Legislação e conceituação

Amicus Curiae, nos termos do Glossário Jurídico do Supremo Tribunal Federal, é uma espécie de “intervenção assistencial em processos de controle de constitucionalidade por parte de entidades que tenham representatividade adequada para se manifestar nos autos sobre questão de direito pertinente à controvérsia constitucional. Não são partes dos processos; atuam apenas como interessados na causa.”61

Damares Medina62 conceitua da seguinte maneira:

O amicus curiae é um terceiro que intervém em um processo, do qual ele não é parte, para oferecer à Corte sua perspectiva acerca da questão constitucional controvertida, informações técnicas acerca de questões complexas cujo domínio ultrapasse o campo legal ou, ainda, defender os interesses dos grupos por ele representados, no caso de serem, direta ou indiretamente, afetados pela decisão a ser tomada.

São pessoas (físicas ou jurídicas), ou até mesmo entes despersonalizados, interessados no processo que, possuindo representatividade suficiente, manifestam-se sobre o tema sub judice, possibilitando que os julgadores profiram um voto com respaldo técnico adequado para a resolução da questão constitucional apresentada.

Medina novamente expõe que o amicus curiae pode intervir para oferecer informações técnicas especializadas (expertise), hipótese na qual a intervenção pode assumir um caráter mais neutro, ou quando possui interesse particular no resultado ou no direito a ser declarado (repercussão/relevância). Nesses dois últimos casos o amicus assumirá uma postura mais ativa, na defesa dos interesses do grupo que representa. Portanto, a intervenção do amicus curiae não apresenta, a priori, um conteúdo neutro ou parcial diretamente relacionado com o interesse que representa em juízo, sendo que esse viés será determinado pelo conteúdo das informações por ele oferecidas.63

61 Ver definição de amicus curiae: http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=A&id=533. 62 MEDINA, Damares. Amigo da corte ou amigo da parte? Amicus curiae no Supremo Tribunal Federal.

Brasília, 2008, 214 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Instituto Brasiliense de Direito Público. p. 12.

Há clara divergência doutrinária sobre o caráter da atuação do amicus curiae no Brasil: se é neutro, cumprindo o seu papel de defender o interesse público, ou partidário, voltado para os seus interesses particulares, atuando em prol do posicionamento adotado por uma das partes litigantes.

De acordo com os acurados estudos realizados por Medina, a tese da imparcialidade dos amici curiae não encontra respaldo tangível na esfera do STF, prevalecendo, assim, o fenômeno da polarização da atuação dos amici. Esse perfil partidário e contencioso não desnatura a intervenção do amicus curiae nos processos, pois é perfeitamente possível que este contribua com informações importantes para a tomada de decisão.

Ainda em conformidade com esses estudos de Medina64,

No Supremo Tribunal Federal o amicus curiae é usado preponderantemente por associações e entidades sindicais que buscam intervir em processos do modelo concentrado de controle de constitucionalidade ou naqueles, do modelo incidental, aos quais foi atribuída repercussão geral ou cujas decisões terão repercussão direta ou indireta nos interesses dos grupos representados pelos amici. O crescente uso do

amicus curiae nos últimos anos deve continuar e se ampliar no futuro.

Os amici curiae são, via de regra, as associações e entidades sindicais que não possuem legitimidade ativa para ingressar com as ações de controle concreto de constitucionalidade. Grande parte dessas associações e entidades representam os interesses particulares de uma categoria específica que provavelmente será afetada pela decisão judicial. Dessa maneira, o instituto do amicus curiae serve como uma alternativa para que estes sujeitos não sejam excluídos das discussões e debates realizados.

A Lei n. 9.868/99 disciplina a atuação do amicus curiae nos arts. 7º, §2º e 20, §1º em sede de ADI e ADC, respectivamente. Assim, observados os requisitos de relevância da matéria e de representatividade dos postulantes, o relator poderá, por despacho irrecorrível, admitir a manifestação de outros órgãos ou entidades. Em relação à ADPF, o art. 6º, §2º da Lei n. 9.882/99 foi mais além e autorizou o relator a diligenciar sustentação oral e juntada de memoriais a requerimento dos interessados no processo. Quanto à irrecorribilidade da decisão, isso se aplica somente ao despacho que admitir o requerimento do amicus curiae. Em caso de decisão que indefira a manifestação do amicus, caberá contra esta o recurso de agravo regimental.

É bem verdade que nas ações de controle abstrato de constitucionalidade não se admite a intervenção de terceiros, conforme reza o art. 7º e art. 18 da Lei n. 9.868/99. Essa vedação é pertinente, uma vez que nos processos de controle abstrato não há partes e, portanto,

não há pretensão resistida. Nestes casos, há uma análise objetiva da lei ou ato normativo, o que se julga é a (in)conformidade da norma impugnada frente à Constituição Federal. Os tipos de intervenção de terceiros são típicos de processos subjetivos, não se enquadrando no caso em tela. Resta salientar ainda, tal vedação também se aplica para as arguições de descumprimento de preceito fundamental.

Não há um dispositivo legal que indique o momento exato para que ocorra a intervenção do amicus curiae. Sendo assim, esta poderá ocorrer a qualquer tempo, desde que ainda seja possível e útil a sua manifestação no autos do processo. Os ministros do STF, via de regra, costumam aceitar o pedido de intervenção dentro do prazo para fornecimento das informações (fase instrutória). Entretanto, é possível a admissão do amicus curiae fora desse prazo, desde que se comprove a notória contribuição da manifestação deste para a causa ou, ainda, diante da relevância do caso concreto.

Dentre as atribuições, o STF decidiu, em Questão de Ordem na ADI 2.777-SP, que os entes aceitos como amicus curiae podem realizar sustentação oral65, viabilizando a

apresentação de novos argumentos e diferentes alternativas de interpretação da Constituição. Este possui ainda a incumbência de propor requisição de informações adicionais, de designação de peritos e de convocação de audiências públicas, juntar documentos, emitir pareceres e memoriais, de forma a auxiliar a corte a encontrar soluções de acordo com os aspectos técnicos incidentes no caso em tela. No entendimento do STF, “o amicus curiae, não obstante o inquestionável relevo de sua participação, como terceiro interveniente, no processo de fiscalização normativa abstrata, não dispõe de poderes processuais que, inerentes às partes, viabilizem o exercício de determinadas prerrogativas que se mostram unicamente acessíveis às próprias partes, como por exemplo o poder que assiste ao autor (e não ao amicus curiae) de recorrer”66.

Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá67 classifica a natureza do amicus curiae em

duas vertentes, de acordo com a forma de manifestação no processo:

65 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Questão de Ordem em Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.777/SP.

Relator: Min. Cezar Peluso. Data de Publicação: 26/11/2003. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=2777&classe=ADI&codigoClasse=0 &origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em: 04 dez. 2015.

66 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental no Recurso Extraordinário 597.165-AgR/DF. 2ª

Turma. Relator: Min. Celso de Mello. Data da Publicação: 09/12/14. Brasília, DF. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25336427/agreg-no-recurso-extraordinario-re-597165-df-stf/inteiro- teor-157520698>. Acesso em: 04 dez. 2015.

67 DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues apud AMORIM, Filipo Bruno Silva. O amicus curiae e a objetivação

Em brevíssima conclusão, e afora as demais adotadas no corpo deste trabalho, podemos afirmar que o instituto do amicus curiae no direito brasileiro pode ser visualizado, basicamente, a partir de dois ângulos, tomadas as diversas previsões legais que tratam do tema: manifestação por iniciativa do juiz e intervenção voluntária.

Por essa razão, ou seja, pelo fato de o instituto englobar distintos fenômenos, não é errado atribuir ao amicus curiae a natureza de auxiliar do juízo e de terceiro interveniente, desde que a hipótese referida seja indicada. Isto é, caso se trate de hipótese de manifestação por iniciativa do juiz não há equívoco em denominar esse terceiro de amicus curiae, desde que se reconheça que a função exercida, nessa hipótese, seja de uma espécie de auxiliar do juízo. Caso se trate de intervenção voluntária, estaremos sempre diante de hipóteses de intervenção de terceiros, nas quais o amicus curiae desenvolve papel diferente do que na situação anterior, podendo exercer faculdades processuais que ao mero auxiliar do juízo são vedadas.

Mônia Leal e Rosana Maas68 apresentam uma classificação diferente para o

instituto do amicus curiae:

Com esses dados, propõe-se uma nova classificação do amicus curiae, no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade, não por forma de intervenção, mas, sim, por critério de finalidade e de natureza da intervenção, em que há um amicus curiae gênero, ou seja, elemento comum de informação do juízo, que se divide em outras duas espécies: amicus curiae em sentido estrito, como refere o artigo 7º, §2º, da Lei 9.868/99 (que permite a manifestação voluntária do instituto na Ação Direta de Inconstitucionalidade e na Ação Declaratória de Constitucionalidade), ao intervir na demanda, proporciona a pluralização do debate, trazendo ao órgão julgador mais pontos de vista e condições para o julgamento; e amicus curiae, em sentido lato, compreende as demais formas de intervenção dessa figura no controle concentrado de constitucionalidade, como indicam os artigos 9º, §1º, e 20, §1º, da Lei 9.868/9918 (artigos que possuem o mesmo teor e constituem forma de intervenção do instituto por iniciativa do relator na Ação Direta de Inconstitucionalidade e na Ação Declaratória de Constitucionalidade, respectivamente), e do artigo 6º, §§ 1º e 2º, da Lei 9.882/9919 (artigo que permite a intervenção do instituto por iniciativa do relator e, voluntariamente, na Arguição de Descumprimento Preceito Fundamental). Esses artigos trazem elementos técnicos e informativos ao processo: as informações adicionais apresentadas por requisição do relator; a audiência pública com a oitiva de pessoas com experiência e autoridade na matéria; e a realização de sustentação oral e juntada de memoriais, por requerimento dos interessados, no processo, autorizadas a critério do relator.

Ante o exposto, depreende-se que a oitiva de especialistas nas audiências públicas é considerado um método de intervenção de terceiros na condição de amicus curiae em sentido lato.

Del Prá69 explica que essa intervenção não se confunde com a perícia ou com a

produção de prova testemunhal, pois o “amigo da corte” pode ser uma pessoa física, um grupo

68 HENNIG LEAL, Mônia Clarissa; MAAS, Rosana Helena. Audiência pública realizada pelo Supremo

Tribunal Federal sobre a lei de biossegurança como forma de ocorrência da figura do amicus curiae. Revista de

Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), vol. 2 (I), p. 40-49, jan.-jun, 2010.

Disponível em: <http://revistas.unisinos.br/index.php/RECHTD/article/view/4774>. Acesso em: 02 dez. 2015. p. 46.

69 DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues apud HENNIG LEAL, Mônia Clarissa; MAAS, Rosana Helena.

Audiência pública realizada pelo Supremo Tribunal Federal sobre a lei de biossegurança como forma de ocorrência da figura do amicus curiae. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do

Direito (RECHTD), vol. 2 (I), p. 40-49, jan.-jun, 2010. Disponível em:

de pessoas, uma pessoa jurídica ou até um ente despersonalizado. Além disso, o conteúdo da manifestação do amicus curiae não se restringe a matérias de fato, podendo envolver-se em questões judiciais, diferentemente da figura do perito e da testemunha. Ainda, diferencia-se o instituto do amicus curiae do perito ou da comissão de peritos, pois o amicus curiae não tem direito a honorários e não pode ser contraditado; sua participação não é submetida aos casos de vedação de suspeição ou impedimento. Por fim, a figura do amicus curiae não depende de regras específicas daquelas figuras, não se aplicando o regime jurídico das mesmas.

Conforme se percebe, a questão da natureza jurídica do amicus curiae é um tema ainda bastante controverso entre os doutrinadores.